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quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24530: Efemérides (404): Foi há 60 anos que o padre missionário italiano Antonio Grillo (1925-2014), do PIME, foi preso (em 23/2/1963), "sob a acusação de atividades subversivas", e depois expulso de Portugal (libertado, em 4/6/1963, em homenagem ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 23 de fevereiro de 2008 > Visita a Bambadin5ca > Pe. Antonio Grillo com o tradicional barrete balanta




Guiné > Zona leste < Setor L1 (Bambadinca)  Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro referido por A. M. Sucena Rodrigues (1951-2018) ( no poste P14055).  Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo esse guerrilheiro, foi erigida antes da guerra [nos anos 50], por um tal missionário que lá viveu e que ele chamava padre António [Grillo, acrescentamos nós]. (Foto do álbum do A. M. Sucena Rodrigues,  ex-fur mil da CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74).

Foto (e legenda): © A. M. Sucena Rodrigues  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem cvomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carta manuscrita, enviada pelo Padre António Grillo ao Amílocar Cabral, datada de Acerenza (Potenza, Itália), 20 de julho de 1963. Foi recebida em 5 de agosto de 1963.

Citação:
(1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36402 (2023-8-2)

Transcrição da carta manuscrita (revisão / fixação de texto: LG)

20-VII-63 

Exmo. Sr. Engenheiro Cabral:  Também jornais africanos têm publicado [a notícia de ] a minha prisão. Penso que o senhor [estará ] bem imformado do meu caso do qual lhe falarei com pormenores quendo o senhor me [anviar] o seu endereço.

Mais dois padres italianos foram expulsos mas somente eu passei [pelas ] prisões de Bissau e de Lisboa. Agora me encontro em Itália.

Não calhará ao senhor de vir  [a] Itália ? Saiba qeu estou aqui e me faria uma grande prazer avisar-me da sua vinda.

Cumprimentos e desejo [de sucessos ] para o seu partido. Padre António Grillo, Itália - (Potenza) Acerenza.



Carta (datilografada) do Padre Antonio Grillo, dirigida ao Secretário Geral do PAIGC, engº Amílcar Cabral, com data de 18 de outubro d3 1970. Cabarl responde-lhe de imediato, a 27 desse mês e ano.

Citação:

(1970), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34635 (2023-8-2)

Citação:
(1970), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34633 (2023-8-2)

Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares | Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


1. Alguns dos missionários italianos do PIME - Pontifício Instituto para as Missões Exteriores, no território da Guiné,   tiveram problemas com as "autoridades portuguesas" durante a guerra colonial: o primeiro caso terá sido  o padre Antonio Grillo (1925-2014), que esteve na missão católica de Bambadinca e que era particularmente acarinhado pelos balantas de Samba Silate, uma enorme tabanca, com quase duas mil almas, que terá sido destruídas pelas NT no princípio da guerra, no subsetor do Xime, obrigando a população a procurar refúgio noutras zonas (e nomeadamente ao longo da margem direita do rio Corubal, entre a Ponta do Inglês e a mata do Fiofioli) (segundo a versão do nosso camarada Alberto Nascimento, contemporâneo e testemunha dos acontecimentos, ex-sold cond auto, CCAÇ 84,  1961/63).


Recorde-se: 

(i) chegou à Guiné no início da década de 1950, integrado no PIME, na mnissão católica de Bambadinca;

(ii) foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE, a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas; 

(iii) esteve preso em Bissau e depois em Lisboa;

(iv) acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem, de Portugal, ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro;

(v) com a independência da Guiné-Bissau, o padre Grillo voltou  a Bambadinca, onde trabalhou, de 1975 a 1986, associado ao PIME, regressando depois à Itália;

(vi) visitou Bambadinca em 2010, quatro anos antes de morrer;

(vii) foi dado o seu nome ao liceu de Bambadinca, criado em 2008, numa iniciativa conjunta da comunidade local, da Missão Católica de Bafatá e do Ministério da Educação, e com o apoio de benfeitores portugueses e italianos.


2. No Arquivo Amílcar Cabral, há pelo menos duas cartas do padre Antonio Grillo, dirigidas ao secretário-geral do PAIGC,  que reproduzimos acima, datadas respetivamente de 20/7/1963 (manuscrita) e de 18/10/1970 (datilografada), a par de uma outra, de resposta,  do Amílcar Cabral  (datilografada, com data de 27/10/1970).

Na segunda carta, Grillo faz alusão  ao encontro de Amílcar Cabral com o Papa Paulo VI (no Vaticano, em 1 de julho de 1970) e evoca, com saudade, os "meus balantas",  de Samba Silate, Enxalé, Bambadinca ("de cuja missão fui afastado à força"), Finete, Ponta do Inglès, Ponta Luís Dias, Nhabijões ou Nha Bidjon, etc. (provavelmente também Mero, Santa Helena, Fá Balanta...).
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Notas do editor:

Último poste da série > 2 de agosto de 2023 > Guiné 51/74 - P24528: Efemérides (403): Foi há 53 anos, em 1 de julho de 1970, que o papa Paulo VI teve um breve encontro, "no final da audiência geral semanal", com Agostinho Neto (MPLA), Amílcar Cabral (PAIGC) e Marcelino dos Santos (FRELIMO)... A notícia só foi dada no dia 5, na imprensa portuguesa, e originou uma dura nota de protesto do governo de Marcello Caetano que "chama a Lisboa o seu embaixador, um gesto diplomático de forte desagrado, geralmente antecedendo o corte de relações diplomáticas".

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19064: In Memoriam (327): António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018): até sempre, camarada ! (António Duarte, Jorge Araújo, Luís Graça)


Leiria > Monte Real > Palace Hotel de Monte Real > XII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 29 de abril de 2017 > Dois camaradas da 3.ª geração de graduados, metropolitanos, da CCAÇ 12, o António Duarte e António Manuel Sucena Rodrigues (1950-2018). Foi a última vez que eu vi o Sucena Rodrigues, meu "neto": sou da 1.ª geração, a dos pais-fundadores da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969-71).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Vagos > 13 de janeiro de 2018 > Tomada de posse dos corpos sociais  da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata a Racha (biénio de 2018-2019). O António Manuel Sucena Rodrigues, já doente, é o segundo a contar da direita... Sabemos pouco sobre a sua vida pessoal, a não ser que era professor reformado, tendo-se formado em engenharia; e era um apaixonado pela gastronomia da sua região natal, a Bairrada, pertencendo nomeadamente  esta confraria bairradina e à sua direção, exercendo o cargo de vice-presidente mordomo.

"A Missão da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata à Racha é preservar, promover e divulgar os rojões da Bairrada, assim como outras iguarias, genuinamente locais e tradicionais, que sejam produtos diferenciadores das demais regiões, podendo constituir uma alavanca para o desenvolvimento socioeconómico local."

 (Fonte: página do Facebook da  Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata à Racha.  Com a devida vénia, a foto aqui reproduzida foi editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Em Samba Silate, Xime, Setor L1, no pós 25 de abril, fazendo a paz depois da guerra

por A. M. Sucena Rodrigues

[ex-fur mil inf, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972-1974]

Cumpri a minha comissão de serviço na Guiné de 23 de junho de 72 a 30 de julho de 74. Apanhei lá o 25 de Abril, como se pode concluir, e por isso tive oportunidade de viver a transição da guerra para a paz. Guardo disso algumas recordações (...).

Estive na CCaç 12 (, pertenci à 3.ª geração de militares europeus da companhia), inicialmente em Bambadinca e posteriormente no Xime [, a partir de março de 73]. A vida neste local era certamente igual à que se vivia no resto do teatro de operações da Guiné (salvo alguns casos pontuais, quiçá mais complicados): actividade operacional quanta baste, incluindo as habituais flagelações ao quartel, normalmente de curta duração, que ocorriam aproximadamente de duas em duas semanas e que de resto nunca deixaram mossa grave, com excepção de duas delas, sendo que uma dessas foi a última, e aconteceu poucas semanas depois do 25 de Abril.

Foi um ataque ao cair da noite como normalmente acontecia, com características algo diferentes daquilo que era habitual. Durou mais tempo, com disparos da artilharia inimiga (ou RPG),  mais espaçados. Curiosamente uma dessas granadas atingiu uma árvore de grande porte por cima da tabanca,  tendo os estilhaços ferido alguma população. Foram de imediato tratadas na enfermaria (às escuras). Lembro-me, pelo menos,  de duas mulheres, uma delas grávida já quase no fim do tempo, e de algumas crianças. É de realçar que nem as mulheres nem as crianças disseram um 'ai' que fosse, antes, durante ou depois dos tratamentos. Isto mostra um conformismo com o sofrimento e uma capacidade impressionante de suportar a dor, certamente adquirida pelo 'calo' da guerra. Imaginem se fosse cá. (...)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) >  Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > "Para a posteridade aqui ficou uma foto tirada em Samba Silate, a única vez que lá fui,  em que me apresento com as barbas que mantenho há 40 anos. Apenas mudaram de cor"... Ao centro, um guerrilheiro do PAIGC e à esquerda, na ponta, um soldado.


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) >  Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Visita do guerrilheiro à tabanca de Samba Silate, sua terra natal. De pé, pode ver-se o guerrilheiro (segundo a contar da esquerda), o Jamil (de braços cruzados) e o capitão Simão (de camisola branca e com a mão no cinturão).


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) >   Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Continuação da visita à tabanca de Samba Silate. É curioso observar, pela imagem, que a população não era certamente de etnia Fula nem Mandinga, muçulmana, mas sim Balanta, devida à prática da suinicultura...


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) > Samba Silate >  Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro acima referido (vd. o poste P14055).... Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo o guerrilheiro, foi erigida antes da guerra,  nos anos 50, pelo  missionário católico italiano que lá viveu e que ele chamava padre António Grillo. (Nasceu em 1925, em Acerenza, Itália, foi preso pela PIDE em 23/2/1963; faleceu em 18/6/2014, com 89 anos
de idade, na sua terra natal, depois de ter voltado à Guiné-Bissau e aos seus "balantas de Samba  Silate", a seguir à independência.)

Fotos, legendas e texto : © António Manuel Sucena Rodrigues (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Não foi por acaso que se tratou de um ataque diferente dos habituais. Enquanto estávamos debaixo de fogo, verificámos que havia disparos de RPG tracejantes nas nossas costas e algo distantes, o que nunca tinha acontecido. É que ao mesmo tempo foi atacada a tabanca de Samba Silate (...)

Esta tabanca recebia população refugiada, vinda das chamadas zonas libertadas. Era colocada ali porque, dada a sua localização, tornava-se muito difícil sofrer um ataque de retaliação por parte da guerrilha. De um lado,  tinha a estrada [, alcatroadA,] Bambadinca-Xime e, do outro,  a bolanha e o rio Geba. Pode-se dizer que executaram uma operação bem planeada. Impediram-nos de sair do quartel, atacando-nos durante o tempo necessário, enquanto outro grupo destruía parte da tabanca de Samba Silate.

Mas a história não acaba aqui. Não nos podemos esquecer que já tinha acontecido o 25 de Abril. Porém a paz oficialmente ainda não tinha sido acordada entre as novas autoridades portuguesas e a direcção do PAIGC. Ainda não tinham começado as primeiras conversações em Londres, com Mário Soares do lado de Portugal e Pedro Pires do lado do PAIGC. Passaram mais umas duas ou três semanas e apareceu na tabanca do Xime, pela primeira vez, um guerrilheiro fardado e desarmado. (...)

Foi ter à tabanca de um africano, homem magro e alto, salvo erro de etnia balanta, que se chamava Jamil (talvez algum camarada me possa confirmar o nome),  mas que era pouco falador e bem conhecido entre nós porque sempre suspeitámos que se tratava de um informador do PAIGC (...).  Foi ele que levou o guerrilheiro à presença do nosso capitão Simão.

Houve naturalmente cumprimentos cordiais de parte a parte e lembro-me que esse guerrilheiro ofereceu um galhardete com a bandeira do PAIGC ao capitão (...). Por sua vez, este ofereceu-lhe uma garrafa de whisky (ou brandy, valha a verdade). Esta garrafa trouxe consequências, como veremos mais adiante.

No dia seguinte, a pedido do guerrilheiro, fomos visitar a tabanca de Samba Silate, pouco antes atacada (...). Aproveitei para ir na comitiva e tirar as fotos que agora recordo. Foi a primeira vez e única que lá fui, e estava ali tão perto...

Esse guerrilheiro contou-nos um pouco da sua história: era de lá, e mostrou-nos, com alguma emoção, as ruinas da tabanca onde tinha nascido e vivido enquanto jovem. Falou-nos também numa cruz em cimento,  ainda intacta, a qual, segundo ele, havia sido construída, por um tal padre António [Grillo], missionário que lá viveu antes da guerra (...).  Também mostrou as ruinas da tabanca onde viveu esse missionário (...). Cumprimentou várias pessoas da tabanca, sem grande euforia, mas sempre com respeito. (...). 

Foi uma visita simples mas significativa que durou toda a manhã. Foi a oportunidade de reencontrar um passado que a guerra quase fez esquecer mas que na verdade estava bem presente. A vontade de acabar com a guerra não era exclusiva de uma das partes em conflito. Foi uma manhã emocionante. Todos os que, no mato, pegaram em armas, quer de um lado da barricada quer do outro, eram pessoas de corpo e alma, com sentimentos. Só os mandantes supremos é que não sabiam isso. Isto ficou demonstrado neste episódio simples mas significativo. (...)

Após a visita regressámos ao Xime e o guerrilheiro, não me lembro se nesse dia ou num dos seguintes, regressou ao mato tal como de lá veio, sem que dessemos por isso. Nos encontros amigáveis e de reconciliação que posteriormente realizámos no mato, em Madina Colhido, ele não esteve presente por razões que nos foram explicadas pelo comandante máximo do PAIGC na zona. É que a tal garrafa de uísque que o capitão Simão lhe entregou, era para oferecer ao dito comandante que, com os seus homens,  deveriam festejar a paz. Acontece que, no auge das emoções, ele bebeu-a só, logo 'enfrascou-se', e por isso foi castigado com prisão. Quem havia de dizer?! (...)

[Seleção, revisão e fixação de texto: LG]


2. Reações de alguns camaradas após a notícia da sua morte (**)

(i) António Duarte:

(...) Já depois de regressar da Guiné, fez em Coimbra o curso de Engenharia Electrotécnica, tendo sido professor do ensino secundário até à reforma, que ocorreu em 2016.

Casado com a Rosa Pato, professora do ensino básico, sua namorada dos tempos da Guiné, tem dois filhos e 3 netos.

Vivia em Oliveira do Bairro, tendo sido operado em Coimbra no início do ano, aquando da deteção da doença.

Era habitual estar presente nos almoços da nossa Tabanca Grande, em Monte Real. Este ano já não foi por não estar bem.

Que permaneça vivo nas nossas memórias, já que se trata de um bom Homem, com participação em causas para ajuda dos mais desfavorecidos, estando sempre pronto a ajudar o próximo de forma desinteressada. Era voluntário do Banco Alimentar e de mais algumas organizações locais de ajuda a terceiros.

À família e amigos mais chegados, presto os meus sentidos pêsames, com a certeza que sempre recordarei os momentos vividos com ele na CCAÇ 12 e, mais recentemente,  em encontros em Oliveira do Bairro e Lisboa, em conjunto com as nossas Companheiras de uma vida. (...)



(ii) Jorge Araújo:

(...) Camarada António Duarte, foi, de facto, uma má notícia aquela que acabas de me/nos dar - a morte do camarada António Rodrigues. Com ele partilhei missões conjuntas nas matas do Fiofioli, durante os anos de 1972/1973, eu, na CART 3494,  ele (e tu) na CCAÇ 12.

O que se pode fazer agora? Nada! É que a natureza do tempo aliada à natureza humana comportam-se, lamentavelmente, de forma impiedosa. (...)


(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

António: que tão má e tão triste notícia nos trouxeste, ontem, ao fim da tarde, vinha eu em viagem do Norte. E só hoje, de manhã, a li. Obrigado, mensageiro, alguém tem que nos dar a notícia da morte dos nossos camaradas que não resistem à usura do tempo... E às vezes até parece que os camaradas da Guiné são os mais vulneráveis... Já tivemos 8 mortes, comhecidas, este ano... A nossa Tabanca Grande está cada vez mais pobre!

Eu sabia que o camarada Sucena Rodrigues estava doente, não tendo já vindo ao nosso último encontro, em Monte Real. Vem agora o desfecho, inelutável. Um duro golpe para todos nós, família (esposa, filhos, netos), amigos e camaradas...

Faço aqui um primeiro comentário, já que se tratava de um camarada da minha CCAÇ 12, da 3ª geração, um "neto", como eu gostava de lhe dizer, a brincar, a ele e ao António Duarte...

Já pedi ao António Duarte que transmita à família as condolências dos camaradas da Guiné, reunidos sob o poilão da Tabanca Grande.

O Sucena Rodrigues tem 12 referências no nosso blogue, com informações notáveis sobre o Xime e Samba Silate, do tempo em que a CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula, com sede no Xime, por volta do 1º trimestre de 1973 (...)

Até sempre, camarada Sucena Rodrigues! (...) (***)
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terça-feira, 8 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17658: Historiografia da presença portuguesa em África (86): Quando até os padres, católicos, apostólicos, romanos, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), eram acusados de "subversão": o caso de Mario Faccioli (1922-2015), que esteve em Catió


Capa do livro de Mario Faccioli (1922-2015), padre do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), que esteve em Catió e teve problemas com as autoridades da Guiné, antes e depois da independência... Cortesia da página de Fernando Casimiro (Didinho). Neste livro autobiográfico refere a prisão do padre António Grillo, em 1963, e as suas próprias dificuldades de relacionamento com as autoridades portuguesas... Infelizmente ainda não tivemos acesso ao livro, só conhecemos o índice e alguns excertos.




Anúncio comercial da revista Turismo, nº 2, série 2, janeiro de 1956 (edição inteiramente dedicada à província portuguesa da Guiné) (*)

1. Uma parte dos colonos que tinham estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas na Guiné, antes do início da guerra,  eram de origem cabo-verdiana ou ou sírio-libanesa. Veja-se o caso do Álvaro Boaventura Camacho, sobre quem encontrámos a seguinte referência na Net, no blogue João Laurence / Bedanda. ( João Augusto Laurence viveu, na infãncia em Catió; em 1956 andava na escola. presumo que seja de origem cabo-verdiana; e possivelmente foi militar da FAP, a avaliar pelo agradecimento que faz ao Hospital das Forças Armadas Portugueses onde esteve internado em 2014; refere também, com gratidão, no seu blogue, a ação do padre Mario Faccioli) (*)


"Dezembro 13, 2007

Cufar

Cufar fica localizada na zona Sul da Guiné-Bissau, pertence a região de Tombalí. Antes do início da guerra colonial possuía um aeródromo que pertencia a um comerciante português de origem caboverdiano de nome Álvaro Boaventura Camacho" (...) 

Esse aeródromo foi teria sido depois cedido  "à Administração Colonial Portuguesa (sic) para instalar equipamento militar":

"Os largos fogos potentes e profundos da artilharia pesada que fustigavam o espaço aéreo de Bedanda Encossa partiam de Cufar com um único destino: Zona de Curá, Caboxanche, Cantanhede e limítrofes. Zona de mata densa, pantanosa e de difícil penetração, ocupada pelos guerrilheiros do PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde. As Zonas eram referenciadas por “tchom"– chão. Por exemplo : Tchom de manjhaco,tchom de nalú que específicamente é a região de Tombali."


Temos que dedicar mais atenção à atuação dos missionários italianos, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), no território da Guiné, antes e depois da independência...

Temos menos de duas dezenas de referências no nossos blogue aos "missionários".

 Os italianos, algunes deles, tiveram problemas com as "autoridades portuguesas": foi o caso do padre António Grillo (1925-2014), que esteve em Bambadinca e que era particularmente acarinhado pelos balantas de Samba Silate, uma enorme tabanca, com quase duas mil almas,  que será destruídas pelas NT no princípio da guerra, no subsetor do Xime...

Recorde-se: foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE, a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas; esteve preso em Bissau e depois em Lisboa; acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem, de Portugal, ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro... Com a independência da Guiné-Bissau, o padre Grillo volta a Bambadinca, onde trabalha, de 1975 a 1986, associado ao PIME... Visitou Bamnbadinca em 2010, quatro anos antes de morrer.

O missionário que estava em Catió, o Mário Faccioli (1922-2015) também teve problemas com a PIDE e, depois da independência, com o 'Nino' que o expulsou da Guiné-Bissau...

2. Excerto do livro de Mário Faccioli, "Una vita missionaria: in Guinea Bissau 1956-2008".

Tradução da versão original em italiano para o português: Filomena Embaló. Reproduzido com a devida vénia da página de Fernando Casimiro (Didinho):

(...) A 25 de maio de 1947, em plena estação das grandes chuvas, desembarcaram no porto de Bissau, os primeiros sete missionários do PIME: Settimio Munno, o chefe do grupo, Arturo Biasutti, Luigi Andreoletti, Filippo Croci, Efrem Stevanin, Spartaco Marmugi e o irmão Vicenzo Benassi. A coragem e zelo destes primeiros homens enviados para a Guiné Bissau manifestaram de maneira brilhante e vivaz a força do carisma das gentes do PIME, de que deram provas desde o primeiro ano.

De 1947 a 1974 (data da independência da Guiné), o PIME enfrentou situações que não foram nada fáceis.

O regime colonial condicionava a vida e as ações dos missionários "estrangeiros" (como nos chamavam os Portugueses): as dificuldades não eram só socioeconómicas, mas sobretudo ao nível da evangelização, pois a presença dos colonizadores, "senhores e patrões", era um contra-testemunho extremamente negativo da mensagem cristã que nós trazíamos. A este respeito, eu digo "nós" porque, em 1956, nove anos depois da chegada dos sete primeiros, chegámos eu e o Irmão Luís Capelli.

A minha primeira experiência missionária na Guiné foi em Catió, cidade ao sul do país, no seio dos Balantas (uma das tribos mais numerosas), alguns muçulmanos e vários Portugueses, empregados comerciais e funcionários. O uso exclusivo da língua portuguesa era obrigatório e o relacionamento com os nativos da aldeia era bastante reduzido. Eu trabalhei na escola e no ensino e procurei conhecer pessoas, como também ajudá-las materialmente, enquanto continuava a acreditar que o caminho deveria ser outro (,..).


3. Sobre o padre Mario Faccioli escreveu João Laurence o seguinte no seu blogue, em 18 de março de 2008 (reproduzido por nós aqui com a devida vénia):

(...) "Parabéns Reverendíssimo Padre Mário Faccioli- Recordo-me de ter passado muita fome no ano de 1956. Foi o ano mais difí cil da minha vida, em que inclusivé reprovei na escola por motivos económicos. Nos anos 1957-58 fui convidado pelo Senhor Reverendo padre Mário Faccioli para integrar o Internato de Cátio, constituido por Salazar Salú Quetá de Cacine, Constantino Gomes de Cátio, os dois já falecidos, Tenente Joaquim Vieira e eu próprio, João Augusto Laurence. No Internato da Cátio, foi-nos fornecido alojamento e alimentação, patrocinado pelo Reverendíssimo Padre Mário Faccioli/PIME/Vaticano.

Recordo-me de ter caído numa valeta, perto da Adiministração do Concelho de Cátio, tendo sofrido várias escoriações. De imediato, fui assistido pelo Senhor Reverendo acima referido. Como as dores eram enormes autorizou-me a usufruir do quarto dos hóspedes, para uma melhor e mais rápida recuperação. Foi a primeira vez que dormi num colchão Molaflex. 

Reflectindo sobre um altruísmo da atitude do Reverendíssimo tal marcou-me e considero que foi início de uma verdadeira arquitectura da minha vida. O Reverendo Padre Mário Faccioli, além de outras iniciativas de louvar, formou um grupo de teatro em Cátio e que foi encenado também em Empada-Guiné Bissau.

Sempre muito dinâmico, tinha como actividade lúdica a prática de caça desportiva como as Rolas e Perdizes na zona de Suá/Cátio. Rezou missa na zona de Geba e Gábu, zona prodominantemente afecta aos Muçulmanos.

Toda a sua vida foi passada na Guiné-Bissau ao serviço dos mais desprotegidos. Sacerdote de formação, com uma inteligência fora do normal, participou na construção do Seminário de Bissau que tanto tem contribuido para o formação dos guineenses.

Homem multifacetado, domina áreas como da electricidade, arquitectura e engenharia, para além obviamente, do dom da palavra na mensagem evangelizadora.

No preciso dia 27 de Março [de 2008], faz o Reverendo Padre Mário Faccioli 86 anos de vida, meio século dedicado à causa pacificadora na Guiné-Bissau. Portanto, aqui fica registado o meu profundo apreço e consideração por um ser humano de elevado carácter humanista.

Muitos parabéns Reverendíssimo Padre Mário Faccioli." (...)

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Nota do editor:

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14189: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXI: outubro de 1973: Flagelação, pela primeira vez, do reordenamento de Nhabijões, de maioria balanta, com parentes no mato...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mapa de 1955 (Escala 1/50000) > Detalhe: o núcleo populacional de Nhabijões (círculo a azul).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015). Todos os direitos reservados






Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Nhabijões > CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Um grande aglomerado populacional, de maioria balanta, com parentes no "mato", e que era considerada sob "duplo controlo"... A dispersão das diversas tabancas (1 mandinga e 4 balantas: Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe), sua proximidade ao Rio Geba, fazendo ponto de cambança para a margem direita (Mato Cão, regulado do Cuor...) e as duas grandes bolanhas (um delas a de Samba Silate, uma enorme tabanca destruída e abandonada no início da guerra), foram motivos invocados para começar a construir, a partir de novembro de 1969, um dos maiores reordenamentos da Guiné no tempo de Spínola, com cerca de 300 moranças e equipamentos como escola e mercado. A aposta era também a conquista da população, fugida no mato e sob controlo do PAIGG, vivendo ao longo da margem direita do Rio Corubal (desde a Ponta do Inglês até Mina/Fiofioli). Este trabalho, na área da promoção económica e social das populações de Nhabijões, iniciado  pelo BCAÇ 2852, continuou com os batalhões seguintes (BART 2917, 1970/72; BART 3873, 1972/74)...

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e  legendagem: L.G.)

1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso incialmente indicamos); economista, bancário reformado, formador; foto atual à esquerda].

O destaque do mês de outubro de 1973 (pp. 70/73) vai para:

(i) em 27 de outubro de 1973, terminou o tempo normal de comissâo do BART 3873 no CTIG (... mas os seus militares só irão regressar a casa, via TAM, no início de abril de 1974!);

(ii) como alegada prova do cumprimento da sua missão, o BART 3873. na sua história, diz que "o inimigo foi remetido aos seus lugares de refúgio";

(iii) pela primeira vez na história da guerra, o grande reordenamento de Nhabijões, de maioria balanta, foi flagelado, ao mesmo tempo que o destacamento do Mato Cão; Nhabijões,. no subsetor de Bambadinca, era então um importante aglomerado habitado por gente com parentes no "mato", e que era tradicionalmente considerado, antes do reordenamento,. como um conjunto de tabancas "sob duplo controlo";

(iv) o Xitole foi atacado, mas da margem esquerda do Rio Corubal (Região de Quínara);

(v) a 28 de outubro de 1973 há eleições para a assembleia nacional, com um total de 1,8 milhões de recenseados (!); estavam em causa 150 deputados. Mota Amaral e Correia da Cunha são os únicos ex-deputados da ala liberal que se mantêm nas listas da Ação Nacional Popular;

(vi) ao nível da acção psicológica e da promoção social, há a registar a construção do novo reordenamento de Samba Silate, a construção de escolas em Mansambo e Enxalé, e a cobertura, com chapas de zinco, de 100 moranças no reordenamento de Bambadincazinho...










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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14081: (Ex)citações (257): A misteriosa cruz branca de Samba Silate... (António J. Pereira da Costa / A. M. Sucena Rodrigues / Luís Graça)



Guiné > Zona leste < Setor L1 (Bambadinca)  Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro referido por A. M. Sucena Rodrigues no poste P14055 (*).  Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo o guerrilheiro, foi erigida antes da guerra [, nos anos 50,], por um tal missionário que lá viveu e que ele chamava padre António [Grillo, acrescentei eu, LG].

Foto: © A. M. Sucena Rodrigues  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Comentário de António José Pereira da Costa, cor art ref,  ao poste P14065 (**):


Olá, Camarada

Nunca tinha visto a tal cruz que mostraste numa das tuas fotos. Era fora do arame? A que se destinava?

Manda-me uma cópia, por favor.

Nunca me falaram do padre Grillo.

Recebi, sim, um pedido de uma família italiana - os Riciulli - que pretendia tomar posse das instalações que a companhia ocupava em Samba Silate (abusivamente de acordo com o seu ponto de vista). Ficou tudo para decisão dos "Nossos Maiores" e, conforme as instruções, eu entregaria as instalações (...).


A.M. Sucena Rodrigues, fur mil,
CCAÇ 12  (Bambadinca e Xime,
1972/74)

2. Mensagem de António Manuel Sucena Rodrigues, em resposta ao António J. Pereira da Costa [quem, como se sabe, foi comandante da CART 3494, no Xime, entre agosto e novembro de 1973, pertencendo Samba Silate ao subsetor do Xime]

Data: 23 de dezembro de 2014 às 20:01

Assunto: A Cruz da Samba Silate

Olá Camarada, António José Pereira da Costa


A cruz que se vê na foto era em Samba Silate e não no Xime ou em Bambadinca. A tabanca de Samba Silate e nesta época (Maio de 74) não tinha qualquer cerca de arame farpado, assim como não tinha qualquer sistema de autodefesa.

Como expliquei no texto (*), era considerada como segura relativamente à possibilidade de ser "incomodada" pela guerrilha, dada a sua localização. Por isso era enviada para lá a população que fugia das chamadas zonas libertadas.

Também, conforme referi no texto, foi a primeiro e única vez que fui a Samba Silate e estava ali tão perto [, no Xime], por isso não sei se, no passado, alguma vez esteve cercada de arame farpado.

Já agora, camarada, pela tua questão presumo que lá tenhas estado ou lá perto. Em que época foi e em que companhia ?

Um abraço. Bom Natal e Bom Ano.

A. M. Sucena Rodrigues
Ex-fur mil da CCaç 12, 1972/74
Bambadinca e Xime


3. Entre as histórias contadas pelo padre Grillo, Paolo Grappassoni (que esteve na Guiné-Bissau em finais de 1988 e princípios de 1989, em visita a missões católicas italianas) escolheu algumas publicadas na revista “Venga il tuo Regno”. E eu selecionei e traduzi e adaptei esta, que tem a ver com a cruz de cimento que existia (e existe)  no centro da tabanca de Samba Silate.

[Foto à esquerda, o padre italiano Antonio Grillo (1925-2014), de visita a Bambadinca e aos "seus balantas", em 22/2/2008; cortesia do blogue "Igreja Católica na Guiné-Bissau > 19 de junho de 2014 > Faleceu Pe. António Grillo, com a devida vénia; foto editada por L.G.]

Um mês depois de ter recebido o batismo, morreu  o chefe de Samba Silate, Mateus Jala. Durante a muito tempo Jala tinha quatro mulheres, nunca tendo sido possível, o missionário, pensar no seu batismo. Mas quando ele ficou só com uma, a última, que também tinha um filho pequeno, o padre pensou que tinha chegado o momento. E aceitou.

Antes de morrer, Jala tinha pedido aos seus filhos para não ser enterrado no recinto do seu quintal, como era costume entre os Balantas, mas sim à sombra da cruz branca erguida no centro da tabanca. 

 À hora do funeral, o padre dirigiu-se à morança do Jala em Samba Silate. Acompanhado por dois jovens acólitos, encaminhou-se para o lugar do enterro, seguido dos homens que levariam o féretro.

Mas, de repente, o padre Grillo deu-se conta de que o corpo havia desaparecido. O que tinha acontecido?

Um ancião da aldeia garantiu-lhe que ele estaria de volta em breve, depois de ter sido levado para a bolanha para a 'lavagem'. De fato, logo reapareceram os carregadores, para logo desaparecerem novamente com o cadáver transportado numa maca improvisada. Dirigiram.se a outra morança.

Um dos dois acólitos disse ao padre: "Jala foi despedir-se dos parentes." 

 Ao fim de meia hora, os carregadores reapareceram com outro ânimo, porque, de acordo com suas crenças, tinham sido possuídos pelo espírito do defunto e todos trabalharam em prol da sua virtude. 

"Jala, diziam os homens garndes, não poderia deixar esta terra sem sequer se despedir do seu amigo missionário em sua casa."

Os carregadores tinham ido de facto à residência do padre. Aqui, segundo descreveu um jovem que havia testemunhado a cena, pouco tinha faltado para arrombarem a porta com golpes violentos da moca, em jeito de saudação.

Quando, depois destas cenas, o padre estava pronto para benzer o corpo antes de ser colocado no túmulo, os dois jovens acólitos fugiram. Os seus pais tinham-nos absolutamente proibido de assistir ao enterro, porque era um mau presságio para um jovem. O padre benzeu o cadáver e manifestou a intenção de voltar à tabanca uns dias depois.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14055: Memória dos lugares (278): Samba Silate, no pós 25 de abril de 1974: As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambdaionca e Xime, 1972/74)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14065: (Ex)citações (256): Eu gostava de saber um pouco mais sobre esse missionário italiano, o padre António Grillo (1925-2014), que tinha um especial carinho pelos balantas de Samba Silate (e era respeitado por eles) (A. M. Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74)


1. Mensagem do António Manuel Sucena Rpdrigues [, foto à esquerda, em Ortigosa, Monte Real, no 3º Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 17/5/2008]

Data: 21 de dezembro de 2014 às 19:37

Assunto: Obrigado, Luís


Obrigado, Luís Graça pela importantíssima ajuda que deste no texto que enviei e que foi já publicado (*). Nunca, antes nem depois, tinha ouvido falar do tal missionário Padre António [Grillo].

Fico agora com um peso de consciência, por não ter descrito este episódio ainda em vida desse missionário. Gostava que ele soubesse do respeito que me pareceu merecer, por parte desse guerrilheiro. Agora compreendo por que razão, passados 11 anos de guerra, ele se lembrou do padre António.

Também gostaria de saber um pouco mais sobre este guerrilheiro. Se pelas fotos fosse possível algum camarada identificá-lo... Fico na expectativa.

Obrigado, Luís.

Um abraço e Boas Festas.

A.M. Sucena Rodrigues
Ex-Fur Mil da CCaç 12 (72-74)

2. Comentário de L.G.:

Meu caro camarada Sucena Rodrigues;  Eis o que eu sei do tal padre missionário António Grillo, recentemente falecido, e sobre o qual já temos alguns postes. (Quanto ao guerrilheiro com quem foste a Samba Silate, será por certo mais difícil identificá-lo, no caso de ainda ser vivo; mas pode ser que alguém, na Guiné-Bissau, o reconheça... Afinal, o Mundo é Pqueno e a nossa Tabanca... é Grande!).





O missionário António Grillho de visita à sua querida Bambadinca, em 22/2/2008. (Fonte: blogue "Igreja Católica na Guiné-Bissau > 19 de junho de 2014 > Faleceu Pe. António Grillo, com a devida vénia)


Acerenza, comuna italiana da região da Basilicata, 
província de Potenza (Fonte: Wikipedia


António Grillo (1925-2014):

(i) Faleceu no passado 18 de junho de 2014, em Acerenza, Itália, com a idade de 89 anos;

(ii) tinha nascido no dia 10 de junho de 1925,  naquela cidadezinha, do sul de Itália (c. de 2500  habitantes em 2011);

(iii) foi ordenado sacerdote no dia 25 de junho de 1950;

(iv) partiu para a missão da Guiné-Bissau, então território sob administração portuguesa, aonde chegou em 16 de Novembro de 1951, como missionário do PIME ((Pontifício Instituto para as Missões Exteriores);

(v) esteve sempre muito ligado à Missão Católica de Bambandinca, que hoje faz parte do  território da Diocese de Bafatá;

(vi) foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE,  a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas;

(vii) esteve preso em Bissau e depois em Lisboa;

(viii) acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem de Portugal, ao novo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro;

(x) voltou, entretatanto,  à Itália;

(xi) doze anos, com a  independência da Guiné-Bissau,  volta a Bambadinca,  onde trabalha, de 1975 a 1986, associado ao PIME;



Guiné-Bissau > Bambadinca > 22 de fevereiro de 2008 > Na inauguração do Liceu ( Fonte: blogue "Igreja Católica na Guiné-Bissau > 19 de junho de 2014 > Faleceu Pe. António Grillo, com a devida vénia)


(xii) no dia 22 de Fevereiro de 2008, foi inaugurado, em Bambadinca, o Liceu em autogestão Pe. António Grillo; a cerimónia contou com a presença de vinte amigos da Arquidiocese de Acerenza, entre os quais o Pe. António Grillo bem como o Arcebispo Dom Giovanni Ricchiuti; a diocese de Acerenza, que fez uma geminação com Bambadinca e por extensão com a diocese de Bafatá, colaborou na construção deste liceu, ajudando na conclusão de um pavilhão de 3 salas de aulas;




Visita a Bambadinca em 2010 (Fonte: blogue "Igreja Católica na Guiné-Bissau > 19 de junho de 2014 > Faleceu Pe. António Grillo, com a devida vénia)


(xiii) o Pe. Antonio Grillo visita,  pela  uma última vez,  a Guiné.Bissau e, mais propriamente, a sua querida Bambadinca, de 21 a 28 de Janeiro de 2010 em companhia de  Dom Giovanni Ricchiuti, familiares e amigos de Acerenza; a sua preocupação de sempre foi a cristianização dos balantas

(xiv) está sepultado em Acerenza.





Visita a Bambadinca; Pe. Antonio com o tradicional barrete balanta, em 23 de fevereiro de 2008 (Fonte: blogue "Igreja Católica na Guiné-Bissau > 19 de junho de 2014 > Faleceu Pe. António Grillo, com a devida vénia)


3. Mais informações sobre o Padre António Grillo


3.1. Recorro aqui ao sítio de Paolo Grappasonni que, em finais de 1988, fez uma visita às missões italianas na Guiné-Bissau e evoca a figura do padre Anmtónio Grillo. Reproduzem-se excertos do texto "Notas de viagem à Guiné-Bissau", a partir de tradução minha do italino para português:

(...) "O Padre Antonio Grillo,  de Acerenza, viveu durante vários anos e em diferentes períodos entre os Balantas de Bambadinca. Publicou um opúsculo em Maio de 1988 intitulada: "Os Meus Balantas" de que retiro algumas das suas experiências mais significativas.

Tinha 26 anos quando a 12 de setembro de 1951, partiu do PIME de Milão, com três missionários num jipe americano,  a caminho de Portugal e depois da Guiné, em África.  Fazia parte da segunda expedição missionário do PIME à Guiné. Bambadinca é a região missionária para a qual o padre Grillo é enviado juntamente com o  padre Biasutti, em 31 de Janeiro de 1952. Depois um ano de espera para obter visto do Governo Português, e depois de uma viagem aventurosa por terra e mar, finalmente podiam começar.

 "Infelizmente - escreve o padre Grillo - nós tivemos que aceitar estabelecer a nossa residência em Bambadinca, a povoação onde estavam também as autoridades administrativas portuguesas, porque eles queriam manter-nos sob o seu controle constante. Já naquele tempo não nos permitiam com facilidade, mesmo a nós, missionários,  que entrássemos na floresta para contactar  as várias tribos. Teríamos preferido uma grande aglomerado populacional de Balantas como Samba Silate porque estes eram animistas, enquanto quase todos os habitantes de Bambadinca eram muçulmanos. "

Em língua madinga, "Bamba" significa "crocodilo", "Dinga" significa "cova": e na verdade, nos anos 50 o vizinho rio Geba estava cheio de crocodilos.

 A aldeia de Samba Silate, em 1955, já tinha 1750 habitantes, na sua maioria do grupo étnico Balanta, com poucos Papéis e alguns muçulmanos. Samba Silate, que significa "campo de arroz", foi a primeira estação missionária na zona de Bambadinca. O motivo que levou o padre Grillo a optar por esta aldeia, foi apenas o número dos seus habitantes que, se se convertessem, poderiam atrair as outras aldeias mais aldeias. (...)



3.2. De um outro site, italiano, sobre os 150 anos do PIME (Pierio Gheddo - PIME 1850-2000: 150 Anni dei Missione)  retirei, em tempos, a seguinte informação sobre o conflito do Padre Grilo com as autoridades portugueses, em 1963, bem sobre as crescentes dificuldades dos missionários italianos na sequência da escalada do conflito político-militar naquele território.

[Curiosamente, o meu atual programa de segurança não me deixa lá voltar, a este "site",  devido ao seu "conteúdo potencialmente perigoso"]...

(...) O PIME debaixo de fogo: a prisão do padre Grillo (1963)

O Superior Geral, padre Augusto Lombardi visita a Guiné (10 de Dezembro de 1959 -26 fevereiro 1960), e incita os missionários a empenharem-se mais para ajudar o povo da Guiné, mas evitando cuidadosamente qualquer gesto ou opinião política: o imperativo é permanecer no local sem se fazerem expular: os missionários estrangeiros podiam desempenhar um papel importante na defesa do homem.

 No início dos anos sessenta,  a Guiné entra significativamente em  clima de guerra. A primeira vítima é a padre Antonio Grillo, o apóstolo dos Balantas em Bambadinca, sob a acusação, que se soube mais tarde ser completamente falsa, de ser amigo de um líder da guerrilha.

 Detido pela polícia política portuguesa (Pide), a 23 fevereiro de 1963, encarcerado primeiro em Bissau e depois em Lisboa, acabou por ser libertado em 4 de julho em homenagem de Portugal, ao novo pontífice, o Papa Paulo VI.

 As missões do PIME nas regiões mais remotas, estão na primeira linha da frente. A de Suzana ], no chão felupe, região do Cacheu]  é ocupada pelo exército Português, os missionários têm que retirar-se para evitar ficar comprometidos aos olhos da população local (os cristãos passam a ser  visitados todos os meses a partir de Bafatá).


Catió [, no sul, na região de Tombali,], por sua vez, está no centro da guerrilha por causa de sua proximidade com a Guiné-Conacri, de onde vêm as armas e os guerrilheiros: os padres já não podem visitar as aldeias sem a permissão da polícia e na cidade estão sujeitos a controlos rigorosos.

Farim, por seu lado, permanece isolada durante longos meses, as estradas estão cortadas e só se pode viajar em colunas militares; ataques noturnos dos guerrilheiros e represálias do Exército, com incêndios de aldeias, tortura, massacres.

Em 10 de junho de 1963 um novo Prefeito Apostólico: Monsenhor João Ferreira, jovem, entusiasta e com bons projetos, mas infelizmente resistiu apenas dois anos e meio ao clima da Guiné: Regressa a Portugal em Agosto de 1965. O seu sucessor, Mons. Amândio Neto, também está numa linha moderadamente inovadora: deixar trabalhar os missionários, defendendo-os sempre a suspeita dos militares e da Pide. (...)


3.3.   De 21 a 28 de Janeiro de 2010, o octagenário  Padre António Griillo (vd. foto à direita, com a devida vénia ao citado blogue ) voltou a Bambadinca, com uma delegação da sua diocese de Acerenza para inaugurar uma escola a que foi dado o nosso nome... Voltou a Samba Silate, aos seus balantas. Foi recebido com grande entusiasmo, alegria e espírito ecuménico.

É doloroso para a nossa memória, mas não podemos ignorar, esquecer, branquear, desculpar o que se terá passado em Samba Silate (e noutros locais do CTIG) em  1961, 1962, 1963, "anos de chumbo" que abntecederam a guerra...

Não sabemos exactamente qual foi o envolvimento dos militares portuguesesi, antes da guerra, envolvidos em ações que eram mais de polícia  do que propriamente de natureza militar... A PIDE costuma ficar com o odioso destas ações (bem como a polícia administrativa local que fazia o "trabalho sujo")... Era importante ter acesso aos arquivos da PIDE para se poder saber, mais em detalhe, as acusações ou suspeitas que recaíam sobre o missionário italiano... Sabe-se que as relações entre os missionários italianos e as autoridades portuguesas não eram das melhores, nomeadamente an Guiné e em Moçambique.

Sobre o que se passou em Samba Silate (e noutros sítios do setor de Bambadinca como o Poindon) não posso quem quero generalizar, prefiro que apareçam outros testemunhos e relatos, documentados, circunstanciados, com datas e factos, sobre violência exercida tanto pelas NT como pelo PAIGC (ou a FLING, em 1961) sob as populações indefesas, ou sob prisioneiros...  É importante haver várias fontes, idóneas.

No Arquivo de Amílcar Cabral / Casa Comum, apenas encontrei uma única referência a Samba Silate onde, em 15 de maio de 1962,  teria sido morto, pelas NT, "o chefe da tabanca de Samba Silate".

Em 1969, seis anos depois, os meus soldados da CCAÇ 12 falavam-me destes acontecimentos, com "naturalidade" e sem qualquer "pejo"... E eles eram insuspeitos, eram fulas, nossos aliados (**)...   LG




Guiné > Zona letse > Região de Bafatá > Bambadicna > Carta de Bambadinca >  Escala 1/50 mil ) (1955) > Posição relativa de Samba Silate e de Nhabijões, os dois grandes núcleos balantas....

Infografia: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné (2014)

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Notas do editor:

(*) 20 de dezembro de 2014 >  Guiné 63/74 - P14055: Memória dos lugares (278): Samba Silate, no pós 25 de abril de 1974: As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambdaionca e Xime, 1972/74)

(**) Último poste da série > 20 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14057: (Ex)citações (255): O Marcelino, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género (Domingos Gonçalves)

sábado, 20 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14055: Memória dos lugares (279): Samba Silate, no pós 25 de abril de 1974: As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)

António M. Sucena Rodrigues
em 1973
1. Mensagem, de 18 do corrente, do António Manuel Sucena Rodrigues [ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74; membro da nossa Tabanca Grande desde 2008]:

Boa noite,  Luís Graça


É a primeira vez que envio um texto para o blogue. Conta um pequeno episódio, em anexo, que se passou pouco depois do 25 de Abril.

Marca o fim da guerra e o início da paz, o que se enquadra bem nesta época natalícia, apesar de não se ter passado no Natal.

Aproveito para enviar um abraço aos camaradas que se podem identificar nas fotos (tiradas com a máquina que referi no inquérito recente, uma KOWA e que ainda mantenho), em especial ao então Capitão Simão que nunca mais encontrei, com grande pena minha.

Para todos os camarigos, em especial para ti e toda a equipa que mantém este blogue, "no ar", desejo um Feliz Natal e Bom Ano Novo

Um Alfa Bravo.


António M. Sucena Rodrigues
em 2004
2. Memória dos lugares > Samba Silate > As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC

por António M. Sucena Rodrigues


Cumpri a minha comissão de serviço na Guiné de 23 de Junho de 72 a 30 de Julho de 74. Apanhei lá o 25 de Abril como se pode concluir e por isso tive oportunidade de viver a transição da guerra para a paz. Guardo disso algumas recordações que vou agora contar. 

Estive na CCaç 12 (pertenci à 3ª geração de militares europeus da companhia), inicialmente em Bambadinca e posteriormente no Xime. A vida neste local era certamente igual à que se vivia no resto do teatro de operações da Guiné (salvo alguns casos pontuais, quiçá mais complicados): actividade operacional quanta baste, incluindo as habituais flagelações ao quartel, normalmente de curta duração, que ocorriam aproximadamente de duas em duas semanas e que de resto nunca deixaram mossa grave, com excepção de duas delas, sendo que uma dessas foi a última, e aconteceu poucas semanas depois do 25 de Abril.

Foi um ataque ao cair da noite como normalmente acontecia, com características algo diferentes daquilo que era habitual. Durou mais tempo, com disparos da artilharia (ou RPG) inimiga mais espaçados. Curiosamente uma dessas granadas atingiu uma árvore de grande porte por cima da tabanca tendo os estilhaços ferido alguma população. Foram de imediato tratadas na enfermaria (às escuras). Lembro-me, pelo menos de duas mulheres, uma delas grávida já quase no fim do tempo, e de algumas crianças. É de realçar que nem as mulheres nem as crianças disseram um “ai” que fosse, antes, durante ou depois dos tratamentos. Isto mostra um conformismo com o sofrimento e uma capacidade impressionante de suportar a dor, certamente adquirida pelo “calo” da guerra. Imaginem se fosse cá … .

Mas voltemos ao que interessa. Não foi por acaso que se tratou de um ataque diferente dos habituais. Enquanto estávamos debaixo de fogo verificámos que havia disparos de RPG tracejantes nas nossas costas e algo distantes, o que nunca tinha acontecido. É que ao mesmo tempo foi atacada a tabanca de Samba Silate (*). 

Esta tabanca recebia população refugiada, vinda das chamadas zonas libertadas. Era colocada ali porque, dada a sua localização, tornava-se muito difícil sofrer um ataque de retaliação por parte da guerrilha. De um lado tinha a estrada Bambadinca-Xime e do outro a bolanha e o rio Geba. Pode-se dizer que executaram uma operação bem planeada. Impediram-nos de sair do quartel, atacando-nos durante o tempo necessário, enquanto outro grupo destruía parte da tabanca de Samba Silate.


Foto nº 1 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Pós 25 de abril de 1974 > "À esquerda está o 1.º guerrilheiro, que apareceu no Xime, devidamente fardado e desarmado, após o 25 de Abril e poucas semanas depois do último ataque ao Xime em simultâneo com o ataque à tabanca de Samba Silate; à direita está o Jamil (não sei se é o nome correto), que era de etnia Balanta (?) e habitava na tabanca do Xime. Era bem conhecido entre nós como sendo um possível informador do PAIGC. Foi ele que recebeu o guerrilheiro e o levou junto do capitão Simão.


Mas a história não acaba aqui. Não nos podemos esquecer que já tinha acontecido o 25 de Abril. Porém a paz oficialmente ainda não tinha sido acordada entre as novas autoridades portuguesas e a direcção do PAIGC.  Ainda não tinham começado as primeiras conversações em Londres, com Mário Soares do lado de Portugal e Pedro Pires do lado do PAIGC.Passaram mais umas duas ou três semanas e apareceu na tabanca do Xime, pela primeira vez, um guerrilheiro fardado e desarmado. (Foto nº 1).

Foi ter à tabanca de um africano, homem magro e alto, salvo erro de etnia balanta (?), que se chamava Jamil (?) (talvez algum camarada me possa confirmar o nome) mas que era pouco falador e bem conhecido entre nós porque sempre suspeitámos que se tratava de um informador do PAIGC (Foto nº 1).. Foi ele que levou o guerrilheiro à presença do nosso capitão Simão. (Foto nº 2)



Foto nº 2 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) >  Galhardete, Bandeira do PAIGC, oferecido pelo guerrilheiro ao capitão Simão.


 Houve naturalmente cumprimentos cordiais de parte a parte e lembro-me que esse guerrilheiro ofereceu um galhardete com a bandeira do PAIGC ao capitão (Foto nº 2). Por sua vez, este ofereceu-lhe uma garrafa de whisky ( ou brandy, valha a verdade). Esta garrafa trouxe consequências, como veremos mais adiante.

No dia seguinte, a pedido do guerrilheiro, fomos visitar a tabanca de Samba Silate, pouco antes atacada como referido acima (Foto nº 3). Aproveitei para ir na comitiva e tirar as fotos que agora recordo. Foi a primeira vez e única que lá fui, e estava ali tão perto...



Foto nº 3 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74 > Samba Silate > Visita do guerrilheiro à tabanca de Samba Silate, sua terra natal.  De pé, pode ver-se o guerrilheiro (segundo a contar da esquerda), o Jamil (?) (de braços cruzados) e o capitão Simão (de camisola branca e com a mão no cinturão).



Foto nº 4 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > A Tabanca de Samba Silate estava ainda em reconstrução, após o ataque que referi no texto.




Foto nº 5 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 >  Continuação da visita à tabanca de Samba Silate.  É curioso observar, pela imagem, que a população não era certamente de etnia Fula nem Mandinga, mas sim Balanta (porquê?).



Foto nº 6 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 >  Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro.  Ao fundo, à direita, pode ver-se a cruz que,  segundo ele, foi construída antes da guerra, por um tal missionário que lá viveu e que ele chamava de padre António [Grillo].


A tabanca estava, como se pode ver, ainda em reconstrução do ataque que pouco tempo antes tinha sofrido, conforme referi acima. (Foto nº 4).

Esse guerrilheiro contou-nos um pouco da sua história: era de lá, 
António Grillo (n. 1925, Acerenza,
Itália),  preso pela PIDE em 23/2/1963; 
faleceu em 18/6/2014,  com 89 anos
 de idade,  na sua terra natal;
há um liceu  Padre António Grillo, 
em Bambadinca (onde voltou, 
como missionário, de 1975 a 1986); 
tinha um fortíssima  ligação 
aos balantas de Bambadinca (LG).
e mostrou-nos, com alguma emoção, as ruinas da tabanca onde tinha nascido e vivido enquanto jovem. Falou-nos também numa cruz em cimento (? ) ainda intacta, a qual, segundo ele, havia sido construída, por um tal padre António [Grillo], missionário que lá viveu antes da guerra (*). Também mostrou as ruinas da tabanca onde viveu esse missionário. (Foto nº 6).

Cumprimentou várias pessoas da tabanca, sem grande euforia, mas sempre com respeito. (Foto nº 5).



Foi uma visita simples mas significativa que durou toda a manhã. Foi a oportunidade de reencontrar um passado que a guerra quase fez esquecer mas que na verdade estava bem presente. A vontade de acabar com a guerra não era exclusiva de uma das partes em conflito. Foi uma manhã emocionante. Todos os que, no mato, pegaram em armas, quer de um lado da barricada quer do outro, eram pessoas de corpo e alma, com sentimentos. Só os mandantes supremos é que não sabiam isso. Isto ficou demonstrado neste episódio simples mas significativo. (Foto nº 7).

Após a visita regressámos ao Xime e o guerrilheiro, não me lembro se nesse dia ou num dos seguintes, regressou ao mato tal como de lá veio, sem que dessemos por isso.

Nos encontros amigáveis e de reconciliação que posteriormente realizámos no mato, em Madina Colhido, ele não esteve presente por razões que nos foram explicadas pelo comandante máximo do PAIGC na zona. É que a tal garrafa de whisky que o capitão Simão lhe entregou, era para oferecer ao dito comandante que, com os seus homens deveriam festejar a paz. Acontece que, no auge das emoções, ele bebeu-a só, logo “enfrascou-se”, e por isso foi castigado com prisão. Quem havia de dizer?...

Logo após o 25 de Abril, a comunicação social imediatamente começou a dar notícias da guerra, o que até aí não era permitido pela PIDE. Este ataque que referi acima, não escapou a essa corrida desenfreada às notícias sensacionais. Imaginem a dificuldade que tive em acalmar os meus pais, depois de ter recebido uma carta deles a falarem exactamente nesse ataque e das suas consequências imediatas.

António Manuel Sucena Rodrigues

Ex-furriel miliciano,
CCaç 12 (Bambadinca e Xime, 1972-74) (**)



Foto nº 7 > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Para a posteridade aqui ficou uma foto tirada em Samba Silate em que me apresento com as barbas que mantenho há 40 anos. Apenas mudaram de cor.


Fotos, legendas e texto : © António Manuel Sucena Rodrigues  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
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Notas do editor:

(*) Sobre Samba Silate e os acontecimentos do início da guerra, em 1963, vd. postes de:

2 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6292: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (10): Samba Silate


(...) Dantes, Samba Silate foi uma grande tabanca balanta e um importante centro de produção de arroz. Mas na altura em que lá estive, era uma terra desabitada e completamente inculta. Dizia-se que qualquer tentativa dos Fulas para o seu aproveitamento seria gorada pelos Balantas.

Neste chão balanta, o Pe. António Grillo, missionário italiano, desenvolveu uma actividade pastoral florescente, reconhecida por muitas pessoas. Lá estava ainda, a testemunhá-lo, uma grande cruz de cimento erguida no local, assim como uma campa, também de cimento, perto da cruz, com a inscrição de Mateus Iala, balanta, que havia falecido em 1958, apenas um mês depois de ser baptizado.

Ao rebentar a guerra houve um forte movimento de adesão e apoio, em Samba Silate, à guerrilha. A tropa, porém, acudiu atacando e matando indiscriminadamente. Mancaman, do Xime, de quem já falei anteriormente  (...) , disse-me que só em Samba Silate morreram mil pessoas (...), incluindo mulheres e gente muito nova. Os que escaparam, uns foram para o mato, outros para Nhabijães, Enxalé, etc..

Pe. António viu-se implicado nos acontecimentos e, depois de preso, foi expulso, sem qualquer julgamento, para a Itália, donde não voltou mais. Constou que, mais tarde, Spínola autorizou o seu regresso, mas que a PIDE não o permitiu. (...)


14 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memórias dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)

11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63


(**) Último poste da série > 17 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14042: Memória dos lugares (278): Antigos quarteis de Farim e Nema (Patrício Ribeiro, sócio-gerente da Impar Lda)