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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12384: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (8): O café do sr. Teófilo (Parte IV): Um homem sempre bem informado.. (Manuel Mata, ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)




Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfleto de propaganda política, em  crioulo,  da autoria do PAIGC, oferecido ao Manuel Mata [ ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640, Bafatá, 1969/71; foto à direita], pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reseravos.


ERMONS,
riba di tudo cansera qui bó passa parmeru
i bó na passa inda,

IRMÃOS,
Para além de todas as canseiras que já passastes
e continuais ainda a passar,


Setia anu dja bó na sufri amonlon, man-
ga di bós pirdi bida amonlon, pabia
bó seta cudi larpaça di tuga, cu di sé
calchuris!

Há já sete anos que vós sofreis sem razão, mui-
tos de vós perderam a vida sem razão, porque 

aceitaram ouvir as aldrabices dos tugas e dos seus 
cachorros!

Seti anu dja tuga na purmiti bós cu-
ma guerra perto cabá, ma lé abós in-
da, é mais na sucundi tras di bós na
tabancas, pabia nó força cá péra quir-
ci, suma qui bó na sinti!

Já há sete anos que os tugas vos prometeram
que a guerra estava prestes a acabar, mas até agora ain-
da não, e mais se escondem por detrás de vós nas 
tabancas, porque a nossa força não pára de cres-
cer, como vós dais conta!

Seti anu tchigá pa bó intindi cuma na-
da ca pudi para nó ataque contra in-
dimigus di nó pubu, indimigus di in-
dependência di nó terá!

Sete anos chegam para entenderdes como na-
da pode parar o nosso ataque contra os ini-
migos do nosso povo, inimigos da in-
dependência da nossa terra!

ERMONS,
bó sai di caos nunde qui tugas pui cortel,
pubia bála ca ten udju dé! #
Bó dissa strangeras sploraduris colonialistas
tugas elis son cu sé foronta!
Bo bin djunta cu bó ermons!

IRMÃOS,
Saiam dos lugares onde os tugas põem quartel,
porque as balas não têm olhos!
Deixai os estrangeiros exploradores colonialistas,
tugas, a sós com as suas dificuldades!
Vem e junta-te aos teus irmãos!


VIVA P.A.I.G.C.
Morti pa strangerus tuga, cu sé calchuris di dus pé!

VIVA O P. A. I. G. C.!
Morte aos estrangeiros tugas, e aos seus cachorros de dois pés!

 Nota do tradutor (M.D.):

# ... pabia bála ca ten udju dé!...  Dé! é uma partícula de realce, sem tradução em português, e que expressa como que um sério aviso.

 Tradução do nosso camarada © Mário Dias (2006).



Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfleto de propaganda política, em  árabe,  da autoria do PAIGC, oferecido ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo. Deste documento não temos tradução para português.

Sobre este português que chegou á Guiné nos 30 (desterrado, dizia-se), escreveu já o Jorge Cabral, em 12/4/2006, na I Série do nosso blogue: "Falei muitas vezes com o senhor Teófilo. Penso que não era, nem Turra, nem Pide. Apenas um bom e lúcido Homem".

Por seu turno, Fernando Gouveia, seu vizinho, acrescentou, recentemente: "Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante".

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reseravos




COMBATENTES, NÓS FOMOS ENGANADOS!

"Agora nós sabemos que no PAIGC
nós lutamos só contra a felicidade do povo,
e contra o progresso da Guiné...

Agora nós vemos claro 
como os dirigentes do PAIG nos enganam".

Foi assim que NHATE BUIDA falou na Rádio de Bissau
no dia 23 de Junho de 1970.

HOMEM DO MATO:
O Governo está a construir o progresso e a felicidade do povo.
O PAIGC só traz morte, miséria e sofrimento para o povo
e para os combatentes.

HOMEM DO MATO!
NO PAIGC TU LUTAS CONTRA O POVO.

VEM JUNTAR-TE AO POVO PARA CONSTRUIR
UMA GUINÉ MELHOR.




HOMEM DO MATO !
O MOTIVO DA LUTA JÁ ACABOU

Assim disse Nhate Buida, chefe de grupo do PAIGC, de Naga,
que foi apanhado pela tropa no dia 16 de Maio de 1970.

ELE NÃO QUER REGRESSAR PARA O MATO.


Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfletos de contra-propaganda política, em  crioulo,  elaborados pelo Exército Português em 1970, e oferecidos ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados


Tradução do nosso camarada © Mário Dias (2006). [, foto atual à esquerda]
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'


 Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1970 > Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70] > Foto s/nº  >  "Uma irmãzinha de Amílcar Cabral", segundo o testemunho do sr. Teófilo com quem ele terá trabalhado, antes da guerra... Amílcar nasceu em 12/9/1924, em Bafatá, filho de pais caboverdianos. Juvenal Cabral, professor primário,  e Iva Pinhel Évora, doméstca. A família regressa a Cabo Verde em 1932.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > Busto do fundador do PAIGC,  Amílcar Cabral (Bafatá, 12/9/1924 - Conacri, 20/1/1973), engenheiro agrónomo, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 1950. Era filho de Juvenal Lopes Cabral, professor primário, caboverdiano, e de Iva Pinhel Évora, doméstica, guineense. Irmão, pelo lado paterno, de Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da Guiné-Bissau (1973-1980).

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; é arquiteto, e vive no Porto; foto atual à direita]

Data: 2 de Dezembro de 2013 às 01:38

Assunto: Sr. Teófilo

Luís:  Já várias vezes sugeriste que eu dissesse algo sobre o sr. Teófilo, por ter morado junto da casa dele. Nunca cheguei a dizer nada sobre o controverso senhor porque realmente não tinha muito a contar.

Efectivamente, durante os dois anos de comissão [, 1968/70], quase todos os dias, ao fim da tarde e à noite estava com ele, sentados na esplanada, a ver passar o pessoal, de, e para a tabanca da Rocha. Foi também aí que muitas vezes vi chegar autênticas caravanas de burros, todos engalanados, trazendo a mancarra para o celeiro.

Claro que muito conversamos mas nunca sobre assuntos de "guerra". Como que havia um acordo tácito entre nós no sentido de não entrarmos em mútuas confidências. Talvez tenha sido eu a forçar essa nota,  dadas as minhas funções, de informações, no Comando de Agrupamento [nº 2957]. Não queria de forma alguma fazer transparecer fosse o que fosse referente ao que se passava na "nossa guerra", quer em relação às NT, quer ao IN. Não tendo qualquer desconfiança em relação a ele, nunca lhe contaria nada que pudesse vir a pôr em perigo alguém das NT.

Se eu nunca cometi qualquer inconfidência, considero que ele por duas vezes não se conteve.

Primeira: Estava para se realizar uma grande operação dentro do Senegal, assunto que estava a ser tratado no Agrupamento com a chancela de "secreto". Pois bem,  um ou dois dias antes da operação,  o Sr. Teófilo falou-me, e eu só ouvi, dessa grande operação. Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante.

Uma outra vez, próximo do fim da minha comissão, princípios de 1970, em determinada altura vira-se para mim e diz: 
– O Sr. Alferes sabe que na noite passada andaram, naquelas tabancas para lá da pista, elementos do IN? 

Mais uma vez não manifestei qualquer reacção. Acrescentarei que a partir dessa data nunca mais fui à caça à noite, como sempre tinha ido. Passei a ir só de dia e acompanhado.

Sobre estas duas situações, claro, que ao chegar ao quartel fiz seguir superiormente as minhas duas únicas informações de toda a minha comissão, penso que classificadas de B-2 (a letra de A a E referente à fonte da notícia e o algarismo de 1 a 5 relativo ao grau de verosimilhança da notícia).

Com o Sr. Teófilo as conversas sempre foram sobre trivialidades. Aprendi a tornar tenras as chocas (perdizes) que caçava e que até aí as achava duríssimas. Era só tirar-lhe a pele. Aprendi com a esposa dele a fazer uma boa cachupa, que ainda agora fazemos regularmente cá em casa. Aprendi com ele a eliminar uma verruga com auxílio de uma crina de cavalo.

Para terminar, uma tarde vira-se para mim e diz-me; 
– Aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral...

O mesmo Amílcar Cabral, com quem ele  trabalhou na "Agrária" de Fá e por quem tinha, nessa época antes da guerra, muita consideração.

Não deixei de tirar uma foto à Senhora que junto envio.

Um abraço

Fernando Gouveia
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12369: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (6): O café do sr. Teófilo (Parte II): um homem amargurado que sabia demais? (Manuel Mata)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12373: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (26): Nós, tugas, somos mesmo estranhos...

1. Comentário, de 30 de novembro último,  ao poste P12369 (*), assinado por de António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961, foto à esquerda; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer, colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993]

Lá terei que meter o bedelho novamente.(*)

Mais do que chefes de posto, governadores, ou mesmo missionários,  eram os comerciantes, fazendeiros e gente que vivia isolado com os africanos que sabiam lidar com brancos e com pretos.

A tropa metropolitana quando terminava os 24 meses de arame farpado e Unimog, saía das colónias sem ter conhecido na realidade os brancos,  antigos colonos.

E como vinha instruído pelos milicianos em geral contra o salazarismo/colonialismo, via estes colonos como o causador de ela [, tropa,] estar ali de arma na mão.

Como tal evitava o diálogo aberto e franco com os "civís"

Os meus treze anos de guerra em Angola dão-me o direito de dizer que os militares portugueses viam os futuros "retornados" com gente a evitar.

Foi triste esta realidade, e hoje (este poste) vemos este diálogo a perguntarmo-nos quem era o comerciante Teófilo como sendo alguém em quem não se podia confiar.

Se este Teófilo foi um deportado ou não, eram conhecidos vários deportados desde o histórico Zé do Telhado, por exemplo. Mas as deportações últimas foram as da revolta de 1926,  mas que não têm a ver com Estado Novo/Salazar. Este foi o Tarrafal [1936].

Os meus treze anos de guerra de ultramar dizem-me que a maioria dos comerciantes das ex-colónias, em que alguns eram já naturais de lá, podiam já ter filhos brancos ou mestiços que podiam ser "anti-salazaristas/colonialistas", mas eram admiradores da política colonial de Salazar.

Eles sabiam que aquela política estava a evitar a desgraça dos países já independentes. Os comerciantes tinham o povo africano do lado deles, e eles confiavam e tinha a protecção do povo. O povo protegia-os dos turras.

Nem a PIDE, profissão de ganha-pão, nem a tropa chegou a entender os velhos colon.

Nos, tugas, somos mesmo estranhos. (**)

[Foto, à esquerda, de Fernando Gouveia, c. 1970: casa e café do sr. Teófilo - 3 -, com camião basculante estacionado em frente]

Em tempo: A camionete vermelha que se vê estacionada na Foto é um camião basculante Magirus Deutz.de transporte de terras. Provavelmente seria da Tecnil, pois Bafatá- Gabu-Pitche e Bambadinca foram estradas deles.

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Notas do editor:

sábado, 30 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12369: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (6): O café do sr. Teófilo (Parte II): um homem amargurado que sabia demais? (Manuel Mata)





Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70] > Foto nº  11 > Legenda: 1 – Estrada para Bambadinca, logo a seguir à rotunda; 2 – A minha casa;  3 – A casa e restaurante do Sr. Teófilo.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.



1. Texto do Manuel Mata, com data de 29/3/2006, publicado na I Série (*):

Caro Luís Graça:

Volto à questão do Teófilo ser ou não um presumível informador... da PIDE/DGS (**). Não creio!... Com o devido respeito, e que me perdoe a família por estar a referir o seu nome e passagens do meu convívio com o seu familiar, mas são memórias de uma época que gosto de partilhar embora com alguma imprecisão, já que vão decorridos 36 anos, e os neurónios por vezes já não respondem a 100%.

O Esq Rec Fox 2640 [, Bafatá, 1969/71] tinha um sistema rotativo do serviço de vagomestre, à messe de Oficiais e de Sargentos. No mês que coube ao 1º Srgt Mecânico (já falecido), as refeições ao longo das primeiras semanas foram quase sempre à base de peixe do rio, pescado na zona de Sonaco, a nordeste de Contuboel.

 Eu levava granadas defensivas ou ofensivas que eram posteriormente justificadas em combate, questão que o 1º Sargento resolvia para que eu não tivesse problemas com o Comandante do Esquadrão. Lá seguíamos nós (ele, a esposa, o filho de 3 a 4 anos de idade e eu por vezes), numa Peugeot de caixa aberta e, chegados a Sonaco, dois Guineenses com canoas conduziam-nos pelo Rio...Granada aqui, granada acolá, lá vinha o peixe à tona da água, mergulhava um dos guias para apanhar o peixe...

Um certo dia, o pessoal do Esquadrão já estava saturado... O Comandante, Capitão Fernando Vouga, mandou que se atirasse tudo ao lixo e exigiu cabrito para o almoço. E assim foi! Nesse mesmo dia, passei pelo café do Teófilo, fez-me logo o comentário:
– Então, o mecânico não se contenta só com o que rouba ao civis na reparação das viaturas!? Vai pagar tudo!

O Esquadrão teve em determinada altura algumas armas de caça automáticas, de cinco tiros, que o pessoal podia requisitar para os seus tempos de lazer. O 1º Srgt mecânico era um dos elementos que as utilizava para a caça nocturna.

Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
– Ou encontras já o transporte ou disparo!

O rapaz lá seguiu e, mal dada uma meia dúzia de passos, eis a carrinha à sua frente.

Guiné > Zona leste > Sonaco > Rio Geba > Bafatá > 1970 > Foto nº 1 > A pesca à granada... Na foto o Manuel Mata (à esquerda) 


 Foto (e legenda):  © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados





Guiné > Zona leste > Bafatá >  1970 > Foto nº 2  O milagre dos peixes... 

Foto (e legenda): © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados



Posteriormente, passo pelo Café do Sr. Teófilo (parece que o estou a ver de bengala na mão, sentado na sua cadeira de braços, do lado esquerdo da porta do café)... Quando pus o pé no patamar, disse-me logo em voz baixa:
– Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?

Observei no mesmo tom:
– Como sabe? – Respondeu:
– Já te disse que sei tudo – e acrescentou:
– Não perde pela demora!

Semanas mais tarde, estando o 1º Sargento em casa, entre as 21 e as 23 horas, de um determinado dia, bateram-lhe à porta dizendo:
– Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.

Não foi por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro [, a Tabanca da Rocha,] onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.

Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.

Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
– Esse não sai de cá com vida!

Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.

Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
– Eu não te disse? Já pagou! – Acrescentei eu:
– Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)... 

O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
– Esse porco já teve o que merecia!

Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
– A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada... 

E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.

Manuel Mata [ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71]

2. Comentário de L.G.:

Manuel Mata: este teu testemunho é precioso... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS (ou que colaborasse com o PAIGC)... Além disso, o senhor já morreu e merece o nosso respeito. 

Ele, muito possivelmente, como outros velhos colons (na Guiné, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe...) deveria ser contra a situação (ou seja, o regime político então vigente desde 1926)... Só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30, conforme a tua versão (e a versão que corria em Bafatá, no meu tempo)... 

Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE/DGS ou jogarem com um pau de dois bicos... Podemos perguntar hoje se, em contexto de guerra, ou contexto daquela guerra,  eles tinham alternativa...

Eu penso que, aos olhos da tropa, isso deverá ter acontecido  não só em Bafatá e em Bambadinca como noutras circunscrições e  postos administrativos, naquelas ocalidades de maior ou menor importância onde ainda houvesse comerciantes (independentemente da sua origem, portugueses, caboverdianos ou libaneses)... Muitos dos nossos miliatares tinham esse preconceito ou estereótipo: comerciante ou era turra ou era informador da PIDE...ou até uma coisa e outra. Muitos de nós, em contrapartida, nunca puseram essa hipótese em relação a alguns dos oficiais que nos comandavam ou dos sargentos do quadro que comiam à mesa connosco e até acamaradavam connosco...

Quanto a esse  história do agente  da PIDE/DGS que levou porrada numa tabanca... .Ouvia-a eu,  ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana (ou foi no café do Teófilo ?, não posso jurar): iam-lhe cortando o nariz, à dentada...  Lembro-me de ouvir a conversa dele (eu, algo incomodado, com a presença dele e doutro agente, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)... O fulano – que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha – estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) não se podia fazer justiça por mãos próprias... Enfim, ainda bem que havia leis, havia tribunais, e estava em curso a política da "Guiné Melhor"...

De qualquer modo, nunca cheguei a saber onde era a delegação da PIDE/DGS em Bafatá... Por outro lado, a sua colaboração com as NT (e vice-versa) era considerada, mais ou menos, como uma coisa normal...
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Notas do editor:

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12358: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (5): O café do sr. Teófilo (Parte I): um homem reservado, de poucas falas, e com um passado mal conhecido (Manuel Mata / Luís Graça / Humberto Reis / Maltez da Costa)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Rotunda à entrada de Bafatá e o Café do Teófilo (pai da Ritinha), ao fundo. Em frente ao Teófilo, morava o meu camarada e amigo Fernando Gouveia.


Foto (e legenda): © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados


1. Já aqui temos falado aqui, mais do que uma vez, do Café do Sr. Teófilo, em Bafatá... Alguns leitores poderão querer  saber quem era, afinal,  esse senhor que se cruzou connosco...

Para quem passou pelo leste, e inevitavelmente por Bafatá, em pleno coração do "chão fula", o nome do sr. Teófilo pode dizer qualquer coisa... Mas o seu café, já fora do núcleo central da cidadezinha colonial de Bafatá, à saída para Bambadinca, na Tabanca da Rocha, poderá ser menos conhecido... Não era sítio de paragem de todos os que estiveram em Bafatá, ou iam a Bafatá, em serviço ou em lazer.

Em contrapartida, era frequentado pelo pessoal do setor L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole), e nomeadamente pelo pessoal metropolitano da CCAÇ 12 que, mais ou menos de mês a mês, conforme a frequência e a intensidade da actividade operacional, ia a Bafatá com três ou quatro  propósitos  simples: (i) comer o seu bifinho com batatas fritas e... "ovo a cavalo", supremo luxo! (em geral na Transmontana, um refeição que custava qualquer coisa como 25 pesos, o equivalente à "diária" de um militar); (ii) visitar as amiguinhas do Bataclã (que às vezes também iam a, e ficavam em,  Bambadinca, em visita de cortesia...); (iii)  fazer compras na Casa Gouveia ou outras casas comerciais; ou simplesmente (iv) distrair a vista pelas montras da civilização...  Enfim, um ou outro andava a tirar a carta na escola de condução local.

Com cerca de 4 mil habitantes (no princípio dos anos 60), Bafatá era a sede de concelho do mesmo nome e a segunda maior cidade da Guiné (passou de vila a cidade em Março de 1970!)... De Bambadinca a Bafatá,  a estrada era alcatroada ... e podia-se acelerar! Uma verdadeira autoestrada de 30 km.!... As preocupações com a segurança eram mínimas e houve acidentes, rodoviários, de maior ou menor gravidade! [vd. foto aérea, à direita, do Humberto Reis, c. 1970]

O Teófilo já foi aqui evocado, em 25 e 26/3/2006,  pelo seu amigo Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de CCM47, integrado no Esquadão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71), e que vive no Crato, Alto Alentejo, sendo membro da nossa Tabanca Grande desde essa altura:

 "Café do Teófilo: À saída de Bafatá, na estrada para Bambadinca. Este homem era sobrevivente de um grupo desterrado para a Guiné nos anos 30. No período da guerra era apontado como sendo informador do IN. Foi pessoa com quem me dei particularmente bem, pois tinha pelos alentejanos (em especial de Portalegre) um carinho especial. Era sítio que eu visitava com alguma regularidade, tomava-se uma cerveja gelada, com alguma descrição, acompanhada de uma breve conversa. Era uma pessoa de parcas palavras" (*).

Mandei, nessa altura, em 25 de março de 2006, a seguinte mensagem ao Manuel Mata:

"A história do Teófilo intressa-me. Eu julgo que ele era das Caldas da Rainha, do Oeste (eu sou da Lourinhã). Seria ? Fiquei com essa ideia, das minhas conversas (escassas) com ele... Eu ia lá algumas vezes, recordo-me da filha [, a Rita]. Ele era de poucas palavras (acrescentei eu, à tua legenda).

"Sabes o motivo por que foi desterrado (ou deportado, como se dizia na época) para a Guiné ? Por razões políticas ? Seria ? Terá estado envolvido nalgum movimento de contestação ao Estado Novo nos anos 30 ? Recorde-se que em 1936 foi criado o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, e que entre 1916 e 1939, mais de 15 mil portugueses foram presos e, muitos deles, deportados (para as ilhas adjacentes e colónias) por razões políticas, segundo estimativa do historiador Fernando Rosas (**)...

"De facto, no meu tempo, ele já tinha 40 anos de Guiné [e já deveria ter  cerca de 60 de idade]... Nunca aprofundei essa história. Voltaste a saber dele ? Vou perguntar também ao meu camarada Humberto Reis, da CCAÇ 12" ...


2. Informações adicionais do Manuel 
Mata [, foto à direita, em Santa Magarida,]
sobre o Teófilo, publicadas em 25/3/2006 (*):

No que respeita ao Sr. Teófilo, soube em certa altura, após o 25 de Abril de 74, suponho que por um dos meus amigos de Castelo Branco, donde a esposa do senhor era natural, que a Ritinha e o irmão (furriel na altura, em Bissau) viviam em Lisboa.

Quando cheguei a Bafatá, em Novembro de 1969, alguém me disse:
– O fulano ali do café procura militares de Castelo Branco e de Portalegre. 

Lá fui eu e dois companheiros de Castelo Branco, acabámos por jantar com o senhor. Posteriormente em conversas havidas, recordo de me contar que era sobrinho do Sr. Tapadinhas, proprietário da Tipografia Tapadinhas, em Portalegre.

Contou-me que tinha sido desterrado para a Guiné no inicío dos anos trinta, num grupo de 40 elementos dos quais restavam três à data, estando ele e um outro em Bafatá de quem não me recordo o nome – sei que tinha uma taberna na Tabanca [da Rocha] entre a casa dele e o Hospital, e foi pessoa com quem , de resto, privei algumas vezes, para ouvir os programas em Português da BBC de Londres.

Sei que o Sr. Teófilo tinha vindo à Metrópole apenas duas vezes, tinha uma estima profunda pelos Guineenses, pois foi esse povo maravilhoso que o tratou de inúmeras doenças, e só assim conseguiu sobreviver.

Deu-me muitos conselhos, contou-me muita coisa confidencial, mas nunca quis falar da razão que deu origem ao seu desterro. Sempre respeitei a sua vontade, não o pressionando.

Manuel Mata

3. Comentário de L.G.:

[Foto à esquerda, de Fernando Gouveia: "1970 - A minha casa (pintada de verde) e o restaurante do Sr. Teófilo (junto da camioneta vermelha)]

Esta história é fantástica: o Manuel Mata veio-me refrescar a memória. Lembro-me muito bem do velho Teófilo, que era apontado, no meu/nosso tempo (1969/71) com um caso excepcional de sobrevivência de um europeu às duras condições da Guiné: ele sobreviveu a tudo, o paludismo, a bilharziose, a doença do sono e tantas outras doenças tropicais; enfim, e sobretudo, sobreviveu ao isolamento, ao desterro, ao abandono... 

Como todos os brancos (em especial, comerciantes e poucos) que eu conheci  na Guiné, o Teófilo tinha fama de estar feito com o IN (ou, noutros casos, era-se inevitavelmente suspeito de ser informador da PIDE/DGS, como era o caso de um comerciante de Bambadinca, cuja casa frequentei /frequentámos algumas vezes)...

Devo, contudo, dizer que não me recordo de ter visto os agentes da PIDE/DGS de Bafatá no Café Teófilo... No Restaurante Transmontana, sim...(Mas posso estar a fazer confusão ao fim destes anos todos: numa destas casas conheci um ou mais agentes da PIDE/DGS de Bafatá...  Um deles tinha sido agredido, em serviço, numa tabanca, iam-lhe cortando o nariz, à dentada, e vociferava contra o Spínola e a sua política).

De qualquer modo, o Manuel Mata, que passou a sua comissão em Bafatá (, era seis meses mais novo do que eu...) e, além disso,  era visita da casa do Teófilo, sabe mais histórias sobre este grupo de deportados que não nos quis, na altura,  contar, por razões que eu entendo e respeito... Presumo que se tratava de homens, na altura jovens, que não morriam de amores pelo Ditadura Militar e depois pelo Estado Novo. Como se dizia na época,  deveria ser gente  do reviralho... E daí a suspeita, se calhar injusta,  de pactuarem (ou simpatizarem) com o IN (leia-se: os turras)... Em suma, o sr. Teófilo era visto com reservas pela tropa de Bafatá... Enfim, é pelo menos uma primeira conclusão que eu posso tirar...

Eis, entretanto,  o que o Humberto Reis me esclareceu sobre o café do sr. Teófilo: 

"Do Teófilo apenas me lembro de que era lá que se formava a coluna de regresso a Bambadinca, por isso aí se bebiam os últimos copos. Também me recordo que a filha, Rita, trabalhava nos correios lá em Bafatá e que a balança se queixava, cada vez que ela se punha lá em cima (era uma miúda nova mas já bastante forte para a idade). De resto já não me recordo de mais nada".

Mas há muito mais malta, da nossa Tabanca Grande, que esteve em (ou passou por) Bafatá, que gastava lá o patacão (vd. imagem acima, de uma nota de 50 pesos!), para além do Manuel Mata (Esq Rec Fox 2640), do pessoal da CCAÇ 12 (eu, o Humberto, o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes), do Fernando Gouveia (Comando de Agrupamento nº 2957, 1968/70) (que, de resto, viveu quase dois anos numa casa em frente ao café do sr. Teófilo), etc.

O Teófilo, cuja memória evoco com respeito (hoje se fosse vivo andaria perto dos 100 ou mais), fez-me lembrar-me o caso dos lançados... Eram tipos (desde os condenados pela justiça do rei aos aventureiros, aos judeus, aos ‘assimilados’, etc.) que desde o tempo de D. Henrique eram literalmente lançados, sozinhos, com a missão de explorar, por sua conta e risco, a costa da África Ocidental, os países subsarianos, até à próxima viagem das caravelas ... Eram, na época dos Descobrimentos, em meados do séc. XV, uma espécie de guias e picadores, de espiões, de antropólogos, de embaixadores, de bandeirantes, verdadeiros líderes (no sentido em que iam à frente, para conhecer e mostrar o caminho)… Também eram conhecidos por tangomaus

Nem sempre foram bem vistos pela autoridade régia (que pretendia manter o monopólio do comércio com a África Ocidental, enquanto os lançados também farão, mais tarde, negócios com os ingleses, os franceses e e os holandeses) nem muito menos pelos missionários que os acusavam de estarem completamente cafrealizados, vivendo em poligamia, no pecado, à maneira dos cafres...

Estamos a falar ainda do Séc. XV… Os nossos amigos e camaradas estão a imaginar serem lançados, por exemplo,  na foz do  Rio Corubal, com uma missão (contactar os povos da margem direita do Corubal) e uma promessa sem garantia (a de voltar a casa no ano seguinte ?)

Estas são outras histórias do Império que muitos de nós desconhecem... Sobre os Lançados, vd. Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses (ed lit Luís de Albuquerque). Vol II. Lisboa: Círculo de Leitores. 1994.582-584. Ver também o texto do senegalês Mamadou Mané - Algumas observações sobre a presença portuguesa na Senegâmbia até ao séc. XVII, publicado na Revista ICALP, vol. 18, Dezembro de 1989, pp. 117-125, disponível em formato pdf na página do Instituto Camões. (**)


4. Comentário de Maltez da Costa, ex-1º cabo radiotelegrafista do STM, que esteve nos Esq Rec Fox 2350 e 2640  (Bafatá, 1968/70) (*)

A tabanca do sr.Teófilo, esposa, filho e filha, funcionava como café e restaurante, durante 24 meses (junho/68 a Julho 1970). Era lá que eu gastava as minhas parcas economias e,  quando não havia dinheiro, havia sempre o rol de fiados.

Era uma família simpática! Recordo com muita clareza, embora já se tenham passado 40 anos, as suas fisionomias. Não é verdade que a PIDE/DGS não frequentava o seu estabelecimento, pois foi lá que conheci dois dos seus elementos com quem tive alguns problemas e lá foram resolvidos com a ajuda de um camarada de Guimarães.

Na altura dizia-se que o Sr. Teófilo tinha chegado à Guiné para trabalhar como ajudante de veterinária e só depois da chegada da nossa tropa é que se fixou em Bafatá. Desconheço se é verdade ou mentira. 

Inicialmente eu dormia no Comando de Agrupamento [nº 2957] e trabalhava no posto de rádio junto à messe dos Sargentos. Mais tarde mandaram-me definitivamente para o Esquadão de Reconhecimento Fox (Cavalaria). Quando lá cheguei,  em Junho de 1968, já lá estava um Esquadrão [Esq Rec Fox 2350], quando me vim embora em Julho de 1970, lá ficou outro [Esq Rec Fox 2640]. Em ambos fiz amigos que gostaria de voltar a ver ... de certeza que já não os conheço ... foram 40 anos de separação.

Se alguém se lembrar de mim, que entre em contacto comigo, um abraço a todos e o desejo de uma longa vida na companhia dos filhos, netos e bisnetos. Maltez da Costa, 1º cabo radiotelegrafista do STM (jose.m.costa@sapo.pt)

(Continua) (***)
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Notas do editor

(*) Vd I Série, postes de

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata)

26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIV: Bafatá: o Café do Teófilo, o desterrado
(**) Segundo o historiador Fernando Rosas, o número de deportados nas ilhas e nas colónias, em finais de 1931, meados de 1932, entre oficiais, sargentos praças e civis, era de 1421 (a maior parte em Angola, Timor, Cabo Verde e Açores).

Na Guiné, o número de deportados reviralhistas (opositores ao regime instalado em Portugal depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926) era de 46, dos quais 18 oficiais, 5 sargentos, 5 praças e 18 civis... Será que entre estes civis poderia estar o nosso jovem Teófilo ? Recordo-me do Teófilo me ter sempre falado de um grupo original de 40 portugueses que veio para a Guiné, e de que ele era já (em 1969/71) um dos últimos sobreviventes. Julgo que mais tarde (se não mesmo logo em 1932) ele e os seus companheiros de infortúnio terão beneficiado de uma amnistia.

Fonte: História de Portugal (ed. lit. José Mattoso), Vol. 7: O Estado Novo (1926-1974). Lisboa: Circulo de Leitores 1994. 209.

(***) Último poste da série > 28 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12357: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (4): Pista e Tabanca da Rocha (fotos nºs 4, 5 e 8)

domingo, 26 de março de 2006

Guiné 63/74 - P635: Bafatá: o Café do Teófilo, o desterrado (Manuel Mata / Humberto Reis / Luís Graça)


Foto nº 1




Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Estrada de Bambadinca-Batatá, vista de heli (foto nº 1); vista aérea de Bafatá, com o Rio Geba do lado direito (foto tirada de helicóptero, do lado oeste) (foto nº 2); o Humberto Reis na piscina de Bafatá (foto nº 3),


Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Fotos:  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Café do Teófilo era conhecido por todos os tugas que estiveram em Bafatá, ou iam a Bafatá, em serviço ou em lazer. 

Era o caso do pessoal metropolitano da CCAÇ 12 que, mais ou menos de mês a mês, conforme a frequência e a intensidade da actividade operacional, ia a Bafatá comer o seu bifinho com batatas fritas (em geral na Transmontana), visitar as amigas do Bataclã, fazer compras na Casa Gouveia ou simplesmente distrair a vista pelas montras da civilização...

Com cerca de 4 mil habitantes (no princípio dos anos 60), Bafatá era a sede de concelho do mesmo nome e a segunda maior cidade da Guiné (passou de vila a cidade só em Março de 1970!)...

O Teófilo (ninguém sabe o seu nome completo) foi aqui evocado pelo Manuel Mata, do Esquadão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71):

"Café do Teófilo: À saída de Bafatá, na estrada para Bambadinca. Este homem era sobrevivente de um grupo desterrado para a Guiné nos anos 30. No período da guerra era apontado como sendo informador do IN. Foi pessoa com quem me dei particularmente bem, pois tinha pelos alentejanos (em especial de Portalegre) um carinho especial. Era sítio que eu visitava com alguma regularidade, tomava-se uma cerveja gelada, com alguma descrição, acompanhada de uma breve conversa. Era uma pessoa de parcas palavras" (*).

Mandei a seguinte mensagem ao Manuel Mata:

"A história do Teófilo intressa-me. Eu julgo que ele era das Caldas da Rainha, do Oeste (eu sou da Lourinhã). Seria ? Fiquei com essa ideia, das minhas conversas (escassas) com ele... Eu ia lá algumas vezes, recordo-me da filha [, a Rita]. Ele era de poucas palavras (acrescentei eu, à tua legenda).

"Sabes o motivo por que foi desterrado (ou deportado, como se dizia na época) para a Guiné ? Por razões políticas ? Seria ? Terá estado envolvido nalgum movimento de contestação ao Estado Novo nos anos 30 ? Recorde-se que em 1936 foi criado o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde (**), e que entre 1916 e 1939, mais de 15 mil portugueses foram presos e, muitos deles, deportados (para as ilhas adjacentes e colónias) por razões políticas, segundo estimativa do historiador Fernando Rosas ...

"De facto, no meu tempo, ele já tinha 40 anos de Guiné... Nunca aprofundei essa estória. Voltaste a saber dele ? Vou perguntar também ao meu camarada Humberto Reis, da CCAÇ 12" (***)...

2. Informações adicionais do Manuel Mata sobre o Teófilo:

No que respeita ao sr. Teófilo, soube em certa altura após o 25 de Abril de 74, suponho que por um dos meus amigos de Castelo Branco, donde a esposa do senhor era natural, que a Ritinha e o irmão (furriel na altura, em Bissau) viviam em Lisboa.

Quando cheguei a Bafatá, em Novembro de 1969, alguém me disse:
- O fulano ali do café procura militares de Castelo Branco e de Portalegre.

Lá fui eu e dois companheiros de Castelo Branco, acabámos por jantar com o senhor.

Posteriormente em conversas havidas, recordo de me contar que era sobrinho do dr. Tapadinhas, proprietário da Tipografia Tapadinhas, em Portalegre.

Contou-me que tinha sido desterrado para a Guiné no inicío dos anos trinta, num grupo de 40 elementos dos quais restavam três à data, estando ele e um outro em Bafatá de quem não me recordo o nome - sei que tinha uma taberna na Tabanca entre a casa dele e o Hospital (pessoa com que, de resto, privei algumas vezes, para ouvir os programas em Português da BBC de Londres).

Sei que o sr. Teófilo tinha vindo à Metrópole apenas duas vezes, tinha uma estima profunda pelos Guineenses, pois foi esse povo maravilhoso que o tratou de inúmeras doenças, e só assim conseguiu sobreviver.

Deu-me muitos conselhos, contou-me muita coisa confidencial, mas nunca quis falar da razão que deu origem ao seu desterro. Sempre respeitei a sua vontade, não o pressionando.

Manuel Mata

3. Comentário de L.G.:

Esta história é fantástica: o Manuel Mata veio-me refrescar a memória.

Lembro-me muito bem do velho Teófilo, que era apontado com um caso excepcional de sobrevivência às duras condições da Guiné: ele sobreviveu a tudo, o paludismo, a bilharziose, a doença do sono e tantas outras doenças tropicais; ao isolamento, ao desterro, à deseperança...

Como todos os brancos (em especial, comerciantes) que eu conheci na Guiné, o Teófilo tinha fama de estar feito com o IN (ou, noutros casos, era-se inevitavelmente suspeito de ser informador da PIDE/DGS, como era o caso de um comerciante de Bambadinca, cuja casa frequentei /frequentámos algumas vezes)... Não me recordo de ter visto os agentes da PIDE/DGS de Bafatá no Café Teófilo...No Transmontana, sim...

De qualquer modo, o Manuel Mata (que passou a sua comissão em Bafatá e era visita da casa do Teófilo) sabe mais histórias sobre este grupo de deportados que não nos quer contar, por razões que eu respeito... Tratava-se de homens que não morriam de amores pelo Estado Novo, conhecidos por serem do reviralho... E daí a suspeita (grosseira) de pactuarem com o IN (leia-se: os turras)... Enfim, é pelo menos uma primeira conclusão que eu posso tirar...

Mas há mais malta da nossa tertúlia que esteve em (ou passou por) Bafatá, para além do Manuel Mata (Esq Rec Fox 2640), do pessoal da CCAÇ 12 (eu, o Humberto, o Tony Levezinho, o Fernandes) e outra malta que esteve no Sector L1 (Bambadinca)... Refiro-me ao A. Marques Lopes (CART 1690), o Jorge Varanda (CCAÇ 2636), o Jorge Tavares (CCS do BCAÇ 2856), o Maurício Nunes Vieira (CCS do BART 3884) , etc.

O Teófilo, cuja memória evoco aqui oom o respeito que é devido aos "nossos mais velhos" (hoje se fosse vivo teria mais de 90 anos, mesmo perto dos 100), fez-me lembrar-me o caso dos lançados... Eram tipos (desde os condenados pela justiça do rei aos aventureiros, os judeus e depois aos cristãos -nosos, aos ‘assimilados’, etc.) que desde o tempo de D. Henrique eram literalmente lançados, sozinhos, com a missão de explorar, por conta e risco, a costa da África Ocidental, os países subsaarianos, até à próxima viagem das caravelas ...

Os lançados eram, na época dos Descobrimentos, uma espécie de guias e picadores, de espiões, de antropólogos, de mediadores culturais,  de embaixadores, de bandeirantes: iam à frente, para conhecer e mostrar uma caminho… Também eram conhecidos por tangomaus. Nem sempre foram bem vistos pela autoridade régia (que pretendia manter o monopólio do comércio com a África Ocidental, enquanto os lançados também faziam negócios com os ingleses, os franceses e e os holandeses) nem muito menos pelos missionários que os acusavam de estarem completamente cafrealizados, vivendo em poligamia, no pecado, à maneira dos cafres...

Estamos a falar ainda do Séc. XV… Os nossos amigos tertulianos estão a imaginar serem lançados no Xime, com uma missão (contactar os povos da margem direita do Corubal) e a promessa de voltarem a casa no ano seguinte ?

Estas são outras histórias do Império que muitos de nós desconhecem... Sobre os Lançados, vd. Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses (ed lit Luís de Albuquerque). Vol II. Lisboa: Círculo de Leitores. 1994.582-584.

Ver também o texto do senegalês Mamadou Mané - Algumas observações sobre a presença portuguesa na Senegâmbia até ao séc. XVII, publicado na Revista ICALP, vol. 18, Dezembro de 1989, pp. 117-125, disponível em formato pdf na página do Instituto Camões.
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Notas de L.G.

(*) Vd post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

(**) Segundo o historiador Fernando Rosas, o número de deportados nas ilhas e nas colónias, em finais de 1931, meados de 1932, entre oficiais, sargentos praças e civis, era de 1421 (a maior parte em Angola, Timor, Cabo Verde e Açores).

Na Guiné, o número de deportados reviralhistas (opositores ao regime instalado em Portugal depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926) era de 46, dos quais 18 oficiais, 5 sargentos, 5 praças e 18 civis... Será que entre estes civis poderia estar o nosso jovem Teófilo ? Recordo-me do Teófilo me ter sempre falado de um grupo original de 40 portugueses que veio para a Guiné, e de que ele era já (em 1969/71) um dos últimos sobreviventes. Julgo que mais tarde (se não mesmo logo em 1932) ele e os seus companheiros de infortúnio terão beneficiado de uma amnistia.

Fonte: História de Portugal (ed. lit. José Mattoso), Vol. 7: O Estado Novo (1926-1974). Lisboa: Circulo de Leitores 1994. 209.

(***) Eis o que o Humberto Reis me esclareceu sobre o assunto:

"Do Teófilo apenas me lembro de que era lá que se formava a coluna de regresso a Bambadinca, por isso aí se bebiam os últimos copos. Também me recordo que a filha, Rita, trabalhava nos correios lá em Bafatá e que a balança se queixava, cada vez que ela se punha lá em cima (era uma miúda nova mas já bastante forte para a idade). De resto já não me recordo de mais nada ".