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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21933: No céu não há disto...Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (21): A Broa de Milho à Moda do Minho... e as sopas de vinho verde tinto (Joaquim Costa, V. N. Famalicão)


A broa de milho à moda do Minho...à moda da minha mãe


Foto (e legenda): © Joquim Costa  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74), membro nº 826 da Tabanca Grande, engenheiro técnico reformado, natural de Vila Nova de Famalicão, residente em Gondomar:


Data: segunda, 22/02/2021 à(s) 12:53
Assunto: O pão de milho e as sopas de vinho

 
Caro Luís, amigos e camaradas, em resposta à tua sugestão (*), aproveito para dar voz ao pão de milho, moído nas bucólicas azenhas espalhadas por toda a região do Minho, dando continuidade às minhas memórias de Paz.


As minhas tamanquinhas, a broa de milho… 
e as sopas de vinho verde tinto

por Joaquim Costa


Terminado o verão, era altura de preparar o inverno, pelo que a minha mãe me levou com ela à feira para comprar umas chancas novas e uma masseira (recipiente em madeira para dar “Coça” à massa para a fornada de pão) já que a velhinha de várias gerações se estragou.

O dia de feira era um autêntico dia de festa, pelo que era o êxodo das aldeias para a vila na ânsia de encontrarem alguns produtos e artigos que precisavam a bom preço bem como um pouco de divertimento e convívio fugindo, por ,algumas horas, às rotinas do trabalho diário. A feira era o sítio onde tudo se vendia e em que tudo podia acontecer:

  • venda de gado apalavrado no recinto da feira e selado na taberna da Sara Barracoa à volta de uma malga de vinho tinto e montes de notas a saltarem de mão em mão (Durante toda a tarde nunca a malga era lavada e todos os amigos que chegavam eram convidados a uma “golada” ; (a Sara era chamada frequentemente para repor o tinto com a frase: "Sara! lave com a mesma água !");
  • se ferravam os cavalos enquanto os homens confraternizavam e reviam velhas amizades na Sara;
  • onde se apregoavam e vendiam panfletos com histórias mirabolantes (um menino que nasceu com 3 cabeças e um homem que matou a mãe à facada e foi morto com uma cornada de um boi em defesa desta);
  • onde se jogava a vermelhinha (jogo com dois copos, manuseados com destreza, e um dado) com o homem em permanente fuga da GNR, montando e desmontando a banca percorrendo toda a feira;
  • onde homens se zangavam, puxando do pau para uma boa refrega, com aplausos da assistência, a intervenção da GNR e as pazes na Sara Barracoa;
  • onde sempre aparecia um grupo de saltimbancos com as suas habilidades, malabarismos, magias e o mais extraordinário o “cospe” fogo;
  • onde não faltava, nos dias de calor, a “águadeira”, com o seu cântaro de barro a vender copos de água com limão, quente mas que apregoava como fresca;
  • onde se vendia literalmente de tudo, desde todos os produtos agrícolas, roupa, móveis, ouro, animais e tudo o mais que se possa imaginar (...não esquecendo a banha da cobra) e em que as mulheres pagavam com o dinheiro embrulhado num lenço guardado em segurança entre os seios.

Antes de irmos às minhas chancas a minha mãe ainda comprou uma “masseira” nova para amassar a farinha para as fornadas de pão que cozíamos no forno caseiro uma vez por semana. 

A Sexta Feira era o dia mais esperado. Dia de cozer uma fornada de pão para toda a semana. Para além de ser o único dia da semana em que se comia pão fresco, era o dia das sopas de vinho (sopas de cavalo cansado), e da bôla com carne. Com o pão a sair do forno quentinho e estaladiço partia-se com a mão, ainda a queimar, para uma malga onde se embebia em vinho tinto. Ficava em descanso durante umas horas e ao fim da tarde era um regalo ver todos os meus irmãos a “lambuzarem-se” com tão extraordinária iguaria.

Eu não ficava de fora e tinha direito a uma pequena tigela, onde deitava um pouco de açucar. Não estava autorizado a beber vinho mas estava autorizado, uma vez por semana, a comê-lo (gostava mesmo daquilo). Eram as sopas de vinho e uma cebola pequena aberta com dois golpes preenchidos com sal e acompanhada com pão de milho quentinho que eu mais adorava.

Outra iguaria que fazia as nossas delícias era uma bôla, espalmada, onde se colocavam pequenos pedaços de carne de porco entremeada. Ia ao forno com a carne onde se derretia a gordura que dava um sabor divinal à bôla.]

Ao contrária dos nosso netos, que julgam que tudo o que aparece nas superfícies comerciais é feito na fábricas, no meu tempo, quando comia um “naco” de pão de milho sabia, melhor do que ninguém, como se chegou e este momento tão extraordinário de saborear esta dádiva da natureza.

A minha casa era rodeada por campos onde se cultivava, alternadamente, milho e centeio, acompanhando, maravilhado, os milagres da natureza:

  • acompanhava o lavrar a terra, ainda com a charrua puxada por uma junta de bois;
  • acompanhava a sementeira manual com gestos precisos e elegantes;
  • abria a janela todos os dias de manhãzinha e ver o que a natureza tinha tinha feito, durante a noite, à sementeira;
  • assistia à rega do milho abrindo e tapando carreiros, com a ajuda de uma enxada, onde passava um pequeno regato de água;
  • caminhava por entre o milho, cortando uma espiga, ainda verde, para assar na lareira da cozinha;
  • fumava os primeiros “cigarros” com as barbas de milho já secas enroladas em papel de mortalha;
  • participava na apanha do milho, fazendo o trajeto para a eira em cima dos carros de bois;
  • participava nas magníficas, e tão esperadas, desfolhadas, com muitas cantorias acompanhadas pelas tradicionais concertinas, muito vinho e presunto. O clímax destes momentos era quando alguém desfolhava um milho rei, com os rapazes em êxtase dando beijos às raparigas solteiras;
  • assistia à malha do milho com gestos preciso, coordenados e elegantes dos malhadores;
  • acompanhava o moleiro carregando sacos de milho do lavrador até ao moinho de água, construído num ribeiro afluente do Ave e acompanhava-o no regresso já com os sacos cheios de farinha;
  • assistia e ajudava ao levar em braços do moleiro até à sua carroça, puxada por um elegante e inteligente cavalo, depois de adormecer, bem jantado e bebido, e, dar uma pancada no cavalo que o levava direitinho até casa, escolhendo o melhor caminho para não acordar o patrão.

Depois, de todas estas tarefas, tudo ficava nas mãos da minha mãe:
  • Amassar a farinha numa masseira de madeira, fazendo uma reza e benzendo várias vezes a massa já devidamente posta em sossego, depois de uma valente coça;
  • Aquecer o forno com caruma e carqueja apanhada nas bouças vizinhas (altura em que as matas estavam sempre limpas);
  • Meter toda a fornada no forno já quente e limpo, utilizando uma gamela de madeira para dar forma à broa;
  • Fechar o forno, tapar todas as frinchas com um material, que me escuso de desvendar evitando ferir a sensibilidade de leitores mais suscetíveis, e mais uma reza e umas benzeduras.

Depois o milagre acontece... com o pão, que “Deus” amassou... na malga embebido em vinho tinto

“Amem"

_________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21922: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (20): O pão nosso de cada diz nos dai hoje, diz a "chef" Alice... E se for de farinha de trigo de Barbela, do Moinho de Avis (Cadaval, Montejunto,1810), ainda melhor!

Guiné 61/74 - P21932: Os nossos camaradas guineenses (46): O Jobo Baldé, o padeiro de Missirá e depois do Mato Cão, Pel Caç Nat 52, ferido ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e que sonhava vir para Lisboa e trabalhar na panificação...

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/70)  > 1969 > O sold Jobo Baldé, ao tempo do alf mil Mário Beja Santos, comandante do pelotão. Veio de Galomaro, Cossé, em 1969. Ofereceu-se como voluntário para fazer o pão no destacamento. 

"Esta é a primeira fotografia do Jobo na sua padaria: ele amassa cheio de vontade o nosso primeiro pão; veio um mestre do Cossé ensinar a fazer o forno; ele amassa num cunhete de granadas de bazuca mas do que gosto mais é a determinação do seu olhar, há ali um mundo de sonhos que ninguém, parecia, iria parar. Honra ao trabalho, amassarás o teu pão com o suor do teu rosto." (*****)

Foto (e legenda): © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Chamava-se Jobo Baldé, recorda o seu antigo comandante, o Mário Beja Santos. Era "o padeiro de Missirá, empreendedor topo de gama, sacrificava todos os seus lazeres para fazer pãozinho para a população civil".  (*)

E acrescenta o nosso camarada e colaborador permanente: "Revejo sempre esta fotografia com orgulho e olhos humedecidos. O Jobo prepara o pãozinho num cunhete de granadas de bazuca. Enviei esta fotografia à minha noiva e digo: 'Jobo, o padeiro que Rossini esqueceu para as suas óperas'...

"O Jobo tinha um fio de voz, quase ciciava, seguia bem perto do seu alferes. Escreveu-me anos a fio, também queria vir trabalhar para Portugal. Em Dezembro de 2010, procurei vê-lo. O Fodé Dahaba telefonou-lhe, não tinha dinheiro para se deslocar da região de Galomaro a Bambadinca, e nós não podíamos lá ir. Caí na asneira de lhe dizer que regressaria à Guiné, alguém ouviu, e é por isso que de vez em quando me escrevem para saber quando eu volto"… (*)

2. Mensagem do Beja Santos, com data de 29 de Setembro de 2006:

Caro Luís, a violência deste exercício ficou atenuada quando a Cristina me passou para as mãos as centenas de aerogramas que lhe enviei. Estou presentemente a arrumar por anos e depois passarei aos meses e dias. Até agora a memória não me tem atraiçoado, das cartas encontradas do período abordado vejo que há episódios humanos que merecem ser relatados.

E descobri algumas cartas dos meus soldados que te vou enviar pois eles enriquecem a histórias de todas as nossas relações afectivas, o português que se usava, o amor que se instalou entre os homens. Tu farás o uso que entenderes desta correspondência, tens plena liberdade para reproduzires como e quando for mais conveniente. (...) (**)

Exmº Sr Meu Alferes

por Beja Santos

Passou por aqui há dias o Queta Baldé, antigo soldado do Pel Caç Nat 52. É segurança nocturno numa empresa das redondezas, e de vez em quando vem partir mantenha. Trouxe-me uma carta datada de 1 de Janeiro, de Bissau, e assinada por Jobo Baldé. A fotografia dele já aqui apareceu, era o nosso padeiro a quem demos uma concessão de vender algumas fornadas de pão à população civil.

Na época das chuvas, não era possível trazermos os sacos de farinha na viatura e pedimos apoio aéreo. Lembro a ocasião em que um helicóptero nos largou a 15 metros de altura, sob a parada, um saco de farinha que tivemos de peneirar para tirar a terra... O Jobo escreve assim:

"Antes de mais desejo-te uma boa continuação de saúde e felicidade. Espero que não tenhas esquecido o Jobo. Olha Alfer Becha dos Santos você tinha-me dito vai me levar em Lisboa quando eu entrego a farda da tropa. Eu era o teu antigo padeiro em Missirá. Quero ir para Lisboa. Cumprimento para a sua família da casa. Jobo em Bissau, telefone 25-51-25."

Guardei outras missivas do Jobo. Por exemplo:

"Meu Senhor Alferes que eu queria dizer uma coisa que seja verdade porque meu mulher já pariu na nossa terra. Olha, ela pariu na segunda feira passada. Dá autorização a Jobo para ir a Galomaro"...

E outra:

"Querido Alferes, eu queria visitar meu familiar, empresta-me 500 ou 400 escudos pois tenho que fazer festa do filho e sem dinheiro eu fico com muita vergonha. Eu peço 4 dias de dispensa. Adeus".


3. O Jobo Baldé não vinha da formação inicial do Pel Caç Nat 52, ao tempo do alf mil Henrique Matos (Enxalé, 1966/68). Mas chegará ao fim. O Pelotão será extinto em agosto de 1974, era comandante o alf mil Luís Mourato Oliveira (***).

Demos de novo a palavra ao seu "biógrafo" (****):

(...) Depois do grande incêndio de Missirá, em 19 de Março de 1969, durante a reconstrução, deu-se azo à imaginação, alguns progressos foram possíveis no nosso ameaçado bem-estar. Para substituir Sadjo Baldé, um dos falecidos durante a flagelação, veio o Jobo, natural de Galomaro.

Não tínhamos padaria, e em conversa informal perguntei tanto no Pel Caç Nat 52 e do Pel Mil 101 se havia voluntários para as tarefas da padaria. Jobo ofereceu-se logo, e, moderno e polivalente, fez-me a seguinte proposta: Faria pão para a tropa dentro do seu horário, independentemente dos reforços, idas a Mato de Cão, colunas de abastecimento, emboscadas e operações; fora do serviço queria dedicar-se ao que hoje se chama o empreendedorismo.

E assim foi, ele era bem jovem e deu conta do recado tanto na actividade independente como nas tarefas marciais. Era um regalo o cheirinho a pão, a partir de Julho de 1969. A Missirá civil deu-lhe farta clientela, todo o pão alvo era escoado sem reclamações.

O Jobo ainda resistiu quando fomos para Bambadinca, em Novembro, queria ficar, mas ninguém no Pel Caç Nat 54 quis trocar com ele. Resignado, abandonou as lides da panificação" (...) (****)

Aqui fica o retrato possível de mais um nosso camarada guineense (*****), o improvável padeiro de Missirá (1969) e depois de Mato Cão (1973/74). Oriundo do Cossé, o seu sonho ainda era vir para Lisboa e ser padeiro. E se estamos a falar do mesmo militar, o Soldado Atirador Jobo Baldé 82068868, do Pel Caç Nat 52, ficamos também a saber que ele faz parte da lista dos feridos do Sector L1 ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), pormenor do seu CV militar que, se calhar, tanto o Beja Santos como o Luís Mourato Oliveira desconheciam. (******)
_________

Notas do editor:


(****) Último poste da série > 5 de junho de 2017  > Guiné 61/74 - P17435: Os nossos camaradas guineenses (45): Encontro no LNEC com o Augusto Delgado, ex-Fur Mil da CCAÇ 18, hoje Engenheiro Técnico (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21926: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (8): O casqueiro nosso de cada dia... ou a feliz história do Jobo Baldé, o improvável padeiro do Mato Cão, que nos matou... a malvada (Luís Mourato Oliveira,ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)


O Casqueiro Nosso de Cada Dia Nos Dai Hoje...


Foto (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Padeiro de Mato Cão (*)

por Luís Mourato Oliveira


O pão é um alimento extraordinário que caso não tivesse sido criado há mais de 6.000 anos na Mesoptâmia, provavelmente a existência humana tivesse sido comprometida. Não conheço ninguém que não goste de pão nas suas múltiplas formas de fabrico e, em particular, nós, portugueses, não o dispensamos para acompanhamento ou mesmo como elemento principal de uma refeição.

Em Mato-de-Cão [ou Mato Cão] embora o efectivo dos europeus se limitasse a dez elementos, um deles tinha a “especialidade” de cozinheiro que também abrangia a de “padeiro”. Infelizmente tratava-se de uma pessoa com enormes limitações cognitivas, recordo-me que entre outras confusões achava que “valor declarado” e “louvor declarado” eram a mesma coisa e, não fora as grandes dificuldades de recrutamento da época , o nosso jovem “cozinheiro” seria certamente adstrito ao contingente de básicos.

Na cozinha, dada a simplicidade e a repetição dos menus, as coisas iam correndo, mas no que dizia respeito ao pão, o homem não se safava e a nossa dentição só resistia devido aos vinte e poucos anos de uso que tinha na altura e o produto do nosso padeiro só era tragável numas sopas de café.


Propus-me a alterar esta situação, para mim desastrosa, e com calma e paciência arranjei umas medidas para que ele respeitasse as quantidades de farinha e fermento, indiquei-lhe o tempo da levedar da massa, mas continuavam a sair pedras, ao invés de pães do nosso forno. A paciência perdida e um exemplar da padaria na cabeça do “cozinheiro/padeiro” que ia originando um traumatismo craniano no funcionário, levou-me a desistir de o transformar num padeiro capaz.

Ma, como o homem é criativo e sabe aproveitar as oportunidades, um soldado do pelotão [de caçadores nativos] 52, o Jobo Baldé, abordou-me com oportunidade e a sua habitual irreverência:
– Alfero, Jobo passa a fazer o pão para o pessoal!
– Não sabes fazer pão, Jobo, não te metas nisto que arranjas problemas.
– Jobo sabe fazer pão, alfero, deixa experimentar e vais ver.

Perante sua insistência e convicção e no desespero de não haver outra alternativa, resolvi experimentar as aptidões do Jobo para novo responsável da padaria. Expliquei-lhe as medidas para a farinha e para o fermento, o tempo para levedar, e ele atacou de imediato a nova função.

Não sei se por milagre ou se pelas aptidões inatas do Jobo, no dia seguinte quando este me chamou para ver o pão acabado de cozer, tive das grandes alegrias gastronómicas da minha vida. O pão estava quente, tinha crescido por obra do fermento e da forma carinhosa com a massa tinha sido tratada, o som da batida no “lar” parecia um tambor a acusar uma boa cozedura e o abrir a crosta estaladiça evidenciava um miolo macio, fumegante e com um cheiro delicioso. Regalámo-nos de imediato com pão quente e manteiga e o Jobo ganhou o lugar!

O Jobo estava feliz com a nova função e cumpria-a com pontualidade, brio e grande competência. Posteriormente ensinei-o a fazer merendeiras com chouriço e ele começou a produzi-las sem grande esforço de explicação. Quando as tinha cozido, trazia-me de imediato uma e eu recordava as que a minha avó fazia na Marteleira [, Lourinhã,] quando era dia de cozedura.

No que dizia respeito ao pão, tínhamos atingido, graças ao Jobo Baldé, a felicidade. O Jobo também estava feliz, era casado com uma mulher, bem mais velha, que ele herdara do irmão entretanto falecido. Embora esta mulher fosse divertida e senhora de um grande sentido de humor, já tinha perdido o fulgor e a beleza da juventude e o nosso amigo e saudoso Jobo Baldé, quando acabava de fazer o pão, tinha sempre visitas de exuberantes bajudas a quem ofertava uns pães a troco de inconfessáveis favores.

A felicidade conquista-se com pequenos acordos e cedências. Estávamos todos satisfeitos…até as bajudas. (**)



Luís Mourato Oliveira: lisboeta, vive atualmente na Lourinhã.
Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá (1973/74), 
pelotão que foi comandado por membros da nossa Tabanca Grande 
como  o Henrique Matos, o Mário Beja Santos e o Joaquim Mexia Alves.
Tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue.


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Notas do editor:

(*) Excerto do poste de 10 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...

(**) Último poste da série > 8 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21866: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (7): Receita caseira de Bourbon County, Kentucky, USA... Enquanto se aguarda a vacinação contra a Covid-19... (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)

sábado, 9 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14589: A bianda nossa de cada dia (3): o melhor casqueiro da zona leste, amassado e cozido em forno a lenha pelo Jacinto Cristina e pelo Manuel Sobral, no destacamento da ponte Caium... Mas nem só de pão viviam os homens do 3º Gr Comb, os "fantasmas do leste", da CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74)


Foto nº 1 A


Footo nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Foto nº 5


Foto nº 6


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium, guarnecido pelo 3º grupo de combate, "Os fantasmas do leste".(*)


Fotos: © Jacinto Cristina (2010). Todos  Todos os direitos reservados. [EDição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. A ponte, a padaria e o padeiro... O forno foi construído na parte inferior da ponte... Como o espaço era acanhado, tudo se aproveitava... O forno e a cozinha ficavam do lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma... 

De costas, em tronco nu, vê-se o Manuel da Conceição Sobral (que vive hoje em Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém), e era o ajudante de padeiro  (Foto nº 1). O Jacinto Cristina, o padeiro, está a enfornar (Foto nº 1A)...

No destacamento da ponte de Caium estava um grupo de combate, à época pertencente à CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74). O Sobral e o Cristina  faziam reforço das 4 às 6 da manhã. Por volta das 5h/5h30, um deles ia amassar a farinha (12 kg / dia)... O outro ficava de reforço até às 6. Depois das seis, até às 8h/8h30, ficavam os dois a trabalhar. Às 9h já havia pão fresco... 

Todos os dias coziam. Tinham um stock de farinha que dava para um mês. Faziam uma média de 30 pães de 400 gramas, por dia. Como bons tugas, os camaradas que defendiam a ponte, adoravam pão!... O resto do dia os padeiros descansavam, ou jogavam à bola, ou brincavam no rio, quando levava água...

O Sobral era o apontador do morteiro 81 e o Cristina o municiador. Portanto, uma parelha completa! Também havia um morteiro 10,7,  ao cuidado do Pinto e do Algés. O 81 ficava do lado direito, à saída da ponte, no sentido de Buruntuma. O 10,7 ficava no lado esquerdo, junto ao paiol, também no sentido de Buruntuma... Mais à frente estava o 1º cabo Torrão, apontador da HK 21 (irá morrer em 14 de Junho de 1973). Também havia o morteiro 60 e a bazuca 8,9.

O Cristina (eu trato-o sempre por Jacinto, pai da minha querida amiga engª Cristina Silva e sogro do meu querido amigo, dr. Rui Silva) tornou-se de tal maneira imprescindível (por causa do "pão nosso de cada dia") que, além de municiador (e apontador, quando necessário) do morteiro 81, ficou na ponte de Caium 14 meses (em rigor, 13, se descontarmos o glorioso mês de férias, em abril de 1973, em que veio a casa para estar com a mulher e a filha; com ele, de férias, vieram também  o Pinto, o Charlot e o Algés; no avião da TAP, uma alegria!...Já não se lembra de quanto pagou... "Seis contos, para aí", diz-me ele).

Diziam que era o melhor casqueiro da Zona Leste... Na foto nº 2  o Jacinto está varrer e a limpar o forno... Na foto nº 3, está a fazer um petisco, ou não fosse ele um alentejano dos quatro costados... Na foto nº 4, está a barbear-se... Mesmo com o metro quadrado mais caro da Guiné, nas "suites" da Ponte Caium não faltava nada... O chuveiro era um bidão de 200 litros, furado...

Terrível foi aquele período de um mês (entre meados de maio e junho de 1973) em que o destacamento esteve sem reabastecimentos, sem farinha, sem pão... Por que a fome era negra, meteram-se a caminho de Piche, a 14 de junho de 1973, tendo sofrido uma brutal emboscada, em que morreram o 1º cabo apontador de metralhadora David Fernandes Torrão, e os soldados atiradores Carlos Alberto Graça Gonçalves ("Charlot"), Hermínio Esteves Fernandes e José Maria dos Santos... 

Disse-me o Jacinto Cristina (que ficou na ponte a tomar conta do seu morteiro 81), que os corpos foram cortados em quatro, com rajadas de Kalash... O bigrupo do PAIGC (onde foram referenciados  cubanos) levou cinco armas (incluindo a do furriel que foi projectado com o impacto do RPG7, juntamente com o sold cond auto Rocha, o Florimundo ).

Uns meses antes, em 19 de Fevereiro de 1973, tinha morrido o fur mil op esp Amândio de Morais Cardoso, na sequência da desmontagem de uma armadilha de caça. Essa cena passou-se debaixo dos olhos do Cristina que se salvou, ao pressentir o perigo.

Na foto nº 5, vê-se o tabuleiro da ponte por onde passava a estrada Piche-Buruntuma,,, A padaria ficava em segundo plano do lado esquerdo... A foto deve ter sido tirada no dia dos anos do Sobral, em março de 1973, a avaliar pelos dois cabritos que estão junto ao "burrinho" (o Unimog 411)... Tinham sido comprados na tabanca fula, que ficava a nordeste da ponte, a 3 km, e onde residiam as lavadeiras...

Soldado atirador, o Cristina era, como já dissemos, municiador do morteiro 81. Mas, uma vez que Piche ficava longe e era preciso fazer pão todos os dias,  aprendeu a arte de padeiro (que depois seria o seu ganha-pão, em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, onde vive, hoje já refiormado; durante anos, teve um negócio próprio na  área da panificação; passei várias vezes pela casa e padaria, e trazia para Lisboa o seu pão feito na hora;  pude, pois, comprovar  que o seu "casqueiro" era, de facto, o melhor da região).

Como se percebe pelas fotografias, as estruturas da ponte foram aproveitadas ao milímetro...

Na foto nº 6 (s/d, tirada na  época seca, em 1973), o destacamento é visto da margem esquerda do Rio Caium, a sul da estrada, no sentido Buruntuma-Piche. Segundo o Carlos Alexandre (, de alcunha,  "Peniche"), ao  examinar melhor uma imagem destas  que lhe mandei, com maior resolução, vê que  à entrada do tabuleiro, estão dois camaradas que parecem ser o Cristina e o Sobral.

Um novo troço da estrada Piche-Buruntuma estava então em construção, a cargo da Tecnil. De Nova Lamego a Piche já se ia, há muito,  em estrada asfaltada. Daí talvez este desvio, contornando a ponte e atravessando. O desvio  é visível (parcialmente, em primeiro plano)  na foto nº 6.

Na época seca, o rio Caium ficava seco (ou reduzia-se a um pequeno charco à volta da ponte). Este rio é um afluente do Rio Coli, que fica a sul da estrada Nova Lamego-Piche-Buruntuma e serve de linha fronteiriça entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri.

2. Quem passou por aqui, entre Piche e Buruntuma, dificilmente acredita que um homem pudesse aguentar mais do que um mês, dois meses, neste Bu...rako. Recorde-se aqui a opinião, autorizada, do nosso camarada Luís Borrega (que infelizmdente, já nos deixou, em agosto de 2013, ficando vazio o  seu lugar à sombra do nosso poilão):

"Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça (...) . O destacamento tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que (...) podia aguentar. No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição" (...).

Houve quem vivessse e  sobrevivesse na Ponte Caium, comendo o pão que o Cristina e o Sobral amassaram e cozaram, sempre com dedicação e carinho... Mas também lembrando aos camaradas  que defendiam a ponte e aos transeuntes, que "nem só do pão vive o homem (**),,,




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Ao lado de um memorial aos mortos do 3º Gr Comb da  CCAÇ 3546 (1972/74) ("Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas do Leste,. Guiné- 72/74"; ainda existia em 2010, no tabuleiro da ponte esta base "Nem só de pão vive o home. Guiné, 1972-1974".


Foto: © Eduardo Campos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Piche > Carta de Piche > Localização (assinalada a amarelo) da Ponte do Rio Caium, na estrada Piche (a sudoeste)-Buruntuma (nordeste, junto à fronteira com a Guiné-Conacri), sensivelmente a meio entre as duas localidades. O Rio Caium corre para sul, sendo um afluente do Rio Coli (que separa os dois países, num largo troco da fronteira leste).

domingo, 26 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7039: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (3): De facto, Eduardo, nem só de pão vive o homem...

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1. Estive ontem com o Jacinto, a sua esposa Maria Goretti, a sua filha Cristina, o seu genro Rui Silva e a sua neta...numa tarde agradabilíssima, partilhando memórias e emoções... O dia acabou com um arroz de lebre que poria a salivar, senão um regimento, pelo menos o estado-maior...


Tenho cada vez mais admiração por este homem, o Cristina (como era conhecido na sua companhia, a CCAÇ 3546) que foi para a Guiné, casado, pai de uma filha de três anos, e que mal sabia ler e escrever... Que a vida foi-lhe madrasta e a sua meninice acabou cedo: aos onze anos já trabalhava no duro, para o "pai e patrão"  (ainda vivo, com 89 anos)...

Foi a Goretti que foi a sua professora, em casa e no monte, no meio do gado que ele guardava, ainda antes do tempo da recruta (que ele fez em Viseu, no RI 14, vd. foto ao lado, à direita), ensinando-lhe as letras suficientes para ele ler os aerogramas e as cartas, sofridas e apaixonadas, que ela lhe mandaria depois, de Figueira de Cavaleiros,  para o Ultramar (para onde quer que ele fosse, Angola, Guiné  ou Moçambique), e para de volta ele lhe contar,  a ela (e só a ela),  os seus segredos e sofrimentos, sem necessidade de partilhar a sua vida íntima com mais ninguém (e nomeadamente os camaradas que tinham andado da escola)... 

É uma grande lição de amor!!! E foi a mesma Goretti, a Maria Goretti, quem o incentivou, dez anos depois de regressar da Guiné, a meter-se no negócio do pão: afinal, ele tinha sido o melhor padeiro do leste... Por que é que não haveria de  montar a sua empresa, em vez de andar à jorna ?!

Continuação da  publicação do álbum  fotográfico de Jacinto Cristina (Sold At Inf, CCAÇ 3546, 1972/74) (*).











Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Dois monumentos de homeagem aos bravos de Caium, construídos presumivelmente em 1975: (i) Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb,  Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74"; (ii) "Nem só de pão vive o home. Guiné, 1972-1974".


Recorde-se o trajecto do Jacinto Cristina e dos seus camaradas: 

(i) o Cristina fez a recruta no RI 14, em Viseu, e a especialidade no RI 2, Abrantes; 

(ii) foi mibilizado para a Guiné, como Sold At Inf, da CCAÇ 3546; 

(iii) esta subunidade  pertencia ao BCAÇ 3883, mobilizado pelo RI 2; 

(iv) a CSS estava sediada em Piche; 

(v) o comandante era o Ten Cor Inf Manuel António Dantas; 

(vi)  o comandante da CCAÇ 3546 era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira; 

(vii) as outras companhias do BCAÇ 3883 era a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche; teve dois comandantes: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho; Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes) e a CCAÇ 3445 (Canquelifá e Piche; comandante, Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo);

 (viii) estas quatro subunidades partiram para a Guiné de avião, o comando e a CCS/BCAÇ 3883, em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23; 

(ix) Regressaram a casa, de avião, em Junho de 1974.


Fotos: © Eduardo Campos (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



O mais espantoso foi que, quando eu cheguei lá a casa, em Figueira de Cavaleiros, por volta das 16h de ontem, sábado, e lhe dei as duas fotos do Eduardo Campos, o Jacinto comentou, logo de rajada:
- Mas é o mê forno!...

Há dois monumentos que se conservam na ponte de Caium, mandados erigir por alguém da CCAÇ 3546 que terá sido empresário na Guiné-Bissau, depois da independência... O Jacinto diz que poderá ser um ex-furriel do 1º Gr Comb. Um desses monumentos é uma simples base de pedra, encimada pelo forno de Caium, que pura e simplesmente terá sido cirurgicamente "removido" e "trasladado" do sítio onde estava originalmente... E nessa pedra pode ler-se a melhor homenagem que alguém poderia  fazer aos heróis de Caium: "Nem só de pão vive o homem. 72-74"...

O Cristrina agradece, emocionado, ao Eduardo  Campos as fotos que ele lhe mandou, bem como ao "mais velho" Luís Borrega, pelos comentários que deixou no blogue...






Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto Cristina (aqui à esquerda, seguido da sua filha Cristrina, do seu genro, o médico Rui Silva, meu ex-aluno e grande amigo, e eu próprio, brindando aos nossos felizes encontros).



Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto (aqui ao lado da esposa, Maria Goretti; em segundo plano, a filha única do casal, Cristina, que tinha 3 anos quando o pai foi mobilizado para a Guiné, em 1972, e que rezava todos os dias por ele...




Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto  > O famoso arroz de lebre à moda da Maria Goretti... (Só falta o gosto e o cheiro, para completar a foto).




Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto   > Até à última gota de... uísque. Buchanan's, from Scotland, for the Portuguese Armed Forces... with love... Esta foi comprada em Bissau, em Junho de 1974, e aberta no nosso primeiro encontro, na festa de anos da Cristina, em Março passado.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da  Ponte do Rio Caium > Da direita para a esquerda: Jacinto, Alexandre (Trms, natural de Peniche), Rocha (condutor, algarvio) e Santiago (1º cabo, atirador, estavana na cantina, onde havia uma arca a petróleo, pelo que, apesar de tudo, não faltava a cerveja, a coca-cola e a  fanta, estupidamente geladinhos)... Na ponte, estava o 3º Gr Combate (c. 30 elementos).




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da  Ponte do Rio Caium, 3º Gr Comb, 1973/74 > O "campo da bola",  no lado esquerdo da ponte, no sentido Piche/Buruntuma... Um bocado da lala que circundava as margens do Rio Caium...




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da  Ponte do Rio Caium, 3º Gr Comb, 1973/74 > Da esquerda para a direita, quatro bons amigos: JacintoCristina, Rocha, Sobral (amigalhaço do Jacinto, hoje residente no Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém) e um quarto camarada que o Jacinto não conseguiu identificar (seria alguém de rendição inidvidual, proveniente de outra companhia)... 

Estão vestidos, dois, "para a fotografia"... Da ponte não se podia ir a lado nenhum, por razões de segurança: afinal, estava-se a escassos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri onde o PAIGC gozava de total liberdade de movimentos; por outro lado, verdadeiramente não havia onde ir ... A sul da ponte do Rio Caium corria o Rio Coli, que servia de fronteira, e de que o Caium era um afluente... A nordeste da ponte, havia uma aldeia fula, a cerca de 3 quilómetros... Ele não se lembra do nome: pela carta de Piche, verifica-se haver (pelo menos antes da guerra) duas tabancas a nordeste da ponte: uma mais próxima, Temanco (Malã Dalassi): e outra mais acima, Sinchã Mádi Maudô.

O Jacinto nunca lá foi a Temanco (julgo que seja esta a tabanca em causa), sobretudo depois de um conflito, na ponte, com uma lavadeira e, por tabela, com o régulo, conflito esse que deu origem a um processo disciplinar, que foi "limpo" com a chegada do novo Governador Geral e Com-Chefe, em meados de 1973, o Bettencourt Rodrigues... (A solução salomónica a que se chegou foi: a lavadeira pagou 250 pesos por uns calções de banho que levaram sumiço (e que nem eram dele,era de um furriel); ele, Cristina, teve que pagar 200 pesos por um brinco da lavadeira, que ele partiu ou amolgou...).

O Jacinto e o Sobral tinham uma máquina fotográfica comprada a meias (...por 500 escudos, em 2ª mão, a um rapaz de Grândola, da companhia de Canquelifá)... O tenente (dos serviços gerais) de Piche, da CCS do batalhão, é que revelava as fotos... O Jacinto e o Sobral revendiam-nas, salvo erro,  a três escudos por foto ("metade era lucro", confessa)... Maduro e responsável, com mulher e filha na Metrópole à espera dele, o Cristina não era homem para gostar o pré, logo no primeiro dia, em bebedeiras de cerveja... "Andava sempre com um conto no bolso", mas sabia gastar com conta, peso e medida...



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O Alexandre e o Jacinto...


fotos: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


[Fotos digitalizadas, editadas e legendadas por L.G.]

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Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 25 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7036: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (2): Os tempos livres de um caiumense...

sábado, 25 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7036: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (2): Os tempos livres de um caiumense...



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O que é um homem pode fazer, durante o dia para passar o tempo, as horas, os dias, as semanas , os meses, num sítio, isolado, sem população, esperando um ataque do inimigo ou a passagem da próxima  coluna motorizada vinda de Piche ou de Buruntuma ? Caçava-se ou melhor montava-se armadilhas nos trilhos de passagem dos animais, de acesso ao rio... De vez em quando, lá se apanhava o porco do mato,como este da foto... Mas esta prática também o seu preço trágico: dopis militares do destacamento foram vítimas da exploisão de uma dessas armadilhas: um morreu logo e outro ficou gravemente ferido... Em 19 de Fevereiro de 1973.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O Rio Caium fazia, no tempo seco, as delícias dos marinheiros e dos pescadores... A sobrevivência exige imaginação...  Como se pdoe ver pela imagem, a ponte tinha quatro pilares, dois dentro do rio...



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > Padeireo, municiador (e apontador) do morteiro 81, cozinheiro, pau para toda a obra, o Jacinto tinha jeito para conduzir a jangada (a qual, tal como a Nau Catrineta, teria muito que contar, se falasse)...




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium &gt > Aprendendo a pescar, à paulada, à moda dos fulas (que são um povo de pastores)... A tabanca mais próxima era a alguns quilómetros dali... Não havia convívio diário com a população local... O Jacinto, por exemplo, nunca foi a essa tabanca.



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O Jacinto, quando veio para a Guiné, já era casado, e tinha uma filha... Veio de férias para estar com elas... Mas todos os dias o pensamento ia para elas... Ei-lo aqui a escrever uma carta... As saudades eram ainad maiores nos dias de festa, como o Natal e o Ano Novo... Na Ponte Caium não se distinguiam os dias da semana...


 
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > Pensando na esposa e na filha que ficaram a cinco mil quilómetros de distância, rezando por ele...


Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação de 1. Continuação da publicação de uma selecção de fotos do álbum de Jacinto Cristina, alentejano, industrial de panificação, com padaria e residência em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo. Hoje vou jantar com ele, a esposa, a filha, a neta e o genro... E vamos, em conjunto, melhorar as legendas...

Sobre as fotos já publicas (no poste P7033) (*), comentou o nosso camarada Luís Borrega o seguinte:

"Camarigos Que emoção ver fotos da "minha Ponte Caium", até fizeram um forno novo, o que deixámos estava situado na estrada para Buruntuma , fora do tabuleiro da ponte. Caro Luís,  na tua visita ao Alentejo dá lá um abraço ao Jacinto Cristina da parte dum "Caiumense". Diz-lhe que a Companhia dele rendeu a minha CCav 2749/BCav.2922 em Piche. Dou-lhe os parabéns por ter aguentado 13 meses na Ponte. Estive lá à volta de 3 meses e picos. Na 2ª vez que o meu Gr Comb estáva escalado para ir para lá, vim de férias e "baldei-me" ao ataque onde sofremos um ferido ligeiro, mas o PAIGC teve algumas baixas pelos rastos de sangue. Abraço Camarigo. Luís Borrega".

Luís, adorei a palavra "caiumense"... E vou levar o teu abraço até ao Jacinto, o teu,  o do Eduardo, do Hélder, da Maria Teresa Parreira e do resto da malta da Tabanca Grande.  O Jacinto está contactável por telemóvel (sempre de manhã, durante a semana, que à tarde ele dorme e à noite trabalho; sábado todo o dia, que é o seu dia de folga): 964 346 202.

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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7033: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (1): O melhor pão da zona leste...


O Jacinto Cristina: foto da época em que esteve na Ponte de Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74)... O 1º ano foi passado em Piche e o resto do tempo em Caium


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > A padaria e o padeiro... O forno foi construído na parte inferior da ponte... Como o espaço era pouco, tudo se aproveitava... O forno (e a cozinha) ficava do lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma...  De costas, em tronco nu, vê-se o Manuel da Conceição Sobral (que vive hoje em Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém). Os dois faziam reforço das 4 às 6. Por volta das 5h/5h30, um deles ia amassar a farinha (12 kg /dia)... O outro ficava de reforço até às 6. Depois das seis, até às 8h/8h30, ficavam os dois a trabalhar. Às 9h já havia pão fresco... Todos os dias coziam. Tinham um stock de farinha que dava para um mês. Faziam uma média de 30 pães de 400 gramas, por dia. O resto do dia descansava. O Sobral era o apontador do morteiro 81  e o Jacinto o municiador. Também havia um morteiro 10,7,. ao cuidado do Pinto e do Algés. O 81 ficava do lado direito, à saída da ponte, no sentido de Buruntuma. O 10,7 ficava no lado esquerdo, junto ao paiol, também no sentido de Buruntuma... Mais à frente estava o 1º Cabo Torrão, apontador da HK 21 (irá morrer em 14 de Junho de 1973).  também havia o morteiro 60 e a bazuca.



O Jacinto tornou-se de tal maneira imprescindível (por causa do "pão nosso de cada dia") que, além de municiador (e apontador, quando necessário) do morteiro 81, ficou na ponte de Caium 14 meses (13, se descontarmos o mês de férias, em Abril de 1973,  em que veio a casa para estar com a mulher e a filha)... "Vieram de férias o Jacinto, o Pinto, o Charlot e o Algés... No avião da TAP... Já não se lembro de quanto pagou... Seis contos, para aí, diz-me ele".


Diziam que era o melhor pão da Zona Leste... Aqui o Jacinto está varrer e a limpar o forno... Fatal foi aquele terrível período de um mês (entre meados de Maio e Junho de 1973) em que o destacamento esteve sem reabastecimentos, sem farinha, sem pão... Meteram-se a caminho de Piche, a 14 de Junho de 1973, tendo sofrido uma brutal emboscada, em que morreram os camaradas: 1º Cabo Ap. Metralhadora David Fernandes Torrão, Sold At Carlos Alberto Graça Gonçalves (Charlot), Sold At Hermínio Esteves Fernandes e Sold At José Maria dos Santos... Disse-me o Jacinto (que ficou na ponte a tomar conta do seu 81), que os corpos foram cortados em quatro, com rajadas de Kalash... e o PAIGC levaram cinco armas (incluindo a do Furriel Mil , que foi projectado com o impacto do RPG7, juntamente com o Sold Cond Auto Rocha).

Uns meses antes, em 19 de Fevereiro de 1973,  tinha morrido o Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, na sequência da desmonmtagem de uma armadilha de caça.  Essa cena passou-se debaixo dos olhos do Jacinto que se salvou, ao pressentir o perigo.


Destacamento da Ponte Caium > O Sabino na cozinha a preparar um petisco... 

Destacamento da Ponte > Os aposentos... As camas eram em beliche, como se pode ver na foto... Este abrigo era o mais pequeno: tinha quatro camas, era o mais pequeno... Ao aldo era o depósito de géneros (que roubou espaço ao abrigo). Aqui o Jacinto, com o Pinto, o apontador do 10.7... Havia quatro abrigos, dois em cada lado,  os outros eram todos maiores (6 / 8 camas). Os abrigos eram ladeados por fiadas de bidões cheios de terra.



Destacamento da Ponte  Caium > Um aspecto dos pilares da ponte... O Cristina,  mais um camarada,  na hora do recreio (ele não se recorde do nome)... Ali no rio Caium, naquela improvisada jangada, poderiam dar largas à sua imaginação de marinheiros e aventureiros... Na época seca, o rio levava pouca água... Era um afluente do Rio Coli. O abastecimento de água era feito mais longe, de Unimog, com segurança


Destacamento da Ponte Caium >  Mesmo com o metro quadrado mais caro da Guiné, nas "suites" não faltava nada... O chuveiro era um bidão de 200 litros, furado...


Destacamento da Ponte Caium > O tabuleiro superior, com duas fiadas de abrigos (2 de cada lado), feitos com bidões cheios de areias, troncos de palmeira, cimento e chapa de zinco, desenhadas para alojar 30 homens... Na foto, o Cristina , de reforço, de manhãzinha... Este posto fica no início da ponte, no sentido Piche-Buruntuma... E acreditem que pelo meio passavam (passaram) centenas e centenas de viaturas, militares e civis, além de chaimites e obuses...  


Guiné > Zona Leste >  Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da ponte sobre o Rio Caium, onde o Jacinto Cristina esteve mais de metade da sua comissão (cerca de 14 meses)... Na foto, a padaria ficava em segundo plano do lado esquerdo... Deve ter sido tirada no dia dos anos do Sobral, em Março de 1973, a avaliar pelos dois cabritos (comprados na tabanca fula, que ficava a nordeste da ponte, a 3 km, e onde residiam as lavadeiras)... Quem passou por aqui, entre Piche e Buruntuma,  dificilmente acredita que um homem pudesse aguentar mais do que um mês, dois meses, neste Bu...rako. Soldado atirador, o Jacinto ficou municiador do morteiro 81 e como era preciso fazer pão todos os dias, aprendeu a arte de padeiro (que depois seria  o seu ganha-pão, em  Ferreira do Alentejo,  onde vive). Como se percebe pelas fotografias, as estruturas da ponte foram aproveitadas ao milímetro...

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

1. O Jacinto Cristina, alentejano, industrial de panificação (termo mais pomposo do que padeira, trabalhador por conta própria), em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, começa por ser meu amigo, embora de há coisa de um ano... Vim a descobrir que entretanto foi nosso camarada, tendo pertencido à CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74). Sou amigo, de longa data, da sua filha Cristina (que é engenheira) e do genro, Rui Silva (que é médico), vivendo o casal na Madeira.

Numa das últimas visitas que fiz à família, em Ferreira do Alentejo (onde o jacinto vive, com a esposa), o nosso camarada emprestou-me um dos seus preciosos álbuns fotográficos, onde tem o essencial do registo da sua passagem pelo leste da Guiné. Fiz uma selecção de fotos e digitalizei-as. Amanhã vou devolver-lhe o álbum (e trazer um dos seus deliciosos pães). A caminho de Serpa, vou lá jantar com ele, a esposa, a neta (a "nossa princesa"), a Cristina e o Rui (casal que, além do mais, nunca perde uma meia-maratona, desta vez  a
11ª Meia Maratona do  Centenário, que parte da Ponte Vasco da Gama). 

Levo comigo duas fotos do monumento construído na Ponte de Caium, já depois do regresso do Jacinto, e na base do qual se pode ler: "Nem só de pão vive o homem"... As fotos foram tiradas em Abril de 2010 pelo Eduardo Campos (**) que fez questão de mas entregar, em Monte Real, em 26 de Junho passado, para as fazer chegar às mãos do Jacinto que ele não conhece, a não ser do blogue... Um gesto de grande camaradagem que me sensibilizou muito e que vai emocionar o Jacinto.

Entretanto aqui fica o primeiro poste da série Álbum fotográfico de Jacinto Cristina... Vou pedir ao Jacinto que me ajude a "legendar" as fotos dos restantes três postes que vou publicar este fim de semana...


[Fotos digitalizadas, editadas  e legendadas por L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores: