quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12318: Memória dos lugares (256): Missirá, Zacarias Saiegh e Jobo Baldé em 1968 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Novembro de 2013:

Meu caro Luís,
Pedi à minha irmã para pôr ordem numas largas dezenas de fotografias dos nossos avós, pais e da nossa meninice, preciso de referências para o livro tendencialmente autobiográfico que comecei a escrever “O Fedelho Exuberante”.
Daquele amontoado de papel, a Manuela encontrou estas três imagens. Seguirão pelo correio, terás a amabilidade de juntar ao conjunto de imagens que ficam em teu poder e que darás destino quando eu bater a bota.
Curiosamente, as três têm grande significado para mim: são as únicas fotografias que tinha (falo já no pretérito, estas imagens pertencem ao blogue e a quem as vai arrecadar) do Zacarias Saiegh, do Benjamim Lopes da Costa e do Jobo Baldé, nomes indispensáveis da minha passagem pela Guiné. Será com orgulho que as verei estampadas no nosso blogue.

Um abraço do
Mário


Fotos avulsas: Zacarias Saiegh, a ressureição de Missirá, Jobo Baldé

Beja Santos

Fotografia tirada em 5 de Setembro de 1968, véspera da primeira flagelação a Missirá. Foi enviada à minha querida Mãe, no verso referencio o Zacarias Saiegh, o meu furriel mais antigo, que vai sentado no Unimog 411, matrícula ME-81-53, o meu inesquecível “burrinho”, vi-o sair do meio da lama profunda da bolanha de Finete não poucas vezes, Finete está ao fundo, aproximamo-nos do rio Geba, o capim é enorme; quem conduz é o Quim, que nunca mais vi, bem gostava de lhe dar um grande abraço pelo bem que nos fez, escrevi-lhe o meu primeiro louvor, saiu de um jato, era bem sentido. Estou por trás do Saiegh, a rir com satisfação, vivo há pouco mais de um mês no Cuor, estou profundamente feliz. Termino a legenda dizendo: “No centro das mais desvairadas tribulações, louvor ao Altíssimo, o amor deste filho, Mário”.

Imagem da única epopeia da minha vida: a ressurreição de Missirá, praticamente destruída em 19 de Março de 1968. Estamos em Maio, constrói-se à lufa-lufa os últimos abrigos, este tinha dimensões quase gigantescas, aqui ficou a Breda e seis homens, não muito longe do cavalo de frisa. Andei à procura desta fotografia para mostrar ao Benjamim Lopes da Costa, que veio recentemente visitar-me, vem regularmente a Portugal para tratamentos à próstata. Na noite de 3 de Agosto de 1969 perdeu a cabeça numa emboscada e chamou-me “branco assassino”, fizemos as pazes pouco tempo depois, tínhamos e temos um entendimento perfeito. Ele aparece encurvado, a figura central é o meu querido amigo Mamadu Camará, mais tarde membro da 2ª Companhia de Comandos Africana, foi ferido em Salancaur, é desde 1973 deficiente das forças armadas. A mourejar, empunhando o martelo, está outro querido amigo, Mamadu Djau, visitei-o em Amedalai em Novembro de 2010, continua a insistir que quer ir trabalhar para Portugal, não entende todos os louvores e condecorações que recebeu terem ficado sem qualquer recompensa. Não há nada mais humilhante que não ter uma resposta plausível para lhe dar.

Chama-se Jobo Baldé, era o padeiro de Missirá, empreendedor topo de gama, sacrificava todos os seus lazeres para fazer pãozinho para a população civil. Não sei se esta fotografia já apareceu no blogue, não faz mal, vai ser remetida para o Luís Graça, fiel depositário de todos os meus materiais. Revejo sempre esta fotografia com orgulho e olhos humedecidos. O Jobo prepara o pãozinho num cunhete de granadas de bazuca. Enviei esta fotografia à minha noiva e digo: “Jobo, o padeiro que Rossini esqueceu para as suas óperas”. O Jobo tinha um fio de voz, quase ciciava, seguia bem perto do seu alferes. Escreveu-me anos a fio, também queria vir trabalhar para Portugal. Em Dezembro de 2010, procurei vê-lo. O Fodé Dahaba telefonou-lhe, não tinha dinheiro para se deslocar da região de Galomaro a Bambadinca, e nós não podíamos lá ir. Caí na asneira de lhe dizer que regressaria à Guiné, alguém ouviu, e é por isso que de vez em quando me escrevem para saber quando eu volto…
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12313: Memória dos lugares (254): Aquartelamento de Bambadinca, c. 1970 (Fotos de Humberto Reis, CCAÇ 12, 1969/71) (Parte II)... Daqui da ilha de Luanda e enquanto tenho acesso à rede sem fios, mando um abraço madrugador a um bom camarada que também passou pela "cova do lagarto" , e que hoje faz anos, o Mário Miguéis da Silva. (Luís Graça)

1 comentário:

Anónimo disse...

Joaquim Luís Fernandes

Caro Camarigo Mário Beja Santos

Começo por te cumprimentar com respeito e amizade.

Sendo um novato (periquito) morador desta Tabanca, tenho vindo com muito agrado a ler e apreciar os teus profícuos trabalhos de recensão dos livros que nos apresentas. Muito trabalho, muita dedicação na animação e elevação da qualidade da tertúlia.

Tenho também vindo a conhecer-te, (conhecia-te quando eras figura pública) pelas tuas outras partilhas no blog e a minhas admiração e consideração por ti é grande.

Desta última mensagem publicada, com estas três imagens, que falam por três mil palavras,fixo-me e sublinho as emoções que manifestas ao reviveres o tanto que elas te dizem. Destaco da legenda da 1ª foto, o término da mensagem que envias-te à tua querida Mãe: "louvor ao Altíssimo, o amor deste filho Mário"

Também a Ele eu me confiei e nunca saí defraudado.

Longa vida Mário e muito obrigado pelo teu testemunho.

Um abraço fraterno
JLFernandes