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domingo, 26 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25562: Viagem a Timor: maio/julho de 2016 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte IV: um encontro, privado, com Ramos Horta, colega de escola do Gaspar Sobral


 Retrato oficial do atual presidente da República Democrática de Timor Leste, José Ramos-Horta (n. 1949): Fonte: Wikimedia Commons (com a devida vénia...)

Tem uma págna oficial na Net, em inglês: https://ramoshorta.com/ (Presidente de Timor Leste, Prémio Nobel da Paz em 1996, Construtor da Democracia). Foi também diplomata: conhece a Guiné-Bissau (ver aqui a entrevista que deu à Rádio ONU, quando deixou o cargo de enviado especial do secretário-geral da ONU na Guiné-Bissau em 29 de junho de 2014: parte I e parte II)



1. Continuação da publicação das crónicas do Rui Chamusco, relativamente à sua primeira viagem e estadia de dois meses em Timor-Leste (de 5 de maio a 7 de julho de 2016) (*).


O Rui Chamusco, nosso tabanqueiro nº 886, é professor de música, do ensino secundário, reformado, natural da Malcata,  Sabugal, a viver na Lourinhã. Tem-se dedicado de alma e coração a um projeto de solidariedade no longínquo território de Timor-Leste (a 3 dias de viagem, por avião, a cerca de 15 km de distância em li ha reta). É cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste.

A ASTIL irá construir e inaugurar, em março de 2018, a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá (pré-escolar e 1º ciclo).

A primeira viagem do Rui a Timor Leste, em maio de 2016, foi exploratória mas é nessa altura que ficará decidido construir-se uma escola nas montanhas de Liquiçá, em Manati / Boebau. Nesta viagem (e estadia de dois meses) , fez-se acompanhar do luso-timorense Gaspar Sobral, outro histórico da ASTIL, que há 38 anos não visitava a sua terra natal. Em Dili eles vão ficar na casa do Eustáquio, irmão (mais novo) do Gaspar Sobral. Acompanhamos também o dia a dia desta família, que vive no bairro Ailoc Laran, e que durante a ocupação da indonésia viu a sua casa incendiada, tendo-se refugiado nas montanhas como tantos outros timorenses.

Dessas crónicas de 2016, sob a forma de diário, decidimos publicar uma boa parte dos apontamentos, dado o interesse documental que nos parece ter para os nossos leitores que, tal como nós, ainda sabem pouco da história, da geografia, da cultura  e dos usos e costumes  dos nossos amigos e irmãos timorenses. Para além da grande generosidade humana e do talento literário do autor, são crónicas com "cor, sabor e humor", que acrescentam algo mais sobre a sociedade timorense de ontem e de hoje, incluindo pequenas histórias de vida.


Viagem a Timor: maio/julho de 2016 - Parte IV:   um encontro, privado,  com Ramos-Orta  

por Rui Chamusco (*)



Rui Camusco e Gaspar Sobral (2017).
A família Sobral tem um antepassado
comum que foi lurai, régulo,
no tempo dos portugueses.
As insígnias do poder (incluindo a espada)
estão na posse do Gaspar,
que vive em Coimbra.
Foto: LG (2017).

(Continuação)



1 de junho de 2016, quarta feira– Dia Mundial da Criança

Quase não me dava conta da efeméride, caso não fosse a Adobe (sobrinha do Gaspar, filha do Estáquio e da Aurora) a lembrar-me quando chegou da escola.

Com tantas crianças à minha volta, imediatamente dou comigo a pensar nas crianças de todo o mundo e particularmente destas crianças que tanto necessitam do nosso apoio para poderem crescer em estatura, sabedoria e graça.

Penso também nas crianças de todo o mundo, particularmente nos países super desenvolvidos, que apesar de terem tudo o que 
precisam, vivem infelizes e sempre a exigirem 
coisas demais. Nada as satisfaz, e por isso 
são birrentas, agressivas, mandonas, difíceis 
de contentar e de educar. (...)

2 de junho de 2016, quinta feira – Contagem decrescente

Daqui a um mês será o regresso a Portugal. Os dias vão passando e a nossa missão vai sendo cumprida. Da minha parte está quase tudo resolvido. Por isso posso partir em paz. Da parte do Gaspar muito falta ainda fazer: entrevistas, contatos, mais isto, mais aquilo. (...)

Quanto a mim, gostava de ir visitar o meu primo Quim, que está na Austrália, mas as complicações de viagens estão a desmotivar-me. Tenho de admitir que os preços dos voos são um exagero, propriedade de gente rica. Neste momento em que precisamos do dinheiro como de pão para a boca, devido aos projetos em curso, não me sinto à vontade para gastar tantos dólares em viagens. Será mais prático e económico viajar diretamente de Lisboa para Melbourne que de Dili para Melbourne. A não ser que mude alguma coisa bem me parece que a visita ao Quim ficará para outra vez.

Entretanto, vamos andando na implantação da escola e no programa de apadrinhamento que são neste momento ações mais importantes. Desculpa, Quim!...

Dia 3 de junho de 2016, sexta feira - Preparando a viagem de regresso

Até parece que estou com pressa. Estes sentimentos contraditórios de querer estar aonde não estamos corroem o corpo e a mente. Será a saudade, sentimento tão português?... Mas não. Como cantava António Variações, “ eu só quero estar… aonde eu estou.” Ou então como diz o povo: “Quem está mal que se mude”.

Então porquê todo este frenesim com a viagem de regresso? Ora o nosso amigo Gaspar decidiu alterar os seus planos. Tem a viagem de regresso marcada para fins de setembro e agora quer antecipá-la para princípios de julho, aquando da minha marcação. E vai daí “telefona à tua sobrinha para proceder à alteração”. Azar! Não há disponibilidade para o mesmo voo nem para o mesmo dia. De modo que os amigos terão que viajar separados, a não ser que algo aconteça em contrário.

5 de junho de 2016, domingo - Esta salutar promiscuidade

Quem pensar que já viu tudo no caminho do progresso e que voltar às origens é um atraso está completamente enganado. Aqui, em Ailok Laran, tudo é diferente. A natureza é maestra e tudo dirige em harmonia perfeita, com acordes dissonantes às vezes, num entendimento permanente entre pessoas, animais, aves, plantas, etc…

Todos são livres de circularem por onde lhes apetecer. A privacidade não é coisa que se preze. Portanto não é de estranhar que galinhas, pardais, lagartixas (teque-teque) ou outros seres em liberdade te visitem em qualquer parte onde estiveres, e livremente te saúdem (outros dirão, incomodem) sem qualquer protocolo. O acesso aos espaços é comum, as crianças em grande número, como pardais à solta, são presença constante, o encontro com familiares e vizinhos é natural. Quem chega é da casa, e é convidado natural para participar na ação presente: conversar, cantar, comer…e outras.

Para o conceito de um europeu evoluído é difícil entender e conviver com a falta de comodidades e as privações deste povo. Mas há valores humanos que esta gente ainda tem que superam todas as carências. Tanto me dá que digam que é uma sociedade que reporta aos anos cinquenta como que rejeitem a lição que este povo nos presenteia. A verdade é que os seus valores são intemporais, ficam bem em qualquer sociedade humana a caminho do desenvolvimento…

Crenças e rituais

Da repente, enquanto estávamos a jantar, mais ou menos pelas 20h30, começou a ouvir-se um toque contínuo de metal que mais parecia uma jante de um carro ou um prato imitando um gongo. Claro que o meu ouvido absoluto captou logo essas ondas sonoras e, perante a pergunta o que é isto, veio de imediato a resposta do Eustáquio: 

"Esta noite com a lua em quarto crescente está a decorrer um eclipse parcial. Quando algo de estranho acontece ()tremor de terra, eclipse ou outros fenómenos naturais) é de tradição tocar, fazer barulho com estes objetos sonoros para avisar Deus de que ainda há homens, gente, cá em baixo, em Timor."

Quem puder entender que entenda!...

O Gaspar com a corda toda

Já não é a primeira vez que me refiro ao Gaspar como pessoa eloquente que usa e abusa da palavra sempre que a oportunidade lhe surja. Com ou não sentido, ele diz que a bandeira de Timor entre os símbolos que ostenta (martelo, arma,….) tem também uma caneta.

Portanto sente-se legitimado para utilizar a palavra escrita e oral como meio de combate e luta pelo seu povo. Até aqui tudo bem. O problema é que quando ele liga o motor, nunca mais se cala. Fala, fala, fala que se farta, com registo de voz grave, incomodativo para quem não quer ouvir mais ou pretende descansar. As suas pilhas “duracel” são de uma validade interminável. (...)

Esta é uma descrição de um amigo e companheiro que, mais que uma ofensa, é um ato de carinho e de estima. Longe de mim denegrir ou difamar seja quem for, muito menos o Gaspar que é uma pessoa muito culta e com um gabarito moral intocável. Umas pancadinhas em tempo certo só fazem bem.

8 de junho de 2016, quarta feira - Emoções fortes


A tarde de hoje foi carregada de fortes emoções. O Museu da Resistência em Dili foi a primeira visita. Inaugurado em 2012, é uma visita obrigatória para quem queira inteirar-se e compreender a história recente deste povo.

Desde a ocupação indonésia em 1975, muito sofreu esta gente. O suporte multimédia do tempo da guerrilha mostra-nos em pormenor as lutas, os ataque, os mortos, os feridos, os suores e os cansaços de um punhado de heróis que, a troco de uma nação independente, arriscaram ou deram as suas vidas abnegadamente. Dizem que em todo este processo de independência morreram mais de 200 mil pessoas.

Neste ambiente carregado de emoções, um episódio para quebrar a “rigidez” de um museu: no átrio, um bando de crianças rodeavam um segurança que, num gesto altruísta, ajudava os pequenos a varejar com um cana os tamarinhos (frutos) da grande árvore que ali mora. Coisas de Timor: o grande e o pequeno, a criança e o adulto, o forte e o fraco, o simples e o complexo… uma amálgama de atitudes e de sentimentos que coexistem em perpétuo devir ou movimento. E assim se vai edificando a nação.

Visita à igreja de Motael

Já por diversas vezes me perguntaram se já tinha visitado a igreja de Motael. Para além de ser um lugar lindíssimo no seguimento da baía de Dili, só hoje me dei conta do valor simbólico que este templo representa no processo da resistência e da independência.

Foi aqui que o jovem Sebastião Gomes foi fuzilado pela tropa indonésia, quando, fugindo da perseguição, tentava esconder-se junto ao altar lateral direito. Confesso que senti uma forte emoção, quase chorei, ao pisar o mesmo chão. O Sebastião foi sepultado no cemitério de Santa Cruz e, uma semana depois, foi organizada uma marcha (manifestação) com deposição de flores na campa do jovem abatido.

O pior estava para acontecer. A tropa indonésia seguiu-lhes os movimentos até que, num ato de brutalidade, disparou inclemente sobre aquela multidão presente no cemitério. Mais de 200 mortos, mais de 200 feridos, mais de 200 desaparecidos, resultado do massacre de Santa Cruz.

Gostemos ou não de Timor, tudo isto nos emociona profundamente. Mas, como diz o provérbio, “por cada flor estrangulada há milhões de flores que florescem “. Timor é um país em vias de desenvolvimento mas com um futuro muito promissor, sem esquecer os seus heróis.

Visita ao sr. Alexandre e família

O senhor Alexandre é o padrinho de batismo do Gaspar, que há dezasseis anos não se viam. De modo que se justificava plenamente esta visita. A família desfez-se em amabilidades não só com o Gaspar mas também com o Eustáquio e comigo, que sou o intruso.

Conversa puxa conversa, sobretudo do eloquente Gaspar, que mais uma vez repete os discursos já ouvidos por mim há não sei quantas vezes. Tudo bem, os outros também precisam de ouvir e de conhecer a sua visão da vida e dos problemas deste mundo. Acabamos por lá jantar, iguarias que ainda nunca tinha provado: sagu (uma espécie de crepes em que a massa provém do miolo do tronco da palmeira), peixe com molho de tamarinho, e outros.

O senhor Alexandre, com 79 anos feitos em maio passado, fez questão que eu soubesse que ele e a família andaram fugidos quase quatro anos nas montanhas enquanto houve a ocupação indonésia. Perdeu dois filhos (machos, como ele diz) e um outro presente completa o relato dizendo que nem chinelos tinham, andaram sempre descalços.

Enfim, as provações e dificuldades estão passadas e vivem neste momento bem, como eu pude testemunhar. Pelo andar da conversa vim a saber que Berta, filha que esteve a estudar Geologia em Coimbra, já tinha estado em Malcata, Sabugal, por duas vezes com a família Gaspar. Berta casou ainda há pouco tempo com um ex-seminarista com o qual travei animada conversa uma vez que sentia alguma afinidade devido ao meu passado e presente. Combinámos encontrar-nos para lhe dar umas lições de acordeão. Que aproveite até 7 de julho…

À família do senhor Alexandre um grande obrigado pela forma como me fizeram sentir: à vontade, como se fosse da casa.



Dia 10 de junho de 2016, sexta fdeira - Dia da portugalidade

Hoje é dia de Portugal, de Luís de Camões, da portugalidade, dos que vivem em territóriportuguês ou na diáspora. Esta é a quarta vez que passo esta efeméride fora do país; em Timor e, para minha surpresa, parece-me que é a vez que mais profundamente esta celebração me atinge, mesmo sem celebrações oficiais, condecorações, desfiles e outras coisas mais.

Logo de manhã, no terreiro da cozinha da casa do Eustáquio, com toda a simplicidade foi cantado o hino como se se tratasse de um grupo coral bem afinado. Não admira pois esta família é toda musical.

Rui Chamusco, o homem dos sete
instrumentos, aqui tocador de acordeão.
Lourinhã (2012). Foto do autor.
Logo de tarde vamos ser recebidos pelo ex-presidente da República Ramos Horta, mas sem qualquer formalidade. Depois de conversar com estes amigos que me rodeiam chego à conclusão que este sentimento de ser português está mais arreigado em Timor Lorosae do que em muitas localidades do território continental.

Será que a opção do atual presidente da República com a comunidade portuguesa de França / Paris tem alguma coisa a ver com esta constatação?... “Oh mia pátria si bella é perduta !", onde estão as tuas conquistas?... Nem Camões, nem Fernando Pessoa, nem Agostinho da Silva estarão contentes com esta perda de memória coletiva. É saudade, é sentimento, é nostalgia. É o que quiserem mas, por favor, não deixem morrer Portugal…


Mais uma festa de anos

Desta vez foram os 59 de uma irmã da Aurora, 
a esposa do Eustáquio, em Bébora. Depressa 
a família ficou junta. Ao toque do acordeão foram 
cantados os parabéns, seguindo-se uma fausta refeição onde nem o vinho faltou. O casal que acolheu o festim foi de uma simpatia sem limite, até no esforço de falarem em português. O acordeão entrou nos corações dos presentes que foram ouvindo algumas interpretações de músicas conhecidas ou não. Não me livrei de muitas palmas e, como era o dia de Portugal, até a “Portuguesa” foi tocada e cantada. Mais umas músicas a pedido e o serão acabou por volta das 23.30h.

Registo com muito agrado a ideia e quase pedido de se criar aqui uma escola de acordeão. Nunca se sabe!...

11 de junho de 2016, sábado

(...) Os políticos também mentem

Sem surpresa, não é verdade? Hoje era um dos dias muito esperado pelo Gaspar – o encontro com o seu antigo companheiro Ramos Horta. Até eu estava um pouco entusiasmado. Mais ou menos à hora combinada lá chegamos nós à Casa (quartel) do ex-presidente da República de Timor. Casa bem guardada, com escolta policial, tivemos que ficar um bom quarto de hora à espera que alguém nos chamasse e deixasse entrar. Engano! Chegou um mensageiro a comunicar-nos que o sr. doutor não nos poderia receber por ter uma agenda sobrecarregada.

Mais uma desilusão, inexplicável para quem não está habituado a estas geringonças. Ainda comentei com o Gaspar:” ou tu entendeste mal ou então isto é uma bagunçada”. Disse o homem de recados para apareceremos segunda ou terça que vem. Sem hora marcada, sem dia certo, será que vale mesmo a pena a visita? O Gaspar já anda a dizer que, perante tantos obstáculos que se deparam em obter as entrevistas desejadas, vai desistir das mesmas. Mais, começa a convencer-se de que não é desejado, talvez figura não grata, entre os poderes timorenses. Vou tentar convencê-lo a ir à entrevista…



A estátua de Cristo Rei. Fonte:
com a devida vénia...


Há males que vêm por bem


Para amenizar as contrariedades que surgiram decidimos fazer uma caminhada até ao Cristo ReCristo Rei. Nada menos que subir 570 degraus, mas que compensa o esforço despendido. Paisagens encantadoras, idílicas que se conseguem avistar ao longo de todo o percurso mas sobretudo lá do morro de Cristo Rei: Ataúro, Indonésia, a antiga ilha das Flores que em tempos foi vendida aos holandeses como forma de o Governador fazer face às despesas correntes, uma vez que de Lisboa não chegava a remessa de dinheiro necessário.

Comentava-se que afinal os indonésios ainda fizeram muita coisa durante a invasão: a catedral, o Cristo rei com todo o caminho do calvário ilustrado pelas cenas da via sacra, etc…etc…

O que é estranho é que, sendo a Indonésia um país onde o islamismo é a religião predominante, tenha presenteado os timorenses que são católicos com obras manifestamente de cariz cristológico. Também há quem diga que isto terá sido uma jogada política para atrair a simpatia pelos indonésios mas que a jogada saiu-lhes ao contrário.

Muitas coisas boas fizeram e deixaram em Timor, mas cometeram um erro muito grave, a saber: a utilização da violência e os mortos que causaram durante a invasão e a permanência. Recorde-se que houve mais de 200 mil mortos, feridos e fugitivos sem conta.

Enfim, só Deus conhece os seus desígnios… mas bem melhor seria que não houvesse vidas perdidas e que os benfeitores deste povo contribuíssem desinteressadamente no bem e no progresso deste país.

A cereja no topo do bolo

Já a noite era entrada quando, ao jantar, o Eustáquio se sai com esta: “Ti Rui, faz uma casa cá que eu dou o terreno, em Liquiçá”.

Confesso que me deixou baralhado mas dou-me conta do grande desejo desta gente que eu fique por cá. Já dizem que eu não sou malaio (estrangeiro) mas timorense. Estão com receio que eu parta para Portugal no dia 7 de julho e que não volte mais. Sofrem já por antecipação, pois dizem que as saudades vão ser muitas.

Por mais que agente lhes diga que havemos de voltar para a inauguração da escola em Boebau, parece-me que não acreditam. Isto é mesmo assim. Quando abnegadamente nos entregamos a uma causa, encarnando a vida dos pobres, corremos o risco de sermos como eles fazendo parte das suas vidas. Como diz a canção do Ricardo Canta la Piedra, “no queremos a un hombre pregonero; queremos a un hombre que se embarre com nosotros, que viva com nosotros, que beba con nosotros el vino en las tabernas. Los otros no interessan, los otros no interessan…”

Pela parte que me toca só tenho a agradecer estes gestos de estima e de aceitação.

Ailok Laran - abundância de Ailok

Este é o nome da aldeia onde estamos sediados, povoação dos arredores de Dili, no complexo do Bairro Pité. Foi das zonas mais martirizadas pela invasão indonésia. Muitos mortos, feridos, fugitivos, desaparecidos. A maioria das casas foram arrasadas e o seu recheio queimado. Ainda hoje se encontram habitações com esses sinais. A casa dos Sobral também foi arrasada e queimada. Esta habitação foi a primeira a ser construída em Ailok Laran, por isso é um ícone para a família. O Eustáquio procedeu à reparação, que ainda não está concluída por falta de verbas, fazendo assim jus à memória coletiva.

Mas porquê o nome Ailok Laran? Ailok é o nome de uma árvore abundante nesta região e que por isso caracterizou e deu o nome à aldeia. Ailok + Laran que em tétum quer dizer muito.

Ora vim a dar-me conta que eu já conhecia esta árvore em Alter do Chão (e na Lourinhã levada por mim).  Perante esta constatação, e tendo-a eu comunicado ao Eustáquio e ao Gaspar, logo o sr. doutor de leis quis desmentir-me dizendo que era impossível. Perante tanta prosápia propus-lhe uma aposta, ao que ele imediatamente acedeu. Pronto, fica assim: quem perder, paga o almoço ou o jantar. Aguardemos portanto pelas provas, mas a aposta já está ganha para o meu lado.

Em prol dos benefícios para a saúde a casca do Ailok é utilizada em chá ou em masque para dores intestinais (dores de barriga) contra a diarreia. Verifiquei com o amigo Eustáquio que é verdade.

Usos e costumes - influência da religião católica

Timor é um país fortemente influenciado pela religião católica, fruto do longo período de colonização mas sobretudo da presença e testemunho da igreja católica em instituições de ensino e das igrejas espalhadas por todo o lado.

Os timorenses são por essência seres religiosos que, sem vergonha nem complexos, expressam a sua fé naquilo em que acreditam. Quase em todas as casas o “ oratório “ ocupa um lugar de relevo. Imagens de santos, velas, flores preenchem cantos e espaços iluminados todos os dias ao cair da noite.

Uma religião repleta de ritos muito ligados à tradição, que lhe dão um colorido característico, mas devidamente “agiornada” pelos agentes da pastoral eclesial. O respeito e veneração pelo clero é notável. Clero, nobreza e povo são elementos fundamentais a ter em conta no processo de desenvolvimento em curso.

A par de toda esta organização, o povo vai espontaneamente manifestando atos de fé. Quase todos os dias deparamos com ruas enfeitadas (marcadas) indicando que vai haver uma vigília de oração, que dura toda a noite, em que se reza e se canta, se come e bebe, se conversa e se ri. Em maio e outubro é à Senhora do Rosário; no mês de lunho é ao Coração de Jesus. Cada família que o deseje informa a paróquia que atempadamente elabora o calendário das visitas. Ontem, dia 12 de junho, foi mesmo aqui ao lado e tive a oportunidade de ouvir as rezas e cantorias até altas horas da noite.

Mesmo ao lado o sr. Felisberto, homem que já descrevi anteriormente, que não professa religião alguma porque segundo ele o Messias é ele mesmo, teve de aguentar e mais nada. É que aqui ainda não vigora a lei do ruído. Cada um ouve o que quer, como e onde quer. Outros usos, outros costumes…

Dia 13 de junho de 2016, domingo - As árvores morrem de pé!...


Vem este slogan a propósito de uma visita que fizemos ao senhor Silvino que, segundo dizem, é a pessoa mais velha da região. Não sabe quando nasceu mas diz-nos que, quando começou a II Guerra Mndial guerra já tinha 20 anos ou mais. Perguntamos-lhe a idade e ele responde sempre “ tudo acima de 100 “.

Perdeu a conta ao número de netos, bisnetos mas todos sabem que a família é grande. Vive com um neto na sua casa, com dois filhos a morarem nas redondezas. Come bem e dorme pouco, sempre de olho aberto não venha por aí a irmã morte. “omo bem, sinto-me bem, ainda não quero morrer”.

Todos os dias, encostado ao seu cajado, vai até a casa do filho para jantar ( por volta das 18h00). O Ti Silvino tem resistido a tudo ao longo de tantos anos de vida. Não fugiu dos indonésios e, talvez pela sua coragem, a sua casa não foi destruída e queimada. A última prova que teve de superar foi a morte do filho mais velho que, devedores sem escrúpulo, decidiram envenenar, para se livrarem do pagamento das dívidas.

Mas este homem continua com uma enorme vontade de viver, a fazer lembrar a saudosa Palmira Bastos que, também já velhinha, gritava em palco a plenos pulmões: “ As árvores morrem de pé!!!” Obrigado Ti Silvino por nos lembrar que a vida é um dom de Deus e que, por mais anos que a gente viva, nunca a devemos descuidar. Obrigado pela oportunidade de o conhecer, de o ouvir e de lhe apertar a mão. Não o irei esquecer…

Dia 14 de junho de 2016, segunda feira - Laços emocionais muito fortes

Com tantos anos de história a criar laços não será de estranhar que o nome de Portugal seja aqui tão venerado. Se não bastassem os nomes e apelidos que encontramos na maioria dos timorenses, existe nos nossos dias uma forte ligação emocional que tem expressão religiosa, cultural e desportiva. Hoje vou falar evidentemente da desportiva, uma vez que, às quatro horas locais, vão transmitir o jogo de Futebol Portugal-Islândia, jogo de estreia de Portugal no campeonato europeu 2016.

Já estávamos previamente avisados das fortes manifestações sempre que há jogos que envolvem Portugal. Em caso de vitória gritam, cantam e até tiros chegam a dar para o ar. Desta vez não se ouviram disparos pois Portugal empatou, mas sempre que o ataque provocava situações de perigo, a gritaria ecoava pele noite a fora.

Que em Portugal, na França, no Brasil ou qualquer outro país onde houver portugueses se sinta esta vibração forte naturalmente compreensível. Mas aqui tão longe, a vinte cinco e tal mil quilómetros de distância, como é possível haver tanta gente sem ligação direta com o nosso país a vibrar desta maneira? Que laços afetivos são estes que mantêm tamanha transcendência? Se ao menos fosse dada alguma correspondência por parte dos poderes governativos de Portugal!... Aí está: nos corações ninguém manda; ou se gosta ou não se gosta. E viva Timor! E viva Portugal!...

Dia 15 de julho de 2016. terça feira - Visita ao Ramos-Horta

Desta foi de vez! À hora marcada, 16 horas, mandaram-nos entrar para o desejado encontro com esta figura pública timorense, que já foi presidente da República, 1º ministro, ministro dos negócios estrangeiros e que até já ganhou o Prémio Nobel da Paz em parceria com o D. Ximenes Belo.

O encontro foi informal e por isso aconteceu de tudo: piadas, perguntas, respostas, pareceres, notícias, revelações – uma hora e meia de conversa que nos permitiu conhecer melhor esta personalidade. Até o corso, animal bem tratado que faz parte dos habitantes desta mansão, se quis associar ao encontro, concretamente estabelecendo uma relação de lambidelas no meu braço esquerdo e procurando festinhas no lombo.

Tudo estava a decorrer pelo melhor até que o espertalhão do Gaspar tirou o seu amigo e companheiro de escola do sério. Então não é que cometeu a asneira de lhe dizer que pretendia fazer um programa com a entrevista que estava a ser gravada na Rádio Coimbra?

Reação imediata: 

“Estão proibidos de utilizar qualquer declaração minha para fins de campanha ou de publicidade. Se acontecer algo diferente, ser-vos-á movido um processo por rutura de confiança. Isto foi uma conversa entre amigos e nada mais. Entendidos?... Queres uma entrevista para a rádio então manda-me as perguntas por email, e marcamos outro encontro para a entrevista.”

De minha parte está tudo bem porque eu não quero imiscuir-me em politiquice. Da parte do Gaspar, duvido. Tem o coração ao pé da boca e não sei se terá juízo suficiente para calar aquilo que ouviu. Ele já é grande o suficiente para provar que é responsável. Mas confesso que tenho algum receio…

Keos – uma das palavras mais ouvidas em Ailok Laran

Keos é a abreviatura de kiosque. Aqui quase todas as casas têm um pequeno negócio de sobrevivência. Cada um vende o que lhe dá mais jeito, sem necessidade de licenças ou pagamento de impostos. 

Na casa da família do Eustáquio há uma panóplia de artigos que se vendem: pulsas, chocolates, leite indonésio empastado, tabaco, etc…etc… Ou seja, durante o dia e à noite, não há horário de abertura ou de encerramento, ouvem-se constantemente crianças e adultos gritando á janela de serviço: “Keos! Keos!”…

E de um a um lá vão sendo atendidos os pedidos por quem está de serviço. Uma animação constante sem necessidade de megafones, que se junta à animação dos vendedores ambulantes que todos os dias percorrem os becos e ruelas cá da aldeia com os pregões e as bandas sonoras a anunciar a sua passagem e os seus produtos. Grão a grão enche a galinha o papo…

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor:

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15294: Agenda cultural (431): Lançamento do livro "Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau", da autoria do Dr. Livonildo Francisco Mendes, Licenciado e Mestre em Sociologia e Doutor em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais, levado a efeito no passado dia 19 de Outubro de 2015, nas instalações da UNICEPE, no Porto

Em mensagem de 21 de Outubro passado, o Dr. Livonildo Francisco Mendes, Licenciado e Mestre em Sociologia e Doutor em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais, enviou-nos uma Nota de Imprensa do lançamento do seu livro "Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau", levado a efeito no passado dia 19 de Outubro, nas instalações da UNICEPE, no Porto.


Novo livro sobre a política da Guiné-Bissau apresenta propostas nunca dantes vistas

No dia 19 de Outubro de 2015, realizou-se nas instalações da UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto (Portugal), uma sessão de apresentação da obra "Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau", do sociólogo e politicólogo guineense, Livonildo Francisco Mendes.

A obra foi lançada no passado dia 25 de Julho e promete mexer com todos os que se interessam pela política. Nesta sessão, para além do autor e do representante da UNICEPE, o Dr. Rui Vaz Pinto, foram oradores convidados, o Dr. José Manuel Pavão, Cônsul Honorário da Guiné-Bissau no Porto, Arnaldo Baldé, presidente da Associação de Guineenses do Porto, e o Professor Doutor António José Fernandes, da Universidade Lusófona do Porto.


Livonildo Francisco Mendes, formado Licenciado e Mestre em Sociologia e Doutor em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais, apresenta propostas inovadoras para o desenvolvimento e a estabilização da Guiné-Bissau.
Esta é uma obra de extrema importância para todos os que se preocupam com a Guiné-Bissau e com os guineenses, e que pretendem aí construir os alicerces para um futuro melhor.

Nos próximos meses, seguir-se-ão apresentações em Lisboa, Coimbra e Aveiro (a confirmar) e também, brevemente, em Bissau, onde o autor pretende regressar definitivamente para trabalhar como professor universitário e comentador político.

O livro está disponível nas livrarias portuguesas e brasileiras, e também através da página da Chiado Editora, que comercializa online para todo o mundo.

Atentamente,
Livonildo Francisco Mendes


2. Sobre o autor:

Livonildo Francisco Mendes (Ildo) nasceu a 28 de Julho de 1974 em Cacheu (Guiné-Bissau), cidade que é considerada o berço da civilização dos guineenses e a primeira capital da Guiné-Bissau.
Conheceu muitas zonas da Guiné-Bissau, graças ao trabalho que o pai, empregado comercial, exerceu desde o período anterior à luta armada até a década de 1990. 
Terminou o secundário e foi convidado pelo Ministério da Educação para dar a sua contribuição ao país. Trabalhou na Região de Cacheu como Professor de Língua Portuguesa no Liceu Regional Hô-Chi-Minh, em Canchungo e como Professor contratado de Filosofia no Liceu Unidade Escolar 23 de Janeiro, em Bissau. Frequentou até ao terceiro ano a Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito de Bissau. Em 2001 foi apurado para uma Bolsa de Estudo para Portugal. Estudou o 12.º ano na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro (Caldas da Rainha). Foi depois para Coimbra, onde concluiu a Licenciatura e o Mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra – com uma Dissertação de Mestrado intitulada “Democracia na Guiné-Bissau: por uma mudança de mentalidades” (que conta já com cerca de 2000 downloads). Depois do Mestrado, sentiu necessidade de complementar a sua formação na área da Ciência Política e, por esta área de formação não existir em Coimbra, mudou para a Universidade Lusófona do Porto. Em 2014, terminou o Doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto, com uma Tese intitulada “Modelo Político Unificador - Novo Paradigma De Governação Na Guiné-Bissau”. A Dissertação e a Tese serviram de base a este livro.

Com a devida vénia a Chiado Editora
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15253: Agenda cultural (430): Conferência de António Graça de Abreu, "Entender a China 2015. Viajar pelo mundo chinês”, sábado, dia 17, pelas 11h30, em Lisboa, na sede da AFAP - Associação da Força Aérea Portuguesa, nas comemorações do seu 32º aniversário

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10409: O Nosso Livro de Estilo (6): O que fazer com este blogue ? (Parte II ): Depoimentos de A. Pires, C. Pinheiro, D. Guimarães, L. Ferreira, B. Santos, C. Rocha, F. Súcio, B. Sardinha , T. Mendonça e JERO






Lisboa > Av Fontes Pereira de Melo > 15 de setembro de 2012 > Arte urbana (ou "street art"), pintura mural em prédios devolutos... Dizem que ajuda a "climatizar" os nossos pesadelos, medos, ansiedades, perplexidades, incertezas, angústias, individuais e coletivas... Lisboa é já uma cidade de referência para os fãs da "arte urbana"... que não deve ser confundida com o "vandalismo" de alguns grafiteiros...

Fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


1. Continuação dos depoimentos dos membros da nossa Tabanca Grande sobre a questão O Que Fazer Com Este Blogue ? (*)... 

Recorde-se aqui algumas das regras básicas do nosso convívio bloguístico, á sombra do simbólico poilão da Tabanca Grande: por exemplo, (i) não nos insultamos uns aos outros; (ii) não usamos, em público, a 'linguagem de caserna'; (iii) somos capazes de conviver, civilizadamente, com as nossas diferenças (políticas, ideológicas, filosóficas, culturais, étnicas, etc.); (iv) somos capazes de lidar e de resolver conflitos 'sem puxar da G3'; (v) todos os camaradas têm direito ao bom nome e à privacidade; (vi) não trazemos a "actualidade política" para o blogue, etc. 

Recorde-se ainda mais algumas ideias da nossa "política editorial": (vii) O blogue não é nenhum porta-estandarte, nenhum porta-voz, nenhuma bandeira de nenhuma causa... (viii) Somos independentes do Estado, dos partidos políticos e das associações da sociedade civil que de uma maneira ou de outra possam representar e defender os direitos e os interesses dos ex-combatentes portugueses (ou guineenses); (ix) Somos sensíveis aos problemas (de saúde, de reparação legal, de reconhecimento público, de dignidade, etc.) dos nossos camaradas e amigos, incluindo os guineenses que combateram, de um lado e de outro, mas enquanto comunidade (virtual) não temos nenhum compromisso para com esta ou aquela causa por muita justa ou legítima que ela seja... (x) Em todo o caso, a solidariedade, a amizade e a camaragem são valores que procuramos cultivar todos os dias.

Mais comentários, sugestões ou críticas  serão bem vindos! (LG). 


(xii) Armando Pires, 12/9/2012 


Percebo o estado de alma do Henrique Cerqueira. É em tudo igual ao meu. Todavia, ainda que sendo "relativamente" novo nesta casa, deixem-me dizer que, se já despejamos bombarda, uns sobre os outros, quando o filme da guerra não tem o guião do nosso acordo, no dia em que aqui trouxermos a politica, matamo-nos.
Abraços, armando pires



(xiii) Carlos Pinheiro, 12/9/2012 

Caros camarigos: Penso que os dois, cada um à sua maneira, estão cheios de razão. O blogue tem regras que devem ser cumpridas ou então,  se houvesse um consenso alargado, essas regras poderiam vir a ser alargadas, o que será sempre dificil de concretizar consensualmente. Mas enquanto as regras forem as que são, devem ser cumpridas.

Mas de facto, os governantes, todos, que nunca nos respeitaram, que nos souberam mandar para a guerra como carne para canhão, sem condições, basta lembrar como eram feitas as viagens nos porões, sem água para se tomar banho, sem qualquer tidpo de conforto, etc., e depois aqueles 25 meses cumpridos também sem condições desde ofardamento até às instalações militares que não existiam e foram sendo construidas à mão, como era possivel, que até os restos mortais dos nossos camaradas que por lá tombaram tinha a familia que pagar o seu transporte para que eles também pudessem regressar e por isso é que por lá ficaram muitas campas, a maioria delas ao abandono - é bom lembarmo-nos destes pormenore - que viemos e nunca ninguém nos ligou patavina e a prova é a provocação do complemento de pensão que um senhor, que era falador e agora anda calado, inventou, complementp este, se calhar,com estes apertos todos, também irá acabar, se calhar está a chegar a hora para dizermos, alto e bom som, que afinal ainda há muitos sobreviventes que também têm direito a opinião e acima de tudo a ser respeitados.

Não sei se entendi bem a "provocação" para que fossem feitos comentários à conversa entre dois amigos, mas de momento, é o que se me oferece dizer nesta altura em que o país deveria ter a Bandeira Nacional à meia haste por tanta patifaria que muitos têm vindo a fazer, ao longo dos anos, a este País à beira mar encravado, nomeadamente a quem menos tem e mais precisa.

Um abraço solidário para todos, mas, perdoem-me, especialmente para aqueles que estão mesmo a psssar as passas do Algarve, que são cada vez mais. Carlos Pinheiro

(xiv) David Guimarães, 13/9/2012

Entendendo e comungando do espirito do nosso camarada na revolta que se gera e com razão - afirmo -, acho que estes comentários contudo não cabem no nossoblogue... Ele tem a sua definição inicial, não tem tido grandes desvios do essencial e do que se pretende e isso para mim tem rido todo o valor. 

Nunca nos ultrapassamos para além do que se pretende - MEMÓRIAS E RELATOS DA "NOSSA" GUERRA (Guiné)- , sendo que embora sempre um motivo político foge totalmente do âmbito do espírito que nos fez estar aqui a todos...

A indignação ou protestos contra o governo - podendo ser justos, acho que não cabem de todo no nosso canto, portanto tenho uma opinião bem formada de que - nada seja aflorado nesse sentido aqui, na nossa caserna.

Esta minha opinião tem a força que tem, mas que não veja eu isto aflorado no blogue- aí então pensarei que não estou enquadrado e que se desvirtua os princípios aceites por quem cá entrou e faz parte desta grande caserna..

Todos temos as nossas opiniões e concretas sobre o assunto Governo sendo que uns concordam, outros duvidam e outros acham mal - mas não cabe escrever isso no nosso blogue que é pluralista, respeita o pensar de cada cidadão e essencialmente faz o relato da guerra na Guiné e só.... 

Um forte abraço David, ex Furr Mil At. Art e Minas e Armadilhas, Cart 2716 do Bart 2917 - 1970 1972 (...)

(xv) Lázaro Ferreira, 13/9/2012

Luis, sem ler o que o Henrique escreve, deixar implícito na tua resposta de opinião sábia; na verdade, o blogue não pode ser um espaço de ideias, nem uma cartilha de religião e política; será um espaço imaterial de memórias! Como referes, somos um povo bipolar …, e também muito rico, muito pobre, muito culto e muito analfabeto ou num linguagem erudita, ausência de literacia. …, apesar de tudo gosto muito deste meu nosso Portugal;

Como te referi num email atrás, estou com um projeto ao nível profissional que me obriga a alargar horizontes em face da grave crise que há alguns anos assola este no Portugal e que não se vê a última ondulação calma deste nosso mar tenebroso, em que os nossos marinheiros, na linguagem dos Lusíadas, não conseguem dobrar o cabo das tormentas e passar para além da Taprobana (ilha de Moçambique: como não tenho em mão os Lusíadas não sei se a palavra está bem escrita). (...)

Um abraço amigo e bom ano. Lázaro.

(xvi) Beja Santos, 13/9/2012




Luís, Este blogue, tanto quanto sei, propicia as condições para se falar da Guiné, do passado ao presente. Como todas as arenas onde não há pensamento único, enriquece-se os mais desvairados contributos. Há blogues para tratar os problemas atuais, relacionados com a crise que nos assola e muitos outros. 

Graças às facilidades do digital, podemos saltar de blogue em blogue, consoante as matérias. Não estou nada arrependido de me cingir à Guiné, terra que amo profundamente. Não tenho angústias em demarcar as minhas preocupações, utilizando as diferentes redes sociais e outros meios de comunicação. 

O que fazer com este blogue? Mantê-lo disponível para todos os que combateram na Guiné, naquele tempo. E também refletir sobre a Guiné de hoje, com base em princípios. Nada mais tenho a responder-te, tal e tanto gosto do que contribuo a teu lado, e pondo a circular para centenas de confrades, aberto ao mundo. Recebe um abraço de um amigo que te estima profundamente, Mário.

(xvii) Carlos Rocha. 13/9/2012 [, foto não disponível; penso que é apenas nosso leitor, não estando formalmente registado na Tabanca Grande; entrou aqui neste debate pro mão do Manuel Luís Sousa, salvo erro]

 (...) Em relação ao que diz o Henrique, e para ser muito rápido porque neste momento não tenho grande disponibilidade para me alongar, acho que ele tem toda a razão e não vejo qualquer carácter intempestivo na mensagem/alerta que ele faz. Acho até bastante pertinente. 

Têm de se dar umas pedradas nos charcos. Basta de sermos os carneirinhos mansos que vamos para onde nos empurram. O caminho que as coisas levam só pode conduzir a que amanhã os nossos, filhos já não, porque esses também já têm obrigações de cidadania e por isso devem estar ao nosso lado, mas os nossos netos com toda a razão possam dizer: “que covardes que os nossos avós foram ao terem-nos deixado o país que deixaram, ou se quisermos ir mais além, com toda a legitimidade e num âmbito mais alargado, dizer: “que porcaria de europa nos deixaram” ou porque não até: “que merda de mundo é este em que nos deixaram”. 

Neste momento penso que já ninguém tem dúvidas que a origem de tudo isto está na globalização (chinisação) sem regras que os mesmos, e sempre os mesmos que todos conhecemos e não o podemos negar, e que estão sempre na origem do quede mal acontece para viverem à tripa forra, nos impingiram.

Posto isto e dado realmente não ter na minha mão a solução, porque essa está nos poderes, só tenho qu eme disponibilizar, seja pela escrita, seja mesmo pela vinda para a rua, por vontade própria e por convicção, juntar-me aqueles que me convencerem de forma honesta a actuar junto com eles para tentar que as coisas mudem em vez de ficar comoda e covardemente instalado de pantufas na minha zona de conforto à espera que os frutos me venham ter à mão sem eu fazer o que quer que seja para isso, porque é o que acontececom os acomodados que “pensam” que estarão sempre muito bem na vida e por isso não se dispõem afazer o que quer que seja e quando abrem a boca é só para defenderem o seu status quo. 

Mas,  atenção,  que não é vir para a rua gritar “a luta continua”, mais outras frases feitas e gastas e acabar com uma sardinhada, uma churrascada, uns copos e os bombos dos zés pereiras a animar a festa. Tem de ser assunto mais sério e nós, como ex-combatentes,  sabemos que… quem vai à guerra dá e leva, mas também sempre foi assim.

Atentem no que foi a Primavera dos Povos em meados do século XIX. Tenho pena de não ter o endereço do Henrique para lhe transmitir um abraço de solidariedade. Abração a todos, CR  


(xviii) Fernando Súcio, 13/9/2012

O que devemos fazer é e dar-lhe continuidade, não desistir de forma nenhuma, pelo contrário devemos-nos empenhar, ainda com mais força,e avançar, sempre em frente, deteminados.

um grande abraço a todos. 

fernando súcio,


(xviii) Belarmino Sardinha, 15/8/2012


(...) O blogue, tal como o vi e vejo ainda, serve para os militares que estiveram na Guiné como combatentes ou os seus familiares, por lhes terem feito companhia, ou trazerem à nossa memória a lembrança daqueles que já nos deixaram. Serve para que se contem as suas histórias e passagens mais ou menos romanceadas. Serve para se falar da Guiné, das suas gentes e culturas. Serve para lembrar a este povo que ainda existem pessoas vivas quelutaram pela Pátria. Serve para mostrar que nos encontramos unidos por uma mesma causa…
Quanto ao tornar este blogue como um movimento político onde se discutem opiniões estritamente políticas, demagógicas, com interesses partidários e outros que se escondem por detrás, sou frontalmente contra, seria acabar com o que temos, pese o facto de nem sempre estarmos de acordo. Não será já isso suficiente? Não existe já bem definida a política na forma como cada um se expressa?

Na verdade e para ser sincero, não aprecio minimamente qualquer partido político ou qualquer político profissional. Quando se deixa de ser livre para respeitar as decisões dos órgãos de um qualquer partido, mais não se é que uma marioneta à procura de uma oportunidade, perdeu-se a liberdade, aquela por que todos dizem ansiar e nada tem isso que ver com solidariedade ou espírito de grupo, companheirismo ou o que lhe decidam chamar…

Acredito cada vez mais nos homens, sejam de direita ou esquerda, naquilo que fazem e nãonaquilo que dizem querer ou prometem fazer. Acredito no serviço público praticado sem contrapartidas, por aqueles que a ele se dedicam sem fazer dele carreira, apenas como missão de serviço a que todos estamos obrigados…

Enfim, havia aqui conversa para um sem número de horas, dias, meses ou até anos… Voltando ao teu blogue, ao nosso blogue, volto a referir que estou contigo, não vejo como bom alargá-lo à política pura e dura, existem entre aqueles que nele estão, por certo, elementos disciplinados partidariamente e outros que levaria a fricções insanáveis. A nossa política, onosso espírito de grupo, a nossa solidariedade, a nossa missão deverá ser levar a cabo a lembrança de que houve guerra, o registo para memória futura, como é moda dizer-se, a Guiné foi o nosso centro e os nossos camaradas, vivos ou mortos são e devem ser a nossa razão.

Espero ter sido suficientemente claro, desculpa se me alonguei. Um abraço, BS


(xix) Torcato Mendonça, 18/9/2012  [, comentário ao poste P10402 *]


(...) Por razões pessoais, não relevantes para o Blogue, não tenho seguido com a habitual atenção o que aqui se escreve. Sinceramente espero vir a fazê-lo. Sem me adiantar muito, sem esperar pela parte II, penso que este tema já foi aqui suficientemente debatido.Há regras e há a vontade colectiva de dar continuidade ao "escrito" primeiro, á base que lançou este projecto. Já estou por aqui há mais de seis anos, muitos sabem o meu pensamento politico e muitos sabem também que tento ao máximo respeitar a pluralidade opinativa.

Falar de politica aqui? NÃO ! Menos agora nestes tempos de pouca serenidade. O objectivo do Blogue está definido, quem aqui está conheço-o. Pois sigamo-lo então.

Nada mais ou vou dizer só: a Net está cheia de blogues que tratam desses assuntos, de assuntos de ex-combatentes e de politica e saudosismos,  etc. Quem quiser pode participar neles. Contudo respeito opiniões diferentes da minha e fico por aqui. (...),

(xx) JERO [, aliás, o último monge de Alcobaça...], 19/9/2012   [, comentário ao poste P10402 *]

 (...) Em minha opinião o nosso Blogue não deve encaminhar-se no sentido de ser um fórum político. Poderia, em pouco tempo, perder-se um património único de memórias que custou tanto a recolher. E a esse extraordinário trabalho de recolha seguiu-se uma notável divulgação graças a uma extraordinário conjunto de boas vontades.

Como refere o Hélder Sousa …«para expor teses político-partidárias existe o Facebook. É de leitura mais rápida, pode-se 'amandar' bocas à vontade e há à disposição para todos os gostos».  Neste ponto estou particularmente à vontade para opinar pois tornei-me nos últimos tempos um “face-ò-dependente”.

Vamos manter este nosso espaço isento e apolítico. Digo eu com inteiro respeito por outras opiniões que não coincidam com a minha. (...)
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10402: O Nosso Livro de Estilo (5): O que fazer com este blogue ? (Parte I) : Depoimentos de H. Cerqueira, L. Graça, A. Branquinho, J. Manuel Dinis, J. Mexia Alves, J. Amado, Manuel L. Sousa, José Martins, Hélder Sousa e Eduardo Estrela

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10169: Os Nossos Regressos (28): Gama Carvalho, 2ª C/BCAV 8323 (Piche, Buruntuma, Piche, 1973/74), autor do blogue Estrada Fora, surpreendido em Figo Maduro pelo ardina que vendia o jornal A Merda, em 11 de setembro de 1974...



Com a devida vénia... Do blogue Estrada Fora,  do nosso camarada Gama Carvalho, que pertenceu 2ª C/ BCAV 8323 (Piche, Buruntuma, Piche, 19773/74)...

[ Recorde-se, a propósito do  BCAV 8323/73:  (i) foi mobilizado pelo RC 3,  (ii) partiu para o TO da Guiné em 22/9/1973, (iii) egressou a 10/9/1974; (iv) steve sediado em Pirada; (v) teve como comandante o ten cor cav Jorge Eduardo Rodrigues y Tenório Correia Matias;:  (vi) dele faziam parte a 1ª C/BCAV 8323 (Bajocunda), a 2ª C/BCAV 8323 (Piche, Buruntuma, Piche) e a 3ª C/BCAV 8323 (Pirada)].

1. Estrada Fora > Quarta-feira, 29 de Junho de 2011 > O mais belo nascer do sol


O regresso à metrópole estava previsto para as 23.00 horas no aeroporto de Bissau. Mas, a meio da tarde desse dia [, 10 de setembro de 1974], eram já muitos os militares a dirigirem-se para o local de embarque. A ânsia da partida manifestava-se por um imenso desassossego, visível nos constantes olhares para o relógio, nas contínuas espreitadelas às pistas e na postura inquieta dos corpos.

Foram 12 meses passados no mato, sob uma enorme pressão psicológica. Lembro bem, em Buruntuma, só me sentia mais calmo e seguro pela calada da noite, pois eram raros os ataques da guerrilha local nesse período de tempo.

Estávamos em meados do mês de Setembro de 1974. A revolução de Abril tinha constituído, para os militares que lutavam nas três frentes de guerra em África, um farol de esperança a iluminar os caminhos do futuro. Com a queda do regime político português, dissiparam-se as dúvidas sobre o final daquele conflito colonial. Pelo que o pensamento fixou-se, a partir daí, no regresso a casa.

À hora marcada, fomos informados que o avião, vindo, propositadamente, de Lisboa, ainda estava a caminho. Só pelas três horas da madrugada levantamos voo para uma viagem que me proporcionou o mais belo espectáculo que assisti, até hoje, nas alturas do firmamento: um magnifico nascer do sol, com raios multicolores, mistura de vermelho vivo com um amarelo rebelde. Na admiração daquele magnifico quadro, senti que uma nova era se iniciava na minha vida. Para trás, deixava um tempo que pretendia esquecer rapidamente.

Todos sabíamos, pelas notícias que nos chegavam de camaradas regressados de férias, que Portugal estava em vertiginosa mudança social e politica. E foi no preciso momento em que desembarquei, no aeroporto militar de Figo Maduro, em Lisboa, que dei conta dessa enorme mudança que o meu país sofreu no tão curto espaço de um ano. O primeiro sinal dessa mudança foi trazido, no cais de desembarque, por um vendedor de jornais que, junto de mim, apregoava: >
- Compre A Merda. Leve A Merda para casa!.

Um pouco incrédulo, fixei-me, por momentos, no ardina e nos jornais que carregava. Constatei, surpreso, que um dos deles tinha esse título tão pouco ortodoxo e impensável há um ano atrás.

A minha perplexidade era do tamanho da diferença de liberdade política e social com o país que tinha deixado: rural, fechado sob si próprio, amargurado pelo destino dos embarcados para o ultramar, pobre e abandonado pelos mais jovens num fluxo emigratório sem precedentes. Tudo isso estava em mudança vertiginosa.

A liberdade trazida pela «Revolução dos Cravos» estava a dar frutos a nível do desenvolvimento social e político e, um pouco mais tardiamente, a nível da economia e finanças.

O jornal «A Merda» mais não era que um apêndice dos excessos que o exercício da liberdade sempre comporta. Sobretudo, após uma asfixia tenebrosa de 40 anos de ditadura!

Mas, de tudo isto, retenho, na minha melhor memória, o mais belo nascer do sol!


2. Comentário de L.G.:

Ainda me recordo, apenas de o ver nas bancas de jornais, não de o ler, do jornal, de combate político, "A Merda", que era conotado com o movimento anarquista em Portugal.  Perdurou na nossa memória mais do que outros como o "Coice de Mula" ou até como a revista (doutrinária) "Ideia", mais séria e intelectual  (onde pontificou o meu confrade João Freire, como diretor, editor e proprietário, nos anos 70/80) ... De referir ainda, segundo José Nuno Matos, outras publicações congéneres que apareceram no pós 25 de abril: o Pasquim (Cascais), o Satanaz (Almada), a Sabotagem, o Rastilho e a Terra Livre (Amesterdão), a Revolta (Leiria), a Acção (Tomar), a Libertação (Pombal) e, mais tarde, o Apoio Mútuo (Évora), A Sementeira (Lisboa), a Lanterna Negra (Lisboa) e o Anarquista (Leiria)...

De qualquer modo, e na esteira do poste do nosso camarada Gama Carvalho, quem não se lembra do célebre refrão dos ardinas de Lisboa que vendiam "A Merda" ?!
- Olh' A Merda!... Compr' A Merda!... Lei' A Merda!... Gand' A Merda!...

Lembro-me também das pichagens nas paredes, algumas das quais resistiram anos e anos a fio à ação dos homens e das intempéries... mas não à nova horda de grafiteiros. Lembro-me, de cor, de uma ou outra palavra de ordem, anarquista, ou de inspiração anarquista, com conteúdo libertário, iconoclasta, sarcástico, corrosivo, subversivo, irónico, pungente ou simplesmente filosófico, ético ou poético.... (Enfim, recorro aqui também ao auxiliar de memória que é a notável amostra, de mais de 500 murais,  do pós 25 de abril, fotografados e tratados pelo Centro de Documentação 25 de Abril)...


Uma ou outra dessas palavras de ordem ainda se vê por aí, tentando em vão interpelar-nos, provocar-nos... Diga-se, en passant, que o anarquismo nunca teve grande implantação histórica em Portugal (contrariamente à Grécia e à Espanha), se excetuarmos a influência do anarcossindicalismo dos finais do séc. XX até aos anos 20 do séc. XX, nalguns polos industrais (e portanto operários) de um país onde o capitalismo da 1ª geração foi atípico, periférico e serôdio... Não confundam, por favor, essas pichagens de humor ácido, corrosivo, com a "cultura grafiteira" das tribos suburbanas do início do séc. XXI... Sinto-me, apesar de tudo, mais confortável com os primeiros do que com os segundos...

- A Anarquia vencerá!
- À portuguesa só conhecemos o cozido!
- Abaixo a Ditadura, viva a Coca-Cola!
- Abaixo as relações sexuais!
- Abaixo os organismos de cúpula, vivam os orgasmos de cópula!
- Apoiamos a justa luta dos bichos da fruta
- As pulgas não sabem nadar, não lavem os cães!
- Greve ao papel higiénico, compremos os jornais.
- Já não há eleições, o Dom Sebastião volta para a semana!
- Junta a tua à nossa merda! [, paródia da palavra de ordem do PCP: "Junta a tua à nossa voz"]
- Na aula de educação sexual teve falta de material
- Não encostem o cu à parede, não!...
- Nem Deus nem Chefe!
- Nem Deus nem Chefes... e muito menos anarcas!
- Nem Deus nem Pátria nem Família nem Chefe nem Governo, Autogestão!
- Nem mais um faroleiro para as Berlengas!
- O trabalho dá preguiça, a preguiça dá trabalho.
- Os nossos sonhos não cabem no nosso mundo.
- Poder aos glutões.
- Putas ao poder, que os filhos já lá estão!


- Se a merda valesse ouro, os pobres nasciam sem cu!
- Se Deus existe, o problema é dele.
- Se o governo é merda, de quem é a culpa? Da merda ou do governo?
- Sejamos realistas, exijamos o impossível!
- Unicidade pró menino e pra menina.
- Viva a dentadura do proletariado!

... Pode ser que, entretanto, alguém se lembre de mais algum!... Hoje fazem-nos apenas sorrir, com um sorriso amarelo ou amarelecido. Perderam toda a carga humorística e até subversiva que podiam ter tido na época, de descompressão política, social, cultural e mental, que foi o 25 de abril e o pós-25 de abril.

[As duas imagens de cima foram tiradas  o Porto, numa das escolas  do IPP - Instituto Politécnico do Porto, em Paranhos, no dia 6 de junho de 2012. LG].
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Nota do editor:

11 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9027: Os nossos regressos (27): Faz hoje 44 anos que desembarquei na Estação Ferroviária de Barcelos (José Lima da Silva)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3284: PAIGC - Instrução, táctica e logística (17): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: A formação do soldado das FARP (A. Marques Lopes)

Guiné > PAIGC > s/d > Retrato de Amílcar Cabral, acompanhado por Constantino Teixeira. Fotografia de Bruna Polimeni.[05361.000.009] · Documentos Amílcar Cabral (19/23).

Recorde-se que a fotojornalista italiana Bruna Polimeni é a autora de algumas das fotos mais famosas de Amílcar Cabral, do PAIGC e da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Recebeu em 2006 o Prémio Amílcar Cabral.

Guiné > PAIGC > Amílcar Cabral e outros companheiros, a bordo de uma canoa, a caminho do I Congresso do PAIGC, Cassacá, 1964. Fotografia de Luís Cabral.[05359.000.020] · Documentos Amílcar Cabral (12/23) . Amílcar Cabral foi o grande ideólogo do PAIGC e, infelizmente, não teve substituto ao seu nível intelectual.


Fotos: © Fundação Mário Soares (2008) / Guiledje · Simpósio Internacional · Bissau, Guiné-Bissau · 1 a 7 de Março de 2008. (Com a devida vénia...)

Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma.

Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (
Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.

Em Barro, na região do Cacheu, junto à fronteira com o Senegal, o A. Marques LOpes comandou um Grupo de Combate da CCAÇ 3, constituído essencialmente por balantas. Eram os famosos Jagudis (vd. foto à esquerda; o nosso camarada é o terceiro de pé, na segunda fila, a contar da esquerda).

Foto: ©
A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.

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PAIGC: Instrução, táctica e logística (17) > PROGRAMA PARA A PREPARAÇÃO DO SOLDADO DAS FARP

(Reprodução de documento, interno, do PAIGC)

POLÍTICA

I PARTE – 8 horas



1.º) – Noções breves de Geografia, História e Economia da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC e a história da luta.

- A exploração do nosso Povo pelos colonialistas portugueses. A opressão. Como se fazem a exploração e a opressão. A exploração e a opressão do nosso Povo não são do interesse do povo português. Distinção entre o povo português e colonialismo português. [negrito e itálico meus - A. Marques Lopes]

2.º) – A condenação do colonialismo e dos crimes dos colonialistas portugueses por todos os povos do mundo. O direito do nosso Povo à Liberdade e ao Progresso. O que é o Progresso.

3.º) – Necessidade de luta para a libertação das nossas terras, condição da construção do Progresso. Lugar dos jovens nessa luta.

4.º) – A unidade do Povo como condição da conquista da Independência, da defesa da Independência conquistada e da construção do Progresso. A importância da Defesa da Unidade do Povo. Condenação do racismo e do tribalismo. Unidade do Povo na Guiné, unidade do Povo em Cabo Verde e unidade do Povo da Guiné e de Cabo Verde.

5.º) – Necessidade da preparação do Povo para a luta. Necessidade da mobilização. Necessidade de organização e de direcção.

6.º) – O PAIGC, partido do Povo da Guiné e de Cabo Verde. História breve do Partido e da luta. No Partido estão os melhores filhos do nosso Povo. Porque é que o Partido é a ESPERANÇA do Povo. O dever de defender o Partido. Os inimigos do Partido são inimigos do Povo. O dever de respeitar o Hino, a Bandeira, o Emblema e os dirigentes do Partido.

7.º) – Hoje, o nosso Partido tem milhares de membros. O amor do Povo ao Partido é a sua força principal. O Partido é o representante legítimo do nosso Povo. A direcção do Partido é a direcção legítima do nosso Povo.

8.º) – A direcção do Partido. O Comité Central. Quem escolhe o Comité Central. O Congresso como reunião dos representantes legítimos do Povo. Os membros do Comité Central como os filhos mais dedicados do Povo. Quem é o Presidente do Comité Central do Partido. Quem é o Secretário Geral do Partido.

9.º) – Qual deve ser o comportamento do militante para com os seus camaradas. O que são a crítica e a autocrítica. Distinção entre a crítica positiva e a crítica negativa. Distinção entre a competição fraternal e a concorrência.

10.º) – O que é um responsável do Partido. Qualidades que se exigem a um responsável.

II PARTE – 10 horas

11.º) – PROGRAMA DO PARTIDO

a) A felicidade do Povo como objectivo do Partido. A liberdade como condição da felicidade do Povo. A INDEPENDÊNCIA.

b) A necessidade de defender permanentemente a independência depois de conquistada. A proibição das bases militares.

c) Necessidade de impedir que o poder seja tomado por indivíduos que vão exercê-lo no seu interesse, explorando o Povo. Inimigos internos. A Justiça e Progresso para todos.
(...)

f) Respeito do direito à vida, à integridade física e à liberdade dos povos (Direitos do Homem). Liberdade de domicílio, de religião e de trabalho. Necessidade da liberdade no casamento.

g) Como devem ser respeitados os estrangeiros que respeitam o Povo e as Leis.

h) A instrução do Povo como condição do Progresso. A necessidade da alfabetização das massas. A necessidade da escolarização e todas as crianças em idade escolar. A necessidade da formação de quadros. Ensino primário obrigatório e gratuito. Necessidade de criação de escolas primárias, escolas técnicas, liceus e universidades. Necessidade do desenvolvimento da educação física e dos desportos. O que o Partido já está a fazer no domínio do ensino: alfabetização, criação de escolas e bolsas de estudo para futuros quadros.

i) Necessidade de todo o povo trabalhar com entusiasmo para a construção do Progresso das nossas terras. Condenação dos vadios. Os parasitas são inimigos do Progresso e do Povo. O respeito que merece o homem trabalhador. O amor ao trabalho. Heróis do trabalho.

j) Necessidade de destruir todos os vestígios da exploração colonialista e imperialista, para que o fruto do trabalho do Povo seja para o Povo. Ideia da independência económica e do neocolonialismo.

l) Bens que devem ser propriedade do Estado e porquê. As vantagens da cooperação e a propriedade cooperativa. Necessidade de acabar com a propriedade privada que não sirva o interesse do desenvolvimento económico das nossas terras. A propriedade pessoal.

m) Necessidade do desenvolvimento da agricultura. A modernização da agricultura. Os inconvenientes da monocultura da mancarra na Guiné e da monocultura do milho em Cabo Verde. A necessidade da reforma agrária em Cabo Verde.

n) Necessidade do desenvolvimento da indústria e do artesanato.

o) O que o Partido tem feito no domínio da produção agrícola e do comércio.

p) Organização da assistência social para os que involuntariamente precisarem de ajuda, em caso de desemprego, invalidez ou doença.

q) Necessidade de uma defesa nacional eficaz. Organização da Defesa Nacional a partir das Forças Armadas combatentes da luta de libertação nacional. Necessidade de apoiar a Defesa Nacional do Povo. Necessidade de disciplina das Forças Armadas. A fidelidade e a submissão das Forças Armadas à direcção política.

r) Unidade Africana. Razões. Condições.

s) Necessidade de colaboração fraternal com os outros povos. Explicação dos princípios em que deve basear-se essa colaboração: respeito da soberania nacional, respeito da integridade territorial, não agressão, não intervenção nos assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens, coexistência pacífica.

III PARTE – O NOSSO PARTIDO E A NOSSA LUTA NO MUNDO – 2 horas

14.º) – O nosso Partido no mundo. Os povos e governos que ajudam a nossa luta. A ajuda de África. Os países vizinhos. Os países socialistas ajudam os que lutam pela libertação nacional. A ajuda dos países socialistas ao nosso Partido. Organizações anticolonialistas do mundo. Sua existência e países que ajudam os colonialistas portugueses.

13.º) – Os governos aliados de Portugal. Portugal não pode fazer a guerra sem a sua ajuda. A OTAN [ou NATO].


IV PARTE – O JURAMENTO DO COMBATENTE. EXPLICAÇÃO

Explicação do juramento do combatente das FARP.

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. últimop poste desta série > 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3258: PAIGC: Instrução, táctica e logística (16): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Itinerários de abastecimento (A. Marques Lopes)

quarta-feira, 14 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes


1. Post do A. Marques Lopes > Ir ou desertar

Caro Luís:

Pensei, primeiramente, não entrar nesta discussão da aceitação, ou não, de desertores na nossa tertúlia (1). Mas entro porque me parece que estamos a falar calmos e serenos, cada um com as suas ideias, o que é natural e bom que seja. E eu penso assim:

(i) Os 2.179 mortos na Guiné (centenas dos quais nem de caixão regressaram), os oficialmente reconhecidos como tal (houve mais...), não foram para lá simbolicamente nem eram filhos de reis - sabemos, aliás, que a maioria dos nossos reis da altura nem sequer por uma questão simbólica quiseram enviar os seus filhos.

Todos eles, e nós que regressámos em cima de duas pernas - ou numa só ou em cima de dois cotos - e pudémos abraçar os nossos queridos com os dois braços - ou com um só ou com dois cotos - e conseguimos rever a nossa terra - ou cheirá-la apenas, porque nos tiraram os olhos -, todos nós e todos esses mortos fomos para lá por imposição de serviço. Houve quem terá ido galhardamente para cumprir um dever sagrado, mas a grande maioria foi com o coração apertado de receios e afogado nas lágrimas dos pais e das mulheres, todos obrigados ou para cumprir um dever profissional. O meu grande respeito e consideração por todos.

Os casos que se falam de aproveitamento oportunista da guerra, da guerra no ar condicionado, não podem ser generalizados, meu caro amigo David Guimarães (2), e fazer esquecer os sacrifícios próprios e os dos familiares dos militares profissionais que também deram o litro na guerra. Todos sabemos do Pedro Lauret e do Lema Santos. Os meus respeitos também por eles.

Creio que é todo este panorama que nos faz estar aqui unidos nesta tertúlia, num só sentido de troca de vivências, na recordação de factos com um fundo comum, na recordação de amigos, de dificuldades partilhadas.

(ii) E isto é política, a discussão da vida naquela nossa cidade distante. Mas, mesmo quando lá estávamos, apercebo-me que a maioria de nós já punha em dúvida ou não estava já de acordo com a vivência nela. Já púnhamos em causa a justeza e os objectivos de quem governava a cidade (3) . Começámos a reflectir politicamente, e houve quem decidisse tomar os caminhos que as suas reflexões lhe indicavam. Desertaram, como já tinham desertado outros antes de partir, bastantes mais, porque já tinham antecipadamente reflectido sobre a falta de justeza e maus objectivos dos governantes.

Houve também os que desertaram por medo. E quem, operacional, não teve medo na Guiné? Não posso por em causa os desertores. Até porque, confesso, essa ideia também passou pela minha cabeça quando estava deitado numa cama do HMP. Só que havia outra opção, mais dolorosa e mais arriscada, sem dúvida, e que era continuar lá junto de todos, partilhar e influenciar a vida de todos, falar com todos sobre a falta de justeza da guerra e dos seus objectivos, criando condições para a aceitação da mudança. Foi o que pensei, eu e muitos outros. Generalizando, agora, todos tivémos uma ideia comum: acabar e voltar vivos.

(iii) E a questão fulcral desta discussão: penso que não faz sentido a presença de desertores neste blogue. Não por serem desertores e escorraçá-los por isso, mas unicamente porque acho que não podem minimamente contribuir nesta troca de experiências que só nós vivemos. Não poderão dizer-me: é verdade porque eu também conheci os fulas, os mandingas, os balantas... lembro-me bem porque eu também estive lá... ou também passei por isso... ou não foi bem assim... ou o Pilão, ah!...
Todos nos percebemos porque vivemos uma experiência comum.

Abraços
A. Marques Lopes
Ex-Alf Mil At Inf (Hoje Cor DFA, reformado)
CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro)
1967/69
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

(2) Vd. posts de:

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)

(3) Recorde-se a etimologia da palavra Metrópole: do grego metropolis, que significava cidade-mãe, metrópole, cidade natal > metra (matriz, útero, ventre) + polis (cidade).