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domingo, 8 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25921: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VIII: Uma voltinha de Alouette II


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) > Alouette II > "O meu batismo em heli".

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 



1. Estamos a publicar algumas das memóras do ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, membro  nº 890 da nossa Tabanca Grande:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não conseguimos ainda  apurar a data);

 (iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QG/CTIG) (não conseguimos ainda identificar qual); 

(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27 meses, no TO da Guiné, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;

 (v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964);

(vi) no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado de Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra"); 

(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG (ofereceu-se para os "comandos",mas náo foi aceite);

 (viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.) ("C" é o "nickname" pelo qual o pai o tratava); 

(ix) é empresário reformado, trabalhou também como quadro técnico em  empresas metalomecânicas como  a L. Dargent Lda, de que  o Zé Álvaro era diretor do departamento de trabalhos exteriores, e sócio minoritário (fez , por exemplo, a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola).

2. Voltando às memórias do José Álvaro Carvalho (*), estamos agora em 1964, em Catió, no BCAÇ 619, 1964/66: ele está destacado com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo,  e vai participar em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A sua atuação operacional, comandante do Pel Art,  valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.

O alferes Carvalho está já há dois meses na Ilha do Como, no àmbito da  Op Tridente (jan-mar 1964).  



Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (*)


Parte VIII:  Uma voltinha de Alouette II



O tempo continuava mole, quente e húmido. Nessa manhã não tinham atribuído missões ao alf mill art Carvalho e não lhe constava que houvesse tropas em operação que fosse preciso apoiar.

O pessoal vagueava por perto. Foi almoçar à messe. A seu lado um piloto de helicóptero disse-lhe:

− Vou reabastecer à sede do seu batalhão. Se quiser pode vir. Não demoro mais do que duas horas.

Aceitou a oferta para trazer mais alguma roupa e outras faltas que com a pressa não tinha podido arranjar.

Gostou de ver o quartel que,apesar do aspeto degradante que tinha, era bem melhor do que o acampamento em que o pelotão se encontrava havia 2 meses.

No regresso avistaram uma gazela macho de muito bom aspeto, num local com pouca floresta rodeado de mata com lama e circundado por um canal. A gazela queria fugir do helicóptero mas só nadando através do canal.  o que não quis fazer para não cair na boca de algum crocodilo, de modo que se limitou a correr desabrida à volta da clareira à procura de uma saída.

Um pouco mais á frente avistaram,,  ao abrigo duma árvore grande, vários guerrilheiros que,  ao verem o helicóptero, cuja presença já tinham decerto notado, pelo ruído, começaram a disparar as armas na sua direção. 

O piloto deu uma volta sobre estes na intenção de lhes mandar 2 ou 3 granadas de mão, mas era tarde. 

Decidiram prosseguir e,  ao chegar ao acampamento, enviar-lhes algumas granadas de flagelação de obus para o local, que poderia ser só de passagem mas também de estacionamento permanente e que era bom tornar inseguro. Com a autorização do comandante, ao chegar, assim procedeu.

(Revisáo / fixação de texto: LG)
______________

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25797: (De)Caras (214): Cecílica Supico Pinto: a "líder carismática" do Movimento Nacional Feminino, com acesso privilegiado a Salazar, que veio preocupadíssima com a situação na Guiné, na véspera do 25 de Abril de 1974

 

Foto nº "34. Cilinha no porto de Lisboa na despedir-se de militares que partiam para as 'províncias ultyramarinas'. O MNF apoiava moralemnet os soldados na frente de batalha, mas não esquecia o apoio às famílias que ficavam na retaguarda.  (Arquivo do Diário de Notícias)".

Foto nº "37. Acompanhada pela Comissão Central do MNF, Cilinha fala aos jornalsitas sobre as atividades do Movimento" (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/01- 171/1546AR.)" (A Renata Cuha e Costa, vice-presidente do MNF, é a terceira a contar da direita.)

Fot nº "33. O presidente da Câmara de Lisboa, general França Borges,com algumas senhoras do MNF. dirante a receçãpo que lhes ofereceu em Montes Claros por ocasio do primeiro congresso daquele organismo, 1966. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/ 01- 171/1586AR.)"



Foto nº "37. Condecorada com a medalha de prata do Mérito Femino pelo ministro do Exército, coronel Joaquim Luz Cunha, por ocasião do sexto aniversário do MNF, 1967. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF / MC / SNI / RP /03- 6704/56410.)".


~
Foto nº "42. Oliveira Salazar apreciava a alegria e frontalidadfe de Cecília Supico Pinto que considerava 'um verdadeiro príncipe'.  Foi uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. (Arquivo do Diário de Notícias)".

Fotos selecionadas e reeditadas pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024), com a devida vénia


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.



1. Confidenciou a Cecília Supico Pinto (Lisboa, 1921 - Cascais, 2012) à sua biógrafa, Sofia Espírito-Santo (op cit, pág., 98):

(...) "O Dr. Salazar gostava que eu lhe contasse tudo o que via e ouvia e acreditava em mim porque sabia que eu não tinha medo de lhe dizer a verdadae, doesse a quem doesse! No fim dizia-me sempre: 'Para que quer a menina que eu vá a Angola se a menina ma traz aqui? ' " (..:)


Não duvidamos da autencidade desta confidência: Cecília Supico Pinto não foi "la Pasionaria" do regime salazarista, mas podia tê-lo sido... Tinha, inegavelmente, algumas qualidades pessoais, como por exemplo a liderança carismática, o charme, a elegância, a educação, a coragem, a coerência, a dupla elevação (física e moral) de algumas (poucas) mulheres da elite portuguesa da época: por exemplo, era mais alta que muitos homens e que a generalidades das mulheres portuguesas... (Vejam-se as fotos acima.)

De qualquer modo, o que nos chamou mais atenção, nesta seleção de fotos que tomámos a liberdade de fazer (com a devida vénia à Sílvia Espírito-Santo) foi a legenda da foto nº 34, que serve de imagem da capa do seu livro.

Por mensagm de 22/07/2024, 08:31, o João Sacôto, ex-alf mil at inf, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), legendou a fot0 nº 34, do seguinte modo:

"Nesta fotografia estão: da esquerda para a direita: (i) o comandante do Batalhão de Caçadores 619, coronel Matias; (ii) o alf mil Montes (da CCAÇ 616, que foi para Empada); (iii) outro alferes, da CCAÇ 616 de que não me lembro o nome; (iv) a D. Cecília Supico Pinto; (v) outra cara desconhecida; (vi) o major Jesus Correia, 2º. comandante do BCAÇ 619; (vii) e finalmente outra cara de que me não recordo."

Falando ao telefone, com o meu amigo e vizinho de Ferrel, Peniche, Joaquim Jorge, ex-alf mil da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), ele confirmou que o Montes foi seu camarada: Fernando Paulo Montes, mais tarde médico de clínica geral, no SNS. Vivia em Sesimbra, chegou a ir aos primeiros encontros anuais da malta. Depois perdeu-lhe o contacto. Já morreu, infelizmente, de cancro.

2. O Joaquim Jorge também me confirma, para surpresa minha, que a Cilinha esteve em Empada em 1964 ou 1965, "já uns meses depois de o batalhão ter chegado". Não podia ter sido em 1966, uma vez que o BCAÇ 619 embarcou para Lisboa, a 27 de janeiro. Até agora, só tínhamos referenciado quatro visitas da "Cilinha" à Guiné: 1966, 1969, 1973 e 1974.

A Guiné será, entretanto, a última visita que ela fará, ao serviço do Movimento Nacional Feminino,  já a escassas semanas do 25 de Abril de 1974. Foi lá que tomou contacto com o livro do general Spínola, "Portugal e o Futuro" (que achou "nada de especial nem sequer bem escrito") (pág. 182).

Veio de lá com sentimentos contraditórios, tendo de imediato partilhado, ao telefone, com o Ministro da Defesa, Silva Cunha, os seus temores:

(...) As coisas não estão nada brilhantes, venho preocupadíssima da Guiné, também estive em Angola e Moçambique, o senhor sabe que eles comigo abrem-se e não fazem qualquer cerimónia. E vou dizer-lhe mais, eu parece-me que não sou uma pessoa com falta de coragem, tenho andado debaixo de fogo,tenho ido aos sítios mais complicados, mas não tenho é vocação para mártir e ou vocês fazem realmente qualquer coisa, realizam que isto está muito grave ou isto acaba mal. Como lhe digo não tenho vocação para mártir" (...) (Cecília Supico Pinto, Cascais, 22 de novembro de 2004, em entrevista dada à Sílvia Espírito-Santo, op. cit., 2008, pág. 183.)


Contrariamente a Salazar, de quem era íntima (e por isso amada e odiada dentro do próprio regime), a "Cilinha" não manteve com Marcello Caetano a mesma relação pessoal de mútua admiração e confiança. "Salazar era mais forte que Marcelo" (pág. 178).

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (304): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)

sábado, 20 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25763: (De) Caras (303): O ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, o "Carvalhinho", novo membro da Tabanca Grande, em Catió, em 1964, com um grupo de oficiais na receção à delegação do Movimento Nacional Feminino (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617/BAÇ 619, 1964/66, cmdt ref TAP)

 




Guiné > Região de Tombali > Catió > 1964 > BCAÇ 619 (1964/66) > Um grupo de oficiais fotografados com a delegação do MFN (Movimento Naconal Feminino), de visita à região de Tombali (Bedanda Cufar, Catió)

Foto (e legenda): © João Sacôto (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do João Sacôto, ex-alf mil, CCÇ 617 / BCÇ 619 (Catió, 1964/66; cmdt da TAP reformado), com data de 14/7/2024, e posteriormente, 19/7/2024:



Caro Luís, boa tarde. Eu e o artilheiro José Álvaro Carvalho (ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65), o 'Carvalhinho', vivemos de 64 a 65 em Catió. Ele era um ótimo fadista e fazia lembrar o velho fadista 'Marceneiro'. Falei agora com outro alferes da minha CCAÇ 617 em Catió, o Gonçalves, que também se lembra e com saudade das horas passadas a ouvir o inesquecível 'Carvalhinho'. 

Um forte braço para todos, em particular para o C.

PS1 - Envio duas fotografias tiradas em Catió em 1964 ou 1965: (i) O José Carvalho é o 5º a contar da esquerda, eu sou o 2º. (ii) O José Carvalho é o 1º, do lado esquerdo; eu sou o 4º, contar da direita... Em momento de descontração na messe de oficiais em Catió.(*)

PS2 - Outra fotografia com o José Alvaro Carvalho em Catió 1964 na receção ao Movimento Nacional Feminino; o "Carvalhinho" é o primeiro a contar da esquerda.

2. Comentáro do editor LG:

Obrigado, João. Dizes que a última foto que mandaste é de 1964,  por ocasião de uma  visita do MNF a Catió.  Em princípio, seria uma delegação local do MNF, senhoras de Bissau. A Cecília Supico Pinto e a Renata Cunha e Costa, seu braço direito, foi só em fevereiro de 1996 é que vieram, pela primeira vez,  à Guiné. A "Cilinha" voltaria ao CTIG em 1969, 1973 e 1974 (**)

Todavia, em Bissau, em 1964,  já devia haver uma representação do MNF,  incluindo possivelmente  as esposas de alguns militares de alta patente.

A tua foto, infelizmente, tem fraca resolução.  Se for do 1º trimestre de 1964,   é de estranhar  esta visita, em plena "batalha do Como" (Op Tridente,  jan - mar 1964). Mas tu poderás esclarecer, melhor do que ninguém.

Mais importante para já é termos esta foto de grupo contigo,  o "Carvalhinho"  e outros camaradas que não conseguimos identificar.(***)
____________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de:




(***) Último poste da sére > 18 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25756: De(Caras) (302): João Crisóstomo e António Rodrigues, dois antigos mordomos portugueses em Nova Iorque, que vêm, em 2004, a Cabanas de Viriato, dar início à história da recuperação da Casa do Passal, hoje museu Aristides de Sousa Mendes

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25757: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte III: Desobstruir uma ponte ao km 28 da estrada do Olossato


Foto nº 1 > "O José Carvalho é o 5º a contar da esquerda. Eu sou o 2º. "


Foto nº 2 > O José Carvalho é o 1º. do lado esquerdo, eu sou o 4º. a contar da direita... Em momento de descontração na messe de oficiais em Catió.

Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 619 (1964/66) 


Fotos (e legendas): © João Sacôto (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Álvaro Carvalho ("Carvalhinho")
(em 1º plano,  à esquerda) e João Sacôto,
em 2º plano, à direita)
1. Mensagem de João Sacôto, ex-alf mil, CCÇ 617 / BCÇ 619 (Catió, 1964/66; cmdt da TAP reformado), com data de /2024, 18:50:

"Caro Luís, boa tarde. Eu e o artilheiro José Álvaro Carvalho (ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65), o “Carvalhinho”, vivemos de 64 a 65 em Catió. Ele era um ótimo fadista e fazia lembrar o velho fadista “Marceneiro”. Falei agora com outro alferes da minha CCAÇ 617 em Catió, o Gonçalves, que também se lembra e com saudade das horas passadas a ouvir o inesquecível “Carvalhinho”. Um forte braço para todos, em particular para o C.


José Álvaro Almeida de Carvalho, "Livro de C", Lisboa, Chiado Books, 2019, 707 pp. (Coleção, "Palavras Soltas"). Dedicatória a Luís Graça: "Caro amigo Luís, muito obrigado por se interessar pelo que escrevi. Esta é a primeira versão do Livro de C. Com um abraço, José Álvaro" (s/l, s/d, c. julho de 2024).



Capa do livro. Está disponível em papel e em ebook (por exemlo, na plataforma "on line" da FNAC)


Catió, 1964 > João Sacôto, o 1º à esquerda;
o "Carvalhinho", o último, à direita.


2. O José Álvaro Carvalho, 85 anos, natural de Reguengo Grande, Lourinhã, entrou recentemente para o nosso blogue, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*). 

Com 26 meses de tropa, o alf mil art Carvalho acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963, não sabe precisar a data. Foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau. Com o ataque  a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963, o PAIGC tinha aberto mais uma frente, na "guerra do Ultramar", a seguir a Angola.

O nosso camarada deve ter cumprido mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965. Passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou na Op Tridente (jan-mar 1964).

No CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico do fado, "Carvalhinho" (*) .  
Era também amigo do então alferes  'comando' Maurício Saraiva, que será depois visita da sua casa, em Lisboa.

De acordo com as as suas memórias de guerra, ao oitavo mês de Guiné, o Carvalho (ou "Carvalhinho") ainda estava no Olossato. E no excerto que passamos a reproduzir,   tnha acabado de fazer um golpe de mão ao K (tabanca junto ao rio Farim,a 2 km do  K3 / Saliquinhedim ( ao km 3 da estrada Farim-Mansabá, tabanca que será ocupada mais tarde, no último trimestre de 1965, pela  CCaç 1421).

Na versão, digital, que nos facultou, em formato pdf,  das suas memórias de guerra(ou melhor, ddo seu "alter ego", C) , os topónimos da Guiné aparecem só com as iniciais (como é o caso  de O, de Olossato). Não há nomes de militares.  Nem datas. (**)

Esclarecimentos  e informações  complementares têm sido obtidas através das  nossas conversas na Praia da Areia Branca (onde reside atualmente).

Pelas nossas contas (e apenas com base dos livros da CECA), essa companhia para a qual ele terá ido, inicialmente, em rendição individual,  pode ter sido a CCAÇ 273 (mo
bilizada pelo BII 17, Angra do Heroísmo): esteve no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses.)  

Sabe-se que a CCAÇ 273 teve um pelotão destacado no Olossato, por períodos variáveis, em 1963. Era comandada pelo cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar.

Mas voltemos às memórias do Olossato, destacamento que ele vai reforçar,  dois meses depois de estar em Bissau, a fazer segurança a Bissalanca (de 3 em 3 dias) e patrulhamentos nos arredores.  (**)

3. Do autor do "Livro de C" (Lisboa, Chiado Books, 2019, 710 pp.),  encontrei  esta autoapresentação:


(...) "Na juventude, comecei por escrever pequenos contos e alguns artigos para o jornal do colégio, pensando sempre, em mais tarde, dar continuidade a este projeto. Infelizmente, não foi possível.

Após um ano a trabalhar em várias atividades, fui chamado para o serviço militar, que cumpri, dois anos cá e outros dois em África. No regresso casei, e concluí que escrever não me permitiria sustentar a família, mais uma vez, esta tarefa foi adiada, até chegar à idade da reforma, quando finalmente comecei a fazê-lo.

Ganhei o vicio de ler com o meu pai, tendo sido muito influenciado pelos escritores que tive a ocasião de conhecer. Entre muitos, lembro-me dos livros do americano Mark Twain, depois dos de John dos Passos, também americano, mas de ascendência portuguesa, o que mais influenciou a minha forma de escrever, seguido por William Faulkner, também Norte Americano e outros com a mesma origem. Seguiram-se os nacionais, a começar por Gil Vicente, e os brasileiros, principalmente Jorge Amado. Quanto aos russos, Dostoievky que li em tenra idade (Crime e Castigo), impressionou-me, fortemente, até hoje." (...)
 

O "Livro de C", classificado pela editora como "não-ficção", é um género difícil de arrumar nas prateleiras das nossas bibliotecas. É um misto de ficção histórica com material memorialístico (guerra na Guiné, aventuras em Lisboa, Angola e Ártico): "
Meu pai sempre me chamou por C. Sendo esse o nome que dei ao livro" (pág. 5).

Na introdução (pág. 5), o autor esclarece: 

"Este livro é  um conjunto de narrativas, desfasadas entre si no tempo e no espaço, reunindo uma pequena  parte da história da civilização, reflexões, projetos, aventuras, relatos históricos, ficções, memórias - minhas e do meu pai - e marcadores constituídos por fados que o meu pai cantou ao longo da vida, porque tinha esse divertimento como passatempo".

 Em 700 e tal páginas, há, na 1ª versão (2019), 4 personagens (pág.    11): 

(i) Menés, "o primeiro faraó do Egipto há 5000 anos";
(ii) C, "aventureiro dos Séc. XX/XXI com grande admiração pelo pai já falecido";
(iii) Holandesa, "rapariga bonita e robusta e obrigada a prostituir-se, no sul da Europa, mais tarde companheira de C";
(iv) Pai de C: "pertenceu à geração colonial. Gostava de escrever. Escreveu páginas e páginas que deixou ao filho".

Em boa verdade, o "pai de C" é um "alter ego" do autor... As memórias de guerra, na Guiné, são atribuídas ao "pai de C" e não ao "C"...

O livro terá começado a ser escrito, ainda em meados dos anos 60, quando  o José Álvaro Carvalho regressou do CTIG e ainda tinha memórias frescas da guerra.  Na última versão, manuscrita, inédita, em 2 volumes, que eu possuo, por cortesia do autor, há agora apenas 3  personagens, Menés, C e a rapariga ("jovem nórdica bonita que vagueou alguns anos pelo Sul da Europa, até se vir fixar em Portugal, mais tarde companheira de C"), sendo o C definido como  um "aventureiro dos Séc. XX/XXI com grande admiração pelo pai já falecido"...


Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65)


Parte III: Desobstruir a ponte ao km 28 da estrada do Olossato  


Entrou no seu compartimento formado por uma estrutura rudimentar de paus, revestida com esteiras indígenas. Sentado na cama começou a escrever o relatório semanal.

"Há 3 dias sofremos uma flagelação, no seguimento da qual foi efetuado um reconhecimento à volta da povoação. Encontraram-se rastos de sangue.

O informador B comunicou que continuam a passar grandes quantidades de abastecimentos e homens em K 
 [?nas margens do rio C [acheu]

Apesar das ordens recebidas para não nos afastarmos da povoação mais do que o indispensável para não por em risco a sua segurança, porque julgo que uma secção do destacamento a consegue defender durante algumas horas, decidi atacar K. , como acção de flagelação ao inimigo, semelhante a algumas que já temos efectuado, ainda que mais perto.

Partimos às 0 horas da madrugada do dia... com 3 viaturas pesadas e 1 ligeira. Além do equipamento habitual. levamos 1 metralhadora e 1 lança roquetes. Às 4 horas encontrámos a estrada principal que liga M
[Mansabáa K. Deixámos os carros escondidos e avançámos a pé.

O ataque foi iniciado por volta das 6 horas, tendo terminado 15 minutos depois. Foram confirmadas 4 baixas inimigas e recolhidas as respectivas armas.

Destruímos 10 canoas, 2 barcos de borracha e 1 depósito com munições e abastecimentos.

Chegámos ao aquartelamento por volta das 11 horas do mesmo dia."


Entrou na única loja que existia na povoação.

 Boa tarde,  senhor alferes.

 Boa tarde.

 O que é o lanche?

 Ostras.

O homem seguiu para as traseiras da loja, seguido pelo alferes. No quintal uma mulher negra abria ostras nas brasas dum fogareiro a carvão.

No meio do quintal, à sombra duma velha árvore, estava posta a mesa com 2 bancos, a toalha, dois pratos e duas tigelas de sumo de limão com piri-piri.

A mulher cumprimentou o alferes, retirou as últimas ostras do lume para uma travessa que colocou na mesa e retirou-se.

Sentaram-se os dois e começaram a comer.

 O chefe de D 
? confirmou hoje que o agrupamento inimigo destinado a esta zona estaciona junto à aldeia que fica em frente à sua, na margem Sul do pântano que as separa, a cerca de 8 kms. e que os habitantes desta, os apoiam abertamente fornecendo-lhes arroz e vindo aqui comprar-lhes mantimentos como fósforos, sal, lanternas eléctricas, tabaco, etc. Disse ainda que os chefes desse acampamento, costumam frequentá-la principalmente nos dias de festa e que cada um tem uma rapariga com quem dorme quando lá vai.

 As ostras estão muito boas.

− Nem sempre se arranjam assim.

Depois do lanche, a caminhar na estrada para o aquartelamento, pensava que devia lutar de novo para criar uma milícia de defesa civil armada, talvez com base na que já existia embora desarmada. Fora organizada pelo velho poliíia africano e 3 subalternos a quem em tempo de paz estava entregue o policiamento da região.

Esta organização de polícia estava debaixo do seu comando e passou a encarregar-se de vigiar a povoação mantendo-a rodeada de dia e de noite de elementos da sua confiança, que se revezavam e tinham por missão informar o destacamento da ocorrência de qualquer infiltração inimiga na aldeia e fugir em seguida.

Utilizavam uma senha que era mudada com frequência para dar o alerta.

Já tinha tentado armar estes homens e dar-lhes mais alguma recompensa,  além da habitual, que , como a dos informadores, consistia no pagamento de abastecimentos na loja, até montantes que combinava com o gerente.

O pelotão era rico. Sobrava-lhe dinheiro por não haver géneros frescos para comprar, principalmente carne, e a dotação ser generosa. Valia-lhe isso, abandonado e esquecido nos confins do território da guerrilha.

Um acampamento inimigo com oito grupos de 10 homens armados a 7 kms de distância, era preocupante.

Completou o relatório semanal com as informações que recebera do gerente da loja e disse ao soldado operador de transmissões:

 Envie este relatório ao comando da companhia.

Durante a noite, a chuva continuou a cair apesar do inicio da época seca. Os sapos coaxavam em sinal de trégua. Os pássaros noturnos gritavam no mato próximo.

***

Uma coluna militar motorizada, entrou na aldeia e parou no aquartelamento. Chamaram-no da porta. Veio ainda espantado pela visita. A primeira desde que ali estava.

Da primeira viatura saiu um alferes que conhecia e convidou para tomar uma bebida. Conversaram sobre o que se passava na zona,  de copo na mão. O pelotão de passagem estava instalado na povoação a norte do rio C
 [acheu p
ara onde o seu se dirigia quando foi desviado [Bigene  .

O Alferes disse-lhe:

 Quem é um fulano às direitas é o Oficial da Marinha comandante da lancha que patrulha o rio
C[acheu],

Sem me conhecer de lado nenhum, há dias atracou a embarcação no cais de B
 [igene], mandou-me chamar e ofereceu-me um dos melhores jantares que já comi.!

Não disse nada mas pensou:

− Este jantar era meu!

Despediram-se e o pelotão partiu.

Alguns dias mais tarde. Chovia. Deus resolvera inundar a terra. O céu, cinzento, baixo, estava ao alcance da mão. Na floresta próxima não se sentia qualquer sinal de vida. Uma coluna militar de cinco viaturas ligeiras, entrou no aquartelamento. Vinha da sede do batalhão. O alferes que a comandava coberto por uma capa impermeável, saiu da primeira viatura e entrou no celeiro de amendoim que servia de aquartelamento. Os soldados seguiram-lhe o exemplo e entraram na divisória que servia de refeitório com os habituais ruídos de satisfação de quando se encontra um conterrâneo em ambiente remoto e longínquo.

Cumprimentaram-se.

O Alferes disse:

 Trago ordens do novo comandante do batalhão 
 [?para destruirmos o acampamento inimigo de F ?]. que pertence à tua zona.

Respondeu :

 − Quer brilhar e quem se fode somos nós. O acampamento de F
 ?]  tem 8 grupos de 10 homens bem armados e não muito longe há outro acampamento semelhante que facilmente pode ajudar. Os nossos dois pelotões juntos não chegam a perfazer 40 homens. Não podemos beneficiar da surpresa, porque estes acampamentos são bem disfarçados na floresta densa. Com a excepção de um,  todos os trilhos são falsos. Mesmo os melhores guias têm dificuldade em orientar-se. Tudo isto já foi descrito por mim nos relatórios que tenho vindo a enviar regularmente, para o comando da companhia, mas isto é uma merda de guerra.

Fez-se noite e continuava a chover. Passado algum tempo disse:

− Penso que o comando do Batalhão já podia brilhar se lhe entregássemos um ou dois prisioneiros importantes.

Não sei. O comandante chegou há dias, traz muito prestígio e está cheio de gás para ganhar a guerra.

Ainda chovia. Decidiu ir pela primeira vez à aldeia onde o chefe e os dois filhos eram os seus melhores informadores. Era arriscado, mas não podia contactá-los doutra forma. A aldeia estava muito perto do acampamento inimigo, que o comando do Batalhão mandava atacar e duma outra povoação na qual este acampamento se apoiava e podia ser considerada também inimiga.

Aquela aldeia era terra de ninguém onde o inimigo já fizera varias sessões de mentalização embora a população lhe continuasse a ser hostil, apesar de desarmada e indefesa. Era uma aldeia pequena e de pouca importância como tantas outras, á qual não era possível garantir segurança e o único amparo que dava era a oferta de abastecimentos pagos na loja da povoação e também remédios fornecidos na mesma ocasião.

Tentou criar uma milícia indígena armada, e, no caso desta aldeia, executar uma vedação de arame farpado a toda a sua volta, e trincheiras nos pontos fundamentais, mas a cavalgadura do capitão que comandava a defesa civil respondera-lhe:

− Isso de armas para indígenas é muito complicado.

Viria a ser mais tarde incendiada num acto de retaliação da guerrilha e a população obrigada a refugiar-se numa pequena cidade ao Norte. Assim se foram entregando as populações a um destino duvidoso.

À chegada, deixou o carro com o motorista ainda longe e seguiu com outro soldado até á povoação na direcção do terreiro central onde entrou. Debaixo dum coberto de colmo sustentado por troncos de madeira, à volta duma fogueira, embrulhados em panos, estavam vários homens entre os quais conheceu o chefe e os dois filhos. Com a habitual fleuma que os caracterizava, não mostraram qualquer espanto pela sua presença como se já o esperassem há muito.

Entrou e disse ao Chefe:

 Preciso de saber se está hoje alguém importante a dormir em T
 [?] .

Ao que este respondeu no seu crioulo arrastado:

− Há vários dias que dormem lá dois comandantes que estão de visita à zona. Já estiveram aqui com uma grande conversa acerca da guerrilha.

Agradeceu e foi-se embora como chegara.

Faltavam duas horas para o romper do dia. Os dois pelotões saíram com todos os carros do aquartelamento. Passados dois kms as viaturas reduziram a marcha, o pessoal saltou em andamento e embrenhou-se no mato. Os carros andaram mais um km e estacionaram. Era aí o ponto de encontro.

Caminhavam lentamente, sem ruído, em fila indiana no estreio trilho do mato cerrado. por onde o guia os conduzia. Chegaram próximo da povoação de B 
 [ Binta ?] que se situava no cimo duma pequena colina. Dispersaram-se e iniciaram o cerco. Não havia sentinelas. Foi montada uma emboscada na direcção do acampamento que a povoação apoiava.

Surgiam os primeiros sinais de claridade quando foi informado pelo rádio de que estava tudo a postos. Confirmou com o outro alferes e deu a primeira rajada de tiros para o ar.

Notou-se alguma confusão de movimentos rápidos dentro da aldeia, ruídos confusos, desordenados, cães que ladravam aflitos, vozes, gritos, e dois homens armados saíram na direcção do acampamento da guerrilha. Foram apanhados na emboscada e aprisionados.


***

Trovejava. A luz intensa dos relâmpagos iluminava tudo de branco. Pouco depois o som espantoso da fúria dos elementos fazia-se ouvir. Anoitecera há pouco. Quase por milagre a rádio funcionava e estava a transmitir uma mensagem codificada. Vinha do comando do batalhão e ordenava-lhe que fosse desobstruir uma ponte ao Km 28 da estrada de O
 [lossato] onde por reconhecimento aéreo fora referenciada uma grande quantidade de arvores derrubadas.

Esta estrada, que atravessava varias zonas pantanosas, e de muitas linhas de água, tinha todas as pontes e pontões principais nesta situação desde que a guerrilha entrara em actividade na região. Era a espinha dorsal dum território que o inimigo já considerava como seu, e defendia com unhas e dentes. A ponte referida estava muito próximo já referido acampamento inimigo com oito grupos de 10 homens.

Não havia qualquer utilidade naquela operação de elevado risco para a vida de vários militares sem qualquer beneficio aparente.

Pensou logo que aquela ordem era o resultado da inexperiência do piloto aviador responsável pelo reconhecimento e do Comandante de Batalhão que chegara havia dias e queria brilhar.

Não formava grande opinião acerca de alguns oficiais do quadro permanente que - salvo algumas excepções - se comportavam de forma desmotivada, quando não pareciam morrer de medo quando se punha a hipótese de saírem dos aquartelamentos em operações, ou mantinham um comportamento ilógico, teatral, que conduzia geralmente a erros graves.

Parecia que eram sempre conduzidos por más informações ou informações mal digeridas, como naquele caso que reunia as duas situações.

Ainda não amanhecera. A manhã devia tardar, porque o céu se encontrava ao alcance da mão. As nuvens negras e apressadas roçavam o telhado das casas e a copa das arvores da floresta reduzindo-lhe o ruído nocturno.

Era madrugada mas já o calor húmido entrava nos ossos. O pelotão depois dos últimos preparativos para cumprir a missão de que fora incumbido formou com os dois guias junto das viaturas e aguardava a sua vinda.

Chegou e ao mesmo tempo que caminhava à frente dos homens, disse:

 − Como já sabem todos vamos desobstruir a ponte ao Km 28 da estrada de O
 [lossato]. Seguimos dentro do possível com as viaturas a corta mato - ainda não há minas nas estradas mas não deve faltar muito -. Dentro de duas horas amanhece. A ponte fica a sete quilómetros daqui. Devemos lá chegar ao romper da manhã. Como de costume, sempre que os carros pararem por qualquer razão todos se abrigam rapidamente na floresta e montam a segurança de acordo com as instruções do respectivo Furriel. Em caso de contacto com o inimigo não há tiros desordenados. Só se abre fogo à minha ordem ou do respectivo Furriel. Por cada tiro desordenado tem que aparecer um inimigo ferido ou morto.

Depois de desobstruirmos a ponte, se estiver destruída como julgo, tentamos passar a linha de água a vau, com a ajuda dos guinchos das viaturas, para não regressarmos pelo mesmo caminho. Neste caso vamos ter que andar 40 Kms. com pequenas linhas de água que conseguimos atravessar, para voltar aqui . Penso que o inimigo ao tomar conhecimento de onde estamos, montará uma emboscada no caminho do regresso por parecer improvável passarmos o rio a vau com as viaturas.

No sentido Sul, o sentido do nosso caminho, esta é a ponte mais importante da estrada de O
 [lossato]. o resto para sul, são pequenos pontões que julgo não estarem obstruídos e se estiverem, deve ser possível atravessá-los facilmente. Podemos partir. Boa sorte.

Depois de cada um ter subido para o seu lugar, as viaturas iniciaram a marcha lentamente na direcção do Nascente. Ia na da frente ordenando ao motorista que seguisse pelos trilhos precários que os guias lhe iam indicando. Durante duas horas, lutaram com o calor, os mosquitos, procurando sentir os mais leves indícios de contacto com o inimigo.

Perto da ponte ordenou que o pessoal se apeasse e avançasse disperso e que os carros saíssem da estrada e avançassem a corta-mato. Tinha medo das minas anti-pessoal e outras armadilhas. Já tinham aparecido algumas mais a Sul . [A prime
ira mina A/C, IN, desta guerra terá sido acionada pelas NT na estrada São João - Fulacunda, na região de Quínara (LG)].

Quando finalmente chegaram, constatou que fora destruída com explosivos e obstruída nos dois sentidos com troncos derrubados. Parte do, pessoal montou a segurança, emboscado a alguma distancia em locais de provável acesso. Tudo era feito com precaução e o menor ruído possível. O restante pessoal removeu com os guinchos dos carros os grandes troncos que obstruíam a estrada na margem Norte. Quanto à estrutura da Ponte, destruída com explosivos, não havia meios nem tempo para a reparar .

Num local a Nascente da Ponte, onde a linha de água alargava e a profundidade parecia menor, atravessou a pé para ver a altura da agua e a consistência do terreno. Enterrou-se até à cintura, mas conseguiu passar parecendo-lhe possível que aí a coluna atravessasse a vau para a margem Sul. A profundidade da corrente era pequena e a zona de terreno lamacento até se chegar à água ou dela sair também não era muito profunda nem extensa.

Escolheu na margem Sul uma arvore sólida e dimensionada. Mandou envolvê-la num cabo de aço com 12mm de espessura e argolas nas extremidades a ligar com manilha. Mandou puxar a corda ligada ao cabo do guincho do Unimog ( a viatura mais ligeira da coluna) que se começou a desenrolar até chegar à arvore que envolveu e o gancho da extremidade deste cabo engatar na manilha que o prendeu. Em seguida mandou a viatura avançar com todas as reduções e tracções metidas. Ao mesmo tempo que o guincho se enrolava a viatura inclinou-se na direcção da água com as rodas a patinar na lama, lentamente até chegar à outra margem.

Com a ajuda do guincho deste carro e dos guinchos próprios, os camions GMC foram passando com maior ou menor dificuldade, sendo depois afastados os troncos que obstruíam a estrada nesta margem.

Meteram-se então a caminho para sul para atingir o aquartelamento daí a 40 Kms.

Estava o Sol a pôr-se quando chegaram. Aguardavam-no o cabo cipaio da policia indígena e um guia, que o informaram de que a cerca de 3 Km, vários grupos de guerrilheiros num total de algumas dezenas de homens, tinham montado uma emboscada no caminho de regresso, e ainda aí se encontravam a aguardar a passagem do pelotão.

Depois de lhe identificarem o local da emboscada numa zona baixa, pantanosa que a estrada atravessava, ordenou ao furriel responsável pelo paiol de munições que lhe fornecesse o morteiro pequeno e seis munições e depois a uma secção armada somente de granadas de mão que o acompanhasse numa viatura. Andaram algum tempo na estrada, esconderam o carro no mato e a pé, cada homem com uma munição do morteiro, um furriel com a base , o guia com o tubo e ele com o aparelho de pontaria, pediu ao guia que os levasse a uma zona sobrelevada donde se avistasse toda a área da emboscada, e, aí chegados, o, morteiro foi rapidamente armado e disparadas de forma dispersa todas as granadas para o local onde lhe parecia mais provável que estivesse a maior concentração de homens.

Ouviram-se na zona disparos em todas as direcções por não saberem donde lhes vinha aquela desgraça. O morteiro foi de novo desarmado e regressaram rapidamente ao aquartelamento, enquanto tiros e rajadas de metralhadora sem sentido se continuavam a ouvir na zona da emboscada. (...)

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos: LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

domingo, 23 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25675: Fotos à procura de.. uma legenda (181): Nos navios de transporte de tropas ,em que fizemos o "cruzeiro das nossas vidas", havia sessões de cinema, ao ar livre, no convés...

 


T/T Quanza > BCaç 617 >  A caminho da Guiné > c. 8-15 janeiro de 1964 > Tela para projeção de filmes  ao ar livre...




T/T Quanza > BCaç 617 > A caminho de Guiné > 9 de janeiro de 1964 > Exercício de salvamento a bordo


Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. As fotos do  João Sacôto (ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66; piloto e  comandante da TAP, reformado) não mentem: no T/T Quanza, onde viajou para a Guiné, havia uma tela, pendurada no mastro principal (o da ré), no convés, onde era pressuposto projetar-se filmes... 

Não sabemos quais, nem quantos, nem a que horas... (se é que chegou a haver alguma sessão dessas durante a viagem). Mas só podia ser à noite...Como as noites eram frias e ventosas, em alto mar, é de imaginar que as sessões de cinema ao ar livre não deviam ser muito concorridas... 

Alguém se lembra ainda destes "cruzeiros das nossas vidas" ? Nos outros navios de transporte de tropas (Niassa, Uíge, Ana Mafalda, Carvalho Araújo, etc.) também havia sessões de cinema à noite, no convés ?  E serviam-se mantas e pipocas ?

Camaradas, a caixa de comentários é vossa...

PS1 - Parece que a Companhia Nacional de Navegação foi inovadora, terá ido a primeira a instalar telas  gigantes no convés para sessões de cinema ao ar livre, nas carreiras de África, logo em finais dos anos 40... E nomeadamente no navio Angola.

Diz a Wikipedia, sobre a Companhia Nacional de Navegação (CNN):

(...) A CNN deteve a maior frota do país, com nove unidades: o "N/T Príncipe Perfeito" (1961), que se constituía no seu navio-almirante, os gémeos "N/T Angola" (1948) e "N/T Moçambique" (1949), o "N/T Niassa" (1955), os irmãos "N/T Índia" (1951) e "N/T Timor" (1951), o "N/T Quanza" (1929),os gémeos "N/T Lúrio" (1950) e o "N/T Zambézia" (1949).

Nestes navios se fez a maior parte do transporte dos contingentes militares, material, funcionários do Estado e portugueses que iam para os antigos territórios portugueses em África Ocidental. (....) Alguns deles faziam ainda as carreiras de África Oriental e do Extremo Oriente.(...)


PS2 - Temos mais de 60 referências com o descritor "O cruzeiro das nossas vidas"... Não nos lembramos de ler, nesses postes, alusão a sessões de cinema ao ar livre... Mas alguns navios, como era o caso do Quanza, em 1964, já estava equipado...

PS3 - Sobre o N/M Quanza ver aqui...
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25555: Fotos à procura de... uma legenda (180): não sendo a G3, que espingarda automática empunham estes dois militares do BCP 21, no Leste de Angola, c. 1970/72 ?

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25665: Para bom observador, meia palavra basta (4): Partidas e chegadas... no Cais da Rocha Conde de Óbidos (Fotos do álbum de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), comandnate da TAP reformado... e pai da "prquens (em 1964) Pula Cristina


Foto nº 1A



Foto nº 1


Foto nº 2



Fotoo nº 3


Foto nº 4



Foto nº 4 
 
Fotos do álbum do João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Esta sequência (Fotos nºs 1, 2, 3, 4 e 5)  mostra uma criancinha que vem à Gare Marítima Rocha  Conde de Óbidos (e não à Gare Marítima de Alcântara!) para se despedir do pai, que parte para a guerra (Foto nº 1). 

Vem pela mão do avô (Foto nº 1A). A criança era uma menina, Paula Cristina, fazia 2 aninhos nesse dia 8 de janeiro de 1964. Que prenda de aniversário, que crueldade, levarem-lhe o pai para a guerra, logo nesse dia... 

Seráque ela se lembvra ? É de todo improvável. Hoje, advogada, tem 62 anos.

O pai é o nosso amigo e camarada João Sacôto, ex-alf mil  da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Viria a trabalhar depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na  Direção Geral de Aeronáutica Civil (DGAC).  E seria, entretanto, piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998. Fez anos há dias anos. E continua a viajar e a ter o ar de quem é feliz e gosta de viver. 

Membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011, é autor de uma notável série, o "Álbum Fotográfico de João Sacôto", donde selecionámos estas fotos...

Vemo-lo, na foto nº 3, a descansar à entrada de uma morança, na ilha de Infanda, setor de Catió. Seguramente a pensar na pequena  Paula Cristina, que deixara na metrópole e que só voltaria  a abraçar em agosto de 1965, nas férias... 

Regressa, por fim, a casa, embarcando no  T/T Uíge (Foto nº 4). Reune-se por fim com a família (Foto nº 5): a sua Paula Cristina já tinha 4 anos... (Será que ela ainda se recorda deste dia ? Pouco provável, com essa idade), 

Enfim, uma história com um final feliz, a avaliar,  de resto, pelos caminhos que o João Sacôto seguiu, e ele e os companheiros, oficiais millicianos da CCAÇ 617, aqui à mesa noT/T Uíge, no cruzeiro Bissau-Lisboa,  (Foto nº 4): da esquerda para a direita (legedenda de 2019):

 (i) alf mil Farinha (era arquiteto, já faleceu):

 (ii) alf mil Santarém (foi professor liceal na Guarda);

 (iii) alf mil Gonçalves (foi industrial de plásticos); 

(iv) alf mil Sacôto (foi comandante da TAP); 

(v) alf mil Monteiro, de outra unidade, que não a CCAÇ 617).... 

Recorde-se que a CCAÇ 617 / BCAÇ 619, partiu para o CTIG em 8/1/1964 e regressou a 9/2/1966, tendo sido comandada pelo cap inf António Marques Alexandre. Esteve em Bissau, Catió e Cachil.

No meio desta sequência, há demasiada informção que escapa a um observasor, mas não a um "bom observador... Por exemplo:

(i) quem é que assistia às partidas (e chegadas) de contingentes militares para o Ultramar ? Claro, as autoridades, civis e militares  (a começar, pela PSP, PM, PIDE,  força de segurança militar,  etc.),  e que ficavam estacionadas ou deambulando pelo cais;

(ii) o público, em geral,  era acantonado no primeiro andar da gare marítma,  no varandim, donde acenava para os soldados que iam embarcando;

(iii) o embarque era uma operação morosa: em geral, um oficial superior (um oficial general, em representação do ministro do exército)  passava revista às tropas em parada (na Av Brasília, paralela à Av. 24 de Julho); havia fanfarra e desfile das forças em parada; as individualidades militares em terra faziam continência (devia ser uma seca, pensavam uns e outros); havia um discurso de despedida; e depois os militares encaminhavam-se para o cais de embarque e iam subindo o portaló do navio enquanto acenavam  para os que ficavam em  terra; os familiares acenavam do varandim (e, alguns do cais, devidamente separados por grades de segurança); as escada de embarque da AGPL - Administração do Porto de Lisboa eram, entretanto,  retiradas com o auxílio de grua;

(iv) por fim, soltavam-se as  amarras e o navio zarpava, apitando três vezes; para trás ficava a ponte sobre o Tejo (inaugurada em 1967), o o Cristo Rei,  o casario da cidade;

(v) em geral, as partidas, eram de manhã,  e havia lenços  brancos e muitas lágrimas incontidas na pequena multidão que tinha o privilégio de se ir despedir de familiares e amigos (raramente se mostram grandes planos com as lágrimas da partida;  no regresso, a censura já deixava passar as lágrimas de alegria...); maior parte dos militares não tinha lá ninguém, que nesse tempo Lisboa era longe do Porto, de Bragança, de Beja ou de Faro...

(vi) na RTP Arquivos podem ver-se dezenas e dezenas de vídeos, a preto e branco, sem som, peças de reportagem que passavam no Noticiário Nacional...Ao longo da guerra, longa de 13/14 anos  (1961/75), estas cenas tornaram-se banais, mas eram quase sempre passadas no Cais d Rocha Conde de Óbidos (onde partiam e chegavam os navios das carreiras de África, incluindo os T/T, Transportes de Tropas), e não do Cais de Alcântara (reservadas aos navios transatlânticos, que faziam as carreiras das Américas);

(vii) por fim, parece que faltam aqui as senhoras do Movimento Nacional Femino (já deviam ter aparecido antes da pequenina Paula Cristina que, com o avô, acenava para o pai já embarcado): distribuíam cigarros, medalhinhas de Nra. Sra. de Fátima, sorrisos, e votos de coragem, ânimo, boa sorte e bom regresso...

Fica, para o "bom observador", a oportunidade de comentar o que muito bem entender (*).. Votos de saúde e longa vida para o nosso veterano João Sacôto.

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Nota do editor:

(*) 12 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25634: Para Bom Observdor, Meia Palavra Basta (3): O morteirete 60 mm, m/968, da Fábrica de Braço de Prata (FBP), e outras curiosidades...