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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27365: Humor de caserna (218): Análise interpretat5iva da história de Fernandino Vigário, "O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário"

 



Cartoon: adaptação e edição por Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/. Imagem original: Fernandino Vigário  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2012)



1. Análise interpretativa da história “Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso... ao Vigário”, da autoria de Fernandino Vigário (*)

A narrativa do Fernandino Vigário, membro da nossa Tabancas Grande, insere-se num contexto histórico e cultural muito particular,  a Guerra Colonial Portuguesa, mais concretamente na então Guiné Portuguesa, no primeiro semestre de 1969. 

Apesar de decorrer num cenário de guerra (embora nos arredores de Bissau, na época relativamente tranquilos, a caminho de Safim, onde o capelão ia dizer a missa dominical),    o tom da história é ligeiro e humorístico, integrando-se, de acordo com o editor LG,, na série “Humor de caserna”, género em que o quotidiano militar é visto com ironia e humanidade. 

Afinal, o hiumor ajuda a "climatizar os pesadelos". E até o absurdo das situações-limite, como o universo concentracionário dos quartéis, a guerra, a violència, a brutalidade, a morte.


(i) Contexto histórico e humano

Tra-se de uma pequena história do quotidiano de um soldado conduto, onde apesar de tudo a guerra ( operações, patrulhamentos, emboscadas, minas, etc.) fica entre parênteses. Quotidiano onde  havia também  lugar para  momentos de descontração,  convivência, "desopilanço", enffim,   episódios banais que serviam para aliviar o peso da guerra e a claustrofobia do arame farpado.

O protagonista, Fernandino Vigário, é um soldado condutor auto, da CCS / BCAÇ 1911 (1967/69),  uma função que o coloca frequentemente em contacto com figuras de hierarquia, como o alferes capelão, responsável por prestar assistência religiosa às tropas. 

Está em fim de comissão, à espera de regresar à Metrópole (o que aconteceu em finais de maio de 1979).

O relato é uma memória pessoal, contada muitos anos depois (mais de 40), num tom simples, oral e confessional, revelando a vontade do autor de preservar a autenticidade da experiência vivida. 

Ele próprio reconhece que não escreve para acusar ou diabolizar ninguém,  nem para exaltar ou santificar, mas apenas para deixar um registo humano e bem-disposto. Tinha algumas dúvidas se devia / podia ou não ser publicado no blogue.


(ii) O humor e a ironia

O cerne da história reside no contraste irónico entre o papel religioso do capelão e o seu comportamento, digamos,  “mundano”. 

O “jovem alferes capelão”, “cheio de sangue na guelra”, deixa transparecer a sua juventude e impulsos humanos,  elogiando de maneira algo machista ou marialva (que era a cultura dominante na "caserna") mulheres cabo.verdianas, que passam na estrada. O vigor ou  entusiasmo com que o faz, choca o soldado Vigário, habituado a ver o clero com respeito, reverência e reserva moral.

Há aqui uma dupla camada humorística:

  • por um lado, o apelido do soldado (“Vigário”) presta-se ao trocadilho, ao jogo de palavras com o termo eclesiástico (“vigário” = padre);
  • por outro, o próprio título, muito bem escolhido pelo autor (“Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso... ao Vigário")  é uma inversão cómica e simbólica: o padre que quer ensinar o “Padre-Nosso” a alguém chamado Vigário,  é, no fundo, o que menos parece cumprir o papel do “pastor" ou "guardião da doutrina e da moral".

Este jogo linguístico é típico do humor popular português, fundado na ironia e na  irreverência, sem ultrapassar o limite do respeito, nem extravasar para a boçalidade.

(iii) O  retrato do capelão e a dimensão moral

Apesar do tom jocoso, ou até pícaro,  há uma dimensão moral implícita. O narrador não pretende “denegrir” a Igreja Católica, Apostólica Romana (com a qual de resto ase identifica), como faz questão de sublinhar no pós-escrito (PS).  Pelo contrário , parece querer humanizar e até desculpar  a figura ou as "bocas" do capelão (afinal "bastante jovem, devia ter a minha idade ou pouco mais").

 Em traços muito breves, mostra-nos um padre jovem, impulsivo e até mesmo algo ingénuo, que de algum modo quer "acamaradar" e "ser cúmplice" com o soldado que o conduz no jipe, utilizando a linguagem de caserna, para se pôr ao seu nível, talvez de maneira tosca e contraproducente. 

O paradoxo da situação é que o condutor está a levar o capelão, num domingo de manhã,baté ao próximo quartel, Safim, onde irá dizer missa. A viagem, relativamente curta (cerca de 20 km,.) deveria de recolhimento e contenção verbal.

O autor, Fernandino Vigário,  revela que, mesmo no contexto militar e religioso, as pessoas são falíveis, permeáveis às tentações  do mundo, expostos á vida que gira à sua volta. Mais: são capazes de transgressão, ou muito simplesmente de "brincar com coisas sérias"... E, para mais, em África, em que todos os sentidos estão  à flor da pele, face a exuberância de cores, formas ( a começar pelo corpo feminino), cheiros, sabores, ruídos, etc.

A reação do soldado é reveladora do seu carácter ponderado, respeitador e crente: ele sente o desconforto da situação e do diálogo com o seu superior hierárquico , mas não confronta o capelão que tem galões de alferes e que o pode teoricamente  "punir" (disciplinarmente falando)... Pelo contrário, responde-lhe com modéstia e diplomacia, mostrando-se fiel à hierarquia e à ética. 

É esse contraste, entre o alferes capelão, irreverente, "desbocado", e o soldado sereno, educado e contido, que sustenta a comicidade e o significado moral da narrativa.

(iv) Estilo e tom narrativo


A linguagem é coloquial, direta e oralizada, aproximando o leitor da voz do próprio narrador. O uso de expressões populares como:

  • “palonço”, 
  • “falava pelos cotovelos”,
  • "gaja boa",
  •  "uff!", 
  •  “que brasa!”
  • "o gato comeu-te a língua"...

 reforça a autenticidade e o sabor local da história, projetando-a na tradição portuguesa das  conversas e anedotas de caserna.

O pós-escrito final (PS) introduz uma nota reflexiva e conciliadora, típica de quem, ao olhar para o passado, o faz com compreensão e benevolência. A anedota deixa de ser apenas um episódio engraçado e passa a ser também um testemunho de humanidade.

(v) Síntese interpretativa

Em suma, esta história pode ser lida em três planos:

  • Histórico:  testemunho de uma vivência concreta da Guerra Colonial;
  • Humorístico:  episódio leve que satiriza as hierarquias e os comportamentos ( "Bem prega frei Tomás:  faz o que ele diz mas não o que ele faz");
  • Humano e moral:  reflexão sobre a juventude, a autoridade e a tolerância.

Mais do que uma simples “história brejeira”, o texto é um retrato vivo do quotidiano dos militares portugueses na Guiné: um microcosmo onde a fé, o humor, a informalidade e  a humanidade coexistem no meio da adversidade.

Resumo final:

A história de Fernandino Vigário revela-se uma crónica de costumes do tempo da Guerra Colonial,  divertida, humana e sem malícia (nem anticlericalismo...),  onde o autor transforma um encontro algo insólito num episódio de humor e reflexão moral sobre a condição humana, que é comum aos dois protagonistas, mesmo quando escondidas sob a farda, um, ou  sob a batina, o outro. (De qualquer modo, era  mais provável que o alferes graduado capelão fosse vestido de camuflado e com os seus galões dourados,)

 Pesquisa: LG ´+ Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/.

Condensação, revisão / fixaçao de texto: LG
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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27362: Humor de caserna (217): O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário (Fernandino Vigário, ex-sold cond auto, CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmemet, 1967/69)

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