Cartoon: adaptação e edição por Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/. Imagem original: Fernandino Vigário / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)
1. Análise interpretativa da história “Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso... ao Vigário”, da autoria de Fernandino Vigário (*)
A narrativa do Fernandino Vigário, membro da nossa Tabancas Grande, insere-se num contexto histórico e cultural muito particular, a Guerra Colonial Portuguesa, mais concretamente na então Guiné Portuguesa, no primeiro semestre de 1969.
Apesar de decorrer num cenário de guerra (embora nos arredores de Bissau, na época uma zona relativamente tranquilam a caminho de Safim, onde o capelão ia dizer a missa dominical), o tom da história é ligeiro e humorístico, integrando-se, de acordo com o editor LG, na série “Humor de caserna”, género em que o quotidiano militar é visto com ironia, brejeirice e humanidade.
Afinal, o humor ajuda a "climatizar os pesadelos". E até o absurdo das situações-limite, como o universo concentracionário dos quartéis, o isolamento no mato, a guerra, a violência, a brutalidade, a morte.
(i) Contexto histórico e humano
Trata-se de uma pequena história do quotidiano de um soldado condutor, onde apesar de tudo a guerra (operações, patrulhamentos, emboscadas, minas, etc.) fica entre parênteses.
(i) Contexto histórico e humano
Trata-se de uma pequena história do quotidiano de um soldado condutor, onde apesar de tudo a guerra (operações, patrulhamentos, emboscadas, minas, etc.) fica entre parênteses.
Era um quotidiano onde havia também lugar para momentos de descontração, convivência, "desopilanço", enfim, episódios banais que serviam para aliviar o peso da guerra e a claustrofobia do arame farpado. Bissau era um oásis de paz para quem vinha do mato... Chamavam-lhe, justa ou injustamente, a "guerra do ar condicionado", o "bem-bom"...
O protagonista, Fernandino Vigário, é um soldado condutor auto, da CCS / BCAÇ 1911 (1967/69), conduz um jipe, enfim, uma função que o coloca frequentemente em contacto com figuras da hierarquia, como o alferes capelão (ou alferes graduado capelão), responsável por prestar assistência religiosa às tropas.
Está em fim de comissão, à espera de regresayr à Metrópole (o que aconteceria em finais de maio de 1969, segundo informação do editor LG). É, portanto, um veterano, um "velhinho", em contraste com o capelão que, tudo o indica, é um "periquito", acabado de chegar da metrópole, e ainda desambientado. Ou seja, "não apanhado do clima".
O relato é uma memória pessoal, contada muitos anos depois (mais de 40), num tom simples, oral, quase confessional, revelando a vontade do autor de preservar a autenticidade da experiência vivida.
O relato é uma memória pessoal, contada muitos anos depois (mais de 40), num tom simples, oral, quase confessional, revelando a vontade do autor de preservar a autenticidade da experiência vivida.
Ele próprio reconhece que não escreve para acusar ou diabolizar ninguém, nem para exaltar ou santificar, mas apenas para deixar um registo humano e bem-disposto. Tinha algumas dúvidas se devia / podia ou não ser publicado no blogue (não fosse interpretá-lo mal, os leitores, seus antigos camaradas).
(ii) O humor e a ironia
O cerne da história reside no contraste irónico entre o papel religioso do capelão e o seu comportamento, digamos, “mundano”.
(ii) O humor e a ironia
O cerne da história reside no contraste irónico entre o papel religioso do capelão e o seu comportamento, digamos, “mundano”.
O “jovem alferes capelão”, “cheio de sangue na guelra”, deixa transparecer a sua juventude e impulsos humanos, elogiando de maneira desabrida, para não dizer algo machista ou marialva (que era a cultura dominante na "caserna"), mulheres cabo-verdianas, que passam na estrada. O vigor ou entusiasmo com que o faz, choca o soldado Vigário, habituado a ver o clero com respeito, reverência, distância e reserva moral.
Há aqui uma dupla camada humorística:
- por um lado, o apelido do soldado (“Vigário”) presta-se ao trocadilho, ao jogo de palavras com o termo eclesiástico (“vigário” = padre);
- por outro, o próprio título, muito bem escolhido pelo autor (“Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso... ao Vigário") é uma inversão cómica e simbólica: o padre que quer ensinar o “Padre-Nosso” a alguém chamado Vigário, é, no fundo, o que menos parece cumprir o papel do “pastor" ou "guardião da doutrina e da moral".
Este jogo linguístico é típico do humor popular português, fundado na ironia, brejeirice e irreverência, sem ultrapassar o limite do respeito, nem extravasar para a boçalidade.
(iii) O retrato do capelão e a dimensão moral
Apesar do tom jocoso, ou até pícaro, há uma dimensão moral implícita. O narrador não pretende “denegrir” a Igreja Católica, Apostólica Romana (com a qual de resto se identifica), como faz questão de sublinhar no "post scriptum" (PS). Pelo contrário , parece querer humanizar e até desculpar a figura ou as "bocas foleiras" do capelão (afinal "bastante jovem, devia ter a minha idade ou pouco mais").
Em traços muito breves, mostra-nos um padre jovem, impulsivo e até mesmo algo ingénuo, que de algum modo quer "acamaradar" e "ser cúmplice" com o soldado que o conduz no jipe, utilizando a linguagem de caserna, para se pôr ao seu nível, talvez de maneira tosca e contraproducente.
O paradoxo da situação é que o condutor está a levar o capelão, num domingo de manhã, até ao próximo quartel, Safim, onde irá dizer missa, o "santo sacrifício da missa". A viagem, relativamente curta (cerca de 20 km) deveria ser de recolhimento e contenção verbal, no entender do narrador.
O autor, Fernandino Vigário, revela que, mesmo no contexto militar e religioso, as pessoas são falíveis, influenciáveis, permeáveis às tentações do mundo, expostas à vida que gira à sua volta. Mais: são capazes de transgressão, ou muito simplesmente de "brincar com coisas sérias"... E, para mais, em África, em que todos os sentidos estão à flor da pele, face a exuberância de cores, formas (a começar pelo corpo feminino), cheiros, sabores, ruídos, etc.
A reação do soldado é reveladora do seu carácter ponderado, respeitador, crente, senáo memso conservador: ele sente o desconforto da situação e do diálogo com o seu superior hierárquico, mas não confronta o capelão que tem galões de alferes e que o pode teoricamente "punir" (disciplinarmente falando)... Pelo contrário, responde-lhe com modéstia, ironia e diplomacia, mostrando-se fiel à hierarquia e à ética.
É esse contraste, entre o alferes capelão, irreverente, "desbocado", e o soldado sereno, educado e contido, que sustenta a comicidade e o significado moral da narrativa. Afinal, ele é que é o "Vigário" ( de apelido), o que surpreende o capelão que, em tom brusco e deselegante, o interpela: " Vigário ou vigarista?!"...
(iv) Estilo e tom narrativo
A linguagem é coloquial, direta e oralizada, aproximando o leitor da voz do próprio narrador. O uso de expressões populares como:
- “palonço”,
- “falava pelos cotovelos”,
- "gaja boa",
- "jeitosa"
- "uff!",
- “que brasa!”
- "o gato comeu-te a língua"...
reforça a autenticidade e o sabor local da história, projetando-a na tradição portuguesa das conversas e anedotas de caserna.
O "post-scriptum" (PS) introduz uma nota reflexiva e conciliadora, típica de quem, ao olhar para o passado, o faz com compreensão e benevolência. A anedota deixa de ser apenas um episódio engraçado e passa a ser também um testemunho de humildade, tolerância,. reconciliação e humanidade:
O "post-scriptum" (PS) introduz uma nota reflexiva e conciliadora, típica de quem, ao olhar para o passado, o faz com compreensão e benevolência. A anedota deixa de ser apenas um episódio engraçado e passa a ser também um testemunho de humildade, tolerância,. reconciliação e humanidade:
(...) "Sou católico praticante, e nada me move contra a igreja e os padres, antes pelo contrário, porque sempre os respeitei e, ao contar esta história, não pretendo denegrir nem esta, nem os padres, e estou convicto que aquele jovem capelão tenha dado um bom padre, para mim aqueles comentários sobre mulheres eram fruto da sua juventude." (...) (*)
(v) Síntese interpretativa
Em suma, esta história pode ser lida em três planos:
- Histórico: testemunho de uma vivência concreta da Guerra Colonial;
- Humorístico: episódio leve que satiriza as hierarquias e os comportamentos ( "Bem prega frei Tomás: faz o que ele diz mas não o que ele faz");
- Humano e moral: reflexão sobre a juventude, a autoridade e a tolerância.
Mais do que uma simples “história brejeira”, o texto é um retrato vivo do quotidiano dos militares portugueses na Guiné: um microcosmo onde a fé, o humor, a informalidade e a humanidade coexistem no meio da adversidade.
Resumo final:
A história de Fernandino Vigário revela-se uma crónica de costumes do tempo da Guerra Colonial, divertida, humana e sem malícia (nem anticlericalismo...), onde o autor transforma um encontro algo insólito num episódio de humor e reflexão moral sobre a condição humana, que é comum aos dois protagonistas, mesmo quando escondida sob a farda, de um, ou sob a batina, de outro. (De qualquer modo, era mais provável que o alferes graduado capelão fosse vestido de camuflado e com os seus galões dourados, contrariamente ao que o "cartoon", de traço classicizante, deixa ver).
Pesquisa: LG + Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/.
(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)
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Nota do editor LG:
(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27362: Humor de caserna (217): O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário (Fernandino Vigário, ex-sold cond auto, CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete 1967/69)
( O título original é "Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário".)

3 comentários:
Se há uma coisa com que lidavam mal, os nossos capelães, era com a relação dos "tugas" com as mulheres, de Angola, Guiné, Moçambique...Desde o meu amigo Mário da Lixa (que esteve em Mansoa, 1967/68) ao meu primo, franciscano, Horácio Fernandes (Catió, 1967/69)... Até ao padre Bártolo Paiva Pereira, major capelão reformado, que acaba de publicar o livro "O capelão militar na guerra colonial" (ed. autor, Vila do Conde, 2025, 120 pp.). Escreve ele, op. cit., pp. 43/44:
(...) "Conheci de perto o Bispo (Manuel) Vieira Pinto e com ele convivi, em Nampula, onde era Chefe do Serviço Religioso do Exército. Periodicamente, era hóspede à sua mesa. Ao contrário do exilado Bispo do Porto, os Capelães militares nunca causaram incómodos à Igreja das colónias. Havia proximidade e entendimento, quer em Angola, quer em Moçambique, entre Capelães, clero local e os seus Bispos. O mesmo não acontecia com a soldadesca de Nampula. Esta cidade era a capital da Região Militar de Moçambique. Os soldados eram muitos e todos com solicitações carnais à flor da pele. D. Manuel pediu-me que os disciplinasse. Tentei uma catequese sobre o assunto, mas cheguei à conclusão duma fatalidade. Afinal eram elas (em bold, do autor) que provocavam os soldados da minha Capelania. Sexualidade não é colonização. Já Santo Agostinho, Bispo de Hipona, no século IV, pedia a Deus que lhe desse coragem para vencer os apetites sexuais, mas, acrescentava o Santo, 'quanto mais tarde, Senhor, melhor' " (...)
Bela história Luis, nem que fosse apenas estória. O humor prevalece acima de tudo, e não vejo nada para criticar, nem para julgar ninguém. Todos sabemos o que era a maldição de estar no Cu de Judas, o Suor a cair pelo nariz, com vistas divinas de bajudas belas e bonitas, quase despidas e nós com os olhos esbugalhados. Claro há sempre quem tenha levado uma vida sexual normal. Digo, mais que normal!
O nosso mestre na messe de oficiais, soldado condutor de serviço da CCS, ninguém dava nada por ele, muito metido para dentro de si, mas soubemos mais tarde, já nos almoços do batalhão, que ele dormia fora todos os dias, na tabanca da namorada.
Nós chamávamos de Brigadeiro, pois ele por cima da camisa, tinha galões de brigadeiro, ou a fingir, não sei.
Encontrei o em 1984, uma vez, que vinha à Guiné, na Rua das Portas de Santo Antão , numa churrasqueira de frangos a servir os turistas! Nunca lhe falei o que se dizia da sua estadia. Fui nessa noite jantar aos Gambrinus, o tasco dos ricos e poderosos, mas era o meu preferido, não sendo rico, muito menos poderoso.
O nosso infiel predador não digo o nome, 'E.......' já se encontra a prestar contas no reino dos Céus. Era bom amigo, ele fazia-me alguns petiscos e fazia parte do nosso grupo de comes e bebes.
No mês que calhou ser eu o responsável da cantina, não liguei nada, entreguei tudo a ele, como podia fazer com outro, e sabendo o que se passava, que era uma balda a beber de borla, chegou ao final com saldo positivo para o meu sucessor.
Há muitas mais estórias que podia contar, sobre estes temas do sexo, mas não sou grande contador de estórias, e não sei a verdade de tudo.
Que eu saiba não houve casos graves, por isso cada um levava a sua vida como queria e podia, penso eu de que!....
Paz à sua alma
Virgilio Teixeira
Só para acrescentar que o Bispo de Nampula, Manuel Vieira Pinto, foi conterrâneo do padre Rui de Jesus Martins, meio irmão da minha mulher, e ela criança de 10 anos conheceu-o no Bairro do Amial, onde ela - A Manuela - morava, antes do pai falecer, que deixou mais 7 filhos da primeira mulher.
Ainda há por aqui uma foto antiga e pequenina com ele, Bispo de Nampula, na altura em que o padre Rui de Jesus Martins, era o reitor no seminário de Valadares.
Ela, a minha mulher tem muita adoração pelo Bispo de Nampula, e falamos já sobre isso com o nosso Capelão, Padre Bartolo, que também conviveu com ele em Nampula, conforme aqui documento.
Foi este Rui que nos casou em Maio de 70. Eu não o conhecia, como também nunca conheci o meu sogro, que morreu 10 anos antes de eu conhecer a sua filha, com quem casei, até hoje. Para falar verdade, não encarei bem com ele, devido a eu já conhecer as desavenças de familiares e ele nunca ter protegido a irmã com 10 anos de idade e orfã. Apesar disso era irmão e deixei andar sem nunca ter qualquer relação com ele, até um dia, 10 meses depois.
Foi ele que a irmã convidou por ser de laços de familia, para celebrar o baptizado da minha primeira filha , em 1971.
Mais tarde, em 1973, lá fomos a Valadares ao Seminário, para o convidar para baptizar o segundo filho, nascido no inicio de 1973.
Foi um desgosto, pois ele já tinha saído do seminário, largou as vestes de padre e casou ainda relativamente jovem. Disseram que se instalou na zona de Setubal e tem a sua própria familia. Passaram décadas, e tentamos lançar uma caça ao homem, mas todas as portas estavam fechadas, via telefone, via Junta, etc. Não sabemos da sua existência e eu pouco me importo com isso. A irmã ainda sofre e lembra-se, pois após a morte da sua mãe, deixou de ter familia alguma. Todos foram para o Brasil ou outros sitios, nunca ligaram à irmã, que não tem culpa da mãe deles ter morrido, e o pai se apaixonar pela minha sogra, que só deixou esta filha.
Estou a desabafar isto, porque aquela gente, tirando o padre, eram todos mais velhos do que a minha sogra, virtual madrasta de homens e mulheres bem mais velhos.
Depois passou as passas do Algarve, tiveram que entregar a casa de familia, numa zona do Porto muito bem conceituada, para puderem receber as suas heranças, que ninguém sabe explicar como foi feito isso. Para melhor compreensão, e pela falta de conhecimentos da minha sogra, tudo foi entregue a um advogado, que era o mesmo de ambas as partes.
Bom isto dá uma grande estória, que já escrevi no meu 'virtual livro' , A Minha Vida.
Sem ser mau, espero que todos já estejam no seu lugar no Universo da maldade.
Obrigado por me aturarem, mas há coisas que marcam, e isto passa-se muito antes de eu conhecer a minha mulher, uma miúda de 15 anos, que se dedicou a mim de corpo e alma e hoje é o meu amparo após os problemas oncológicos e outros.
Afinal há padres e Padres.
Virgilio Teixeira
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