Queridos amigos,
Estando em falta, venho me ressarcir. Talvez combalido pela operação que fiz ao ombro direito, em finais de fevereiro, não deixei de coscuvilhar esta ou aquela exposição, mas quanto à escrita andei um tanto na retranca, folheei muito Boletim Oficial da Guiné com a mão esquerda, com dezenas de sessões de fisioterapia isto vai indo ao sítio. Tratou-se de uma exposição empolgante, tanto a Fundação Gulbenkian, graças à sua secção no Reino Unido, como a Coleção Berardo, adquiriram obras de altíssima qualidade que mostram à saciedade o caráter transnacional das artes plásticas britânicas, como são iluminadas por movimentos de outros países e como contaminam artistas plásticos de outras nacionalidades. Sobretudo Londres atraiu bolseiros da Gulbenkian, nomes como Paula Rego, Bartolomeu Cid dos Santos, João Cutileiro, Graça Pereira Coutinho, Jorge Vieira, Sá Nogueira, Eduardo Batarda, entre muitos outros, são nomes que se podem incluir nesta trajetória de contaminações. Ademais, a exposição Ponto de Fuga tinha uma museografia excecional, lamento não ter feito este apontamento na hora própria.
Abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (104):
Lembranças de uma notável exposição dedicada à arte britânica… e portuguesa
Mário Beja Santos
Um aspeto da exposição, com uma museografia excecional, mostrando no centro e ao fundo uma imagem de Henry Moore
Entre março e julho de 2025, o Centro de Arte Moderna Gulbenkian apresentou na Fundação Gulbenkian uma exposição que mostra uma multiplicidade de geografias na arte do Reino Unido no século XX, evento que reuniu um importante núcleo de obras de arte britânica da Coleção do Centro de Arte Moderna e da Coleção Berardo.
Porquê o título Arte Britânica – Ponto de Fuga? Em 100 obras de 74 artistas, provenientes de sobretudo duas grandes coleções – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian e a Coleção Berardo - completadas por relevantes empréstimos, provenientes do Reino unido e de França, é bem patente a miscigenação, a transferência transnacional que foi sempre um ponto alto da prática artística britânica do século XX. É não só uma arte em mudança como provocou mudança em grandes artistas plásticos portugueses, caso de Paula Rego, Menez, Bartolomeu Cid dos Santos ou Sá Nogueira. A exposição mostra como em plataforma de diálogo há trajetórias e experiências de emigração, vemos o abstracionismo e o ressurgimento da figuração e as muitas vertentes do realismo na cultura visual britânica dos finais do século XIX e todo o século XX. A grande tradição inglesa da paisagem – embora não seja um tema dominante – era dada pela presença de Turner. Enfim, procurava-se dar a ver nesta exposição como os artistas migrantes ou temporariamente deslocados têm sido fundamentais para todos estes movimentos, desempenhando um papel vital na formação e dinamização de diálogos – uma arte britânica que influencia e é influenciada – é arte do Ponto de Fuga.
Pintura de David Hockney, intitulada Pintura a Enfatizar a Imobilidade, 1962. Hockney é um dos mais famosos pintores vivos, desenvolveu a sua obra fora do âmbito da Arte Pop e a sua técnica pictórica permaneceu sempre alheia a modelos norte americanos. Atenda-se à sugestão de movimento, representada da direita para a esquerda, no sentido contrário ao da leitura, reforça a sensação de imobilidade, assim se realça a incongruência entre a imagem pintada e a realidade da pintura enquanto meio estético.
Henry Moore, Luar no Mar, 1888-91
Bridget Riley, Vaivém, 1964
Ben Nicholson, Pintura, Vermelho Cádmio, Limão e Cerúleo, 1936
Jack Smith, Criança a Escrever, 1954
Bartolomeu Cid dos Santos, O Navio dos Loucos, 1961. Interessado desde muito cedo pelo potencial da gravura, sobretudo pelas gradações de negro e pelos seus efeitos dramáticos, e com base na sua experiência de viagem por uma Europa devastada pela guerra, Bartolomeu Cid dos Santos comenta nas suas obras questões sociais e políticas. Através da construção de cenários enigmáticos e inóspitos, utiliza um repertório de figuras identificáveis com feitos nacionais e uma igreja moribunda para transmitir uma mensagem crítica. Em "O Navio dos Loucos", satiriza a ideia de uma nação à deriva, caminhando cegamente para um conflito sem sentido, a guerra colonial.Paula Rego, O Gigante Minsky, 1958
Reuben Mednikoff, Melodia Orgiástica, 1937
Leon Kossoff, Christchurch, Primavera, 1993
Paula Rego, As Vivian Girls como Moinhos de Vento, 1984. Em 1979, Paula Rego visita uma exposição no Hayward Gallery, onde vê aguarelas pintadas por Henry Darger que serviram para ilustrar o seu romance The Realms of the Unreal (1973), cujas rebeldes protagonistas eram as Viviam Girls. Rego deixa-se seduzir por estas personagens e pelas suas aventuras que lhe lembram a sua própria infância. A pintora retrata a inconstância emocional e a natureza contraditória destas crianças que lutam pela sua liberdade e autodeterminação, enquanto são capazes de se revoltarem umas contra as outras em atos de malignidade rebuscada. Talvez por esta razão as tenha retratado, humoristicamente, como “moinhos de vento”, pois são capazes de passar do mais inócuo acidente doméstico para a carnificina arbitrária.Francis Bacon, Édipo e Esfinge segundo Ingres, 1983. O autor inspirou-se fielmente na composição do tema que Ingres desenvolveu em três versões de Édipo e a Esfinge, das quais uma se encontra na National Gallery, em Londres. Édipo já não ocupa o centro da pintura, como em Ingres. Vemo-lo no lado direito, deixando apenas visível uma parte de si ao centro: uma coxa e um pé com uma volumosa ligadura que sobe quase até ao joelho e apresenta duas grandes manchas de sangue. Enquanto em Ingres, Édipo é dominante, ocupando o centro, dominando a Esfinge, Bacon transforma o vencedor em derrotado.
Patrick Caulfield, Vista da Baía, 1964
Michael Craig-Martin, Observando, 1986. A sua obra investiga a relação entre objetos e imagens e a capacidade humana de visualizar formas ausentes através de símbolos. Criou um vocabulário de imagens em constante expansão, que formam a base da sua obra até hoje. Nesta pintura o artista retrata nove objetos isolados sob um fundo azul brilhante, dispostos livremente no espaço, com escalas e pontos de fuga diferentes. O título Observando chama-nos a atenção para o próprio ato de observar, levando o espetador a tomar consciência do quanto o simples ato de olhar interpreta e transforma os objetos.Joseph William Turner, Quillebeuf, Foz do Sena, 1833. Figura cimeira da pintura britânica, Turner irá marcar gerações sucessivas de artistas, dentro e fora da Grã-Bretanha, devido à luminosidade e cor das suas paisagens. Esta pintura representa a povoação de Quillebeuf, no estuário do Sena, local que Turner visitou no decurso da década de 1820. Nela conjugam-se a observação naturalista com a memória e recriação sensitivas da realidade, que caracterizam a metodologia do artista. O resultado é um exercício emotivo de luz e cor, onde se reconhece a tendência para a eliminação progressiva das formas dissolvidas na atmosfera húmida da representação.
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Nota do editor
Último post da série de 25 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27352: Os nossos seres, saberes e lazeres (706): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (227): Do Alto Tâmega até Pedrógão Grande, acabou-se a semana de férias – 6 (Mário Beja Santos)
















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