Figura 1 > Estudo prévio para monumento em memória dos combatentes da guerra colonial (2005), Arq. Augusto Vasconcelos (Fafe) (Fonte: Silva, op. cit, 2025, pág. 7)
Capa do livro de Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), 235 pp.
1. Com a devida vénia e autorização do autor, Jaime Bonifácio Marques da Silva (antigo alf mil pqdt, 1º CCP / BCP 21, Angola, 1970/72, conterrâneo do nosso editor LG; membro da Tabanca Tabanca desde 21/1/2024, com c. 120 referências no nosso blogue), passamos a criar uma nova série "Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci..."
É natural de Seixal, Lourinhã. Foi condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3* Classe. Foi professor de educação física e autarca em Fafe. Está reformado.
Segundo poste da série (que terá 15 postes, correspondentes a excertos das pp. 75-98 do seu livro, Capítulo Dois).
Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci...
2. Perante a hipótese Comandos, decido pelos Paraquedistas
por Jaime Silva
Eu não esqueci esse verão de 1968 em que terminava um ciclo de formação, isolado do mundo real, em que me inculcaram valores da salvaguarda da vida humana e respeito pelos outros, nomeadamente: “não matarás”.
Acabara de sair voluntariamente pela porta nova do Seminário de S. Paulo em Almada. Porém, poucos meses depois, a 8 de janeiro de 1969, com 22 anos, sou obrigado a transpor uma nova porta. Desta vez, a porta de armas da EPI (Escola Práticva de Infantaria, em Mafera) para iniciar o Curso de Oficiais Milicianos (COM) e, com um único objetivo: treinar para fazer a guerra!
Quando, a 28 de maio de 1969, termino o COM é-me atribuída a especialidade de Atirador de Infantaria e, ainda, para surpresa minha e, porque nunca me tinha oferecido para nada na tropa, o comandante da minha companhia me integra no grupo de cadetes selecionados para se apresentarem no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), em Lamego.
Fiquei siderado! Nunca me tinha oferecido para nada na tropa, nem tentado destacar-me na instrução, em coisa nenhuma!
Vim a saber (e a perceber), mais tarde, que esta era uma prática recorrente nos cursos de oficiais milicianos. Os comandos tinham, também, como método, para suprir a falta de voluntários necessários para comandar os seus grupos de combate, selecionar os cadetes durante os cursos de oficiais milicianos, como relata, por exemplo, José Luís Sousa:
“(…) foi a 30 de outubro de 1971 que embarquei com destino a Luanda para fazer o curso de comandos. Esta tinha sido especialidade que o capitão da Academia Militar e dos Comandos, chegado a Mafra com a missão de selecionar de entre os instrumentos do 1.º Ciclo, me atribuiu e forçou sem remissão a seguir. Já tinha reagido interiormente a fazer tropa em Mafra, mas bem mais o fazia agora por ser obrigado a ir para os comandos.
(…) Entre ir avulso para a Guiné, que diziam a ferro e fogo, e seguir para Luanda a frequentar o curso, empenhar-me ia por Angola. Comando seria se o desejasse”. (Sousa, 2021:10)
No meu caso aconteceu que, no final dessa última formatura, na parada do quartel em Mafra, um dos meus amigos, também selecionado, consegue demover cinco dos cadetes selecionados a rejeitar a ida para os Comandos, a favor da opção Paraquedistas, com o seguinte argumento:
– Nós já não conseguimos escapar à mobilização para a guerra, por isso, é melhor oferecermo-nos para os Paraquedistas.
Enumerou, a favor da opção Paraquedistas um conjunto de fatores muito mais favoráveis em relação à nossa ida para os Comandos em Lamego: fins de semana à 6.ª feira depois do almoço; melhor salário, acrescido de um subsídio de risco de salto, no valor de 500$00 após o término do curso, etc.
Quando, a 28 de maio de 1969, termino o COM é-me atribuída a especialidade de Atirador de Infantaria e, ainda, para surpresa minha e, porque nunca me tinha oferecido para nada na tropa, o comandante da minha companhia me integra no grupo de cadetes selecionados para se apresentarem no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), em Lamego.
Fiquei siderado! Nunca me tinha oferecido para nada na tropa, nem tentado destacar-me na instrução, em coisa nenhuma!
Vim a saber (e a perceber), mais tarde, que esta era uma prática recorrente nos cursos de oficiais milicianos. Os comandos tinham, também, como método, para suprir a falta de voluntários necessários para comandar os seus grupos de combate, selecionar os cadetes durante os cursos de oficiais milicianos, como relata, por exemplo, José Luís Sousa:
“(…) foi a 30 de outubro de 1971 que embarquei com destino a Luanda para fazer o curso de comandos. Esta tinha sido especialidade que o capitão da Academia Militar e dos Comandos, chegado a Mafra com a missão de selecionar de entre os instrumentos do 1.º Ciclo, me atribuiu e forçou sem remissão a seguir. Já tinha reagido interiormente a fazer tropa em Mafra, mas bem mais o fazia agora por ser obrigado a ir para os comandos.
(…) Entre ir avulso para a Guiné, que diziam a ferro e fogo, e seguir para Luanda a frequentar o curso, empenhar-me ia por Angola. Comando seria se o desejasse”. (Sousa, 2021:10)
No meu caso aconteceu que, no final dessa última formatura, na parada do quartel em Mafra, um dos meus amigos, também selecionado, consegue demover cinco dos cadetes selecionados a rejeitar a ida para os Comandos, a favor da opção Paraquedistas, com o seguinte argumento:
– Nós já não conseguimos escapar à mobilização para a guerra, por isso, é melhor oferecermo-nos para os Paraquedistas.
Enumerou, a favor da opção Paraquedistas um conjunto de fatores muito mais favoráveis em relação à nossa ida para os Comandos em Lamego: fins de semana à 6.ª feira depois do almoço; melhor salário, acrescido de um subsídio de risco de salto, no valor de 500$00 após o término do curso, etc.
Mas, o principal argumento era o seguinte: como os paraquedistas pertenciam à Força Aérea, esse facto, permitiria que tivéssemos sempre o apoio dos helicópteros no transporte para as operações no mato, além de termos apoio imediato, nos momentos mais difíceis, nos combates mais duros e nas evacuações dos feridos e mortos.
E rematou:
– Além disso, ainda vamos ter o prazer de saltar da porta de um avião em andamento, o que é fantástico!.
Vim a concluir, mais tarde, durante o curso, que tinha razão!…
Durante a guerra, vim a apurar que o meu camarada Peralta, expulso da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, após as greves académicas de 1968, estava bem informado e tinha razão.
Na verdade, no início da minha Comissão, o soldado Santos, do meu pelotão, pisou uma mina antipessoal, numa das primeiras operações de combate que comandei no Norte de Angola, ficando com a perna esquerda completamente esfacelada. Menos de trinta minutos depois, já o tínhamos conseguido evacuar num helicóptero e salvou-se.
A mesma sorte não teve o meu primo Arsénio, soldado pertencente a uma companhia do exército, que, na mesma zona, pisou, também, uma mina. Foi ao fim da manhã (cerca das 13 horas) que se deu o acidente e só, às quatro da tarde, teve o helicóptero para o evacuar para o hospital, onde veio a morrer!
Foi para não irmos para Lamego que, em julho de 1969, um grupo de cinco cadetes, vindo da EPI, deu entrada no RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas), em Tancos, para iniciar, durante mais oito meses, um novo ciclo de instrução militar, sempre com um único objetivo: treinar para a guerra
Vim a concluir, mais tarde, durante o curso, que tinha razão!…
Durante a guerra, vim a apurar que o meu camarada Peralta, expulso da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, após as greves académicas de 1968, estava bem informado e tinha razão.
Na verdade, no início da minha Comissão, o soldado Santos, do meu pelotão, pisou uma mina antipessoal, numa das primeiras operações de combate que comandei no Norte de Angola, ficando com a perna esquerda completamente esfacelada. Menos de trinta minutos depois, já o tínhamos conseguido evacuar num helicóptero e salvou-se.
A mesma sorte não teve o meu primo Arsénio, soldado pertencente a uma companhia do exército, que, na mesma zona, pisou, também, uma mina. Foi ao fim da manhã (cerca das 13 horas) que se deu o acidente e só, às quatro da tarde, teve o helicóptero para o evacuar para o hospital, onde veio a morrer!
Foi para não irmos para Lamego que, em julho de 1969, um grupo de cinco cadetes, vindo da EPI, deu entrada no RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas), em Tancos, para iniciar, durante mais oito meses, um novo ciclo de instrução militar, sempre com um único objetivo: treinar para a guerra
– Instrução dura, combate fácil – era o lema!
Depois de uma fase de adaptação à filosofia de atuação das tropas paraquedistas, iniciámos, no RCP, o 52º curso de paraquedismo, vindo a terminá-lo a 29 de agosto, sendo-me atribuído o Brevet nº 7343.
Depois de uma fase de adaptação à filosofia de atuação das tropas paraquedistas, iniciámos, no RCP, o 52º curso de paraquedismo, vindo a terminá-lo a 29 de agosto, sendo-me atribuído o Brevet nº 7343.
A 8 de setembro, seguiu-se: o Estágio de Aperfeiçoamento de Combate para oficiais e sargentos milicianos, o Curso de Instrução de combate, a 29 de outubro, e o Estágio de Nomadização que terminou em janeiro de 1970.
Após, mais este longo ciclo, passados treze meses de instrução militar, em janeiro de 1970, sou nomeado para prestar serviço no Batalhão de Caçadores Paraquedistas BCP 21, por imposição de serviço. Fomos todos mobilizados para a guerra de África.
No dia 18 de fevereiro de 1970, pelas 10 horas, embarcámos, conjuntamente com três alferes milicianos (Rosinha, Vítor Marques e Martins) e um do quadro permanente (Sousa, da Academia Militar). Embarcámos no Aeroporto Figo Maduro em Lisboa, num avião DC 6, da FA, rumo a Angola, em rendição individual. Aterrámos na Base Aérea nº3, em Luanda, às 9 horas do dia seguinte. A partir desta data, “passámos a contar” 100% de aumento do tempo de serviço.
Após, mais este longo ciclo, passados treze meses de instrução militar, em janeiro de 1970, sou nomeado para prestar serviço no Batalhão de Caçadores Paraquedistas BCP 21, por imposição de serviço. Fomos todos mobilizados para a guerra de África.
No dia 18 de fevereiro de 1970, pelas 10 horas, embarcámos, conjuntamente com três alferes milicianos (Rosinha, Vítor Marques e Martins) e um do quadro permanente (Sousa, da Academia Militar). Embarcámos no Aeroporto Figo Maduro em Lisboa, num avião DC 6, da FA, rumo a Angola, em rendição individual. Aterrámos na Base Aérea nº3, em Luanda, às 9 horas do dia seguinte. A partir desta data, “passámos a contar” 100% de aumento do tempo de serviço.
(Continua)
(Revisão / fixação de texto: LG)
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Nota do autor
(#) Sousa, José Luís Costa - Não à Guerra! Ser coamndo não quero. (Ed. autor, 2021)
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Nota do editor LG:


2 comentários:
Estava em vigor o serviço militar obrigatório, no nosso tempo... Quantos militares (do complemento e do contingente geral) se terão oferecido como "voluntários" para combater em África ? Não sabemos... Mas houve voluntários: Spínola, por exemplo, como tenente-coronel, foi comandar o célebre BCAV 345... Já não teria idade para isso... O seu biógrafo diz que foi voluntário... Terá havido mais casos de oficiais portugueses, no caso de Angola... Mas... para a inóspita, palúdica e miserável Guiné, quem é que se terá oferecido ?
Bom, Spínola foi convidado por Salazar, em 1968, para o lugar de governador e comandante-chefe. Um convite lisonjeiro para um militar como ele, já com um "brilhante currículo"...Mas terá imposto condições para aceitar...Cinco anos depois bateu com a porta ao sucessor de Salazar.
Antes de mais nada, refira-se que o camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva foi condecorado duplamente. Não só foi agraciado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, a título individual, como ao próprio Batalhão de Caçadores Paraquedistas 21, a que pertenceu, foi coletivamente atribuída a Medalha de Ouro de Valor Militar com Palma: https://ultramar.terraweb.biz/BCP21_Angola.htm.
Quando frequentei o 1.º ciclo do Curso de Oficiais Milicianos em Mafra, no segundo trimestre de 1971, havia alguns cadetes entre nós que envergavam os característicos uniformes azuis da Força Aérea, que se distinguiam de forma muito evidente no meio da verdura generalizada do fardamento do Exército. Esses cadetes eram potenciais paraquedistas (já não me lembro se eram voluntários, mas provavelmente eram) que em Mafra só faziam a recruta. Depois do juramento de bandeira, devem ter seguido para Tancos.
Também no meu tempo de cadete, nenhum futuro oficial miliciano era obrigado a ir para os Comandos. Só iam aqueles que tinham sido selecionados para a especialidade de Operações Especiais e que subsequentemente se ofereciam para os Comandos. Os que não se ofereciam, ficavam no curso de Operações Especiais.
Só uma pequena correção: as greves académicas de Coimbra aconteceram em 1969 e não em 1968. Eu próprio as vivi intensamente e por dentro, o mais «por dentro» que foi possível, com uma curta estadia passada no "hotel" em frente ao Regimento do Serviço de Saúde, no outro lado da rua.
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