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sábado, 12 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22992: (In)citações (195): Estou a preparar a 2ª edição, revista e acrescentada, do meu livro "A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria" (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)


Arsénio Puim, natural de Santa Maria, Açores, a viver em São Miguel, 
escritor, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72):



1. Mensagem do nosso amigo e camarada Arsénio Puim:

Data - 11 de fevereiro de 2022 17:25
Assunto - Nota de leitura
 

Obrigado pela tua “nota de leitura” relativa ao meu livro (*). Um livro, sem dúvida, simples e limitado, de cariz popular e muito mariense-açoriano, mas que julgo será um bom documento para a posteridade.

Posso informar-te que, desde há algum tempo, estou a preparar uma nova 2.º edição, também revista e acrescentada. Desta vez , é a reedição do livro “A Pesca à Baleia na Ilha de Santa Maria”, que publiquei em 2001 (, edição do Museu de Santa Maria, 109 pp.). Espero que venha a lume no próximo verão.

Luís, apreciei o pequeno debate relativo a alguns termos marienses de influência americana (**). Penso que esta foi no passado, em maior ou menor dimensão, uma realidade frequente em meios populares mais isolados e menos escolarizados que sofreram a influência doutras culturas. 

Em Santa Maria a influência foi americana, noutros meios será francesa ou alemã e ainda noutros foi portuguesa. É o caso, “mutatis mutandis”, do crioulo, que também se insere nesta dinâmica linguística corrente, proporcionada pela oralidade corrente, no caso, a associação da língua nativa e a língua dos colonizadores. São fenómenos curiosos.

Relativamente ao termo “calafona”, não há duvida que vem de “Califórnia”. Porém, no uso mariense popular o termo foi alargado a todo os emigrantes de qualquer área da América que apresentam características muito americanizadas, tanto no sotaque como no vestuário, maneiras de ser e linguagem. Já o termo “calafão” é muito menos usual em Santa Maria.

Quanto ao termo “raivar”, é verdade que às vezes, numa versão mais evoluída, se diz draivar, mas num americanismo mais retinto é mesmo “raivar”.

Do termo “estôa” não conheço em Santa Maria a variante estoro. Sei, porém, que os termos podem adquirir nas diversas ilhas um cunho próprio. E quanto aos nomes próprios, eles sofrem habitualmente grandes adaptações na América.

E tu, Luís,, quando é que escreves o teu livro? Com a tua bagagem e capacidade, há que pensar nisso.

Sabes que o Mário Ferreira, médico do nosso Batalhão, também publicou em 2007 o livro “Tempestade em Bissau”? (***) Numa ocasião em que fui a Lisboa , há quinze anos, ele ofereceu-me um exemplar. É uma visão da Guiné e da guerra, romanceada mas ao mesmo tempo baseada na realidade, à maneira talvez de romance histórico - escrita por alguém que (vê-se) esteve lá - e onde afloram conceitos filosóficos e sociais muito válidos.

Muita saúde! Um grande abraço.

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22977: Notas de leitura (1418): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte III: a influência dos "calafonas"

(**) Último poste da série > 10 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22796: (In)citações (194): Divulgação do Prémio Literário Antigos Combatentes - Ministério da Defesa Nacional (Mário Beja Santos)

(***) Vd. poste de 29 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7525: Notas de leitura (181): Tempestade em Bissau, Ano 1970, de Mário Gonçalves Ferreira (Mário Beja Santos)

Vd. também poste de 10 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2092: Antologia (61): Tempestade em Bissau (Mário G. Ferreira)

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21007: 16 anos a blogar (14): A minha visita ao destacamento de Missirá, com o alf mil médico Mário Gonçalves Ferreira", na passagem do ano de 1970, ao tempo do "alfero Cabral (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/71)


Viseu > 26 de Abril de 2008 > 2.º Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas > O Jorge Cabral, ao centro, "entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Gonçalves Ferreira, autor do romance 'Tempestade em Bissau")... Diz o Jorge Cabral que ambos os médicos "me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim".

[Não foi o Natal, foi o Fim de Ano, emenda o Puim, que apontava tudo no seu famoso caderninho que lhe será confiscado pelo comando do BART 2917, na altura em que veio "a fmigerada ordem de Bissau" para o meterem no avião da TAP, de volta para os Açores, já que tinha passado a ser  "persona non grata" no CTIG; o caderninho, que deve ter ido parar às mãos da PIDE/DGS, só lhe seria devolvido no pós-25 de Abril,  com uma misteriosa folha a menos]...

Os dois médicos foram igualmente companheiros de quarto do capelão. O Marques Vilar substituiu, em março de 1971, o Mário Gonçalves Ferreira. O Arsénio Puim foi expulso do CTIG em maio de 1971.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A MINHA VISITA A MISSIRÁ NA PASSAGEM DO ANO DE 1970

por Arsénio Puim

[ex-alf mil capelão, CCS/ BART 2917, Bambadinca, maio de 70/maio de 71; aqui ao centro, ladeado à sua direita pelo Benjamim Durães, e à esquerda, pelo "alfero Cabral" > Viana do Castelo, 16 de maio de 2009 > Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 e subunidades adidas (Bambadinca, 1970/72).  nFoto: Benjamim Durães (2009)]

Li no blogue uma evocação de Jorge Cabral relativa à visita do Capelão Puim ao Destamento de Missirá, na Guiné, em Dezembro de 1970. (*)

Foi realmente em Dezembro, mas no último do mês, e aí passei a noite de fim de ano. (**)

O transporte foi de sintex através do rio Geba, à tardinha. A placidez das águas, a arborização das margens, a sinuosidade do trajecto e sobretudo a abundância, a variedade e a beleza das aves – de cores as mais variegadas – fizeram desta uma viagem encantadora.

Da margem ao acampamento, julgo que ainda distavam um ou dois quilómetros, que percorri a pé mais o médico Mário Ferreira, que também visitava Missirá. Numa dada altura, ouvimos um grande tropel dentro do mato. Parámos. Mas logo vimos que era um bando enorme de macacos em deslocação. Ao atravessarem o caminho, olhavam-nos e logo continuavam a correria.

A noite de passagem do ano foi muito alegre, com boa comida e alcoolfarta. Houve discursos e música (admito que também discursei) no acampamento, que – é a impressão que guardo – se caracterizava por quase não haver separação física e humana entre ele e a tabanca,  e por todo um espírito que me pareceu nada ter a ver com o lema, demasiado redutor, pertencente a um Pelotão antigo, que ainda se podia ler, impresso num bloco de cimento, na parada [, referência provável ao Pel Caç Nat 52, anterior ao comando do Alf Mil Beja Santos, Missirá, 1968/69, cuja divisa era 'Os Gaviões: Matar ou Morrer' : vd. foto à esquerda].

No primeiro dia do ano tivemos missa no pequeno aquartelamento de Missirá, e voltei a Bambadinca.

Esta é uma das minhas boas recordações da Guiné, graças também ao comandante do Destacamento e 'grande régulo' de Missirá, o ex-alferes Jorge Cabral, que saúdo com amizade. (***)

Arsénio Puim


2. Comentário do editor LG:

Tem andado arredio, do nosso blogue, o "alfero" Cabral, genial criador das "estórias cabralianas"... De tempos a tempos, quando faz anos, lá lhe dou uma telefonadela... Não sei se ainda está "confinado", o que não acredito, mesmo sendo ele do "grupo de risco"... Aliás, somos todos... De qualquer modo, faço votos para que ele  sobreviva à pandemia e ao pandemónio da COVID-19 de que muitos camaradas já não podem ouvir falar mais...

Quanto ao nosso Cabral, já aqui escrevi em tempos que ele  era descendente de militares e que, na sua rica e frondosa árvore genealógica, havia Cabrais e... que Tais!... Na Guiné, foi meu contemporâneo e vizinho, fizemos operações juntas e até bebemos uns copos em Fá... E recordo-o por, entre outras bizarrias,  reivindicar ser ele "o único e legítimo Cabral" (sic), mesmo que o outro, o "usurpador", defendesse os seus pergaminhos de Kalashnikov na mão...

Apesar da sua linhagem ilustre, posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, a "cantar de galo"... Sempre prezou (e honrou) a sua linhagem, isso é indesmentível e eu disso sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Ou de Fá, conforme o sítio onde estava (e esteve um  ano em cada lado). 

À força de ser propolada e levada pelo vento, de bolanha em bolanha, a histórica e temível frase deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, a sul do Morés, a tal ponto que no tempo do "alfero" Cabral não mais voltou a meter-se com a malta de Missirá...(Este Corca Só tinha jurado tirar o escalpe ao Beja Santos, anterior comandante de Missirá, à frente do temível Pel Caç Nat 52).

Em Missirá, um destacamento mais exposto às morteiradas e roquetadas do IN do que Fá Mandinga, contava-se que o "alfero" Cabral, mais do que temido, passara a ser  "respeitado" (e quiçá "venerado")  pelos camaradas do PAIGC, desde o famoso dia em que foi atrás deles, na bolanha, a apaziguá-los e a tranquilizá-los:
- Vocês não fujam, não tenham medo!!!... Sou o Cabral!!!...
____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 16 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20962: (In)citações (161): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (b): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


Lisboa > 24 de Maio de 2009 > O Arsénio Puim, na casa dos seus filhos, estudantes universitários, à conversa com uma antiga paroquiana e amiga do Padre Mário de Oliveira (também conhecido por Padre Mário da Lixa), a Maria Alice Carneiro,  esposa do Luís Graça. O Padre Mário de Oliveira, depois de vir da Guiné, foi paroquiar a freguesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, em 1968. A amizade da nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro vem, desse tempo.


Durante a guerra colonial, foram seguramente os dois casos mais conhecidos, pelo menos públicos e notórios, de conflito de ruptura, por razões de consciência, de capelães militares com Exército.

Em Maio de 1971, "por volta do 13 de Maio, talvez antes, a 10, 11 ou 12", o Alf Mil Capelão da CCS / BART 2717 (Bambadinca, 1970/72) foi intimado a comparecer em Bissau para receber a guia de marcha, de volta à sua terra, por ter sido considerado uma figura indesejável no CTIG... 

O seu quarto (que ele partilhava com o alf mil médico Mário Gonçalves Ferreira) e os seus objectos pessoais foram revistados, não por agentes da PIDE/DGS, mas por dois oficiais superiores do comando do batalhão.... O seu diário foi, abusiva e ilegalmente confiscado...

Por sua vez, o Padre Mário de Oliveira, da diocese do Porto, foi capelão militar do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). tendo sido expulso em Março de 1968, menos de cinco depois da sua chegada ao CTIG, uma história já aqui contada em 2006 (**)...



Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Viseu > 26 de Abril de 2008 > 2º Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas > O Jorge Cabral, o segundo a contra da esquerda, "entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Gonçalves Ferreira, autor do romance 'Tempestade em Bissau0)"...  Diz o Jorge Cabral que ambos os médicos "me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim" [Não foi o Natal, foi o Fim de Ano, emenda o Puim, que apontava tudo no seu famoso caderninho ].. Os dois médicos foram igualmente companheiros de quarto do capelão. O Mário Gonçalves Ferreira substituiu, em março de 1971, o Mário Gonçalves Ferreira.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Muita saúde longa vida, Arsénio Puim,
porque tu mereces tudo! (2ª e última parte)

por Luís Graça



(8) O que ele não esqueceria era, afinal, 
o lema do batalhão, “Pela Guiné e suas gentes”… 
E foi o lema do seu batalhão que o tramou, 
a sua interpretação do seu significado… 


Na célebre homilia em Viana do Castelo (que, de resto, está publicada na história da unidade), a par do discurso patrioteiro, chapa um, do comandante do batalhão, ele realçava “ duas ideias principais que a Missa, como ato de culto ao Pai da humanidade e de comunhão da Palavra e do Pão, nos deveria inspirar e consolidar: (i) por um lado, o espírito de comunidade que deveria imperar no Batalhão 2917 ao serviço das terras da Guiné, onde íamos viver; (ii) e, por outro, os valores humanos e cristãos que devem ser apanágio de todos os homens de boa vontade em quaisquer circunstâncias”.

Na Guiné, ele vai recusar usar armas... De facto, não nunca teve G3 distribuída. Quando chegaram a Bissau, e houve distribuição do armamento, no Depósito de Adidos, em Brá, antes da partida em LDG para o Xime, ele esteve na fila, como toda a gente, mas, chegada a sua vez, disse delicadamente, ao segundo comandante que dispensava a arma... nem sequer saberia usá-la...

A presumível antipatia, pelo capelão, alimentada por esse major  - de resto, um professor da Academia Militar, com tiques prussianos, que nos obrigava a bater a pala, em plena parada de Bambadinca, como se fôssemos vulgares instruendos, a nós, operacionais da CCAÇ 12, já com mais de um ano de velhice, muito sangue, suor e lágrimas na Guiné! - já devia vir de longe, talvez da primeira homilia, em Viana do Castelo, aquando da formação do batalhão…

Perante o insólito desta cena, o major ter-lhe-á perguntado, diretamente, se ele não era "testemunha de Jeová" (Recorde-se que eram, na época, perseguidos por serem objetores de consciência). Provocação deliberada ? Piada de caserna ? Brincadeira de mau gosto?
- Não, meu comandante, sou um padre católico...

Esta frontalidade, que nada tinha de insolência, vai-lhe sair cara… ao ponto de um dia o mesmo oficial superior lhe perguntar, “à laia de graça”,  se tinha um pacto com os “turras”, dada a estranha coincidência de alguns ataques do PAIGC ocorrerem imediatamente a seguir à sua saída de um aquartelamento ou destacamento…


(9) Dizem que afinal o que tramou foram 
as suas célebres homilias da paz em tempo de guerra… 
Ou, nas suas próprias, o seu “pacto com Deus”… 
Terão ficado no ouvido de alguns zelotas as palavras de paz 
(, que só poderiam ser “dissolventes”, em tempo de guerra…) proferidas na capela de Bambadinca dia 1 de Janeiro de 1971… 
Alguém ia tomando boa nota… Mas haveria 
ainda mais “homilias da paz”… 
Foi, ao que parece, a  da Abril ou Maio, 
a famosa homilia de Abril ou Maio, 
que entornou o copo...

Eu já não já estava na Guiné, tinha regressado a casa em meados de Março de 1971... A CCAÇ 12, agora com novos “tugas”, periquitos a enquadrar os soldados africanos, juntamente com a subunidade de quadrícula do Xime (CART 2715), tinha feito prisioneiros, no região do Xime, possivelmente na zona do Poindon / Ponta do Inglês, como diz explicitamente o Carlos Rebelo, nos seus versos sobre o Romance do Padre Puim… Era população civil, incluindo mulheres e crianças, que viviam sob controlo do PAIGC, em condições miseráveis, diga-se em abono da verdade, esfarrapados, doentes, subnutridos…

Uma das mulheres tinha acabado de dar à luz, três dias antes da operação. Eram balantas, possivelmente oriundos de Samba Silate, destruída e abandonada no início do guerra, um dos mais tristes símbolos da guerra na leste. Foram levadas para Bambadinca. O grupo ficou detido numa espécie de galinheiro que havia perto da escola, que continuava a ser dirigida pela Profª Violete, cabo-verdiana, que tinha, lá em casa, a viver consigo, um puto, o Alfredo, de 15 anos, que irá mais tarde ser mencionado na ficha da PIDE/DGS do capelão, por alegadamente ser do PAIGC ou possível informador do PAIGC...

Era nesse galinheiro, na ausência de uma verdadeira prisão, que ficavam os prisioneiros, em trânsito para Bafatá, ou para Bissau (tratando-se e guerrilheiros: quanto aos civis, nem sempre era fácil a solução da integração nas tabancas balantas da região - basicamente, Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta- , havendo crianças já nascidas no mato, e que nos olhavam aterrorizadas, quando o roncar das nossas GMC do tempo da guerra da Coreia...).

Bom, resumindo, parece que a CCS do BART 2917 não fornecia comida aos prisioneiros, maioritariamente mulheres e crianças. Ficaram à mercê da caridade da população local, de Bambadinca e Bambadincazinha, entre a qual havia simpatizantes do PAIGC, ou gente da mesma etnia...

O Puim, inteirado da situação, condoeu-se daquela gente e começou a visitá-los. Levava leite às crianças. E protestou contra aquela situação de injustiça. Era, de resto, um homem que não se calava, como não se calou quando o ex-furriel ‘comando’ João Uloma, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, se deixou fotografar, com um cabeça cortada, na parada de Bambadinca... Perguntou o Puim, já não sabe a quem (possivelmente, ao captão Barbosa Henriques, instrutor, ou ao major Leal de Almeida, supervisor) se aquilo era digno de um exército civilizado... Se bem me lembro, esta cena passa-se em outubro de 1970, depois de uma operação a norte do Enxalé, e antes da Operação  Mar Verde (invasão de Conacri, 22/11/1970)...

Através de um intérprete, um polícia administrativo, as mulheres diziam que o Puim era "manga de bom pessoal", mesmo sem saberem qual era a sua função ou o seu papel naquela guerra... Seria, de resto, difícil explicar-lhes o que era um capelão e para que servia... Para elas, era apenas um tuga bom... Um “padre-capilon”, como diziam as lavadeiras de Bambadinca… 


(10) Numa das suas homilias, num domingo de Abril ou Maio, 
o Puim abordou este tema, doloroso, para ele... 
O tratamento dos prisioneiros nem sequer estava de acordo 
com a política, superiormente definida por Spínola, e consubstanciada no slogan “Por uma Guiné Melhor”... 

Terá sido a partir daqui que ele foi denunciado, possivelmente não já pela primeira vez, e que em Maio de 1971 surge uma famigerada "ordem de Bissau" (que ele nunca leu) para ele se apresentar no "Vaticano" (as instalações dos capelães militares em Bissau)...
O papel de Bissau (não se sabe por quem era assinado...), com a sua ordem de expulsão, estava nas mãos do segundo comandante do batalhão…

Nas conversas que tive  com o Puim, ele  nunca referiu a presença de nenhum agente da PIDE/DGS... Afirmava categoricamemente que quem passou a revista ao seu quarto (de resto, partilhado pelo alferes miliciano médico Vilar), quem mexeu nos seus objetos pessoais, na mala, e quem confiscou o seu diário (, que só lhe será devolvido, já depois do 25 de Abril, com uma única folha rasgada…)  foi o 2º comandante.

De qualquer modo, burocrática, meticulosa, ominipresente PIDE/DGS averbou esta cena no ficha do Puim... O que sugere, no mínimo, alguma promiscuidade entre a PIDE/DGS, a hierarquia militar... e até o “chefe do Vaticano” (, na gíria, era a sede da capelania militar, em Bissau).


(ii) Puim considerava-se duplamente maltrado 
pela instituição militar e pela hierarquia religiosa. 
À data era capelão-mor, no CTIG, o Padre Gamboa   
que tinha o posto de major, coordenando 
e supervisionando  todo o trabalho de capelania 
(Vivia, em instalações próprias, em Bissau, 
conhecidas por “Vaticano”).

Em Fevereiro de 1971, o Puim ainda tinha participado, em Bolama, num retiro espiritual, com os demais capelães da Guiné, dirigido pelo major capelão Gamboa. Houve discussão acesa, foi discutido o papel dos capelães na guerra colonial, a posição da Igreja, etc.

Admito que a PIDE/DGS (, com delegação em Bafatá e olhos e ouvidos em Bambadinca. ) estivesse por detrás de tudo isto, ou pelo menos acompanhasse e alimentasse o “processo” do incómodo capelão... Mas como o Puim era um oficial miliciano e ainda por cima capelão, é natural que Bissau tenha dado ordem para ser a hierarquia militar a encarregar-se do caso... e não armar escândalo. Afinal, os tempos já eram outros... ou ainda não. Spínola passa a ter, a partir de 13 de julho de 1971,  a PIDE/DGS ao seu serviço, ou pelo menos sobre a sua tutela e proteção, com a nomeação do inspector Fragoso Allas para chefiar a “corporação” em Bissau.


Vaana do Castelo, 16 de maio de 2009 >
Convívio do pessoal da CCS / BART 2917
(Bambadinca, , 1970/72) > Nas foto, da esquerda
para a dieeita, Benjamim Durães, Arséio Puim
e Jorge Cabral.

Foto: Benjamim Durães (2009)

O Arsénio diz-me que foi sozinho para a aeronave que o esperava, na pista... Sem escolta. Sem alarido. Sem despedida. Sem lágrimas... Mas com a dor na alma, com revolta, com indignação. Os únicos que assistiram a esta cena, para além dos dois majores do comando do batalhão, terão sido o alf mil Abílio Machado e o sacristão, o 1º cabo Teixeira...


(12) O nosso camarada ainda teve uma semana em Bissau, 
a aguardar transporte, e outra semana em Lisboa, 
até ser reenviado para os Açores... 


Em Bissau, foi recebido por uma alta patente militar (que ele não consegue identificar, mas que até com ele um comportamento civilizado) bem como pelo seu superior hierárquico, o major capelão Gamboa... 

Em contrapartida, os amigos e camaradas de Bambadinca que na altura estavam de passagem em Bissau, fizeram-lhe um jantar de despedida, onde também esteve o 1º sargento Brito, já falecido… Não falou sequer com o seu bispo, mas voltou a paroquiar na sua Ilha, Santa Maria...

Mais tarde, quis fazer a experiência de padre operário, que estava na moda, na sequência do Concílio Vaticano II... Tirou o Curso de Enfermagem Geral na Escola de Enfermagem de Ponta Delgada, ao mesmo tempo que era pároco na freguesia de Santa Bárbara do Monte, da Ouvidoria das Capelas. 

Iria perceber, mais tarde, que as duas funções eram incompatíveis, ser enfermeiro e ser padre... Optou por ser enfereiro a temo inteiro e ser dispensado da condição sacerdotal pelo papa Paulo VI. Acabou por se enamorar de uma jovem enfermeira, mais nova, com quem viria a casar, e que é hoje a mãe dos seus dois filhos. O casal passou a viver definitivamente em Ponta Delgada. 

Como enfermeiro, trabalhou nos Centros de Saúde de Vila do Porto e de Vila Franca do Campo, durante 19 anos. Está aposentado desde 1996. Foi sacerdote durante 16 anos. Foi co-fundador e primeiro diretor, em 1977, de “O Baluarte de Santa Maria”. E continua a colaborar no centenário jornal de inspiração cristã, “A Crença” ser, propriedade da Matriz de Vila Franca do Campo, a cuja paróquia pertence. 

Em entrevista ao "Correio dos Açores", de 18/2/2018, confessa que viveu com intenso júbilo dois grandes acontecimentos históricos, o Concílio Vaticano II e o 25 de Abril; "Exerci a função de pároco durante 12 anos, em Santa Maria e em São Miguel, num período histórico e muito rico, marcado por dois grandes acontecimentos do século - o Concílio Vaticano II e a Revolução de 25 de Abril. Vivi entusiasticamente tanto o espírito de renovação da Igreja como a democratização política e social que caracterizou uma e outra efeméride."





(13) Não voltei a vê-lo mais, trocámos mails, 
publiquei lhe as suas memórias… Mas em maio de 2009, 
pareceu-me um homem sereno, de bem com a vida, 
orgulhoso dos seus filhos, um pai extremoso e dedicado, 
e ainda hoje um cidadão com sentido de missão 
e com os mesmos valores espirituais e éticos.


Decididamente queria, já na altura,  fazer as pazes com um certo passado, na Guiné, razão por que fez questão de   partilhar connosco as memórias, boas e más, daquele tempo.  Por certo, que já perdoou a quem o ofendeu, mas não esqueceu. Os seus antigos camaradas e amigos não esqueceram.

O que fizeram ao Puim não deixa de ser  uma grande pulhice humana... Afinal, o que ele fez (, protestar contra a situação dos prisioneircs civis)  estava em perfeito alinhamento ou sintonia com as orientações da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"!... Ele era a nossa consciência crítica e honrou o melhor de todos nós…

O Puim, enquanto português, homem, cidadão, capelão e oficial do Exército Português, insurgiu-se, protestou ou chamou a atenção para a situação desumana, degradante, em que viviam, numa espécie de galinheiro, em Bambadinca, velhos, mulheres e crianças que foram "recuperados" de uma tabanca no mato, sob controlo do PAIGC (que "eles" chamavam, pomposamente, "áreas libertadas", na famigerada áreaa do Poindon / Ponta do Inglês onde demos e levámos muita porrada ao longo da guerra...)!

Bolas, não eram "TURRAS"!... Era população civil, desarmada, andrajosa, miserável, esfomeada, apavorada... As crianças tinham nascido no mato e entravam em pânico ao ouvir o roncar de uma GMC...no quartel.

Muito provavelmente estes "pobres diabos" foram trazidos pela minha CCAÇ 12 em abril de 1971... Eu tinha acabado de chegar à metrópole, há coisa de um mês e tal...

Xitole > CART 2716 > o capelão Arsénio Puim
com o David  Guimaraes, ex.fur mil at ifn MA.
Foto do David Guimarães (2005)
Mais do que falar, o Puim sabia ver, observar,  ouvir. E tinha uma grande curiosidade pela cultura da Guiné, incluindo o(s) seu(s) crioulo(s). Ele tinha, contrariamente à maioria de nós, uma extraordinária “sensibilidade socioantropológica” que o levava a conseguir “confidências” da população  civil que os operacionais, como eu, dificilmente conseguiriam  a obter. Estou-me a lembrar, por exemplo, das suas conversas do “Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz”…  

Tinha, além disso, um espírito ecuménico, tendo participado inclusive em cerimónias religiosas, com outras confissões, em que se orou pela paz.


(14) Deixem-me acabar o meu depoimento com o meu aplauso 
a este antigo “padre capilon” (, para além de meu camarada…):   
como escrevi há anos, ele mereceu, nesse tempo, 
o meu apreço por, no cumprimento da sua missão castrense e espiritual, nunca ter  descurado as suas obrigações 
como pastor da Igreja de Cristo...

Ele não era (ou não quis ser apenas) um capelão militar, um padre fardado, ao serviço de um exército em guerra... Já confessei que não o conheci nessa qualidade: nunca o vi nem ouvi a celebrar missa, nunca rezei com ele, nem sequer lhe pedi conselho ou ajuda espiritual, embora hoje eu tenha pena de o não ter conhecido melhor, a nível do seu múnus espiritual.

O que eu quero sublinhar é que a sua atenção, solicitude, disponibilidade, carinho, amor, solidariedade, caridade, compaixão - chamem-lhe o que quiserem! - também contemplava as mulheres, as crianças, os homens, os velhos da população civil, independentemente da cor da pela, da religião, da etnia, da origem...

A grande diferença em relação a nós, militares, operacionais ou não, com os nossos 22, 23 ou 24 anos, é que o Puim  ganhava-nos em maturidade humana, em sensibilidade sociocultural, em abertura ao outro, em generosidade mas também em frontalidade e coragem moral... Ele convivia com a população, e escrevia no seu caderninho notas sobre esses contactos... O famoso caderninho que lhe seria mais tarde confiscado e depois devolvido e que, conforme já sugeri ao Miguel, deveria ser passado a livro…

No dia em que celebramos os seus 84 anos de vida, nós, eu e os demais membros da Tabanca Grande, de que ele faz parte de pleno direito, só lhe podemos desejar muita sa+ude  e longa vida porque ele merece tudo… 

Que Deus, Jeová, Alá e os bons irãs da Guiné o protejam, a ele e à sua família… e a todos nós, para que,  para o ano,  lhe possamos estar juntos, ou ao alcance de um clique, e   voltar a cantar os “parabéns a você” e a reiterar os nossos votos de amizade e camaradagem.

Luís Graça, ex-furriel miliciano,  
armas pesadas de infantaria, 
CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 
maio de 1969 – março de 1917); 
fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

PS – Arsénio, fico muito sensibilizado por esta carinhosa iniciativa dos teus filhos. Foram eles que prepararam tudo, em segredo. Acho que é uma bela prenda de aniversário. És um sortudo, mas tu bem o mereces.
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Nota do editor:


(*) Vd poste de  14 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P750: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

Último poste da série > 9 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7525: Notas de leitura (181): Tempestade em Bissau, Ano 1970, de Mário Gonçalves Ferreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2010:

Queridos amigos,
Que eu saiba, é o primeiro médico a afoitar-se nas incursões literárias da guerra da Guiné. Não é uma grande lançada em África mas dá para saudar as reconstituições de atmosferas e vivências militares.

O autor centra-se em Tolentino Menezes, o que certamente o fascina é mostrar como nestes períodos de mudança o ser humano defende-se ignorando o que vê à volta. Depois morre e não pode participar na tempestade…

Um abraço do
Mário


Tempestade em Bissau (ano 1970)

Beja Santos

Mário Gonçalves Ferreira, cardiologista, nascido em 1937, foi médico do BART 2917, em Bambadinca. Iniciou a sua actividade literária com o romance “Tempestade em Bissau (ano 1970)”, Pallium Editora, 2007.

Sem nunca iludir que se trata de pura ficção, o autor faz desfilar, com jocosidade e uma acidez temperada personagens da vida civil e militar que todos conhecemos na atmosfera da guerra: a pesporrência e a vacuidade de alguns discursos: a chegada e a partida de tropas no mítico cais do Pidjiquiti; a encenação da vida dos funcionários coloniais, as suas cumplicidades e o seu quadro de ambições; a vivência dos oficiais e suas famílias em Bissau… recorrendo a um discurso retórico e a uma efabulação grotesca, fazendo irradiar a acção à volta do obscuro Tolentino de Sá e Menezes, o autor risca os traços mais pronunciados do drama desse funcionário colonial que vai perdendo referentes e se ausenta da realidade da evolução de uma guerra onde ele não encontra lógica nem adaptação.

Tolentino nasceu em Goa, veio cedo para Bissau, tomou posse do lugar de 3º escriturário do Tribunal Civil. Aprendeu a curvar a cerviz, a fechar os olhos a mais ou menos graves ilegalidades, apaixonou-se pela lavadeira Famatá Sanhá, dessa relação irão aparecer André e Lamine Sanhá Menezes. A irmã de Famatá imiscui-se na vida de Tolentino, vai crescer uma relação conjugal triangular. 

Chega a guerra, alterou-se a pacatez daquele pequenino cosmopolitismo, progressivamente vamos assistindo a divisões ideológicas, à consciencialização das asperezas daquela guerra. André até vai a Bambadinca visitar membros da família e conhece um primo guerrilheiro que o impressiona com a sua determinação. A saúde de Tolentino deteriora-se, assolado pela diabetes. André partirá para a guerrilha, Tolentino para a metrópole, vai fazer exames, é submetido a tratamentos rigorosos. 

O autor engrossa a escrita colocando episódios bélicos, assistimos até ao Natal do soldado e ao envio de saudações para as famílias em Portugal. Um certo alferes Gonçalves envia uma carta para a namorada e depois vai a Fá Mandinga encomendar uma peça de ourivesaria. O artesão disse-lhe: “O que eu tenho de mais valioso é esta peça de prata fina que tem incrustada uma moeda de oiro. Mas para a trabalhar a uma semana e usar o saber de muitos anos de uma experiência acumulada”. 

A viagem de regresso vai culminar numa tragédia, o Unimog pisará uma mina, o condutor e o jovem alferes morrerão. E sobre o alferes Gonçalves fica escrito: “Tinha um lenço atado à volta do coto que restava da sua perna esquerda. E no bolso foi encontrado um colar feito de prata fina, com uma medalha em filigrana onde estava incrustada uma moeda de oiro que tinha, em relevo, as seguintes gravações: Victoria D: G: Britannia R: Reg: F: D:, com a efigie da rainha; na outra face ostentava, também em relevo, a imagem de um cavaleiro a matar um dragão e uma data: 1884; e, por baixo, artisticamente desenhado, um nome: Lena.”. 

Tolentino adoece gravemente em Lisboa, aqui vai falecer. Na celebração das exéquias na catedral de Bissau uma tempestade sacode Bissau.

O que sobressai do relato é o pendor para exibir as misérias do mundo e a incapacidade de fazer a leitura das mudanças à nossa volta. As descrições de Mário G. Ferreira são pouco lisonjeiras para as individualidades do regime, para os militares em Bissau, para os esteios administrativos guineenses. É uma mordacidade que não se dissimula. É uma tempestade que muitos recusam ver. A prosa é barroca, a linguagem privilegia o obnóxio, o discurso espalhafatoso, os guerrilheiros heróicos e ingénuos. Vamos ficar à espera da continuidade literária deste médico de Bambadinca que tomou gosto pela escrita.
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Notas do Editor:

(*) Vd. último poste de 28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7514: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (6): Dia 24 de Novembro de 2010

Vd. último poste da série de 25 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7501: Notas de leitura (180): Poemas, de Vasco Cabral (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)


Encontro da CCS/BArt 2917


Mensagem do Jorge Cabral, de 12 Maio

Só agora me é possível dar notícia do Encontro da CCS/BArt 2917, realizado no dia 26 de Abril, em Viseu. Gostei, até porque consegui levar o Branquinho, e assim o Pel Caç Nat 63 esteve bem representado.

Abração,

Jorge



O Grupo




Afinal preocupo-me com a saúde. Aqui estou eu entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Gonçalves Ferreira, autor do Romance Tempestade em Bissau) (1). Ambos me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim. O nosso David Guimarães, claro, sempre presente (à direita do Mário Gonçalves Ferreira).




Não sei que estória estou a contar... Mas todos, David, Dr. Drácula e Machado, ouvem com atenção.

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Adaptação do texto: vb.

(1) Vd. poste de 10 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2092: Antologia (61): Tempestade em Bissau (Mário G. Ferreira)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2092: Antologia (61): Tempestade em Bissau (Mário G. Ferreira)

Capa do romance de Mário G. Ferreira, Tempestade em Bissau: Ano 1970. Lisboa: Pallium Editora. 2007. O autor foi Alf Mil Médico, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). 


 Um novo livro Tempestade em Bissau: Ano 1970 surgiu agora nas livrarias (1). Nos anos 70, um dos nossos Camaradas faz a viagem num navio prestes a ser abatido aos efectivos, nas mãos de um capitão experiente em muitas águas, a subir o Geba, até Bissau. Com a cidade à vista: 

(...) Naquele entardecer, quase no findar de um dia chuvoso, que o havia sido teimosamente, afinal o tempo que predominava por essa época do ano naquela região e àquela latitude, um local da África Ocidental situado entre o equador e o trópico de Câncer, o céu apresentava cores tristes e pardacentas, aqui e além matizado por manchas que iam do plúmbeo ao estanhado, num espectro amplo de tons que pronunciava iminentes tempestades. Em tudo uma atmosfera pesada que mais se adensava pelas emanações telúricas vindas de um solo vermelho e quente, e que lhe conferiam um odor característico, como que um sabor acre e húmido.A cidade, com as suas ruas, pracetas e ruelas a esse tempo acossadas pelo vento leste, por acção da corrente aérea equatorial (…), parecia adormecida. 

(…) Dominante e rectilínea, numa posição bem central, a avenida principal em evidência - uma via longa e larga, com uma faixa central de pisos alcatroado e mal conservado, ladeada à direita e à esquerda, e a todo o seu cumprimento, por espaços rectangulares revestidos de uma calçada à portuguesa bastante maltratada, interrompida a intervalos por áreas terrosas onde cresciam aloendros de flor branca ou vermelha. E depois, todo o património edificado, onde se podiam ver edifícios de estilo colonial e alguns outros de um estilo mais recente, para além de algumas repartições públicas tais como as finanças e os Correios, o Banco Nacional Ultramarino, a catedral, e armazéns comerciais, poucos.

(…) À esquerda, os edifícios de habitação, de um modo geral de dois pisos, e também alguns armazéns que guardavam castanha de caju, mandioca ou amendoim, estes em construções de um só piso; à direita, podia ver-se o largo passeio empedrado pelo qual se distribuíam alguns bancos de pedra e que tinha como limite um paredão que se prolongava até à Amura, sem chegar a atingir o Pelicano. 


Sob o olhar atento do nosso Camarada: 

(...) O navio (…) avançava mais lenta e preguiçosamente no largo estuário do outrora Rio Grande, curvando suavemente a bombordo até que a proa apontou para o norte, num sulcar das águas em direcção à ponte-cais do porto da cidade. Agora já em pleno rio, um largo e emblemático curso de água que, num longo trajecto e numa corrente serena, vindo do norte do território, tinha já banhado Bafatá, Bambadinca e Xime, para depois participar no encontro e junção, lá na Ponta do Inglês, com um outro seu braço vindo do sudeste, o Corubal. Assim se abraçando até se fundirem completamente e acabarem por formar o Grande Geba, que depois se continua no seu deslizar ainda mais lento para o mar, num terminar em que não é possível estabelecer com precisão onde acaba o rio e começa o oceano (…). 

 É um navio carregado de tropas, armas, frescos e diversos. O desembarque é feito segundo as normas militares. Em primeiro lugar, os oficiais, o comandante do batalhão acompanhado pelos oficiais da CCS, os impedidos com as bagagens de mão, e as companhias operacionais enquadradas pelos respectivos oficiais e sargentos, quase todos milicianos, por fim. 

 Segue-se o desembaraço dos porões, com grandes guinchos. Caixotes de madeira com material de guerra, filas de homens vergados ao peso de sacos de cereais ou de caixotes com rações de combate, caixões vazios e um cheio, com o corpo de Tolentino de Menezes, um guineense ilustre, oriundo das Índias Portuguesas e que encontrara a morte em Lisboa numa situação que o autor descreve como algo dramática. 

 E é à volta desta personagem que corre grande parte da obra de ficção que o nosso Camarada Mário Gonçalves Ferreira (2), médico de profissão há mais de trinta e cinco anos, dedica às vítimas da Guerra na Guiné-Bissau (1963-1974). 

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Notas dos editores: 

 (1) Lisboa: Pallium Editora. 2007. 216 pp. Preço 14 €.