sábado, 9 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > REgião de Bafatá Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3). A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento roubado à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole.

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) (onde ficavao quarto do alf mil médico Arsénio Puim) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9).

Em frente ao edifício em U, um poco mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14).

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Ver o resto das legendas aqui.



Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Muita saúde longa vida, Arsénio Puim,
porque tu mereces tudo! (1ª parte)

por Luís Graça




Luís Graça, Contuboel,  junho de 1969
Que eu saiba, em toda a história da guerra colonial , ou pelo menos no teatro de operações da Guiné, houve pelo menos dois casos de capelães militares que foram "expulsos" das fileiras do exército... 

Não sabemos ao certo por quem, se o bispo castrense (que era brigadeiro) ou a hierarquia militar (personificada no Comando-Chefe, os generais Arnaldo Schulz, em  1968, e António Spínola, em 1971, respetivamente), com a inevitável “mãozinha” da polícia política ...

Eu diria antes que foram dois erros de "casting" (sem que isto nada tenha de ofensivo para com os visados)... 


Mário de Oliveira
Um deles é o padre Mário de Oliveira, que será sempre, até morrer, o padre Mário da Lixa... Foi capelão, por escassos meses,  do BCAÇ 1912 (que esteve sediado em Mansoa, 1967/69)... 

O outro caso de um capelão "expulso" das fileiras do exército português foi o açoriano Arsénio Puim (que deixou, de resto, o sacerdócio em finais dos anos 70): foi capelão, por um ano, do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). E é sobre ele que eu quero falar, a pedido de um dos seus filhos, o mais novo,  o Miguel Puim, economista. E o pretexto são os seus 84 aninhos de vida (*)…

(1) A imagem que eu tenho do Arsénio 
Puim é a da serenidade. 
Na Guiné podia confundir-se com reserva 
e até timidez, hipoteticamente associada 
à sua origem insular e à sua condição 
sacerdotal. Mas havia ali, também, 
na sua maneira de ser e estar, 
algo da bonomia açoriana.

Arsénio Puim
Para muitos de nós, ali em Bambadinca, no pior setor do leste da Guiné, marcado pela guerra pura e dura, a açorianidade era algo que nos era estranho e distante. Na minha CCAÇ 12, havia um furriel madeirense do Funchal. Os Açores não ficavam na rota dos novos “navios negreiros” que, desta vez, em sentido inverso, levavam para a Guiné “carne para canhão”. 

O Puim foi dos primeiros açorianos que eu conheci.  E foi um lídimo representante do melhor que o povo açoriano tem, a começar pelo seu amor à liberdade, à verdade e à justiça. Mas não me lembro de alguma vez ter falado com ele da sua vida pessoal ou dos seus Açores.

"En passant",  havia companhias madeirenses e açorianas, no TO da Guiné, unidades homogéneas na sua composição: as praças eram "ilhéus", em geral enquadradas por "contimentais". Por razões, dizia-se, que eram de natureza "economicista", mas eu sempre desconfiei que o exército sabia que o "terroir", o chão, a geografia, o "caldo de cultura", também talhava os homens de maneira diferente, do mesmo modo  que produzia diferentes vinhos, com diferente "corpo e alma" … Sim, porque os vinhos também têm alma...

Curiosamente, o Puim não fazia gala da sua condição de açoriano, nos seus contactos com a população civil.

(2) Afinal, o alferes miliciano 
capelão Puim era mais capelão 
do que militar. Era, aliás,  
o mais civil, o mais paisano, 
de todos nós.

Nunca o vi armado, nas colunas logísticas, quando se deslocava, com frequência,  entre a sede do batalhão, em Bambadinca, e as unidades de quadrícula (Xime, Mansambo, Xitole) e os seus diversos destacamentos (Enxalé, Missirá, Ponte dos Fulas)… 

Ou quando se deslocava a Bafatá, o único ponto do interior onde havia um cheirinho de civilização e onde ia confraternizar com os missionários italianos do PIME (o Pontifício Instituto para as Missões Exteriores). 

Mesmo fardado, via-se que não fora talhado para a tropa. E muito menos para a guerra, com o seu cortejo de violência(s), que atingia(m) tanto os combatentes como as 
opulações de um lado e do outro.
Horácio Fernandes

Tínhamos uma certa deferência para com os médicos e os capelães, se bem que capelão militar fora ele  o único que eu conheci. Confesso que não me lembro, em Bambadinca, do meu primo Horácio Fernandes (o seu bisavó e a minha bisavó, do clã Maçarico, nascidos por volta de 1860,em Ribamar, Lourinhã, eram irmãos)...

Havia falta de médicos e capelães, no teatro de operações da Guiné. Mas os médicos, ao que parece, faziam mais falta, tanto no mato como no Hospital Militar de Bissau, o HM 241 (que, feliz e infelizmente ao mesmo tempo, foi um a grande escola para os jovens médicos mobilizados para a Guiné).

À época, havia já em curso um tendência para a  descristianização da juventude portuguesa, ou pelo menos, um crescente desapego de práticas religiosas como o ir à missa.   O Puim tinha consciência disso e sabia que o seu papel de “padre da Igreja no Exército”  “não era fácil nem isenta de contradições numa situação de guerra”.

(3) Quando regressei a casa, 
em março de 1971, ele ainda lá 
ficaria dois escassos meses,
 em “imbecilburgo”, como eu chamava 
à nossa pobre Bambadinca, 
mas já com bilhete marcado 
para a metrópole. 


Walther P38, de fabrico
alemão.
Cortesia de
Wkimedia Commons

Era uma questão de oportunidade, dizia-se à boca pequena. Também teria ele a sua “noite das facas longas”, como os pobres cães vadios que um dia abatemos um a um, com tiros da tenebrosa Walther da Wehrmacht nazi, em correrias loucas na parada, porque não nos deixavam dormir, aos operacionais de Bambadinca...


Só nos voltámos a ver, eu e o Puim,  38 anos depois, em 24 de maio de 2009, na casa dos seus filhos, na altura estudantes universitários, um no Técnico, outra na Nova. E confirmei essa impressão inicial: continuava a ser um homem calmo, sereno, sábio, sem uma única ruga de rancor ou amargura, muito menos, ódio,  pelos seus "inimigos" (, uma palavra que nunca lhe ouvi). 

Já não era padre, em 2009, ou melhor, era pai de dois rapazes e profissional de saúde,  era enfermeiro, em Ponta Delgada.


(4) Na época, em 1970/71, 
altura em que convivemos 
em Bambadinca, ele tinha 
já dez anos a mais do que nós, 
e portanto, outra maturidade. 
Antes de vir para a Guiné, 
enquanto se formava o batalhão, 
esteve na Serra do Pilar, 
no RAP2 - Regimento de 
Artilharia Pesada 2, 
em Vila Nova de Gaia. 


V. N. Gaia, Serra do Pilar > RAP2 >
Foto de António Tavares (2015)

E aí houve uma função de capelania que o marcou: empilhavam-se os caixões, vindos do ultramar, com os restos mortais de militares naturais do Norte.

Nessa altura, ele realizou mais de 60 cerimónias religiosas, por todo o Norte, acompanhando os nossos camaradas mortos até à sua última morada, confortando o padre local, as famílias e as comunidades locais, num ambiente de grande consternação e  comoção.

Ainda em 2009, confessou-me, não conseguia esquecer essas emoções fortíssimas de dor e de luto, o odor característico dos féretros que vinham, teoricamente, chumbados, hermeticamente fechados, mas alguns apresentavam fissuras, ruturas, e exalavam um cheiro enjoativo, empilhados na grande sacristia, mal iluminada, da igreja do Pilar

“Foram mais de 60 funerais que fiz nestes três meses - 2 ou 3 deles apenas as caixas dos ossos - nas mais diversas e recônditas aldeias do norte de Portugal. Um sacrifício dramático da nossa juventude, merecedor de muito respeito e dignidade, mas que não podia deixar de fazer pensar qualquer pessoa” – escreveria mais tarde, num os postes da sua série "Memórias de um alferes capelão", publicada no blogue.

(5) Nesse longo fim de semana, 
falámos várias vezes ao telefone 
e encontrámo-nos uma vez… 
Era um domingo. 


Ele explicou-me como é que chegara a capelão… Disse-me que fora contra a sua vontade, mas teve que obedecer a uma ordem do seu bispo, como  acontecia em todas as dioceses...  A capelania militar era uma forma cínica mas airosa dos bispos se livrarem, por uns tempos, dos seus padres mais incómodos… Recorde-se que o ambiente já era do pós-Concílio Vaticano II...

Dado o seu nome à Cúria Castrense, veio parar ao Continente.  Na Academia Militar, ali à Rua Gomes Freire, em Lisboa, vai frequentar o 3º curso de capelães militares, entre 22 de setembro e 25 de outubro de 1969... O total de participantes foi de 59… O Mário de Oliveira tinha frequentado o 1º e seguira para a Guiné, ao serviço do BCAÇ 1912.  

“Tirado à sorte” (sic), coube ao Puim  o BART 2917 e a Guiné... 

Esse 3º curso de capelania militar não foi, contudo, pacífico:   ao que parece, terá havido “contestação do sistema” por parte de alguns capelães... No fundo, angústia e perplexidade sobre o papel do padre no seio das forças armadas, em plena guerra colonial, cuja legitimidade já era posta em causa por alguns… 

E essa contestação terá sido liderada pelos açorianos, entre eles o Arsénio Puim, um homem que de resto, enquanto cidadão e como cristão, nunca escondera que lutava pela liberdade e pela justiça... Não altura, ele não me falou que tinha já ficha na PIDE/DGS, por ter apoiado a candidatura da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, nos Açores, donde constava, entre outros, o nome do então cap Melo Antunes, casado com uma açoriana. (Não chegaria a apresentar-se a escrutínio, por oposição da hierarquia militar à presença do seu nome.)

Podia-se ter ficha na polícia política pela simples suspeita de se ser do "reviralho", da "oposição" ou "contra a situação". E, para mais, um padre, um pastor de almas, numa época em que a Igreja começava a apresentar fissuras no seu bloco de apoio ao regime e à guerra colonial. Ser catalogado de "católico progressista" começava a ser perigoso, ou no mínimo suspeito, e como tal inconveniente… 

(6) Dei-lhe, ao Puim, nesse domingo, 
um longo e sentido abraço,   
retomando um contacto 
de há quase 4 décadas atrás... 


Capela de Bambadinca, em segundo plano.
Foto de Benjamim Durães (2010)
Por mor da verdade, devo dizer que, em Bambadinca, não éramos  íntimos: eu não ia sequer à missa, tal como o Machado, mas o Machado (, o “Machadinho”)  às vezes ainda dava uma ajuda  ao Puim, tocando o órgão na capela de Bambadinca…

E depois havia a segregação socioespacial própria da tropa: ambos vivíamos (quero dizer, eu às vezes dormia…),no edifício do comando de Bambadinca, em U, mas separados: ele na ala dos oficiais, nós na ala dos sargentos… Ele entrava no bar de sargentos, eu nunca pus os pés na messe de oficiais, nem por bons nem por maus motivos.

Não posso, por isso, testemunhar a importância do seu papel na assistência religiosa e no apoio psicológico, moral e espiritual aos militares  do setor L1 (Bambadinca). Sei que esse papel foi-lhe requerido em momentos difíceis do batalhão como, por exemplo, na sequência da Operação Abencerragem Candente, no subsetor do Xime, em que perdemos 6 camaradas, e 9 foram gravemente feridos, em 26 de novembro de 1970. O Puim ajudou os camaradas do Xime, da CART 2715, a fazer o luto. Mas essa companhia nunca mais foi a mesma, a começar pelo jovem capitão, O Vitor Amaro dos Santos.


(7) Sei que era uma pessoa querida 
entre os homens do batalhão 
e subunidades adidas (como era 
o caso da minha africana CCAÇ 12), 
com uma presença discreta 
mas frequente nos quartéis 
do mato. 


CCAÇ 12, 2º Gr Comb, c. 1969/70.
Foto de Humberto Reis (2006)
Não me lembro de o ter visto muitas vezes nos nossos ruidosos convívios no bar de sargentos de Bambadinca, onde se bebia, cantava e jogava-se à lerpa  até às tantas… Onde se bebia, às vezes demais, se praguejava, se diziam obscenidades, se invetivava Deus e o Diabo, e até se cantavam ou cantarolavam “canções proibidas” à média luz… Não faltavam violas nem vozes… (No outro lado, cantava-se o fado,  jogava-se o bridge, havia senhoras, o ambiente era de ordem, decoro e respeitinho…)

O ambiente do mal afamado bar de sargentos de Bambadinca (que às vezes era extensiva ao “Bataclã” de Bambadinca, fora do arame farpado…)  não deveria ser muito do agrado do comando do batalhão. Mas tinha que nos gramar, aos operacinais da CCAÇ 12, porque éramos nós (e os Pel Caç Nat 52 e 63), quem lhes defendia as costas e fazia os "roncos"... De qualquer modo, o Puim não era de noitadas nem muito menos de tainadas, pautando o seu comportamento por um padrão de isenção, frugalidade, imparcialidade, austeridade e até de pudor. 

8 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Zé Teixeira já em tempos nos deixou aqui um testemunho sobre um outro capelão que já vinha vigiado pela PIDE/DGS, e que só cumpriu seis mreses de comissão... Sei nome: Carlos Manuel Valente Borges de Pinho,

(...) "Era e é felizmente meu amigo pessoal, ao ponto de ser por convite o celebrante do meu casamento. Foi coadjutor da paróquia de Cedofeita, no Porto, transitando depois para S. João de Ovar.

Por razões afetivas, abandonou o sacerdócio uns meses depois de ter chegado à Guiné. Veio de regresso e foi para Mafra tirar o COM [, Curso de Oficiais Milicianos,], por imposição militar e foi colocado em Infantaria 6 no Porto para formar Batalhão e partir para a guerra.
Entretanto deu-se o 25 de Abril e ficou por cá.

Estava marcado e vigiado pela PIDE/DGS desde Cedofeita. Sei que foi chamado pelo comandante de Batalhão e por este lhe foi dito mais ou menos isto:

- A PIDE ordenou-me que o Capelão fosse vigiado porque era um tipo perigoso - e mais lhe disse: - Eu não lhe vou criar problemas, faça a sua vidinha, mas, se me complicar a minha, fodo-o.

Chegou a estar em Aldeia Formosa. Foi por ele, no seu regresso que soube que o Alferes de 2ª linha e meu amigo, o Aliu Baldé, chefe de Tabanca de Mampatá, tinha falecido por doença e que a grande àrvore que havia no centro de Mampatá tinha sido abatida para alargar a estrada para Iroel/Colibuia/ Nhacobá.

Cursou direito e foi trabalhar para a Soares da Costa, de onde já se deve ter reformado." (...)

O Carlos Manuel Valente Borges de Pinho foi capelão apenas por 6 meses: de 16/3 a 16/9/1973 (**). Por informação do nosso camarada Fernando Costa, de 4 de setembro de 2014, sabemos que pertenceu à CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74). Aliás, o seu nome é público, consta da lista do pessoal do batalhão, publicado na Net.

É a ele, seguramente, que se refere um poste de 11/4/2014, com o depoimento de um camarada deste batalhão, que pediu na altura o anonimato, pedido que foi aceite, a título excecional, dado o interesse do assunto... Vd. aqui:

11 de abril de 2014 >

63/74 - P12968: 10º aniversário do nosso blogue (4): Para além do Mário de Oliveira e do Arsénio Puim, terá havido mais capelães militares expulsos do CTIG... Terá sido o caso do alf mil capelão, também de nome Mário, do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1973-74), ainda em Bolama, na IAO... (Testemunho de um leitor e camarada nosso que pede reserva de identidade)


(...) "É preciso ter presente que a PIDE agia sem espalhafato e com muito profissionalismo. O caso que conheci de perto, o do Alf Mil Capelão que integrava o meu Batalhão no início, e que ainda não vi referido no Blog, é um indício de que podem ser muitos mais os padres que "desapareceram", ou foram afastados.

Este que cito, e com quem me dava muito bem, "desapareceu" da noite para o dia, literalmente. Ao princípio, com ingenuidade e a medo, alguns ainda perguntavam: «Viste o Capelão? O que é que lhe aconteceu?». Mas a compreensão veio rápida e também o silêncio tácito e sensato. Todos pensaram: «O caso não me diz respeito». Caso abafado! (...)

Era um valente. E não apenas intelectualmente: vi-lhe dar um murro nos queixos a um soldado que apalpou o rabo a uma adolescente estudante de Bolama que seguia à nossa frente no passeio, que ele até voou!. Ficámos amigos e com muito respeito mútuo: ele era padre católico e eu ateu empedernido. Desapareceu depois de uma distribuição clandestina de panfletos à tropa sobre, creio, a má alimentação que era distribuída aos soldados, (ou a toda a tropa?)." (...)



Anónimo disse...

Grande ex combatente

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Capelães "ingénuos", com formação austera. ainda sem as "más influências" do Concílio Vaticano II, que queriam cumprir a sua função de "assistência estritamente religiosa", no seio de um exército em guerra, como o franciscano Horácio Fernandes, cedo se apercebem que são mal amados, mal compreendidos, mal aceites, a começar pela hierarquia militar e pelos milicianos e depois pelas pequenas comunidades cristãs como as de Catió, "órfãs" dos missionários italianos que tinham sido expulsos...

Das memórias do Horácio Fernandes, que é meu conterrâneo e ainda meu parente (primo em 3º grau), já aqui lembrei um momento forte que foi a sua a ida para Catió como capelão militar do BART 1913... Espantosa a descrição que ele faz, no seu livro, da "partida de mau gosto", uma praxe chocante (na época, para um padre católico), que os oficiais do comando e CCS do batalhão lhe pregam, à hora da sua 1ª refeição conjunta, depois de ter aterrado de DO 27 e ter sofrido horrores com as piruetas estúpidas (, para não dizer criminosas...) do famigerado sargento Honório...

Depois de todos sentados à mesa, começam a circular, de mão em mão, fotos de gajas e gajos nus, claramente pornográficas... O capelão, ruborizado, não se apercebeu que se tratava de uma praxe de caserna, não se conteve, e teve o "deslize" de perguntar ao major, o 2º comandante:
- São fotos da sua esposa ?

"Foi uma bomba que estoirou na sala. O major ficou lívido de raiva", escreveu o Horácio, no seu livro, ao resconstituir o espisódio, 40 anos depois (“Francisco Caboz, A construção e a desconstrução de um Padre”, Porto, Papiro Editora, 2009, p. 140)...

Claro que no primeiro dia ganhou logo uma série de inimigos... Por outro lado, os cristãos, de origem balanta, os professores e os catequistas de Catió, também não o aceitaram...
Mas o Horácio cumpriu até ao fim a sua missão, sendo os últimos meses passados em Bambadinca (ao serviço do BCAÇ 2852, embora isso não conste da história da unidade)...

Nasceu em 1935, em Ribamar, Lourinhã. Vestiu o hábito franciscano, tendo sido ordenado padre em 1959 (, fui à sua missa nova, tinha eu 12 anos). Esteve a Guiné como capelão entre setembro de 1967 e dezembro de 1969. Deixou o sacerdócio no início dos anos 70. É casado, tem 3 filhos. Está reformado da Inspeção Geral de Educação onde trabalhou 25 anos na zona norte. Em 2006 doutorou-se em ciências da educação pela Universidadfe de Salamanca, Espanha.

E membro da nossa Tabanca Grande.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há um excelente trabaho (5 postes), do Zé Martins, sobre a Igreja e as Forças Armadas em Portugal, e em especail sobre a formação e a missão dos capelães militares... É um trabalho de fôlego e de referência.

Vd aqui o último poste a partir do qual se pode aceder aos restantes:

18 DE OUTUBRO DE 2019
Guiné 61/74 - P20253: Consultório militar do José Martins (49): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (5)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Durante a guerra colonial , de 1967 a 1974, realizaram-se 10 cursos de capelães militares... Mas a partir de 1970, com metade ou menos de metade dos participantes dos 3 primeiros cursos:

1º / 1967 : 58 participantes
2º / 1968: 43 "
3º / 1969: 59 "
4º / 1970: 29 "
...
10º /1974: 16 "

De resto não era só a Academia Militar que começar a ficar às moscas... Nos seminários, era a debandanda geral... Dois graves sinais da agonia do regime...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mos 58 participantes do 1º curso de formação de capelães militares (1967) estão dois membros da nossa Tabanca Grande:

(i) Mário de Oliveira (ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912, Mansoa, entre novembro de 1967 e em março 1968);

(ii) e Horácio Fernandes.(ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69, e BCAÇ 2852, mai - dez 1969).