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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25978: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (9): a última foto do cap art Manuel Guimarães, cmdt da CART 1690, tirada instantes antes de morrer, na estrada Geba-Banjara, vítima de uma mina A/C, em 21 de agoto de 1967


Guiné > Região de Bafatá > Estrada Geba-Banjara > 21 de agosto de 1967 > A última foto do capitão: "A mina rebentou. O capitão e o Domingos Gomes, à esquerda, morreram.  Eu (de faca) e o Laminé Turé (à direita) ficámos feridos". Foto de um furriel da companhia.  



Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 > 1967 > O cap art Manuel Carlos da Conceição Guimarães, primeiro comandante da CART 1690 (Geba, 1967), então com 29 anos. Morreu, em combate, na estrada Geba-Banjara, em 21 de agosto de 1967, na sequência de deflagração de uma mina A/C. Foi um dos 26 capitães que morreram no TO da Guiné. (55,3% do total dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar. mortos nma guerra do Ultramar.) (*)

Entrou para a Escola do Exército (hoje Academia Militar), ni último trimestre  de 1954. Esteve na Índia como alferes e depois tenente, entre maio de 1959 e março de 1961. (Esteve, pois, também como prisioneiro de guerra na Índia). Tinha chegado ao CTIG em 15 de abril de 1967. Era a sua primeira comissão em África, como capitão.

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2023). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  A foto de cima é a última do cap art Manuel Guimarães (1937-1967), tirada uns minutos ou uns instantes antes  de morrer, em 21 de agosto de 1967. O nosso saudoso A. Marques Lopes fez dele (o "capitão Mendonça")  uma das principais personagens do seu livro de memória, "Cabra Cega" (2015).  

Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o A. Marques Lopes nos deixpou escrito, nomeadamente no seu livro de memórias "Cabra Cega" (**).

Seguimos o texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 11 de maio de 2023, às 23: 45.
 
Aqui a narrativa é já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes.

No livro, na edição de 2015,  o alf mil Domingos Maçarico é o Zé Pedro. O alf mil A. Marques Lopes é o Aiveca. O cap Manuel Guimarães é o Mendonça. O seu guarda-costas, o Calmeiro, é o Domingos Gomes. O guarda-costa do Lopes, o Laminé Turé, é o Carmelita. 

O comandante do batalhão a quem o cap art Manuel Guimarães "queria oferecer" a mina A/C, levantada por ele, não vem identificado. A CART 1690 pertencia ao BART 1914 (que teve  três comandantes: Ten cor art Artur Relva de Lima; ten cor inf Hélio Augusto Esteves Felgas: e ten cor cav António Maria Rebelo. Mas no setor de Gaba, de abril de 1967 a novembro de 1968,  ficou sucessivamente integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1877 e depois do BCav 1905 e ainda do BCaç 2856.
 
Mas em agosto de 1967 a CART 1690 dependia do BCAÇ 1877, sediado em Bafatá, e tendo como comandante o ten cor inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas. O Comando de Agrupamentpo era o nº 1980  (Bafatá, fev67/nov68) (cmdts: cor inf José Frederico Porto Assa Castel-Branco; e ten  inf Hélio Augusto Esteves Felgas).
 
O A. Marques Lopes, na sua página do Facebook, transcreveu este episódio, por duas vezes, em 15 de maio de 2019, e uns meses antes de morrer (de cancro no estômago), em 21 de agosto de 2023 (56 anos depois!).

O excerto que transcrevemos corresponde, grosso modo, às pp.  434-439 (com algumas alterações e pequenos cortes: em 2015, no livro, as personagens sáo identificadas por nomes fictícios; nos  excertos publicados no Facebook, a narrativa é feita na primeira pessoa do singular).


A Mina , 21 de Agosto de 1967

por A. Marques Lopes (1944-2024)

 
(... ) O  [Domingos] Maçarico saiu com a coluna no dia seguinte, logo de manhã muito cedo. Eu e o Guimarães ficámos no bar-barraco a tomar o pequeno-almoço juntamente com dois furriéis. O do capitão era a habitual fresquíssima garrafa de vinho verde e uns cachorros. Maravilha, dizia ele, o frigorífico a petróleo até estava a funcionar. E ele, assim fresquinho, bebia-o mesmo bem. Eu estava agarrado a uma sandes de queijo que acompanhava com uns goles de café.

Eis se não quando chega um Unimog e vimos o Maçarico saltar dele todo agitado:

− Meu capitão, encontrámos uma mina  comunicou, ainda afogueado.

 Deflagrou? 
− perguntou o capitão.

− Não. Os picadores detctaram-na e agora está tudo lá parado.

 
− Então vou lá ver isso aqui com o Lopes. Vamos.

Nem me perguntou se queria ir ou não. Chamou o seu guarda-costas. Fiz o mesmo. Fomos no mesmo Unimog até para lá um bocado depois de Sare Banda, a tabanca dos milícias. Quando chegámos vimos a coluna parada. Os furriéis, alguns soldados e os milícias picadores estavam à volta da mina. Era outra TMD. O capitão ficou excitado, parecendo uma criança a quem deram um brinquedo desejado. Deu ordem para se afastarem todos para longe.

− Só eu e o alferes Lopes mais os guarda-costas é que ficamos aqui. Vamos ver isto.

Ajoelhámo-nos os quatro à volta da anticarro.

− Lopes, esta vamos levantar e vamos oferecê-la ao nosso comandante de batalhão. Além disso isto dá dinheiro.

Estava todo entusiasmado mas eu não sabia quanto é que dava e não estava nada interessado em ganhar dinheiro dessa maneira. Como estava lixado com os mandões do batalhão e do Agrupamento, porque me estavam sempre a mandar para a boca do lobo, também não estava nada virado para lhes oferecer prendas.
Mas, enfim, a prenda era dele, que se lixasse. Peguei na minha faca de mato e comecei a escavar à volta da mina. Era uma TMD, soviética.

Chegou-se, entretanto, um furriel ao pé de nós e tirou uma fotografia. O capitão enxotou-o:

 Já disse para saírem daqui!

Continuei a escavar. Quando já não havia terra nenhuma à volta da mina, achei por bem dizer:

− Não vejo nada aqui à volta, meu capitão. Mas eu não sou especialista nestas coisas e parece-me que é melhor rebentá-la com uma granada ou puxá-la de longe com uma corda. É melhor não arriscar.

−  Nada disso, pá. Vai ser um ronco e quero oferecê-la ao comandante de batalhão. Vamos levantar isto.

Estava obcecado pela prenda ao comandante e devia estar arrependido de não ter feito isso com a outra. Aquilo podia estar mesmo armadilhado, até me tinham dito que, muitas vezes, só quem montou a armadilha é que sabe como está. E eu, ainda por cima, não percebia nada daquilo. Tinha de o avisar novamente.

− Ó meu capitão, não faça isso. É um grande risco que é melhor não correr. Atamos uma corda e puxamos de longe com um Unimog.

 Deixe-se disso. Vamos levantar.

− Então, não sou eu que pego nisso  − disse decididamente, levantando-me.

Lamine Turé, o meu guarda-costas, já se tinha levantado também, estava agora ao pé de mim e olhava-me com aprovação.

Ficou o capitão e disse ao Domingos Gomes, guineense de Bissau e seu guarda-costas, para pegar na mina. Foi quando eu e o Lamine recuámos uns passos.

Foi outra dimensão. O trovão e a faísca rápidos que me lançaram no vazio, sem passado nem presente, nem nada pela frente. Não senti dor ou sofrimento, nem tive qualquer pensamento. Era a forma rápida de sair da vida para o nada.

Não soube nem deixei de saber o que se passara, não soube se morrera ou se ficara ferido, não soube se fui para o inferno ou para o céu, não vi o velho das barbas nem o cornudo de rabo comprido. Houve momentos em que não existi. 

Nem soube quanto tempo tinha sido quando deu por mim deitado no chão da mata, fora da picada.

Levantei-me e vi ao pé o capitão também deitado. Não se mexia, a farda tinha desaparecido quase toda, a perna direita estava pegada ao joelho por uma tira de pele, os testículos estavam desfeitos. Mais à frente estava o Laminé, que se tinha levantado e parecia não ter nada. Perguntei-lhe como estava. Disse-me que só tinha uns estilhaçositos. Fui até ao buracão da mina, olhei para o fundo e viu lá bocados de uma granada de morteiro. Tinha sido assim, um rebentamento por simpatia. Vários elementos da coluna tinham-se aproximado. O Maçarico olhou para ele estarrecido.

− Estás a deitar sangue dos ouvidos.

Ouvi-o mal mas ainda percebi e levei lá as mãos. Vieram cheias de sangue. Vi também que o poncho que envergara tinha desaparecido, só tinha um bocado à volta do pescoço.
 
− E o guarda-costas do capitão? − perguntei-lhe.

− Já o procurei mas não o encontro 
− respondeu o Maçarico

Decidimos colocar o capitão em cima dum poncho e levá-lo para a sede do batalhão, onde havia um médico. Na nossa companhia não havia. Ainda pensámos que podia estar vivo. Por isso vimos que não havia tem po de procurar o homem que levantara a mina, o qual, concluímos, devia ter os bocados espalhados no meio da mata. Depois se veria.

Ouvia-me ao longe, mas sei que fui todo o caminho a chamá-los turras filhos da puta, cabrões, hei-de fodê-los… e montes de impropérios, misturados com várias lágrimas.

O médico do batalhão disse que o capitão estava morto. Viu o meu guarda-costas e confirmou que tinha dois pequenos estilhaços, retirou-os e tratou dele. Com dificuldade, mas ouvi-o a dizer-me que tinha dois estilhaços no peito, tirou-mos e olhou-me:

Estes não têm importância. Mas olhe que você teve uma sorte do caraças. Há um que lhe passou na virilha direita, deixou aí um traço mas não atingiu nada de importante. 

Sorriu-se mas eu não achei piada nenhuma.

− De qualquer modo tem de ser evacuado porque tem os dois ouvidos furados.

E fui. Veio um helicóptero e levou-me para o HM241, em Bissau. Fiquei lá uma semana, tratado a mais de 15 comprimidos por dia. Hão-de ter-me feito bem a alguma coisa, não duvido, mas ao fim de alguns dias o meu estômago nem a água aguentava. 

No fim dessa semana fui evacuado para o HMP, para Lisboa. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

_____________

Notas do editor:

quinta-feira, 9 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24131: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI: Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba...


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp,  il., edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


Recorde-se aqui o passado militar do autor:

(i) começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor auto-rodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal (**), para o BCAV 757; ficará em Bafatá até final de 1969, altura em que vai integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló.


 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Bafatá   (vd. carta de 1955, escala 1/50 mil) > Vista aérea da "princesa do Geba" > Em primeiro plano, o rio Geba, à esquerda, e a piscina de Bafatá (que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro e foi inaugurada em 1962, tendo sido construído - segundo a informação que temos - por militares de uma unidade aqui estacionada ainda antes do início da guerra).

Ainda do lado esquerdo, o cais fluvial, uma zona ajardinada, a estátua do governador Oliveira Muzanty (1906-1909)... Ao centro, a rua principal da cidade. Ao fundo, ao alto da avenida principal, já não se chega a ver o troço da estrada que conduzia à saída para Nova Lamego (que ficava a nordeste de Bafatá); havia um a outra, alcatroada, para  Bambadinca, a oeste, mas também com acesso à estrada (não alcatroada) de Galomaro-Dulombi, povoações do regulado do Cossé, que ficava a sul. À entrada de Bafatá, havia uma rotunda. ao alto. Para quem entrava, o café do Teófilo, o "desterrado", era à esquerda..

Do lado direito pode observar-se as traseiras do mercado. Do lado esquerdo, no início da rua, um belo edifício, de arquitetura tipicamente colonial, pertencente à Casa Gouveia, que representava os interesses da CUF, e que, no nosso tempo, era o principal bazar da cidade, tendo florescido com o patacão (dinheiro) da tropa. Por aqui passaram milhares e milhares de homens ao longo da guerra,. que aqui faziam as suas compras, iam aos restaurantes e se divertiam... com as meninas do Bataclã.

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.] 


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXI:   

Finalmente, Bafatá, a minha linda princesa do Geba 
(pp. 147-153)


Foi só em agosto [de 1966] que apanhei o barco para Bafatá.

Enquanto vou reescrevendo estas histórias da minha vida militar, vêem-me à memória outros factos que ocorreram.

Vou voltar a falar do exame de condução em Bissau. Éramos quatro, dois 1ºs cabos e dois soldados. Eu era o único negro, os outros eram todos brancos. O examinador era um tenente.

À saída do quartel, com um cabo europeu ao volante, quando chegámos às vielas da Achada, o tenente mandou-lhe fazer inversão de marcha. Concluído o exame, mandou entrar outro. Um soldado europeu, que pertencia ao batalhão de Bafatá, o mesmo para onde eu ia como adido, ocupou o lugar. Então, o tenente perguntou-lhe se ele tinha precedência sobre os outros.

Ele não respondeu e o tenente disse para ele olhar bem e ver se havia alguém que tinha direito a ir à frente dele. Ele olhou para trás e manteve-se mudo. Então o tenente, virando-se para mim, chamou "N
osso cabo!!,  e mandou-me entrar. Fiz o exame na vez que me competia, fiquei apto, o outro a seguir também ficou e ele ficou inapto.

Esse militar europeu ficou tão aborrecido que, quando eu já estava em Bafatá, nunca me falou, nem os olhos dele me viam bem.

Cerca de uma semana depois da minha chegada a Bafatá um soldado europeu disse-me que eu tinha faltado ao serviço no dia anterior.

 Não consultaste a escala de serviço?

 
  Sim, claro que consultei!

 
  Então, por que faltaste?

Chegou o furriel e disse-me a mesma coisa, que eu tinha faltado ao serviço. Eu não sabia que tinha estado de serviço. Então ele disse-me que o acompanhasse ao gabinete do 1º sargento.

 
  Este é o cabo que faltou ontem, meu primeiro !

O nosso primeiro pegou em mim e levou-me ao gabinete do nosso major [1], o 2º comandante.

 Então, que se passa?

 O 1º cabo que faltou ao serviço, ontem, meu major!

 Onde foste, para faltar?  perguntou-me.

 Meu major, eu não sabia que um 1º cabo fazia serviço de soldado. Eu sou cabo para fazer reforço.

- Aqui os cabos africanos fazem reforço, meu major   
 cortou o nosso primeiro.

Então, o major virou-se para o 1º sargento:

– Ele tem razão ou não?

O 1º sargento queria voltar a explicar e o major mandou-nos sair, dizendo:

 Ele tem razão, é cabo, não é soldado!

No dia seguinte estive de cabo de guarda. Apresentei-me na parada, como deve ser, passados 5 dias fiquei de cabo de dia, correu tudo normal também. Até que, alguns dias depois, às 08h45 rendi o colega, um cabo europeu, na Ponte. Eram cerca de 10h00, estava eu a ajudar um rapaz a pescar, chegou um jipe com um cabo europeu para me render.

 
  O que terá acontecido? Por que entrei de serviço às 08h45 e às 10 aparece um colega para me render?

Tomei o lugar no jipe, algo preocupado. Quando cheguei, o sargento mandou-me entregar todos os materiais e disse-me para depois ir falar com ele. Entreguei o material e voltei, então, ao 1º sargento que me levou ao gabinete do nosso major. Aqui, o sargento retirou-se e eu fiquei só com o 2º comandante.

 Agora, passas a sair comigo e com o nosso comandante. Amanhã de manhã, às 07h30, estás aqui para irmos a Fajonquito.

A partir dessa data fiquei como guarda-costas e intérprete dos oficiais.

Uns dias depois, chegou um tenente miliciano, João Pereira da Cruz, que veio a ser o oficial de informações do Batalhão de Caçadores 1877, e passei a trabalhar com ele. Passados uns dias, o tenente foi promovido e acompanhei-o até ao fim da comissão dele Passámos os dois por situações difíceis de esquecer. E ficámos amigos até aos dias de hoje.

 Cantacunda 
[tem 40 referências no nosso blogue, pertencia ao subsetor de Geba], a cerca de 13 kms a nordeste de Bafatá, foi atacada com grande violência ao início da madrugada de 11 de abril de 1968 [2]. Alguns militares [3] foram capturados pelo PAIGC [4]. No ataque morreu um cabo europeu [5], um milícia e um civil. A tabanca ficou a arder, toda destruída.

Em Bafatá ouvimos os rebentamentos. Logo pela manhã, uma coluna, comandada pelo capitão Cruz, pôs-se em movimento, em direcção a Cantacunda. Chegámos ao cruzamento do Geba, onde nos aguardava a companhia [6] de que os militares sequestrados faziam parte.

Continuámos a marcha até que vimos Cantacunda, num silêncio total, arrasada. Seguimos o rasto do PAIGC, vimos latas e garrafas vazias de todo o tipo de bebidas e fomos andando até que o capitão decidiu regressar ao aquartelamento e depois a Bafatá.

Às 21h00 do domingo, dia 8 de setembro do mesmo ano, o PAIGC atacou o aquartelamento de Sare Banda, na antiga estrada de Bafatá para Mansabá. Com os militares daquele destacamento da CArt 1690 vivia apenas um civil, já idoso. O ataque foi bem combinado, da mesma forma como tinham feito em Cantacunda.

Aproximaram-se e foram contornando o aquartelamento, dispondo as forças de maneira a tentarem fechar a saída para Bafatá e Geba. Deixaram uma única saída para o mato. O aquartelamento era rodeado por duas fiadas de arame farpado.

Quando acabaram de preparar o cerco abriram fogo cerrado. O ataque começou com um tiro de canhão [7] contra uma tenda onde estava um alferes [8] e um furriel com um petromax aceso, que tiveram morte imediata. O petromax do posto de comando apagou-se. 

Animados com o ataque, os guerrilheiros, no meio da escuridão avançaram até à primeira fiada do arame, gritando “para Jobel, para Jobel!”. Era para aí, para Jobel que queriam que os atacados se dirigissem. Em Jobel estava o mais forte acampamento do PAIGC, em todo o sector de Bafatá. Depois de ultrapassarem a primeira fiada, atacaram a segunda, intensificando o fogo.

Quando a guerrilha começou a tocar na segunda fiada do arame farpado, começaram a acender-se luzes. Militares do aquartelamento estavam a acender algumas garrafas com petróleo que costumavam dependurar no arame farpado. Foi como um relâmpago que nunca mais se apagava. Surpreendidos já muito perto dos abrigos, alguns dos atacantes foram dizimados à queima-roupa [9]. Os sobreviventes fugiram como puderam abandonando o local de qualquer maneira, deixando corpos amarrados ao arame, alguns a gemerem até de manhã.

Este ataque também foi ouvido por nós em Bafatá. No dia seguinte saímos em coluna para Sare Banda. Depois de chegarmos, seguimos os rastos da retirada. No meio de sangue que fomos vendo, demos com duas sepulturas frescas, ainda acabadas de fazer.

O soldado Saliu Baldé [10] foi apresentado ao General Spínola como a “máquina defensiva” de Sare Banda, um dos heróis daquela noite. Mas todos os que lá ficaram a resistir foram heróis, menos o 1º cabo Bari que, ao que parece, fugiu, sempre a correr até ao Geba. Mais tarde disse que tinha saído do quartel para pedir reforços.

Os visitantes pensaram repetir, em Sare Banda, a vitória que tinham tido em Cantacunda, mas tiveram uma derrota inesquecível. E para os prisioneiros de Cantacunda, a derrota não foi definitiva. Dois anos passados, foram libertados da prisão de Conackry, pelas nossas tropas que foram lá abrir-lhes as portas para regressaram às suas famílias [na sequência da Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970]  . Sorte que não tiveram os que morreram em Cantacunda e em Sare Banda.

O pelotão que tinha recebido as instruções para a defensiva, em Sare Banda, aplicou-as bem e ganharam. É por isso mesmo que temos de saber aplicar as regras, de estabelecer um novo plano, e lembrarmo-nos que surpresa é só a primeira vez, à segunda já não é surpresa. Há que preparar um novo plano e cumpri-lo. E vai ser sempre assim, enquanto houver guerra. Por isso, eu disse atrás, que a guerra aumenta o conhecimento do homem, porque a guerra precisa sempre de novas artes para vencer e não ser vencido.

(Continua)
________

Notas do autor ou do editor VB:

[1] Nota do editor: Major Joaquim Ribeiro Simões?

[2] Nota do editor: 5ª feira Santa.

[3] Nota do editor: um dos militares capturados, o Soldado cozinheiro Luís dos Santos Marques, morreu no cativeiro em Conakry. Os outros dez foram libertados, aquando da operação “Mar Verde”. Um outro, Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista, passou-se para o PAIGC e nunca mais foi visto desde que chegaram à prisão.

[4] Nota do editor: Furriel miliciano José Neto Vaz, comandante interino do destacamento; primeiros-cabos José Manuel Moreira Duarte e José da Silva Morais; soldados António Ângelo Duarte, Armindo Correia Paulino, David Nóbrega Gouveia Pedras, Domingos Noversa da Costa, Francisco Gomes da Silva, João da Costa Sousa, José dos Santos Teixeira, Luís Salvador Antunes de Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques e Luís Francisco da Silva, radiotelegrafista.

[5] Nota do editor: 1º Cabo João Aguiar, morto à facada à saída do abrigo.

[6] Nota do editor: CArt 1690

[7] Nota do editor: o relatório do ataque diz:

 “O ataque iniciado com um tiro de canhão s/recuo e dois LGF, dirigidos contra a cantina e depósitos de géneros, atingiram mortalmente o alferes, comandante do destacamento, e um furriel e provocaram ferimentos num soldado. Estes tiros iniciais do IN atingiram e destruíram o mastro da antena horizontal do rádio, ficando assim o destacamento com as comunicações cortadas com toda a rede de Geba. 

"No seguimento da acção o IN atingiu com uma granada incendiária uma barraca coberta por 2 panos de lona de viaturas pesadas, onde costumavam dormir vários elementos das NT por não caberem todos nos abrigos, o que provocou a destruição de todo o material lá existente e a iluminação das posições das NT.” 

Mais à frente, lê-se no mesmo relatório: 

“Refira-se ainda que o facto do destacamento de Sare Banda ter ficado sem comunicações, logo no início do ataque, permitiu que Geba só tivesse conhecimento do sucedido cerca das 09H0209SET68, através de 2 praças do destacamento que haviam vindo a pé voluntariamente comunicar a ocorrência.”

[8] Nota do editor: Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto e Furriel Raul Canadas Ferreira.

[9] Nota do editor:

 “O destacamento era comandado pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, sendo eu próprio, alferes António Moreira, nessa altura, Comandante da CArt 1690. O aquartelamento tinha sido construído no mês anterior, em Agosto de 1968, pelo meu grupo de combate, reforçado com granadeiros e auto-metralhadoras do Esquadrão de Cavalaria 2350 de Bafatá e elementos de Engenharia, sob o meu comando directo. Construímos seis abrigos subterrâneos, com 2 fiadas de arame farpado, a interior armadilhada. 

"Fui ali visitado pelo General Spínola, que me forneceu, em menos de uma semana, todo o material de guerra e de logística que lhe solicitei. No edifício do comando, numa palhota no centro do destacamento, onde tínhamos os aparelhos de rádio e a cantina estavam o Alferes, dois furriéis e dois ou três soldados a petiscarem, com o petromax aceso. O primeiro tiro foi uma canhoada, directa a esta luz, que, de imediato, fulminou o Alferes Peixoto, sendo o Furriel Raul Canadas Ferreira atingido mortalmente com vários estilhaços que lhe cortaram a veia jugular. Veio a falecer cerca das quatro horas da manhã do dia seguinte, completamente esvaído em sangue, nos meus braços e de dois guarda-costas meus. 

"Quem dirigiu a reacção ao ataque, na sequência da baixa do alferes, do furriel Canadas e do outro furriel, que ficou em pânico e se meteu num abrigo até ao fim, foi um cabo pára-quedista, chamado António da Costa Pacheco, que tinha sido colocado na CArt 1690, por castigo, em substituição de outro, caído em combate. Este pára era um excelente operacional e foi ele quem me foi chamar à sede da Companhia, onde chegou às 3 horas, de 09Set68, a pedir socorro. Fez o percurso sozinho, a pé, percorrendo cerca de 14 quilómetros, pela picada, até Geba. Fui eu próprio quem o propôs para uma Cruz de Guerra. 

"Reuni de imediato uma força de cerca de 40 a 50 homens que avançou, sob o meu comando, para Sare Banda, que alcançámos pelas 4 horas. Pelas 5 horas, ao raiar da aurora, iniciamos um reconhecimento à volta do quartel, por fora do arame farpado. Encontramos dois cadáveres de guerrilheiros e um terceiro com as pernas esfaceladas, que ao ver-nos aproximar, ainda tentou empunhar uma G-3 e varrer-nos com uma rajada, a mim e aos dois guarda-costas, que me ladeavam. De imediato um destes meus guarda-costas, um madeirense de nome Jaime, disparou-lhe uma rajada que lhe cortou a cavidade craniana em 2 faces, deixando-o com “os miolos” à vista e a fumegar. 

"Este guerrilheiro era o enfermeiro e possuía uma excelente bolsa de medicamentos, muito mais moderna e sofisticada que as nossas, de origem chinesa, e a arma que empunhava, a G3, pertencia à nossa Companhia, que tinha sido retirada do cadáver do Alferes Fernando da Costa Fernandes, no dia 18 Dezembro de 1967, durante o ataque a Sinchã Jobel. 

"A coluna que veio de Bafatá e alcançou Sare Banda, era comandada pelo Major de Cavalaria Vergas Rocha, e chegou a este destacamento cerca das 08h30. O PAIGC sofreu aqui um forte revés, pois encontrámos rastos de sangue, o que denota que tiveram várias baixas que ainda recuperaram, à excepção daquelas três que não conseguiram. 

"De iluminação, possuíamos apenas umas garrafas de cerveja vazias, com petróleo, dependuradas no arame farpado, com uma torcida de pano acesa a improvisar um candeeiro. Quando se iniciou o ataque, mal vimos rebentar o primeiro tiro de canhão, apagámos o petromax do edifício do comando, e acenderam-se, momentos depois, algumas das tais garrafas de cerveja, no interior dos abrigos e no abrigo do morteiro 81, para orientar o tiro.” 

Depoimento escrito por António Moreira, Alferes miliciano na CART 1690 durante os 23 meses de comissão na Guiné. Foi o único alferes que cumpriu a totalidade do tempo de comissão. Dos outros, três foram feridos e dois morreram em combate. Após regressar da Guiné, António Moreira licenciou-se em Direito e é, há muitos anos, advogado com escritório em Torres Vedras.

[10] Nota do editor: Saliu Baldé tinha sido ligeiramente ferido e o General levou-o no helicóptero para Bafatá. Depois de recuperado foi para o grupo do Marcelino da Mata. Posteriormente foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
___________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2022 >  Guiné 61/74 - P23728: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte IV: Infância e adolescência

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24012: (De)Caras (193): Histórias de "desempanadores" precisam-se!... Para já, temos fotos do Francisco Candeias Cardoso, da CART 1525, "Os Falcões" (Bissorã, 1965/67)


Foto nº 1 > O Francisco Candeias Cardoso, sentado no capô do jipe


Foto nº 2 > O Francisco Candeias Cardoso,  montado no burro de Bissorã


Foto nº 3 > O Francisco Candeias Cardoso, na ponta esquerda, apoiando-se nos varais da carroça do burro de Bissorã (uma espécie seguramente em vias de extinção)


Foto nº 2 > O Francisco Candeias Cardoso é o primeiro a contar da direita, junto ao memorial da CART 1525 em Bissorã


Foto nº 5 > O Francisco Candeias Cardoso,  desempanador, a exercer a sua função...

Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 1525 (1965/67) > O 1.º cabo  (ou soldado?) desempanador Francisco Candeias Cardoso... PelaS fotoS (18, sem legenda) que divulgou na página dos "Falcões", vê-se que o Cardoso era um tipo brincalhão e divertido, e que alinhava nas jogatanas de futebol... Aparece nos convívios,  vive em Armação de Pera, no Algarve. A companhia tinha mais dois desempanadores: Arménio da L. Branco e José C. G. Sampaio... 

Fotos alojadas na página da CART 1525, na seção "Páginas Pessoais".  Reproduzidas aqui com a devida vénia...ao autor (Francisco Candeias Cardoso) e ao editor (Rogério Freire).
 
Fotos: © Francisco Candeias Cardoso / Rogério Freire (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No Pelotão de Manutenção, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), constituído por 33 militares, havia:
  • 1 oficial de manutenção (o alf mil Ismael Augusto);
  • 7 mecânicos auto (o 2º srgt Daniel, o fur mil  Herculano José Duarte Coelho, os  1ºs cabos João de Matos Alexandre e António Luis S. Serafim, mais três soldados (Amável Rodrigues Martins, Rodrigo Leite Sousa Osório e Virgílio Correia dos Santos);
  • 1 bate-chapas (o 1º cabo Otacílio Luz Henriques, mais conhecido por "Chapinhas");
  • 1 correeiro estofador (1º cabo Norberto Xavier da Silva);
  • 1 mecânico electro auto (1º cabo Vieira João Ferraz);
  • 22 condutores auto: 2 cabos  e 20 soldados...
O que será feita desta gente toda, a começar pelo Ismael Augusto, que é o nosso grã-tabanqueiro nº 609 ? (*). E o "Chapinhas" ? Faço votos para que estejam bem, e de saúde. 

Estranho não existir um "desempanador" na CCS/BCAÇ 2852... Mas não faltava um correeiro estofador, mesmo que eu nunca tivesse visto burros, machos ou cavalos em Bambadinca, nem carros de tração animal, os principais clientes do correeiro estofador...(O correeiro faz obras de couro, como arreios; o estofador  faz móveis ou peças de móveis estofados.)

Mas vou encontrar esta especialidade de desempanador nas subunidades de quadrícula deste batalhão (CCAÇ 2404, 2405 e 2406)... Estas companhias, numa reduzidíssima equipa de mecânicos autos,  tinham pelo menos um ou dois desempanadores... (em geral, um 1º cabo, podendo haver também um soldado "mecânico auto desempanador").

Não sei muito bem o que os desempanadores faziam ou podiam fazer no "mato", em caso de avaria   ou  "atascanço" de uma viatura (coisa frequente, sobretudo no tempo das chuvas). Confesso que não me lembro de ver nenhum em funções... Na prática, eram os condutores autorrodas, que tinham que resolver ou remediar o problema, como a ajuda dos militares das escoltas,  longe do aquartelamento mais próximo (no caso das colunas logísticas, que podiam durar dois dias, com distâncias até 60 km)... 

Também não tenho ideia de ver, no CTIG, o pronto-socorro em ação... a não ser talvez nalguma estrada alcatroada (só conheci uma  a sul do rio Geba: Bambadinca-Bafatá). Nem me lembro sequer de ver um pronto-socorro em Bambadinca, mas devia haver...
 

2. Creio que na Tabanca Grande só temos um desempanador, o Alberto Sardinha, da CCS/ BCAÇ 1877 (Teixeira Pinto e Bafatá, 1966/67) (**). 


(...) "Fui Mecânico Desempanador Auto da CCS/BCaç 1877. Cheguei à Guiné em 1966, fiquei em Bissau no Quartel da Amura durante 9 meses, de seguida fui para Brá, perto do Aeroporto de Bissau, dali para Teixeira Pinto, dali para Bafatá. (...)

É de Ponte Sor, mora no Seixal, o Carlos Vinhal desafiou-o a  "abrir o livro", na altura em que o apresentou ao pessoal da tertúlia: 

(...) "Esperamos que as tuas próximas mensagens venham mais compostas. Há sempre uma história para contar, já que todos nós guardamos na nossa memória peripécias várias. Terás por aí fotos que te lembrarão situações boas e más. Como desempanador foste muitas vezes ao mato recuperar viaturas avariadas ou atoladas? Nos quartéis improvisavam quando não havia sobressalentes à mão? Como vez já te sugeri assuntos para desenvolver" (...)

Mas o camarada Alberto Sardinha, infelizmente, ficou por aqui, ou seja, "empanado". Por isso tem apenas uma referência no nosso blogue (e com este poste, duas)... Tem página no Facebook desde janeiro de 2019. Mas pouco ou nada fala da tropa e da guerra.  Lá vai "facebook...ando",   com  familiares e amigos, como bom alentejano que é, e de uma bela terra, Ponte Sor.

Ora nós queríamos histórias de desempanadores... Fomos encontrar um camarada com esta especialidade, pertencente à CART 1525, os Falcões (Bissorã, 1965/67): o Francisco Candeias Cardoso, algarvio, segundo cremos... Não tem  "estórias", mas tem algumas fotos, que reproduzimos acima (cinco ), com a devida vénia ao autor e ao editor da página... 

Pode ser que o Cardoso nos veja e fique com vontade de se juntar a nós... Dos "Falcões" só temos o Rogério Freire, sentado à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande... De qualquer modo, aqui fica também a nossa homenagem a estes camaradas da "ferrugem", que eram poucos mas tinham que ser bons... (***)

A CCS / BCAÇ 2852 não tinha "desempanadores" mas tinha "corneteiros / clarins",  eram nada mais nada menos do que cinco: 1 sargento, 2 cabos, 2 soldados... Deviam-se fazer grandes paradas de honra em Bambadinca, mas já não me lembro... ou então devia andar distraído ou desenfiado no "mato".

3. O "desempanador", "o que desempana", do verbo "desempanar" 

desempanar
desempanar | v. tr.
 
de·sem·pa·nar  
(des- + empanar, avariar)

verbo transitivo

Resolver a avaria de (ex.: desempanar um motor). = CONSERTAR, REPARAR ≠ AVARIAR, EMPANAR

"desempanar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/desempanar [consultado em 25-01-2023].
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 14 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11249: Tabanca Grande (390): Ismael Augusto (ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), novo grã-tabanqueiro, nº 609

(**) Vd. poste de 13 de março de  2012 > Guiné 63/74 - P9603: Tabanca Grande (324): Alberto Sardinha, ex-Soldado Mecânico Desempanador Auto da CCS/BCAÇ 1877 (Teixeira Pinto e Bafatá, 1966/67)

(***) Último poste da série > 10 de janeiro de  2023 > Guiné 61/74 - P23967: (De)Caras (192): Os bravos comandos cap Maurício Saraiva e fur mil Joaquim Morais (morto em combate, no Quitafine, em 7/5/1965) (Virgínio Briote)

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22080: Os Nossos Enfermeiros (16): O António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, que eu conhecia de Faro e reencontrei em Porto Gole (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Foto nº 1 > Chegada da CCAÇ 1551 a Porto-Gole.  



Foto nº 1A > O António José Paquete Viegas é o que tem o casaco por cima dos ombros, e a malota dos primeiros socorros, do lado direito.



 Foto nº 2 > Porto Gole > Da esquerda para a direita, eu, o Alferes da compahhia  dele e o Paquete Viegas


Foto nº 3 > Porto Gole > O Paquete Viegas  saindo para uma operação com o braço em cabresto 

 
Fotos (e legendas): © José António Viegas (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas [ fur mil do Pel Caç Nat 54, passou por vários "resorts" turisticos em 1966/68 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vive em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem mais de 40 referências no nosso blogue]:



Date: quarta, 7/04/2021 à(s) 18:13
Subject: Paquete Viegas enfermeiro da 1551
 

Caro Luis

Ontem li sobre os enfermeiros condecorados com a Cruz de Guerra , entre eles Paquete Viegas (*). Conheci dos meus tempos de juventude o Paquete Viegas, enfermeiro num hospital psiquiátrico que havia em Faro e fomos amigos. 

Depois de alguma ausência,  vim a encontrá-lo em Porto Gole quando a companhia. dele, a CCAÇ 1551,  foi lá fazer operações, foi uma festa mas vinha ferido,  o que não o impedia de ir ás operações. Era um bom falante e pusemos a conversa em dia. Depois dessas operações,  nunca mais lhe pus a vista em cima.

Em Porto Gole tinha grandes conversas com o médico da CART 1661 que acho que era da área de Psiquiatria.

Vim a saber,  anos depois, que esteve ligado ao Hospital de S. José  e que passava receitas na consulta de genecologia, foi apanhado e pirou-se para a América Latina,  lá não sei que voltas deu,  chegou ás boas graças de um Presidente e era ele que tratava do Presidente. 

Voltou,  faz alguns anos,  para o Algarve,  para Almancil,  onde faleceu.

 Junto 3 fotos com o Paquete Viegas. (**)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI

(...) Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe (...), por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da Companhia de Comando e Serviços / Batalhão de Caçadores 1877 (...)

(**) Último poste da série > 25 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21805: Os nossos enfermeiros (15): seleção aleatória, formação rudimentar do pessoal de enfermagem, carência de material, etc. (selecão de textos de Armandino Alves, 1944-2014)

terça-feira, 6 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI


Foto 1 - Região de Tombali > Evacuação de feridos durante a «Operação Gienah III» realizada em 13/14 de Dezembro de 1967, na península de Pobreza, rio Tombali, pelo DFE 12 [foto publicada em https://blogue.mlemasantos.com/Homenagem_ARebBrito.pdf], com a devida vénia.


Foto 2 - Assistência a ferido. Foto do álbum de Dálio João Gil Carvalho, retirada de https://www.facebook.com/photo?fbid=2566873993323847&set=g.338457706221055, com a devida vénia.


Foto 3 – Região do Óio > Bissorã > “Acto de enfermagem” (prestação de cuidados de saúde realizada pelo camarada Armando Pires). Foto do próprio – ex-fur mil enf da CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã; 1969/70) – P10629, com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.




 

MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»


OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE VI

 

► Continuação do P21980 (V) (07.03.21)


1.   - INTRODUÇÃO


Continuamos a partilhar no Fórum os resultados obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, também, através deste estudo, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local): médicos e enfermeiros/as, na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos e feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.


No gráfico abaixo está representada a população do estudo agrupada pela variável "ano".

 


Gráfico 1 – Representação gráfica dos "casos do estudo" agrupada na variável "ano".

 

3. - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)


3.11 - FRANCISCO PINHO DA COSTA, ALFERES MILICIANO MÉDICO, DA CCAÇ 1439, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima primeira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe – a quarta das distinções contabilizadas durante o ano de 1966, e a única atribuída a um (Oficial) Médico – teve origem no desempenho tido pelo militar em título, quando, em 21 de Agosto de 1966, domingo, a sua viatura, incluída numa coluna que se deslocava em direcção a Porto Gole, accionou um engenho explosivo, seguida de emboscada, tendo provocado alguns feridos com gravidade, sendo ele um destes. 


 Mesmo ferido, não deixou de prestar a assistência da sua especialidade, só pedindo a sua evacuação quando entendeu que tinha concluído a sua missão (infografia abaixo).


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG:


"Condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439] – Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Infantaria n.º 1."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888, prestando serviço na CCAÇ 1439, porque no dia 21Ago66, domingo, fazendo parte de uma coluna que seguia para Porto Gole, a fim de prestar assistência da sua especialidade à guarnição daquele Destacamento, apesar de ferido com gravidade por um engenho explosivo IN, que a viatura em que era transportado accionou, não deu a conhecer o seu estado, tratando os feridos no local de rebentamento e sob o fogo da emboscada IN, revelando uma extraordinária coragem, sangue-frio, desprezo pelo perigo e muita serenidade, só pedindo a sua evacuação após se ter certificado que estava cumprida a sua missão.


O Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, com a sua atitude deu um nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes militares que o distinguem como médico e militar." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 299).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do Alferes Médico, Francisco Pinho da Costa, socorremo-nos das memórias reproduzidas pelo camarada João Crisóstomo, ex-alf mil inf da mesma unidade, no P19813 (22.05.2019) – Parte III: "a vida em Missirá" – a propósito de uma foto (à civil) com um alferes médico (foto ao lado).

Acrescenta que não se lembra do nome dele. Sabe apenas que era o médico do Batalhão que estava em Bafatá (e do qual a CCAÇ 1439 fazia parte ou a que estava agregada). O médico anterior a ele tinha sido uma das vítimas duma mina com emboscada. O comandante do Batalhão de Bafatá [BCAV 757; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso (?)] fazia parte dessa coluna, mas não estava a comandar. O capitão Pires, cmdt da CCAÇ 1439 tinha-nos dito expressamente que ele não estava como comandante e pertencia-nos a nós "protegê-lo e entregá-lo".


Este (o médico anterior) era um indivíduo mais baixo, também com óculos, cara redonda… Partiu as pernas e foi evacuado na mesma altura para Bissau e nunca mais ouvi falar dele; também não me lembro do nome dele. Vou ver se o Figueiredo se lembra; (se me não engano o Figueiredo era o condutor do Unimog que sofreu a mina; eu ia ao lado dele, fomos os dois projectados cada um para seu lado, mas, com sorte, sem nada quebrado; recordo-me bem de ter sido projectado, e ao aterrar no solo ter encontrado ao meu lado a minha G3 de cano metido na terra; nem de propósito teria sido tão bem "enfiada" no chão…). (…)


Por outro lado, é muito provável que esta ocorrência esteja relacionada com a «Operação Gorro», realizada entre 19 e 24 de Agosto de 1966, onde participaram forças da CCAÇ 1439, CCAÇ 1551 e 1 GC da CCAV 1482. Esta actividade operacional tinha por objectivo realizar uma série de patrulhamentos e emboscadas na região de Colicunda, em exploração de uma notícia que referia que o IN cambava o rio Geba naquela região, transportando material e munições para Jugudul. Ao ser capturado 1 elemento IN, que fazia os reabastecimentos de Lasse para Chubi, foi detectado um acampamento IN, composto por 6 casas de mato, que foi destruído. Foi morto 1 elemento IN. (CECA; 6.º Vol.; p 408).



3.11.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1439

= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA



Mobilizada pelo Batalhão Independente de Infantaria 19 [BII 19], Unidade pertencente à Região Autónoma da Madeira, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439], embarcou no cais do Funchal a 02 de Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», que havia saído de Lisboa a 31 de Julho p.p., sob o comando do Cap Mil Inf Amândio Manuel Pires, tendo chegado a Bissau a 06 do mesmo mês.


3.11.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1439


Apóa sua chegada a Bissau, em 06Ago65, a CCAÇ 1439 seguiu imediatamente para o Xime, a fim de efectuar treino operacional com forças da CCAV 678 [18Jul64-27Abr66; do Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque] e assumiu a responsabilidade do subsector do Xime em substituição da CCAÇ 508 [20Jul63-07Ago65; do Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (1.º) e do Cap Inf Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles (1938-1965) (2.º)], ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697 [21Jul64-27Abr66; do TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos], com amissão de intervenção e reserva do sector. 

Em 10Set65, por troca com a CCAV 678 foi deslocada para Bambadinca, onde continuou com a missão de intervenção e reserva do sector e assumiu cumulativamente a responsabilidade do respectivo subsector de Bambadinca. Nestas funções, tomou parte em diversas operações de que se salientam, pelos resultados obtidos, a «Operação Bravura», de 14 a 24Ago65, na região de Galo Corubal e a «Operação Avante», em 29 e 30Ago65, na região do rio Buruntoni. Em 09Out65, por troca com a CCAÇ 556 [10Nov63-28Out65; do Cap Inf José Abílio Lomba Martins (1.º)], assumiu a responsabilidade do subsector de Enxalé, com destacamentos em Missirá e Porto Gole, mantendo-se na dependência do BCAÇ 697 e depois do BCAÇ 1888 [26Abr66-17Jan68; do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar]. 

No período, efectuou várias operações nas regiões de Madina Belel, Missirá e Porto Gole, em que capturou bastante armamento e material. Em 08Abr67, foi rendida no subsector de Enxalé, por troca com a CART 1661 [06Fev67-19Nov68; do Cap Mil Art Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º)] e recolheu seguidamente a Fá Mandinga, onde se manteve, temporariamente, como subunidade de reserva do sector. Em 17Abr67, seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu no dia seguinte, a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol.; p 349).


3.12 - ANTÓNIO JOSÉ PAQUETE VIEGAS, SOLDADO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCS/BCAÇ 1877, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima segunda ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a quinta das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Abanão 5», realizada em 06 de Novembro de 1966, domingo, na Região de Teixeira Pinto (hoje Canchungo), quando tomou a iniciativa de, debaixo de fogo, chegar à frente da coluna em que seguia, procurando socorrer os feridos graves provocados por emboscada montada pelo IN (infografia abaixo).


► Histórico



 

◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 02, de 12 de Janeiro de 1967, do QG/CTIG:


"Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], Regimento de Infantaria n.º 15."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, porque na «Operação Abanão 5», em 06 de Novembro de 1966, domingo, durante uma emboscada feita pelo inimigo, debaixo de fogo e revelando valentia, sangue-frio e desprezo pela vida, correu prontamente do meio da coluna, onde se encontrava, para a testa da mesma, a fim de socorrer um ferido grave que se esvaía em sangue.


O Soldado Viegas, indiferente ao perigo, mostrou sempre durante a operação bastante serenidade e compreensão dos seus deveres humanitários, manifestando o maior empenho a todos auxiliar, tendo a sua pronta e rápida acção contribuído para que o ferido grave pudesse ser evacuado em boas condições.


De salientar que foi a primeira vez que tomou parte em operações e se ofereceu voluntariamente para esta operação." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 155).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para além dos fundamentos acima expressos, nada mais foi encontrado na bibliografia consultada, impedindo-nos, assim, de descrever, em pormenor, o contexto que determinou o louvor ao Soldado auxiliar de enfermeiro, António José Paquete Viegas, e posterior condecoração.


3.12.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1877
= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA


Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 15 [RI 15], de Tomar, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, o Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], constituído pela CCS e pela CCAÇ 1499, a primeira das três Unidades de Quadrícula, embarcaram no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, em 02 de Fevereiro de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas, tendo desembarcado em Bissau a 8 do mesmo mês. As outras duas Unidades de Quadrícula – a CCAÇ 1500 e a CCAÇ 1501 – haviam embarcado antes, a 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, igualmente a bordo do N/M «UÍGE».


3.12.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO BCAÇ 1877


O BCAÇ 1877 foi, inicialmente, colocado em Bissau na situação de reserva à ordem do Comando-Chefe, sendo as suas subunidades [CCAÇ's 1499; 1500 e 1551] destacadas em reforço de vários sectores. De 28Mai66 a 30Jun66, assumiu a responsabilidade do Sector O1-A, então criado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo as subunidades estacionadas em Teixeira Pinto e Cacheu e seus destacamentos, em área temporariamente retirada ao BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], com a finalidade primária de actuar ofensivamente na área do Churo, efectuar o controlo dos itinerários e estabelecer contactos com as populações. 


Em 15Jul66, assumiu, outra vez, a responsabilidade do Sector O1-A, então novamente activado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo a anterior zona de acção, e a partir de 11Out66, a área de Jolmete, então transferida do BCav 790. Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, emboscadas e de acções ofensivas sobre o inimigo, infligindo-lhe sensíveis baixas, apreensão e destruição de diverso material e dificultando a sua consolidação no terreno. Destaca-se, pelos resultados obtidos a série de operações "Arromba", realizadas na região de Banhinda - Lecache - Peche, entre outras.

Em 07Jan67, o Comando e a CCS (reduzidos) renderam, no Sector L2, o BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], com a sua sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de Contuboel, Fajonquito, Geba, Bafatá e Pirada, este retirado à zona de acção em 01Jul67; entretanto o 2.° Cmdt e o resto da CCS mantiveram-se no Sector 01-A, até serem rendidos pelo BCAV 1905 [06Fev67-19Nov68; do TCor Cav Francisco José Falcão e Silva Ramos], em 08Fev67. 

Nesta situação, continuou a desenvolver intensa actividade de patrulhamento e de reconhecimento sobre as linhas de infiltração inimigas, além de garantir a segurança e desenvolvimento socioeconómico das populações. Destacam-se, entre outras, as operações "Inquietar I" e "Inquietar II", realizadas na região de Sare Dicó. Dentre o material capturado mais significativo, no conjunto da actuação nos dois sectores, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 3 pistolas-metralhadoras, 6 espingardas, 1 lança-granadas foguete e 15 granadas de morteiro. Em 24Set67, foi rendido no sector de Bafatá pelo BCAV 1905 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 06 de Outubro de 1967. (CECA; 7.º Vol.; pp 78-79).

Continua…

► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo IV; Cruz de Guerra, 1967; Lisboa (1992).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

09MAR2021

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Nota do editor:


Último poste da série > 7 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21980: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte V