Guiné > Região do Oio > Setor O2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 1565 (1966/68) > 10 de julho de 1966 > Helievacuação do cap mil inf Rui Romero > Na foto da evacuação importa também identificar o 1º Cabo Enfermeiro Fernando Teixeira Picão. colocado do lado esquerdo da foto em calção e camisa (já falecido), e ainda do mesmo lado e logo a seguir o 1º Cabo radiotelegrafista Guilherme Augusto Leal Chagas, natural de Elvas; do lado direito em tronco nu e calção, junto ao Heli o Furriel, Manuel Júlio Vira, natural de Setúbal, (já falecido em 2003).
Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O Armandino Alves, à direita, reencontra, em 2010, o seu antigo comandante, agora cor inf ref Henrique Victor Guimarães Perez Brandão. |
1. O nosso camarada Armandino [Marcílio Vilas] Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem, CCAÇ 1589, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) tem 38 referências no nosso blogue. Entrou para a Tabanca Grande em 2009, morreria, infelizmente cinco anos depois. Era natural do Porto (*).
Dos vários e interessantes postes que publicou, em vida, no nosso blogue, alguns têm por objeto os serviços de saúde militares a que ele pertencia. Na série "Os nossos enfermeiros", tem pelo menos dois postes (**)
Vamos reunir, nesta série, "Os nossos enfermeiros" (***), alguns dos seus apontamentos sobre algumas questões relevantes como a seleção do pessoal de enfermagem, a sua formação teórico-prática, a carência de material, as ambulâncias e atrelados sanitários, e ainda as doenças sexualmente transmissíveis.
4 de maio de 2010
(...) Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades, era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.
Vais para “isto”... e bico calado!
Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.
Depois, no Regimento do Serviço de Saúde, em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD [Readmitidos]. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente –, uma ou duas vezes, em todo o curso.
E, pelo menos, no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra. Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?
Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?...A dar injecções!
Quanto ao resto, eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.
Na época de 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação, ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO-27 nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.
A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato. Havia enfermeiros, mas não havia o material necessário.
O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro? Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.
Como já aqui se falou, a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa para melhor nos informar).
Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.
O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.
Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315 (******). Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.
E quanto tempo aguentaria um soldado ferido? Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?
Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e, mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.
Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite. À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.
9 de setembro de 2009 (**)
Nesse entretanto fui encarregado pelo meu Capitão, não por ser o mais antigo da Companhia, mas porque, tendo estado no HMR1 [Hospital Militar Regional nº 1, Porto] onde era eu, que a pedido do Sargento que nunca lá estava, elaborava os mapas, fazia a requisição dos medicamentos e quejandos, e fui tendo umas luzes, continuando na Academia Militar a fazer o mesmo a pedido do 1.º Sargento que era um tipo porreiro e me desenrascava nos fins de semana para vir ao Porto. Amor com amor se paga.
Ora isto não se aprendia nos cursos que eles nos davam. Nós é que por moto próprio íamos tentando aprender. Por exemplo, o meu tirocínio foi em infecto-contagiosas. O que é que esta especialidade interessa para o mato? Absolutamente nada. Era uma especialidade hospitalar. (...)
[Sobre a prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis]
(...) A verdade é que o que existia nos postos Médicos das unidades (e nem em todos), era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto [antivenéreo] que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.
E foi assim que, quando a minha Companhia [, a CCAÇ 1589,] regressou do mato a Bissau e os Soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.
Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções.
O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas.(...)
(***) Último poste da série > 23 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21800: Os nossos enfermeiros (14): na falta de médicos, optou-se pela secção sanitária a nível de companhia: um fur mil enf e três 1ºs cabos aux enf (António J. Pereira da Costa / Paulo Santiago / António Carvalho / José Teixeira / Luís Graça)
(*****) Vd poste de 4 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6315: Recortes de imprensa (24): Salgueiro Maia, comandante da CCAV 3420, em fim de comissão, 5 de Maio de 1973: "Em 60 homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote" (Beja Santos)
Enfermeiros… mas não por opção (****)
4 de maio de 2010
(...) Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades, era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.
Vais para “isto”... e bico calado!
Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.
Depois, no Regimento do Serviço de Saúde, em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD [Readmitidos]. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente –, uma ou duas vezes, em todo o curso.
E, pelo menos, no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra. Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?
Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?...A dar injecções!
Quanto ao resto, eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.
Na época de 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação, ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO-27 nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.
A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato. Havia enfermeiros, mas não havia o material necessário.
O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro? Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.
Como já aqui se falou, a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa para melhor nos informar).
Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.
O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.
Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315 (******). Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.
E quanto tempo aguentaria um soldado ferido? Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?
Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e, mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.
Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite. À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.
9 de setembro de 2009 (**)
(...) Em suturas, eu era um zero. A primeira vez que vi suturar, foi na Academia Militar, o Cabo que estava a executá-la teve que deixar o ferido para me atender a mim. No entanto, na Guiné tive de fazer das tripas coração e fazê-las, pois tive colegas que delas precisaram.
Mas não foi o Serviço de Saúde do Exército que nos ministrou isso nos cursos. Mesmo os Enfermeiros nos Hospitais Civis, só quando passam pelos serviços de urgência é que aprendem alguma coisa além de dar injecções, medir a tensão ou distribuir comprimidos. (...)
Quando cheguei à Companhia [, CCAÇ 1589,] não havia quem soubesse preencher os formulários para o Laboratório Militar pois isso era da competência dele [,o furriel enfermeiro]. Só 3 a 4 meses depois é que foi substituído.
Nesse entretanto fui encarregado pelo meu Capitão, não por ser o mais antigo da Companhia, mas porque, tendo estado no HMR1 [Hospital Militar Regional nº 1, Porto] onde era eu, que a pedido do Sargento que nunca lá estava, elaborava os mapas, fazia a requisição dos medicamentos e quejandos, e fui tendo umas luzes, continuando na Academia Militar a fazer o mesmo a pedido do 1.º Sargento que era um tipo porreiro e me desenrascava nos fins de semana para vir ao Porto. Amor com amor se paga.
Ora isto não se aprendia nos cursos que eles nos davam. Nós é que por moto próprio íamos tentando aprender. Por exemplo, o meu tirocínio foi em infecto-contagiosas. O que é que esta especialidade interessa para o mato? Absolutamente nada. Era uma especialidade hospitalar. (...)
7 de setembro de 2009 (**)
(...) A verdade é que o que existia nos postos Médicos das unidades (e nem em todos), era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto [antivenéreo] que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.
E foi assim que, quando a minha Companhia [, a CCAÇ 1589,] regressou do mato a Bissau e os Soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.
Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções.
Só que, para meu azar, um dos atingidos por motivos de serviço , não pôde estar no horário previsto e foi ter com o Cabo Enf de Dia para que lhe desse a injecção. Como ele não sabia de nada, comunicou ao Médico que comunicou ao meu Comandante que chamou o soldado que lhe disse que tinha sido eu que o mediquei.
Claro que fui chamado ao Comandante [, cap inf Henrique Victor Guimarães
Perez Brandão,] que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo.
Claro que fui chamado ao Comandante [, cap inf Henrique Victor Guimarães
Perez Brandão,] que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo.
Felizmente o Comandante, atendendo aos bons serviços prestados durante toda a Comissão, rasgou a participação do Médico e ficou tudo em águas de bacalhau.
O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas.(...)
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
5 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4464: Tabanca Grande (149): Armandino Alves, ex-1.º Cabo Aux de Enfermeiro da CCAÇ 1589, Guiné 1966/68
10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14004: In Memoriam (209): Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)
(**) Vd. postes de:
(**) Vd. postes de:
7 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4914: Os Nossos Enfermeiros (2): As malditas doenças venéreas e a bendita... penicilina (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)
9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4927: Os Nossos Enfermeiros (3): Às vezes até fazíamos o que não sabíamos (Armandino Alves)
(****) Vd. poste de 7 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6340: Controvérsias (74): Enfermeiros… mas não por opção (Armandino Alves)
1 comentário:
Em 1968/69 na minha Companhia, de fato, quase ninguém pedia a tal bisnaga anti venéria. Não era por medo do castigo, porquanto poucas vezes havia médico por perto e a penicilina era o remédio do dia que qualquer enfermeiro aplicava sem receita médica, quando este não estava. Eu mesmo tinha receio de aconselhar o uso da bisnaga, dado que quando cheguei a Empada as bisnagas que lá existiam estavam armazenadas numa caixa com um aspeto tão velho que admito tivessem anos de vida. Em Mampatá nunca tive problemas do género e em Buba havia médico. Recordo que um camarada da minha Companhia, por medo ou vergonha deixou a blenorragia avançar a tal ponto que foram os colegas que o levaram à força à enfermaria pelo cheiro que que não suportavam. Claro que o médico o enviou de imediato para Bissau, possivelmente para o corte. Não regressou à Companhia,
Recordo-me de num ataque ao quartel de Buba, num período em que não havia médico, um camarada ao saltar para a vala pisou uma garrafa de cerveja e espetou um vidro num calcanhar. O Buraco que ficou depois de eu o extrair, era profundo, pelo que precisava de levar pontos no interior, ou enviá-lo para o Hospital Militar. Como o Dr. Azevedo Franco tinha sido um bom professor (Se bem me lembro estava de férias) nas intervenções de micro cirurgia, ousei dar pontos internos, cozer por fora e imobilizá-lo por cinco dias. O combate à infeção foi à base de penicilina e a recuperação foi plena.
Abraços
Zé Teixeira
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