segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21806: Notas de leitura (1337): "Voando sobre um ninho de STRELAS", por António Martins de Matos; Edições Ex Libris, 2020 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
São poucos os relatos publicados sobre a Força Aérea na Guiné e o depoimento de alguém que foi tenente entre 1972 e 1974 forçosamente que precisa de ser apreciado. 

Martins Matos iniciou no Fiat G-91 e após tarimba muito tempo andou no DO-27, peripécias destes dois aviões não lhe faltam, desde largar bombas a evacuações. É um testemunho precioso sobre a organização de Bissalanca, e com a Força Aérea combatia, cooperava com as outras armas, procurava desenrascar situações de convulsão em pleno mato, transportava os anjos do céu e contribuía para salvar vidas.
Estamos chegados a 1973, a chegada de uma nova arma gerou ebulição em toda a estratégia da contra-guerrilha com aquela nova arma chamada Strela, não impediu a destruição de aquartelamentos do PAIGC com poderosos armazenamentos de armas e munições, como ele adiante nos vai contar os bombardeamentos a Kambera. 

E não deixará de tecer considerações sobre o evoluir da guerra.

Um abraço do
Mário


A Guiné de 1972 a 1974 vista por um tenente da Força Aérea ao tempo (1)

Mário Beja Santos

O livro "Voando sobre um ninho de Strelas", redigido pelo Tenente-General António Martins de Matos, é um relato circunstanciado do seu percurso profissional na Força Aérea, cuja ênfase está na sua comissão no período crítico dos últimos anos da guerra: de cadete da Academia Militar a piloto operacional, vemo-lo chegar à Base Aérea N.º 12, escreve as esquadras ali colocadas e fala-nos no Fiat G-91 e no DO-27, as aeronaves com que trabalhou. Começa a ir ao mato, percorre Bissau, compra uma mota Yamaha, dá-nos o relato das primeiras missões, tem o condão de explicar a leigos a essência de um voo, o tema do combustível, a sua utilização. Andou a pairar sobre os céus do Cabo Roxo enquanto o General Spínola conversava com o Presidente Senghor.

Adaptou-se ao DO-27, era o Batata, dá-nos pormenores vivacíssimos dos transportes efetuados. Chegara em maio de 1972, deram-lhe a responsabilidade de “oficial de informações da zona Norte”, dá-nos conta das múltiplas dúvidas e interrogações ao tempo sem resposta. Está interessado em que o leitor se familiarize com todo o jargão daquela aeronáutica, é mesmo coloquial a falar do Fiat G-91: 

“Ao contrário do que muita gente ainda hoje pensa o avião não tinha sido concebido para ‘Apoio Próximo’ às tropas no chão, mas sim para missões de tipo furtivo. O avião até tinha algumas coisas boas; era fiável, um ótimo motor, uma cadeira de ejeção moderna, asa em flecha e silhueta pequena. Para ser utilizado na guerra, a seu favor tinha algumas blindagens e era pequeno, passava por entre o fogo das antiaéreas. Como pontos fracos o seu pequeno raio de ação e a pouca capacidade de transportar armamento”

Explica-nos as atividades em Bissalanca, as aeronaves em alerta, fala-nos no DO-27 e no Alouette III, na natureza das evacuações, tudo era gerido no Centro de Operações. Inevitavelmente, para além de reconhecimentos visuais evacuavam-se parturientes difíceis (caso de bebé atravessado) e conta a história de um pimpolho que resolveu chegar a este mundo dentro de um helicóptero.

Peripécias quanto às missões de DO-27, o autor tem um alfobre de estórias passadas com unidades militares, com pistas grandes ou curtas, fala-nos do destacamento montado em Nova Lamego, como foi fuzileiro num só dia, e assim chegamos a 1973, tece considerações sobre os planos de Sékou Touré para asfixiar a Guiné Portuguesa, elogia as enfermeiras-paraquedistas e inopinadamente aparece o míssil Strela.

O seu aparecimento concretiza-se em 20 de março, começam as especulações de que arma é aquela, logo se apurou que tinha uma trajetória curva como se procurasse perseguir o avião e cinco dias depois, nas imediações de Guileje, é abatido o primeiro avião. 

“A guerra tinha-se intensificado e era evidente que os apoios aos aquartelamentos com metralhadoras e foguetes já não surtiam o efeito desejado. Necessitávamos de uma melhoria imediata no armamento, nada de exorbitante, apenas a substituição das metralhadoras 12,7 milímetros por canhões de 20 ou 30 milímetros”

Em 28 de março é abatido o segundo Fiat G-91, pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito. 

“Foi um rude golpe no moral dos pilotos, além de ser o mais experiente da Guiné era igualmente o nosso Comandante”

E ficaram consternados por não terem recebido autorização para recuperar o seu corpo.

“Durante a manhã de 6 de abril foram abatidos o Furriel João Baltazar (DO-27) e o Major Rolando Mantovani (T-6), tendo igualmente desaparecido o Furriel Fernando Ferreira (DO-27)”

Por artes mágicas apareceu um documento de origem americana do míssil soviético SA-7, no código NATO conhecido por Strela, constatou-se ser uma arma introduzida há pouco tempo na guerra do Vietname. 

“Das suas caraterísticas sobressaía o alcance (3,5 quilómetros), a altitude em que era efetivo (de 15 a 1500 metros), velocidade (1,4 superior à do som) e sistema autónomo de guiamento por infravermelho.
Chegámos à conclusão que o míssil poderia ter um alcance até 3500 metros mas tinha de ser disparado com um ângulo mínimo de cinco graus em relação ao solo, caso contrário caía aos pés do atirador.
Possuía duas espoletas, uma de impacto e outra de influência, não era necessário colidir com o alvo para se dar a explosão, bastava-lhe passar perto da aeronave. 

Uma conclusão importante e que não vinha no manual era o facto de não ser pintado de vermelho conforme alguns pilotos tinham referido, a cor vermelha que alguns tinham visto era tão só a chama do foguete propulsor quando visto de topo, quando o míssil vinha ao nosso encontro. Logo estabelecemos uma regra de ouro. 

Quem avistasse o fumo branco do seu disparo podia ficar descansado, o míssil não lhe era dirigido. Já quem o visse como uma bola vermelha podia estar certo que, se nada fizesse, esse seria o seu dia. Verificámos igualmente que, dada a sua alta velocidade, poderíamos deixá-lo aproximar-se e, no momento imediatamente antes do impacto, e com uma manobra brusca, fazer-lhe uma finta, semelhante ao toureiro numa arena frente a um touro em investida”

E elaboraram contramedidas, e tece outro comentário: 

“Foi assim que passámos a ter aeronaves a baterem em ramos de árvores ou entrarem rios adentro, caso de um AL-III a chegar a Cacine cheio de água, ou DO-27 3459 que devido a uma falha do motor acabou por amarar junto à ilha de Como”.

 Vivia-se uma situação debilitante, como ele explica: 

“Com as baixas entretanto verificadas, era evidente que os restantes pilotos de Fiat G-91 estavam numa situação bem delicada. Era humanamente impossível manter um ritmo contínuo de três voos diários, já que a Esquadra 121, que deveria ter 6 pilotos, estava reduzida a 2. Para agravar a situação, as substituições dos pilotos milicianos tinham-se volatizado”.

Para responder às novas ameaças estabeleceram-se táticas, os aviões cruzavam a cerca de 10 mil pés de altitude (3000 metros), andava por ali a circular, picava-se o objetivo largando o armamento à volta dos 5 mil pés após o que iniciava a recuperação da picada, etc. 

“Com a aplicação das contramedidas estudadas (e não obstante o PAIGC ter disparado cerca de 60 mísseis), a FAP apenas teve mais um avião abatido, a 31 de janeiro de 1974, na região de Canquelifá-Copá, tendo o piloto sido recuperado na manhã seguinte”.

E sumula a importância que deve ser atribuída ao míssil Strela:

“No meu entender, influenciou de algum modo a guerra mas não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe querer dar.

Se por um lado alguns aquartelamentos junto à fronteira (Guidaje, Buruntuma, Guileje, Gadamael) deixaram de ter o apoio diário do DO-27, por outro lado passaram a ter uma melhor proteção, já que o armamento usado pelos aviões nos apoios de fogo passou a ser muito mais potente.

Com o decorrer do tempo e em termos de ameaça, os pilotos habituaram-se ao Strela e continuaram a ter mais respeito em relação às antiaéreas ZPU. Para mim, a arma que mais influenciou a guerra na Guiné não foi o Strela, a arma de defesa antiaérea, mas sim o morteiro 120 milímetros”
.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21782: Notas de leitura (1336): Os serviços de saúde militar e a guerra colonial - II (e última) Parte (Luís Graça)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

Diz o António Martins de Matos:

“Com a aplicação das contramedidas estudadas (e não obstante o PAIGC ter disparado cerca de 60 mísseis), a FAP apenas teve mais um avião abatido, a 31 de janeiro de 1974, na região de Canquelifá-Copá, tendo o piloto sido recuperado na manhã seguinte”.

O Mário Beja Santos acrescenta a opinião do nosso António Martins de Matos que "sumula a importância que deve ser atribuída ao míssil Strela", que no seu livro explica, as virtualidades, as insuficiências, conhecendo-as melhor do que ninguém, porque voava e bombardeava, pós Strela, quase todos os dias, descendo nos céus da Guiné.

“No meu entender, influenciou de algum modo a guerra mas não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe querer dar."

Não teve o papel determinante que alguns teimam em lhe dar. Qual guerra perdida, qual guerra ganha,quais bajuladores dos Manecas, do PAIGC, dos Strela? Temos apenas, e é fundamental, o entendimento correcto, baseado em factos, da realidade vivida no nosso dia a dia, na fase final da guerra na Guiné. Eu estava lá, Cufar, 1973/74, com a nossa pista de asfalto, com os nossos pilotos e aviões, quase todos os dias.

Abraço,

António Graça de Abreu