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sábado, 22 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17268: Notas de leitura (949): “As minhas aventuras no país dos sovietes”, por José Milhazes, Oficina do Livro, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Por uso e costume, coligo todos os textos, declarações, referências, comentários, etc, que tenham a ver com a Guiné-Bissau, seja em que contexto for.
A obra de José Milhazes é um livro de memórias de alguém que partiu da Póvoa de Varzim, em 1977, com uma bolsa de estudos, ali se graduou, constituiu família e foi durante décadas tradutor e jornalista. Ao encontrar impressivas e dolorosas notas sobre a vida dos estudantes na Guiné-Bissau já na era Putin, entendi que elas tinham aqui pleno cabimento, importa não esquecer que depois estes licenciados virão a ser altos funcionários e até dirigentes políticos no seu país.

Um abraço do
Mário


Os estudantes da Guiné-Bissau 
na época pós-URSS

Beja Santos

“As minhas aventuras no país dos sovietes”, Oficina do Livro, 2017, é o livro de memórias de José Milhazes em que nos fala das suas vivências entre 1977 e a quase atualidade. Relato de infância e juventude em torno da Póvoa do Varzim, uma bolsa de estudos leva-o até Moscovo, em 1977, aprende russo e a conviver numa sociedade multicultural, passa férias na Polónia e descobre o anticomunismo mais virulento, repertoria os factos políticos com a minúcia de quem tem créditos firmados no jornalismo como ele, dá-nos imagens impressivas de alguma vida quotidiana, da constituição de família, colige laboriosamente os factos até assistirmos à dissolução do império soviético, a deriva de Boris Ieltsin em que se passou de um feroz estatismo para a mais espetacular bacanal da venda de um país a retalho, assim se chegando a Putin e à sua mão de ferro. 

É no contexto destes fragmentos de memória e da recolha documental que José Milhazes nos conta várias histórias africanas em Moscovo, e é nesse contexto que aparecem os estudantes da Guiné-Bissau. Vejamos o que ele escreve, a partir da página 291:

“Devido à instabilidade no país, os estudantes da Guiné-Bissau eram os mais afetados pela falta de meios. A situação chegou a um ponto em que eles ocuparam a embaixada do seu país em Moscovo. No dia 25 de Janeiro de 2005, recebi um telefonema de um dos dirigentes da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau na Rússia, que me informou de que tinham feito refém o embaixador Rogério Herbert, a sua família e mais dois diplomatas, frisando que só os libertariam quando as autoridades guineenses pagassem as bolsas de estudo em atraso.

Dirigi-me para a embaixada, que estava instalada num duplex numa das zonas periféricas de Moscovo, por cima da representação diplomática da Somália. Quando cheguei, encontrei as salas cheias de estudantes: uns estavam sentados em sofás, cadeiras e mesas a conversar, outros dormiam onde podiam. Eram várias dezenas de jovens sem dinheiro e a passar fome.

Um dos dirigentes estudantis foi entrevistado para a SIC Notícias e ameaçou que os seus colegas poderiam atirar o embaixador da janela abaixo se não fossem ouvidos. Ora, o duplex ficava situado no décimo andar do edifício.

Eu já conhecia o embaixador e sabia que ele não vivia muito melhor do que os estudantes, porque o seu país lhe enviava poucos meios, que, muitas vezes, não chegavam para pagar a água e a luz. Fui encontrá-lo fechado na casa de banho. Os estudantes tinham-lhe tirado as chaves do automóvel e o telemóvel, mas foi sempre tratado com respeito. Depois, conversei com os estudantes e aconselhei-os a não recorrerem a ameaças nas suas declarações, pois isso podia levar a uma dura reação das autoridades russas. À noite, bateram à porta três homens à paisana, perguntaram se tudo estava calmo. Tratava-se de três agentes do Serviço de Segurança da Rússia.

Com a ajuda de funcionários do Consulado de Portugal na capital russa, conseguimos arranjar alguns meios financeiros e fomos comprar comida para os estudantes.
Esta situação continuou durante mais de uma semana e as autoridades de Bissau transferiram algum dinheiro para resolver o problema, mas apenas temporariamente. A 27 de Agosto de 2012, 22 finalistas guineenses voltaram a ocupar a representação diplomática do seu país, dessa vez porque Bissau não lhes pagava o bilhete de regresso, como tinha sido prometido. Carfa Mané, porta-voz dos estudantes guineenses, disse-me então: ‘A Rússia tem de exigir ao governo de Bissau garantias de que os estudantes que terminem os seus cursos neste país tenham bilhetes para regressar à Guiné. Estamos aqui abandonados, vivemos ilegalmente, a monte, e as nossas autoridades não cumprem o que prometem. As autoridades russas têm que pôr fim a esta tragédia humanitária, não permitir a sua repetição”. Foram precisamente estes processos que me levaram a dedicar uma maior atenção à História das relações entre a URSS/Rússia e os PALOP, sobre as quais escrevi vários livros”.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17266: Notas de leitura (948): A Revista Panorama, editada pelo SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, dedicou o número 5/6, II Série, de 1952, à Africa Portuguesa (Mário Beja Santos)

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2070: Bibliografia de uma guerra (16): Contributos para a História de Portugal, de José Milhazes, em Moscovo (2)

Somos mais de 100 ex-combatentes, de quase todas as patentes (de soldado a coronel), que passou os melhores anos da nossa vida nas bolanhas da Guiné. De G3 nas mãos, a lutar pelo "Portugal uno e indivisível", que foi o que nos diziam na altura.
O nosso blogue, conforme consta do nosso "livro de estilo", não defende nem ataca qualquer posição que cada um possa ter sobre as razões da guerra. O objectivo do foranada é sermos nós a contar a história que vivemos, antes que outros o façam por nós. Relatos, experiências vividas, as nossas fraquezas e as nossas forças, o IN de então, o PAIGCV, com a Guiné e o seu Povo como fundo.


É também um lavar de feridas. Mais de trinta anos passados sobre o fim da guerra, muitos de nós ainda dormem mal. Alguns não hesitam em dizer que ainda hoje sentem vergonha de em tal guerra terem participado. Outros, dizem que cumpriram o que Portugal lhes mandou.
É importante, para nós, procurar todas as fontes possíveis e juntá-las neste enorme "puzzle", que foram aqueles 11 anos de guerra. Tudo o que diga respeito à Guiné daqueles anos nos interessa.
E ao José Milhazes o nosso obrigado pelo contributo que tem vindo a dar para a História de Portugal.

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Amílcar Cabral no secretariado do PAIGC, em Conacri


A captura dos assassinos de Amílcar Cabral, em plena costa da Guiné

José Milhazes, através do seu blogue, relata-nos

A Operação do "Experiente" na Costa da Guiné

O assassinato de Amílcar Cabral, dirigente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGCV), na cidade de Conacri, capital da República da Guiné, a 20 de Janeiro de 1973, continua envolvido em muito mistério, mas a chave de alguns segredos encontram-se nos arquivos ou nos testemunhos de militares soviéticos que acompanharam esse acontecimento de perto.

Em Novembro de 1972, a pedido do Governo da Guiné-Conacri, no porto de Conacri atracou o contra-torpedeiro soviético "Experiente"(???????), da Armada do Norte, que devia patrulhar a costa desse país africano. O navio de guerra era comandado pelo capitão de fragata Iúri Ilinikh.

Na noite de 20 para 21 de Janeiro de 1973, entraram inesperadamente no "Experiente" o comandante das Forças Armadas da Guiné-Conacri e o conselheiro militar soviético, o major-general Fiodor Tchetcherin. Eles trouxeram a notícia que, por volta das 23 horas, numa das ruas de Conacri, um grupo de desconhecidos tinha assassinado Amílcar Cabral.
A sua esposa e alguns membros do Comité Central do PAIGC foram feitos prisioneiros e levados para lanchas que se dirigiram para a Guiné Portuguesa.
As visitas inesperadas pediram, em nome do Presidente do país, Séku Turé, e do embaixador soviético em Conacri, A.Ratamov, ao capitão de fragata que fizesse sair o "Experiente" a fim de capturar as lanchas.

Às 0 horas e 50 minutos do dia 21 de Janeiro, o contra-torpedeiro pôs-se em marcha com marinheiros soviéticos e soldados guineenses a bordo.
Ilinikh enviou para o Estado-Maior da Armada Soviética vários relatórios, mas apenas recebeu instruções para não empregar armas.
Às 5 da manhã, foram detectadas duas das três lanchas que saíram de Conacri.

O contra-torpedeiro aproximou-se de uma lancha e prendeu-a com cordas. A segunda lancha rendeu-se ao ver-se na mira de canhões de 130 milímetros. Soldados guineenses entraram nas lanchas, libertaram os reféns, desarmaram os seus ocupantes e conduziram-nos para o “Experiente”.
Às 15 horas, o contra-torpedeiro regressou a Conacri, rebocando as duas lanchas. A terceira foi capturada por soldados guineenses.

Primeiramente, Iúri Ilinikh foi afastado do cargo devido a ter actuado sem autorização de Moscovo, mas, depois do relatório do major-general Tchitcherine, Ilinikh recuperou o comando do "Experiente" e recebeu elogios pelas suas “acções ousadas e decididas”.
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Notas do co-editor:

Texto de José Milhazes.
Foto de Amílcar Cabral, in "Uma luta, um partido, dois países", de Aristides Pereira. Com a devida vénia.