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sábado, 28 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26320: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte V: Um ano depois, pelo Natal de 73, dá-se iníco à Op Estrela Telúrica: "Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade" (António Graça de Abreu, CAOP1, Cufar, 22, 25 e 26 de dezembro de 1973).



Foto nº 1




Foto nº 2


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CAOP1 > c. 1973/74 > Em cima, o António Graça de Abreu, em Cufar, no rio Cumbijã (foto nº 1); na foto seguinte (nº 2), posando de camuflado, no aeroporto de Cufar, em janeiro de 1974, com Miguel Champalimaud.

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um ano depois do início da Op Grande Empresa (*), o Cantanhez continua a "ferro e fogo"... É o que se deduz da leitura do incontornável diário do  António Graça de Abreu, de que já publicamos,  em tempos,  extensos excertos, com a devida autorização do autor. 

Estamos a falar do  "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp)

Recorde-se que o nosso António Graça de Abreu:

(i)  chegou a Bissau a 24/6/1972, vindo de DC-6, de Lisboa;

(ii) foi colocado no CAOP1 - Comando de Agrupamento Operacional nº 1, sediado em Canchungo (Teixeira Pinto);

(iii) era alferes miliciano, com a especialidade de atirador de infantaria, reclassificado por incapacidade parcial em "Secretariado, Serviço de Pessoal";

(iv)  chegou a Canchungo, de helicóptero, a 26, de manhã;

(v) nunca identifica, no livro,  o seu primeiro comandante, coronel paraquedista [ Raul Durão, durão de apelido e durão no exercício da autoridade];

(vi) tinha um diário, onde escrevia quase todos os dias (ou, em alternativa, cartas e aerogramas que mandava à sua mulher, num total de 347, até ao fim da comissão, em  17/4/1974);

(vii)  teve os seus primeiros "trinta e cinco dias de férias em Portugal" de 7 de novembro a 17 de dezembro de 1972 (período em que não tem quaisquer notas no seu Diário); (uns dias antes, a 12, começara a Op Grande Empresa, no sul da Guiné);

(viii)   passou depois por Mansoa (Parte II do Diário) para acabar a sua comissão, sempre no CAOP1, em Cufar, no sul da Guiné (Parte III).

É desta III parte do seu diário, que transcrevemos as suas entradas relativas aos dias 22, 24 e 26 de dezembro de 1973. É já com-chefe e governador da Guiné o gen Bettencourt Rodrigues. 

É em Cufar que o António Graça de Abreu passa o seu Natal de 1973, o seu segundo Natal na Guiné, numa época claramente de escalada da guerra no sul... 

Estava em curso mais uma grande operação no Cantanhez, a Op Estrela Telúrica, na sequência  da Op Grande Empresa (reconquista e reocupação do Cantanhez, península do Cubucaré, dezembro de 1972-junho de 1973). 

Como ele escreveu ironicamente, "Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação 'Estrela Telúrica.' Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade". 



2. Excertos do Diário da Guiné:


(...) Cufar, 22 de dezembro de 1973 

Deixei a cidade [de Bissau], deixei o frenesim das gentes, os motores, a poluição, a confusão e regressei ao bucolismo do campo, à nada pacata aldeia africana, aos rebentamentos de granadas, foguetões e bombas, às cabeças alteradas pela guerra, ao desamor e aos medos.

Ao descer do Nordatlas na pista da Cufar, deparei-me logo com a nossa ambulância à espera, pronta para as evacuações para Bissau. Mais um morto e oito feridos, fuzileiros estacionados no Chugué,  atacados no rio Cumbijã,  mesmo em frente a Cufar.

Preparam-se grandes operações na zona. Os comandos africanos vêm cá para baixo fazer mortos, ter mortos. Ontem – isto é muito animador! – deslocaram-se para Cufar mais dois médicos (um cirurgião e um anestesista) mais uns tantos enfermeiros. Trouxeram uns quilos largos de aparelhagem médica e cirúrgica, e materiais para primeiros socorros, enfim temos um aparato clínico capaz de assustar o menos medroso.


Os pobres vão morrer com a certeza de que morrerão bem acompanhados e assistidos.

Por estes dias, chegarão mais quinhentos homens, três companhias de comandos africanos, mais a minha conhecida 38ª de Comandos e ainda talvez paraquedistas. Estes homens vão tentar a “limpeza” do Cantanhez. Em Bissau, encontrei alguns alferes amigos da 38ª que me puseram a par do que se espera com esta operação. Os rapazes também estão receosos, o moral não é elevado.


Entretanto, os Fiats continuam a bombardear aqui à nossa volta, com poucos resultados, parece que os guerrilheiros já possuem abrigos à prova da nossa aviação.

Cufar, 24 de dezembro de 1973 


Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné em guerra.

Fui a Cadique com o meu coronel, de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã.  

Os pobres de Cadique,  a 1ª C/BCAÇ 4514/72  , que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel,  comandante do batalhão que não o atingiu por pura sorte. 

O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.

A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. 

Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?

Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvario da espécie humana.


Cufar, 26 de dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. 

Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de “Estrela Telúrica”. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a “Estrela Telúrica” prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª CCmds, fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. 

Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a “embrulhar”, seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata,[1] com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. 

O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DO, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. 

Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. 

Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos “embrulhanços”, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação “Estrela Telúrica.” Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.

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Nota do autor:

 [1] Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, (coord.), Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora,1995, pp. 195-213.

(Revisão / fixação de texto, para publicação no blogue: LG)

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quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26236: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte II: O BCP 12, o "112" do Com-Chefe


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Caboxanque >  Dezembro de 1972 > CCAV 8352 >  Álbum do cap mil Rui Pedro Silva > Gen Spínola no perímetro defensivo, nos primeiros dias da Op Grande Empresa (*).


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Caboxanque >  Dezembro de 1972 > CCAV 8352 >  Álbum do cap mil Rui Pedro Silva > A “messe” de oficiais  e também a minha primeira “secretária” . Da esquerda para a direita alf  Pratas e Sousa, furriel Urbano,  alf Nobre Almeida e alf Santos. Ao fundo as tendas  que nos “abrigaram” durante os primeiros meses.


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Caboxanque >  Dezembro de 1972 > CCAV 8352 >  Álbum do cap mil Rui Pedro Silva > Distribuição da refeição pelos grupos de combate, secção por secção. O primeiro da fila a organizar a distribuição é o Alf Duarte.


Fotos (e legendas): © Rui Pedro Silva  (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Foi uma aposta tardia, a de Spínola, a de transferir para a região de Tombali, e em especial a pensínsula do Cubucaré (Cantanhez), o jogo de xadrez contra o Amílcar Cabral ( mas também contra os "ultras" do regime). 

 A reconquista do Cantanhez iria fazer do rio Cacine a principal linha de defesa contra o PAIGC, reforçando Cacine, Guileje e Gadamael. Era o que se esperava. E, de facto, na sequência da Op Grande Empresa, novos quartéis vão ser instalados no coração do Cantanhez, a "joia da coroa" do PAIGC: Cadique, Cafine, Caboxanque e ainda Jemberém. Uma estrada asfaltada vai ser construída, ligando Cadique a Jemberém...

Mas nos livros da CECA a visão que o leitor tem é a de uma sequência de informação,  telegráfica e fragmentada, sobre operações, em que o principal ator é o BCP 12, e cujos resultados parecem apenas a resumir-se a uns tantos mortos, prisioneiros e armas capturadas...  Poucos meses depois, o BCP 12 está a apagar outros fogos, Guidaje, no Norte, e Gadamael, no  Sul. 

De qualquer modo, temos de reconhecer que só uma tropa especial, com elevado espírito de corpo, disciplina, "endurance" e bravura, podia ser empenhada nesta última grande contra-ofensiva do Spínola. Infelizmente, não havia mais nenhum BCP 12, de reserva, e nem esta missão era aconselhada a ser entregue ao Batalhão de Comandos, pelo melindre do choque interétnico (Fulas contra balantas e nalus)... 

De certo modo, foi a "última missão" (militar mas também política) de Spínola. Ele precisava de tempo, meios e... "manga de patacão" para ganhar aquela guerra, e sobretudo de outra liderança política em Lisboa. Mas já era tarde demais.  Não tinha comandantes operacionais nem combatentes, de reserva. Não tinha meios para subir a parada, em termos tecnológico.  Já não terá força aérea á altura (depois do "Strela"). Ele teve, em todo caso, o mérito de ver isso, mesmo na 23ª hora... (É pena que o seu biógrafo, Luís Nuno Rodrigues,   tenha falhado a parte empolgante da vida de Spínola na Guiné, resumida a um capítulo, ou a pouco mais de 100 páginas, num livro de 9 capítulos e de cerca de 750 páginas.)
 

2. Em 12 de dezembro de 1972 foi criado o Comando Operacional nº 4 (COP 4), com sede em Cufar, e com a finalidade de:

  •  proporcionar as condições para execução dos trabalhos dos reordenamentos a estabelecer nas áreas de Caboxanque, Cadique e Cafine;
  • desenvolver a adequada atividade operacional na região do Cantanhez, em área do BCaç 4510/72 e da zona de intervenção do Comando-Chefe. (*) (CECA, 2015, pág. 133).
A Diretiva nº 19/72 de 28Nov, determinava a criação do COP 4, sob o comando do ten cor pqdt  Sílvio Araújo e Sá, apoiado pelo Cmd / BCP 12. (pág. 136).


3. Atividade operacional do COP 4 (1972/73)

3.1. Operação "Grande Empresa" - 12 e 13dez72

Na região do Cantanhez, Sector S3, uma força constituída pelas CCP 121 e 122,
CCaç 5, CCaç 4540, CCaç 4541 e 2 Pel/CCaç 2792 (Cabedú), levou a efeito
um heliassalto e desembarque da CCP 121 e 122 sobre objectivos na região, na qual foram estabelecidos sete contactos pelo fogo com o inimigo.

Do resultado geral da operação destaca-se a captura ao inimigo do
seguinte material:

  • 1 LGFog "RPG-2",
  • 1 Espingara semiautomática  "Simonov",
  • 33 granadas de diversas armas de grande calibre (morteiro 60 mm, de 2 LGFog e canhão s/r )
  • e ainda material e munições diversas.

As forças inimigas sofreram 5 mortos, 2 feridos e a captura de 12 elementos.

As nossas forças sofreram 4 feridos.

3.2. Op "Cavalo Alado" - 17 e 18dez72

Na região de Cachamba Balanta-Cachamba Nalu-Uangane, COP 4, uma força constituída por 2 GComb/CCP 122 e 1 Grupo de Assalto do DFE 1, levaram a efeito um heliassalto, tendo estabelecido contacto pelo fogo com o inimigo nos dias 17 e 18 por 4 vezes.

Foi capturado ao lN:

  • 1 LGFog "RPG-2";
  • 1 metralhadora ligeira "Degtyarev";
  • 1 espingarda semiautomática  "Simonov";
  • 7 granadas de LGFog "RPG-2" e 3 de canhão s/r 75 mm, 2 granadas de mão ofensivas, 
  • carregadores e outro material, munições e equipamento diverso.
O inimigo sofreu 2 mortos. (pág. 172).

3.3. Op "Dragão Bravo" - 28 a 30dez72

Na região do Cantanhez (Santa Clara-Iem-Cachamba Balanta-Nhai), COP 4, uma força constituída pelas CCP 123, CCP 122 (2 GComb), CCP 121 (2 GComb), 1 Grupo de Assalto do DFE e 2 GComb/CCaç 6, levaram a efeito um heliassalto e patrulhamento, no decurso do qual foram estabelecidos 6 contactos pelo fogo com o inimigo.

Foram capturadas:
  • 3 espingardas automáticas "Kalashnikov";
  • 3 espingardas semiautomáticas "Simonov",
  • carregadores, granadas e cargas de LGFOg  "RPG-2", 15 espoletas de LGFog "RPG--2";
  • munições diversos.
Destruido 1 acampamento e capturados 3 homens. O inimigo sofreu 4 mortos. Um deles era o comissário político. Em 29 de Dezembro foi cercado e morreu no combate que se seguiu. (Fonte: Relatório da operação nº 47/72, Operação "Dragão Bravo", do BCP 12.) (pág. 173)

3.4.  Op "Tamarú" - ljan73

Num heliassalto, na região de Timbó, 2 GComb/CCP 122 tiveram um contacto com o lN em Bedanda 3H4.25, COP 4.

Foi apreendida uma rampa completa para lançamento de foguetões 122 mm e documentação diversa. Nossas forças tiveram 5 feridos ligeiros e o lN sofreu 4 mortos.

3.5. Operação "Falcão Dourado" - 15 a 18jan73


Na região de Cacine, COP 5, uma força constituída pelas 2ª e 3ª C/BCmds, o DFE 22 e 2 GComb/CCP 122, efectuou emboscadas nocturnas na zona.

Em 16 e 17 a referida força estabeleceu vários contactos com o inimigo, de
que resultaram 11 mortos para o inimigo e 1 ferido grave e 5 ligeiros para as NT.

Ao inimigo foram capturados:
  • 5 espingardas automáticas "Kalashnikov";
  • 1 espingarda "Mauser";
  • 10 granadas de lança-granadas foguete "RPG-2" e 6 de "RPG-7".

3.6. Op o "Gato Espantado" - 30 e 31jan

Nas regiões do Cantanhez e Cubucaré, COP 4, forças das CCP 121, 122 e 123, CCaç 6 e DFE 1, executaram patrulhamentos conjugados com montagem de emboscadas nocturnas, estabeleceram contacto com o inimigo, tendo destruído dois acampamentos.

O lN sofreu 2 feridos e as NT 4, dos quais 1 em estado grave.

Foi apreendido ao inimigo o seguinte material: 

  • 8 granadas de canhão sem recuo;
  • 1 granada de LGFog  "RPG-7";
  • 1 espingarda semiautomática"Simonov";
  •  7 granadas de canhão s/r. (pág. 303)

4. A partir de 5abr73 passaram a atribuir-se ao COP 4 os seguintes meios e ZA, além do que na altura dispunha:

  • CArt 3493
  • CCaç 4143/72
  • DFE
  • Pel Canh s/r 3079
  • 1 Sec Mort/Pel Mort 4277/72
  • 2 mort 10,7 cm a ceder pela CCaç 3566, pela CCav 8350/72;
  • e CCP 123 (a título temporário).(pág. 
- Acção - 12jun

Pelas 14h45, uma força constituída por 3 GComb/CCaç 4942/72, 2
 GComb 1ª C/BArt 6521/72, 2 GComb/CCaç 4540/72 e 1 GComb / DFE 22, em
patrulhamento com emboscada, foi alvejada duas vezes na região de Cacine, COP 4, por um grupo inimigo. 

Este sofreu 1 morto e foram-lhe capturadas 2 granadas de LGFog "RPG-2". As NT sofreram 3 feridos e 1 viatura "Berliet" ficou muito danificada (pág, 305).


5. Construção de Estradas

"No quadro da manobra de contra-subversão a conduzir de acordo com a Directiva n° 4/73, a construção da estrada Cadique-Jemberém é uma das concretizações do esforço da manobra sócio-económica quese está a desenvolver na região do Cantanhez para a recuperação das populações. "

Este é o início da Directiva n.o 5/73 de 30jan, em que é determinado:

"Que na missão atribuída ao COP 4 seja dada alta prioridade à segurança dos trabalhos de construção da estrada Cadique-Jemberém em ordem a que estes trabalhos não sofram qualquer quebra de rendimento. "


6. Em 2 de julho de 1973 foi extinto o COP 4, assumindo o BCaç 4514/72 (vd. aqui a ficha de unidade) a responsabilidade da zona de acção...

.... E o BCP 12, a 3 Companhias (um autêntico "112", às ordens do Com-Chefe) lá seguiu para Gadamael Porto,  COP 5, para "apagar outros fogos" (Op Dinossauro Preto, 2jun -17jul73) (pp. 334 e ss.)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp.. 113, 172/173, 257, 263, 285, 303, 305, 334 e 395.  (Com a devida vénia...).


(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22976: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II: A chegada dos guerrilheiros, outrora "bandidos", agora "heróis da libertação da Pátria"...A (mu)dança das bandeiras... Os meus novos amigos, balantas...



Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > 9 de setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC, e da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito...É uma foto  histórica, em que se vê o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, então fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2005 (*)...

Foto (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Trinta e seis anos da "troca de bandeiras" , em 1 de setembro de 1974... Visita do Cherno Baldé e família > Local onde estava situado o pau da bandeira; à esquerda as ruínas do forno de cozer o pão que fazia as delícias do "Chico, menino e moço"


Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2010).
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II (*)


(iii) A chegada dos guerrilheiros


Passaram-se dias e semanas e, quando menos se esperava, foi anunciada a chegada dos guerrilheiros que devia acontecer para os lados de Oio/Caresse, zona donde se esperava que viessem, naturalmente. Toda a aldeia saiu para assistir à chegada mas, era falso alarme. No sítio indicado não estava ninguém.

Passados alguns dias, foi feito o mesmo anúncio mas, já metade da aldeia estava na dúvida e preferia esperar pela confirmação. Desta vez, efectivamente, estavam lá e, não era do lado de Caresse (oeste) mas do lado sul (Bairro Mandinga de Morcunda), donde menos se podia esperar. Tratava-se de uma táctica da guerrilha, simples diversão ou prudência de quem ainda não acreditava na sua sorte? Talvez fosse tudo isso ao mesmo tempo.

Rapidamente a notícia correu pelas aldeias da redondeza, as pessoas afluíram em massa. Crianças, jovens, mulheres, velhos; todos queriam ver a gente do mato, aliás, os “bandidos” agora convertidos em heróis da libertação nacional. 

Depois de todas as campanhas de desinformação do regime colonial, o que vimos era simplesmente inacreditável. Afinal, eram pessoas normais, como nós, dos pés a cabeça. Não tinham rabos como os animais, nem chifres como imaginamos os diabos. Encontrámo-los, alguns sentados, outros de pé, dispersos debaixo da sombra das mangueiras. Cabeludos, magricelas, olhos vermelhos, uma expressão visual que se situava algures entre o homem e o animal.

Exceptuando as armas e os uniformes que traziam, eram exactamente iguais aos prisioneiros que tínhamos visto no quartel alguns anos antes (na altura a população civil era muito céptica quanto ao serem verdadeiros “Paigecistas” inclinando-se mais para a ideia de que seriam, quando muito, cortadores de chabéu, perdidos entre as remotas aldeias oincas no mato de Caresse).

Controvérsia à parte, aqueles prisioneiros, de facto, não estavam fardados e o aspecto esfarrapado, nauseabundo, mais metia dó que medo. Sempre que podíamos, metíamos algumas coisinhas por baixo das paredes de chapas que serviam de celas, com o nariz apertado entre os dedos. Porém, entre nós, nem todos partilhavam o mesmo sentimento e havia quem aproveitasse a ocasião para dar umas pisadelas nas mãos esfomeadas que apalpavam a terra e o ar à procura do abençoado pedaço de pão. Tinham fome.

  Quem são estes, os cubanos?  − perguntava alguém ao vizinho do lado. Sem resposta.

  São estes que nos metiam tanto medo!?  − comentou, incrédula, uma mulher fula que trazia ao colo uma criança, tendo no corpo apenas o pano amarrado até a cintura pondo a mostra os seios usados, elásticos, espalmados sobre o ventre (é uma pena o “nós Alfero Cabral” não ter passado por aqui).

  Não se iluda,  mulher, no mato, cada um destes bandidos vale por dez   explicou o Queta “chauffeur”, antigo companheiro do tenente Jamanca.

Os homens que se apresentaram eram poucos (um bigrupo?) e pareciam ser mais altos do que eram na realidade, como os corredores de fundo. O comandante era um homem de etnia mandinga, de meia-idade, alto e simpático que logo cativou as atenções, vindo a revelar-se um excelente orador.

Ele mudou os hábitos da aldeia. As suas reuniões de presença obrigatória não demoravam menos de 12 horas, o que lhe valeu a alcunha de Presidente Sékou Touré. Quando as pessoas eram convocadas, diziam às suas mulheres: “Mariama, prepare a comida de manhã cedo, porque vamos a reunião de Sékou Touré”. 

No decorrer das longas reuniões do Partido, aqueles que pediam para ir satisfazer algum necessidade fisiológica, mulheres inclusive, eram acompanhados por homens armados. Começávamos a colher os frutos da verdadeira independência bem à moda dos movimentos de libertação em África.

Os guerrilheiros usavam uniformes castanhos ou cinzentos (pontilhados de pequenas formigas pretas). Eram diferentes dos sarapintados que estávamos habituados a ver. Pareciam novos e os corpos magros, quase esqueléticos, particularmente dos fulas, nadavam dentro dos uniformes o que dava a sensação de que não estariam lá muito habituados a usá-los.

A maioria tinha nos pés sapatos de cor castanha, feitos de um tecido duro e resistente, amarrados com cordel. Eram leves e combinavam bem com a cor das fardas. Alguns deles usavam, ainda, plásticos simples comprados, talvez, no Senegal. Não havia muito rigor no fardamento. Os seus olhos, esses, eram muito vivos e penetrantes, em alerta permanente, com as armas ao alcance das mãos. Pela primeira vez, víamos com os nossos olhos, a famosa RPG7.


(iv) A atracção pela metrópole


Mais tarde, quando a retirada do que restava das tropas portuguesas já era iminente, um outro soldado, mecânico-auto, o Jorge, da companhia de Gadamael, ofereceu-me o livro que seria o primeiro da minha vida, cujo título era "Inglês sem mestre”,  sob um fundo de tiras azuis e vermelhas cruzadas.

Fiquei com vergonha de dizer que não o conseguia ler. Esta oferta tinha mexido comigo e tinha-me incitado a aprender a ler. Na época, não sabendo interpretar o seu conteúdo, ofereci-o ao meu irmão mais velho que estava mais avançado na escola e que o levaria consigo na sua primeira viagem de estudos a Portugal em 1980. Com ar muito triste e lamentando a nossa sorte, o Jorge disse-me naquele dia:

  Olha, Chico, nós vamos embora, os “turras” vão tomar conta disto e são capazes de matar a todos, se quiseres ir comigo eu falo com o teu pai.

  Não, nós vamos dar-lhes as nossas vacas e ficamos em paz  − respondi-lhe, rindo.

Não tinha reagido à sua oferta, como se não tivesse percebido, na realidade não estava interessado. Durante todo o tempo que passámos no quartel entre os portugueses, a informação que tínhamos da metrópole era muito escassa, dispersa, esporádica, idílica, feita principalmente de imagens de meninas brancas, cor da neve, anjos do céu, exibindo-se no jardim de Éden com os seus vestidos “volantes” (Cheira bem… cheira a Lisboa!), docemente embaladas pelo fado da Amália e o trepidante futebol do Benfica de Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, mas era, apesar de tudo, um país de brancos.

A ideia de viver, de forma permanente, no meio dos brancos e suas esquisitices não me seduzia muito, pese o facto de gostar infinitamente dos seus frangos gordurosos, da batata inglesa, do bacalhau salgado e do cheiro dos chouriços vermelhos. (Alláh, o clemente e misericordioso, me perdoará por esta pequena fraqueza humana. ).

Mesmo supondo que eu quisesse ir,  de certeza que a minha avó não mo permitiria. Ela era o meu anjo da guarda e tinha horror aos soldados, com as suas orelhas vermelhas e seus modos libertinos. “Os brancos não respeitam a idade”, dizia. “Se não, como é que se explica que os chefes (os oficiais) sejam mais novos que os subordinados?”. A vista dos soldados, ela fugia e se entrincheirava dentro da sua palhota.

Entretanto, a sua neta, nascida em tempos de Guiné Melhor do seu único filho varão, passava horas a fio a namoricar, mesmo a porta, com um malandro de orelhas vermelhas que só aparecia envolto na escuridão da noite.

Mas, o verdadeiro motivo porque não fui tentado em viajar para a metrópole, estava ligado à forma de lá chegar. Tinham-nos informado, de fontes seguras, que a única forma de uma criança entrar no navio e fazer a viagem era estar metida dentro de um caixão como faziam com os periquitos ou outros animais de estimação. A minha ideia sobre o assunto era clara e firme. Viajar metido num caixão era não, nunca e jamais. Podiam ficar com todas as sardinhas da Europa.

No fundo, também, não acreditava muito nas afirmações do meu amigo Jorge,  pois os germes do nacionalismo que tinham conquistado terreno no inicio dos anos 70 e a propaganda que tinha antecedido a entrada do PAIGC já estava a fazer efeito na consciência de muitos guineenses que não estavam seriamente comprometidos com a guerra.

O meu caso não era isolado pois, mesmo entre as pessoas adultas e que tinham servido na guerra e estando agora desmobilizadas como o Mamadu Baldé (mais conhecido por Mamadu Senegal, antigo chefe de milícias, originário do Senegal, citado numa das narrativas de José Cortes), e muitos outros naturais da zona encontravam-se no meio das pessoas que foram receber os guerrilheiros, num ambiente de festa e confraternização.

Depois da primeira visita, vieram mais outros grupos vindos de outras “barracas” (acampamentos), recebidos sempre com o mesmo entusiasmo pela população civil e militares portugueses e, no meio disso tudo, podia-se notar um facto bem curioso, a meu ver. Pela forma como os recebiam e se congratulavam, trocando pequenos presentes e “lembranças”, os soldados portugueses pareciam muito mais satisfeitos com o fim da guerra do que os guerrilheiros.

Talvez pela primeira vez na história dos conflitos armados, um dos beligerantes que, para todos os efeitos, tinha perdido a guerra, parecia estar feliz por não ter vencido. Era compreensível mas nem por isso deixava de ser intrigante.

Na minha infância, havia duas classes de pessoas as quais nutria uma grande admiração e cujo meio frequentava com muito gosto: Era a dos atletas/lutadores tradicionais (habitualmente fulas pretos) e a dos soldados (de todos os tipos), ambos apresentando características muito semelhantes no que se refere ao seu comportamento: Irreverência congénita, ousadia e provocação, ausência de pudor e inclinação para violar regras sociais pré-estabelecidas e/ou velhos tabus, a fraqueza pelas mulheres e sobretudo a predisposição constante para criar situações ridículas, hilariantes.

Lembro-me, a propósito, de uma conversa entre dois milícias em que um deles explicava ao outro, de forma convincente, que aos brancos não lhes interessava o fim das guerras, de todas as guerras e, acrescentava:

- Na terra deles há uma coisa pequena do tamanho de uma agulha que era capaz de arrasar todo o território da Guiné e matar todos os terroristas num abrir e fechar de olhos.

Agora, eu sei que ele se referia as trágicas bombas largadas sobre Hiroshima e Nagasaki. O segundo milícia, mais lúcido, tinha replicado ao primeiro:

- Deus nos livre, se isso acontecesse, tu ias esconder o teu traseiro fedorento onde, na cova de um porco-espinho?!

Perante a gargalhada geral dos presentes, a conversa que tinha começado de forma amena, terminara em pancadaria. Quem teria razão?


(v) A (mu)dança das bandeiras

Na manhã do dia 1 de Setembro de 1974, os poucos soldados que ainda estavam 
presentes (um pelotão da 2ª CCaç / BCAÇ 4514/72,, perfilaram no centro do aquartelamento para cumprir o último acto militar da entrega do quartel de Fajonquito. De um lado estavam os portugueses, doutro, os guerrilheiros. Frente a frente, pela última vez. Todos fardados com rigor. Cada grupo com a sua bandeira. As cores não eram muito diferentes, vermelha, verde e amarela. Só divergiam nos motivos, na origem e no destino. Os “ex-bandidos” também estavam distintos nesta derradeira cerimónia de passar o testemunho.

Notava-se que na fila dos portugueses, não havia muita diferença, pareciam ter sido escolhidos a dedo, altura mediana. Já do lado dos nossos, a disparidade era gritante, enquanto uns eram baixinhos, outros eram desmesuradamente altos. Como na música e na dança, na África tropical a desordem é só aparente.

Da boca do oficial saíram, de forma vigorosa, os “firme” e “ombrós-arma”, acompanhados de movimentos da tropa a condizer, a corneta soou estridente seguida pelo coro dos cães da aldeia em protesto, as armas foram apresentadas a altura dos peitos soerguidos. 

Primeiro, arriaram a bandeira portuguesa, lentamente no início, mas quando ia quase a meio do percurso, contrariando o ritmo habitual, com largos esticões o soldado fê-la cair rapidamente, atirando o pano em cima dos ombros, enquanto desfazia o nó. O gesto denunciava alguma impaciência. Depois, foi a vez da nova bandeira subir e flutuar ao vento. Garanto-vos que estávamos ansiosos e orgulhosos.

O guerrilheiro encarregue do acto deu dois passos a frente, encaixou a bandeira na corda e puxando uma das pontas, fê-la subir, normalmente. E quando estava quase a chegar ao topo, por qualquer razão, estas se emaranharam entre si deixando a bandeira presa, não podendo subir nem descer. Foi precisa uma pequena ajuda do soldado português para acabar com a trapalhada das cordas e terminar, finalmente, com a parada (seria isto um sinal para o futuro?).

Depois houve uma troca de apertos de mãos de parte a parte. Havia uma pequena assistência de populares do lado de fora dos arames farpados. Não tinham sido convidados.

Olhando para trás no tempo, esta cena onde uma dúzia de soldados está perfilada frente a frente, procedendo a passagem simbólica do poder de uma terra que tinha sido administrada durante muitos anos por militares, na ausência de qualquer autoridade ou representantes da sociedade civil, desperta em mim, pouco a pouco, a sensação de que a Guiné, a nossa querida Guiné, de facto, não tinha sido preparada para viver sob um regime civil com base em princípios de governação democrática.

Por outras palavras, a população da Guiné foi, e durante muito tempo, preparada para conviver com as ditaduras militares. Não surpreende muito, a ordem da sucessão parece inequívoca. De distrito militar repressivo (princípios do século XX), o território passou para uma província militarizada e em guerra (1963/74) e desta seguimos directamente para uma ditadura de guerrilheiros impreparados, ávidos de poder e sedentos de sangue. 

Não existe e nunca existiu uma tradição de poder civil, situada acima dos grupos étnicos. Neste aspecto, em particular, as ex-colónias francesas estavam ou ainda estão a milhas de avanço. As imagens filmadas sobre as independências desses países são disso um facto bastante revelador, pondo de parte o caso da Algéria.


(vi) Os meus amigos guerrilheiros, balantas


Foi preciso esperar pela terceira vaga de guerrilheiros, sempre em bigrupos, para finalmente conseguir fazer alguma amizade. Eram dois combatentes de etnia Balanta, naturais de Banta (região de Quinara), o Dinis e o Marcos. Pelo menos é o que me tinham dito.

Se os portugueses me tinham ensinado as primeiras letras de forma desinteressada, foi com esses jovens Balantas que acabei por assumir a real necessidade de aplicar-me aos estudos a fim de melhor poder contribuir para a construção da nossa Pátria (um vocábulo novo, com consonância especial, na altura).

Com os soldados portugueses tinha começado a moldar um instrumento, uma ferramenta de pesquisa e de trabalho mas foram estes guerrilheiros do PAIGC, esfarrapados e desnutridos que, imbuídos do espírito genuíno de libertação e emancipação de todos os povos da Guiné sem distinção, na altura, me ajudaram na definição do objectivo da minha escola. O que antes era longínquo e desconhecido, passou a ser conhecido e desejado.

Em casa o meu pai recebeu-os efusivamente, tirando o chapéu da cabeça e curvando-se em sinal de respeito antes de lhes apertar as mãos, como sempre fazia diante das autoridades. O Dinis, calma e serenamente, explicou-nos que estes gestos já não se justificavam pois, todos eles eram filhos do povo.

 Nós lutamos para acabar com a humilhação do nosso povo em geral e dos nossos pais em particular, homens e mulheres, foi isso que Cabral nos ensinou e é isso que vamos transmitir aos nossos irmãos mais novos.

Ele falava olhando para mim, meigamente.

Na estrutura militar dos guerrilheiros, havia o comandante e o adjunto do comandante, mas a partir dali já era difícil descortinar a sequência hierárquica, tanto para cima como para baixo na cadeia. Eram sinais de uma desordem latente donde podia nascer a anarquia que viria ao de cima, anos depois.

O Dinis era um combatente simples, um aldeão que, não sendo muito instruído era relativamente bem informado sobre as ideias e conceitos políticos da época. As suas palavras eram simples e claras e com ele iniciei a minha aprendizagem na escola do pensamento polítíco que começava com Cabral e terminava em Marx e Engels ou vice-versa.

Nesta viagem de iniciação político-ideológica, o Lenine era a criança prodígio que tinha encontrado o livro de um velho sábio (Marx) e graças ao qual ele tinha revelado ao mundo as ideias revolucionárias de como tornar o mundo mais justo, mais progressista, apesar das contrariedades criadas pelas forças reaccionárias da direita capitalista (os demónios). “Foram as ideias contidas nesse livro antigo que, também, permitiram a libertação do nosso povo, através de Amílcar e seus companheiros”, concluía Dinis.

No entanto ele não sabia dizer se, eventualmente, Cabral teria encontrado com o jovem Lenine, quando foi a Moscovo, à procura de tais ideias. Ele se defendia, dizendo: “Tu és jovem e já bastante avançado na escola, depois, quando fores para a União Soviética, perguntas a eles para saber, eu não sei, não estive lá, sou um simples combatente”.

Saberia mais tarde que Cabral tinha nascido no ano de 1924, no mesmo ano em que morria o líder dos sovietes, o Lenine. O mais importante aqui não era a forma mas sim o conteúdo.

A passagem dos guerrilheiros por Fajonquito foi breve, mas antes de partir, desmantelaram completamente o quartel, onde nunca chegaram a se instalar verdadeiramente, seja pelo pobre número de efectivos ou por outras razões desconhecidas. A atenção estava, sobretudo, concentrada sobre Canhámina e os caminhos de acesso à fronteira com o Senegal.

Quanto ao resto, os olhos atentos dos comissários políticos se encarregariam de velar. O fim do quartel representou, para a aldeia, o inicio da escuridão, a noite, com o desaparecimento do único grupo gerador da localidade. Ninguém tinha pensado nas consequências, aliás, nem sequer tinham dado à população a possibilidade de pensar.

Mais tarde soube que o Dinis e o Marcos se tinham voluntariamente desmobilizado e regressado para a sua aldeia natal onde continuariam a trabalhar com os jovens da sua tabanca, ajudando na recuperação das bolanhas abandonadas durante a guerra e continuando a sensibilização dos mais novos sobre os ensinamentos de Cabral no meio de histórias da luta de libertação nacional para a qual tinham dado o melhor da sua juventude.

No ano seguinte, após ter concluído o ensino primário, eu cumpriria a promessa feita ao Dinis de continuar os estudos na cidade, mais precisamente no ciclo preparatório de Bafatá,  que tinha sido aberto poucos anos antes. Já não era somente a fome e a batalha pelo reconhecimento do grupo que me impeliam para a frente mas, também, a fome pelos livros, pelo saber, pensando, no meu íntimo que a única forma de voltar a reencontrar os meus divertidos e irreverentes amigos brancos era pela via da escola.

Antes porém, de fazer a minha primeira viagem a Europa em 1985, mais precisamente à URSS, tinha ido à tabanca de Banta, no sector de Empada, à procura dos meus velhos camaradas de 1974. Na localidade, esperava-me uma pequena surpresa, pois, ninguém se lembrava dos antigos combatentes do PAIGC com os nomes de Dinis e/ou Marcos.

Penso que teria acontecido uma dessas práticas muito comuns entre os Guineenses das zonas rurais, de usar nomes (cristãos, logo civilizados) fabricados para o momento e a ocasião,  aos quais podiam livrar-se mais rapidamente que um camaleão muda as suas cores.  Na aldeia, teriam voltado aos seus verdadeiros nomes da terra, ocupando os assentos que as suas idades sociais lhes reservavam dentro da comunidade (que não coincidiam necessariamente com a idade biológica), animando as festas dos “ irãs” que habitam os grandes poilões da floresta sagrada do sul.

No caminho de regresso à cidade, perguntava-me a mim mesmo se eles existiram de facto ou se tudo não passara de pura imaginação do espírito fértil de uma criança que queria acordar cedo demais?!

Fajonquito, 17 de Junho de 2010

Cherno Baldé (**)

[ Revisão, fixação de texto, adaptação, subtítulos, para efeitos de publicação neste poste: LG]

(Continua)

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sábado, 5 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22969: (Ex)citações (402): adeus, Fajonquito!... Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro macaco-cão "sorridente" (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha... (Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/73) > O "Pifas", mascote da companhia...

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ninguém, civil ou militar,  português ou guineense, conseguiu até agora,  como o nosso Cherno Baldé,   descrever,  com tanta minúcia, vivacidade, humor, ironia, perspicácia e apreensão em relação ao futuro, o que foi a retração do dispositivo militar português e a ocupação, pacífica,  pelo PAIGC dos nossos aquartelamentos e destacamentosdas NT  e povoações sobre o nosso controlo, na sequência dos acordos  de Argel, de 25 de agosto de 1974, entre o Governo Português e o PAIGC. 

Com os seus 13/14 anos, ele foi uma testemunha, histórica, privilegiada, diremos mesmo única,  do que se passou na sua terra natal, Fajonquito, no dia 1 de setembro de 1974, bem como nas semanas antecedentes e subsequentes.  

Este comentário que ele deixou no Poste P22912,  obriga-nos a reproduzir, em duas ou três postes, já a partir de amanhã, o poste de antologia, P6864 (*), que por ser muito extenso e ter sido publicado há 11 anos e meio atrás, não é conhecido da maior dos nossos leitores.

Voltamos a dizer aqui que a série de que ele é autor,  "Memórias do Chico, menino e moço", já há muito merecia publicação em livro. Oxalá/Inshallah(/Enxalé ainda possa aparecer um patrocinador, individual ou institucional, que aceite custear parte ou a totalidade dos custos de produção editorial de uma obra que é já, em formato digital, no nosso blogue, um grande documento humano. 

A lusofonia só teria  ganhar com isso.  E é mais do que tempo de perdermos  a  mania do "politicamente correto" quando falamos do passado... O fortalecimento da amizade entre os dois povos, e e das relações entre os dois países, só tem a ganhar com a partilha de testemunhos "puros e duros" como o Cherno Baldé, o "Chico de Fanjanquito"... (LG)


2. Comentário de Cherno Baldé  ao poste P22912 (**)


Caros amigos,

De acordo com o plano do Estado-Maior, a entrega do quartel de Fajonquito devia acontecer no dia 02Set74 (*), na realidade esta cerimónia (fúnebre) foi antecipada um dia antes (ver a pesquisa de José Marcelino Martins sobre as companhias que passaram por Fajonquito).

O pequeno grupo (menos de um Pelotão da segunda companhia do BCAÇ 4514/72, comandada pelo Cap Mil Inf Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins) que restava para a entrega,  estava com os cabelos em pé de tanta pressa para deixar a localidade.

Eu, mais um grupo de crianças (todos rafeiros profissionais) que tinha ido buscar o (seu) café da manhã, fomos dos poucos que tiveram o privilégio de assistir à rápida cerimónia que decorreu na parada, junto ao mastro da bandeira, mas fora dos arames, pois o aqurtelamento, de facto, ja estava sob o controlo dos guerrilheiros, sempre armados, que nos olhavam com aquele olhar felino de homens de mato, como que a dizerem: "Pensam que isto vai continuar, seus malandros?". 

Por algum tempo, talvez 2 ou 3 meses, ainda continuámos a comer bacalhau com arroz e um pouco de batatas dos restos que tinham ficado no depósito de géneros. Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro babuino sorridente (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha.

O PAIGC sabia o que estava a fazer e, para adormecer a desconfiança dos homens grandes fulas, o primeiro bigrupo que entrou na Tabanca era constituido maioritariamente de jovens e simpáticos balantas de Sul com excepçao do homem da segurança (a PIDE do partido) e do Comissário Político que eram naturais da zona e conheciam tudo e todos. Caso fossem mandingas (nossos vizinhos e arqui-rivais), certamente, a recepção não seria a mesma e muitos iriam juntar-se aos que ja estavam do outro lado da fronteira Norte.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974

 
(***) Último poste da série > 4 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22966: (Ex)citações (401): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte II: A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval), vai usar corvos-da-nova-caledónia para recolher as beatas do chão

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19282: O Nosso Livro de Visitas (198): Gostava de ter o livro da história da 38ª Companhia de Comandos (António Cunha, 'Tony', ex-fur mil enf, camarada da dáspora, empresário, North Arlington, New Jersey, USA)


O ex.fur mil Cunha esteve temporariamente colocado em Mansoa, em 1973, na 38ª CCmds. Acabou a comissão na CCAÇ 6, em Bedanda, onde era conhecido como o Furrel Mezinho Djaló. Vive em North Arlington, New Jersey, USA. E aceitou integrar a nossa Tabanca Grande. Vai ser apresentado, em próximo postem,  como o grã-tabanqueiro nº 782.



1. Mensagem de António Cunha (Tony),. nosso camarada da diáspora nos EUA (*)


Date: segunda, 3/12/2018 à(s) 01:20
Subject: 38ª Compendia de Commandos
Caro Luis Graça

Tenho recebido os seus blogues em e-mail, e leio-os, sempre, com avidez. Obrigado pela assiduidade.

Na passada quinta-feira, foi apresentado um livro editado acerca da 38ª Companhia de Comandos. O coração  "apertou" imediatamente. (**)

Não sendo eu um Comando, nem parte da Trigésima Oitava, esta Companhia foi-me sempre muito querida, porque, em parte, fiz parte dela.
Capa do livro 

Quando eles chegaram a Bissau, o Furriel Enfermeiro da Companhia, o Rogério (se não estou em
erro), foi para o Hospital Militar tirar um curso rápido de sangue. Eu fui "encomendado" para o ir substituir na Trigésima Oitava, enquanto o curso durava.

No dia em que cheguei, tinha a Companhia sofrida a primeira casualidade que, creio, consta no livro: o soldado que, a limpar a arma, tinha fatalmente disparado a única bala de que se tinha esquecido na câmara e atingiu o companheiro.

Nessa Companhia fiz de todos amigos, especialmente o Simão (enorme de corpo e de coração), o Pignatelli (com quem várias vezes fui jantar às "Libanesas") e, inclusivamente, o (na altura) Capitão Pinto Ferreira (que sempre me tratou com muita consideração).

Quando a Companhia sofreu o primeiro grande ataque no mato, na Mata do Morés, fui com a CC 11 recebê-los, creio que em Mansabá. Foi quando vesti pela primeira vez na minha comissão a farda camuflada, surpreendendo todos quando me apresentei.

Depois do IAO, o Furriel Enfermeiro não quis trocar comigo e voltei para o Hospital Militar, tendo sido enviado a dar instrução ao Batalhão de Caçadores 4514, em Bolama, e, quando de volta, fui "enviado" até ao fim da minha comissão para Bedanda, para a CCaç 6, onde as coisas estavam bem "quentes", e onde fiquei conhecido como "Furrié Mezinho Djaló".

Quanto ao livro publicado acerca da Trigésima Oitava, seria possível indicar-me como o posso adquirir? Não creio que seja "exclusivo" para Comandos, mas se for, por favor envie (creio que deve ter o e-mail) este e-mail ao coronel Pinto Ferreira (creio ter lido ser este o posto corrente), com o requerimento de um livro, da parte do Furriel Enfermeiro Cunha. A morada está na assinatura.

Uma vez mais, obrigado pelo entusiasmo na distribuição de notícias de todas as Tabancas. Há tantos anos fora de Portugal, todas as notícias relacionadas com aqueles tempos são sempre avidamente lidas.

Cumprimentos fraternais,

António Cunha (Tony)

2. Resposta do nosso editor LG, com data de 5 do corrente:


Tony: Obrigado pelo teu contacto!...Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana... Quero, antes de mais, convidar-te para integrar esta grande comunidade virtual, a Tabanca Grande, já com 781 membros (70, infelizmente já falecidos) em menos de 15 anos... Como já há um António Cunha, tu serás o António Cunha (Tony), tal como te conhecem nos Estados U nidos.

Quanto ao teu pedido, vou já encaminhá-lo para a pessoa certa, o camarada o ex-1º cabo 'comando' Amílcar Mendes, da 38ª CCmds... E se não te importares gostava de publicar a tua mensagem. Se me mandares duas fotos (, uma do antigamente e outra atual), com uma pequena apresentação (sou fulano de tal, assim assim...), passas a ser o camarada nº 782 a sentar-se à sombra do nosso mágico e fraterno poilão...

Bom Natal, mas até lá quero mais notícias tuas. Luís Graça

PS1  - Temos malta do teu tempo, em Mansoa (38 CCdms,  CAOP 1) e depois em Bedanda (CCAÇ 6), bem como do Hospital Militar de Bissau (HM 241) ... que vais gostar de reencontrar e recordar. O batalhão a que deste formação, em Bolama,  deve ser  o BCAÇ 4514/72, que esteve em Cadique (1973/74).

PS 2 - A "CC 11" que referes, não pode ser a 11ª CCmds (, que esteve em Angola, de 1967 a 1969). Devia ser uma companhia africana, talvez a CCAÇ 13 (Bissorã), a CCAÇ 15 (Mansoa) ou CCAÇ 16 (Bachile). A CART 11 / CCAÇ 11 estava na região de Gabu. A minha CCAÇ 12 estava no setor L1 (Bambadinca). A CCAÇ 14 devia estar em Cuntima, Farim.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19147: O nosso livro de visitas (197): Conheci em Angola o cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, ex-cmdt da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, que passou por Guileje (1968/69) e que esteve prisioneiro na Índia (1961/62), tendo falecido em 2014 (Fernando Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3380, 1972/74)

(**) Vd. poste de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18139: História da Unidade - Pelotão de Morteiros 4580 (Bafatá, 1973 - 1974) (Carlos Vieira, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Vieira[1], ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), com data de 15 de Dezembro de 2017:

Caro Carlos
Já vi a publicação da foto que te enviei.
Quanto ao tempo de demora, não tens de pedir desculpa, a minha única preocupação era qualquer problema no ficheiro anexo.
Conforme tinha prometido, em anexo, vai a história do pelotão.
Quanto à publicação é para quando tiveres tempo e disponibilidade pois temos o resto das nossas vidas para recordamos aquele período que fomos obrigados a viver.

Saudações para todos os tabanqueiros,
Carlos Vieira


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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 20 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17993: Tabanca Grande (452): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), 761.º Tabanqueiro

sexta-feira, 14 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12836: In Memoriam (186): José da Cruz Policarpo (1936-2014), 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa (1988-2013), irmão mais velho dos combatentes Maria do Céu Policarpo e Fernando Policarpo

José Policarpo (1936-2014). Foto:
 Cortesia  do sítio do Patriarcado
de Lisboa
1. Morreu José Policarpo (1936-2014), cardeal patriarca de Lisboa, de 1998 a 2013...

Morreu ontem aos 78 anos, na sequência de um crise cardíaca... Morreu no combate pela vida, em plena intervenção cirúrgica, no bloco operatório de um hospital particular. (Ter-se-ia salvo se tivesse sido encaminhado para um hospital público? É possível.) O governo decretou hoje dia de luto nacional.

Não nos cabe, a nós, aqui neste blogue de ex-combatentes da guerra colonial, fazer a evocação da sua figura como cidadão, como intelectual e como homem de Igreja. E, muito menos, especular sobre o seu lugar na história da igreja e do nosso país. Na morte, há grande tendência, neste país, para o unanimismo. Não queremos cair aqui nessa pecha nacional.

Se lembramos aqui a sua memória, é também pelo facto de ter tido,  numa família numerosa de 8 irmãos, do oeste estremenho (Caldas da Rainha), pelo menos 2 irmãos combatentes na guerra colonial:

(i) a Maria do Céu Policarpo [, foto à direita, Tancos, 1961], a irmã mais nova, uma das corajosas e pioneiras 42 enfermeiras paraquedistas que serviram no ultramar, e que fez parte do 1.º curso (ao lado de mais 5 Marias), tendo obtido o seu brevet justamente no ano em que o mano José era ordenado sacerdote (1961);

(ii) o Fernando Policarpo, o  mais novo dos irmãos  (n. 1951), ex-Alf Mil pertencente a uma das subunidades do BCAÇ 4514/72 (1973/74), que passou por Nova Lamego, Guidaje, Cuntima  e região de Tombali, Cantanhez - Cadique, Cafine e Jemberém-, onde foi gravemente ferido em combate; é hoje Coronel, DFA, é escritor e professor do Colégio Militar (desde 1989), historiador, além de cofundador da Liga dos Amigos do Colégio Militar.

Aos dois, e demais família, aproveitamos para mandar, em nome pessoal e da Tabanca Grande,  um grande abraço solidário na dor pela perda do mano mais velho, que também fazia parte da nossa família alargada, já que “pais, irmãos e filhos dos nossos camaradas, nossos pais, irmãos e filhos são”... (Sejam eles cidadãos anónimos, sejam eles personalidades destacadas da via portuguesa).
.


Sobre o Fernando Policarpo (bem como sobre sobre a irmã Maria do Céu Policarpo), temos várias referências no blogue.

O Fernando Policarpo [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Liga dos Amigos do Colégio Militar], que se licenciou e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi também cofundador, em 1985, do Centro de Estudos de História Militar.

Entre outras obras, é autor de Guerras de África: Guiné (1963/-1974). Matosinhos: QuidNovi. 2006. (Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21), livro de síntese  de que já aqui, no nosso blogue, foram feitas as devidas recensões pelos nossos camaradas Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos.


Tancos, 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: (i) Maria do Céu Policarpo; (ii) Maria Ivone; (iii) Maria de Lurdes; (iv)  Maria Zulmira; (v) Maria Arminda;  e (vi)  o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor). Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois (Legenda: Rosa Serra).
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 Foto: Maria Arminda / Rosa Serra (2011). Todos os direitos reservados.


2. Evocamos o nome, a figura e a memória de José Policarpo também por respeito à comunidade eclesial católica, a que pertencerão muitos dos membros da Tabanca Grande. Somos, histórica e sociologicamente falando, um país católico. Pela minha parte, associo-o sobretudo a uma Igreja mais arejada, tolerante, plural e moderna, a do pós Vaticano II, que soube, com ele e com o seu antecessor, António Ribeiro, fazer a reconciliação entre os portugueses, os católicos, praticantes e não praticantes, e os não católicos.

Não sei o que ele, enquanto padre, pensava sobre a guerra colonial, nem sei se tinha (ou teve) alguma posição, pública, sobre este assunto relevante para todos nós (Igreja, povo de Portugal, povo das colónias...), na altura em que por lá andámos, nós e os seus irmãos, na Índia, em Angola, na Guiné e em Moçambique. Nem isso, para já nos interessa. É possível que não, que nunca se tenha pronunciado sobre a guerra (que corria o risco de se eternizar). até por que passou alguns anos em Itália, onde se licenciou, em 1968, em Teologia.

Recorde-se que José Policarpo foi nomeado bispo já depois do 25 de abril, em 1978, tendo sucedido a António Ribeiro, como 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa, em 1998. Antes tinha sido professor (1971-1986) e Reitor da Universidade Católica Portuguesa (1988-1992). Foi igualmente Reitor do Seminário dos Olivais (1970-1997). Nomeado Cardeal em 2001, participou no Conclave de 2005 que elegeu Joseph Ratzinger como Papa Bento XVI e depois no Conclave de 2013, que elegeu Jorge Bergoglio como Papa Francisco.

Dizem os seus biógrafos que foi (i): protagonista da renovação cultural da Igreja Católica em Portugal; (ii) é autor de teve cerca de cinquenta obras publicadas; (iii) era sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa; e (iv)  académico de mérito da Academia Portuguesa de História.
 
Pessoalmente, devo dizer que mal o conheci...  Há uma coisa, no entanto, que me intriga, e sobre a qual gostaria de poder um dia fazer um estudo: muitos dos oficiais e sargentos milicianos na guerra colonial foram ex-seminaristas, com uma preparação física, moral, humana, intelectual e cultural acima da média da sua geração... Não temos números, mas em todas as unidades e subunidades havia ex-seminaristas...

O(s) seminário(s) foi(foram) também uma grande fábrica de soldados... A Igreja nunca se pronunciou sobre isto, que eu saiba... Temos no blogue camaradas que passaram por lá...

O funeral de José Policarpo (1936-2014) é hoje, às 16h00, na Sé Patriarcal de Lisboa. Os seus restos mortais vão repousar no Panteão dos Patriarcas, em São Vicente de Fora. Que descanse em paz,  com Deus e com os homens. (LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12796: In Memoriam (185): Victor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, ex-cap art, cmdt, CART 2715 (Xime, 1970/71)...