Mostrar mensagens com a etiqueta BCAÇ 4514/72. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta BCAÇ 4514/72. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22976: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II: A chegada dos guerrilheiros, outrora "bandidos", agora "heróis da libertação da Pátria"...A (mu)dança das bandeiras... Os meus novos amigos, balantas...



Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > 9 de setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC, e da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito...É uma foto  histórica, em que se vê o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, então fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2005 (*)...

Foto (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Trinta e seis anos da "troca de bandeiras" , em 1 de setembro de 1974... Visita do Cherno Baldé e família > Local onde estava situado o pau da bandeira; à esquerda as ruínas do forno de cozer o pão que fazia as delícias do "Chico, menino e moço"


Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2010).
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II (*)


(iii) A chegada dos guerrilheiros


Passaram-se dias e semanas e, quando menos se esperava, foi anunciada a chegada dos guerrilheiros que devia acontecer para os lados de Oio/Caresse, zona donde se esperava que viessem, naturalmente. Toda a aldeia saiu para assistir à chegada mas, era falso alarme. No sítio indicado não estava ninguém.

Passados alguns dias, foi feito o mesmo anúncio mas, já metade da aldeia estava na dúvida e preferia esperar pela confirmação. Desta vez, efectivamente, estavam lá e, não era do lado de Caresse (oeste) mas do lado sul (Bairro Mandinga de Morcunda), donde menos se podia esperar. Tratava-se de uma táctica da guerrilha, simples diversão ou prudência de quem ainda não acreditava na sua sorte? Talvez fosse tudo isso ao mesmo tempo.

Rapidamente a notícia correu pelas aldeias da redondeza, as pessoas afluíram em massa. Crianças, jovens, mulheres, velhos; todos queriam ver a gente do mato, aliás, os “bandidos” agora convertidos em heróis da libertação nacional. 

Depois de todas as campanhas de desinformação do regime colonial, o que vimos era simplesmente inacreditável. Afinal, eram pessoas normais, como nós, dos pés a cabeça. Não tinham rabos como os animais, nem chifres como imaginamos os diabos. Encontrámo-los, alguns sentados, outros de pé, dispersos debaixo da sombra das mangueiras. Cabeludos, magricelas, olhos vermelhos, uma expressão visual que se situava algures entre o homem e o animal.

Exceptuando as armas e os uniformes que traziam, eram exactamente iguais aos prisioneiros que tínhamos visto no quartel alguns anos antes (na altura a população civil era muito céptica quanto ao serem verdadeiros “Paigecistas” inclinando-se mais para a ideia de que seriam, quando muito, cortadores de chabéu, perdidos entre as remotas aldeias oincas no mato de Caresse).

Controvérsia à parte, aqueles prisioneiros, de facto, não estavam fardados e o aspecto esfarrapado, nauseabundo, mais metia dó que medo. Sempre que podíamos, metíamos algumas coisinhas por baixo das paredes de chapas que serviam de celas, com o nariz apertado entre os dedos. Porém, entre nós, nem todos partilhavam o mesmo sentimento e havia quem aproveitasse a ocasião para dar umas pisadelas nas mãos esfomeadas que apalpavam a terra e o ar à procura do abençoado pedaço de pão. Tinham fome.

  Quem são estes, os cubanos?  − perguntava alguém ao vizinho do lado. Sem resposta.

  São estes que nos metiam tanto medo!?  − comentou, incrédula, uma mulher fula que trazia ao colo uma criança, tendo no corpo apenas o pano amarrado até a cintura pondo a mostra os seios usados, elásticos, espalmados sobre o ventre (é uma pena o “nós Alfero Cabral” não ter passado por aqui).

  Não se iluda,  mulher, no mato, cada um destes bandidos vale por dez   explicou o Queta “chauffeur”, antigo companheiro do tenente Jamanca.

Os homens que se apresentaram eram poucos (um bigrupo?) e pareciam ser mais altos do que eram na realidade, como os corredores de fundo. O comandante era um homem de etnia mandinga, de meia-idade, alto e simpático que logo cativou as atenções, vindo a revelar-se um excelente orador.

Ele mudou os hábitos da aldeia. As suas reuniões de presença obrigatória não demoravam menos de 12 horas, o que lhe valeu a alcunha de Presidente Sékou Touré. Quando as pessoas eram convocadas, diziam às suas mulheres: “Mariama, prepare a comida de manhã cedo, porque vamos a reunião de Sékou Touré”. 

No decorrer das longas reuniões do Partido, aqueles que pediam para ir satisfazer algum necessidade fisiológica, mulheres inclusive, eram acompanhados por homens armados. Começávamos a colher os frutos da verdadeira independência bem à moda dos movimentos de libertação em África.

Os guerrilheiros usavam uniformes castanhos ou cinzentos (pontilhados de pequenas formigas pretas). Eram diferentes dos sarapintados que estávamos habituados a ver. Pareciam novos e os corpos magros, quase esqueléticos, particularmente dos fulas, nadavam dentro dos uniformes o que dava a sensação de que não estariam lá muito habituados a usá-los.

A maioria tinha nos pés sapatos de cor castanha, feitos de um tecido duro e resistente, amarrados com cordel. Eram leves e combinavam bem com a cor das fardas. Alguns deles usavam, ainda, plásticos simples comprados, talvez, no Senegal. Não havia muito rigor no fardamento. Os seus olhos, esses, eram muito vivos e penetrantes, em alerta permanente, com as armas ao alcance das mãos. Pela primeira vez, víamos com os nossos olhos, a famosa RPG7.


(iv) A atracção pela metrópole


Mais tarde, quando a retirada do que restava das tropas portuguesas já era iminente, um outro soldado, mecânico-auto, o Jorge, da companhia de Gadamael, ofereceu-me o livro que seria o primeiro da minha vida, cujo título era "Inglês sem mestre”,  sob um fundo de tiras azuis e vermelhas cruzadas.

Fiquei com vergonha de dizer que não o conseguia ler. Esta oferta tinha mexido comigo e tinha-me incitado a aprender a ler. Na época, não sabendo interpretar o seu conteúdo, ofereci-o ao meu irmão mais velho que estava mais avançado na escola e que o levaria consigo na sua primeira viagem de estudos a Portugal em 1980. Com ar muito triste e lamentando a nossa sorte, o Jorge disse-me naquele dia:

  Olha, Chico, nós vamos embora, os “turras” vão tomar conta disto e são capazes de matar a todos, se quiseres ir comigo eu falo com o teu pai.

  Não, nós vamos dar-lhes as nossas vacas e ficamos em paz  − respondi-lhe, rindo.

Não tinha reagido à sua oferta, como se não tivesse percebido, na realidade não estava interessado. Durante todo o tempo que passámos no quartel entre os portugueses, a informação que tínhamos da metrópole era muito escassa, dispersa, esporádica, idílica, feita principalmente de imagens de meninas brancas, cor da neve, anjos do céu, exibindo-se no jardim de Éden com os seus vestidos “volantes” (Cheira bem… cheira a Lisboa!), docemente embaladas pelo fado da Amália e o trepidante futebol do Benfica de Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, mas era, apesar de tudo, um país de brancos.

A ideia de viver, de forma permanente, no meio dos brancos e suas esquisitices não me seduzia muito, pese o facto de gostar infinitamente dos seus frangos gordurosos, da batata inglesa, do bacalhau salgado e do cheiro dos chouriços vermelhos. (Alláh, o clemente e misericordioso, me perdoará por esta pequena fraqueza humana. ).

Mesmo supondo que eu quisesse ir,  de certeza que a minha avó não mo permitiria. Ela era o meu anjo da guarda e tinha horror aos soldados, com as suas orelhas vermelhas e seus modos libertinos. “Os brancos não respeitam a idade”, dizia. “Se não, como é que se explica que os chefes (os oficiais) sejam mais novos que os subordinados?”. A vista dos soldados, ela fugia e se entrincheirava dentro da sua palhota.

Entretanto, a sua neta, nascida em tempos de Guiné Melhor do seu único filho varão, passava horas a fio a namoricar, mesmo a porta, com um malandro de orelhas vermelhas que só aparecia envolto na escuridão da noite.

Mas, o verdadeiro motivo porque não fui tentado em viajar para a metrópole, estava ligado à forma de lá chegar. Tinham-nos informado, de fontes seguras, que a única forma de uma criança entrar no navio e fazer a viagem era estar metida dentro de um caixão como faziam com os periquitos ou outros animais de estimação. A minha ideia sobre o assunto era clara e firme. Viajar metido num caixão era não, nunca e jamais. Podiam ficar com todas as sardinhas da Europa.

No fundo, também, não acreditava muito nas afirmações do meu amigo Jorge,  pois os germes do nacionalismo que tinham conquistado terreno no inicio dos anos 70 e a propaganda que tinha antecedido a entrada do PAIGC já estava a fazer efeito na consciência de muitos guineenses que não estavam seriamente comprometidos com a guerra.

O meu caso não era isolado pois, mesmo entre as pessoas adultas e que tinham servido na guerra e estando agora desmobilizadas como o Mamadu Baldé (mais conhecido por Mamadu Senegal, antigo chefe de milícias, originário do Senegal, citado numa das narrativas de José Cortes), e muitos outros naturais da zona encontravam-se no meio das pessoas que foram receber os guerrilheiros, num ambiente de festa e confraternização.

Depois da primeira visita, vieram mais outros grupos vindos de outras “barracas” (acampamentos), recebidos sempre com o mesmo entusiasmo pela população civil e militares portugueses e, no meio disso tudo, podia-se notar um facto bem curioso, a meu ver. Pela forma como os recebiam e se congratulavam, trocando pequenos presentes e “lembranças”, os soldados portugueses pareciam muito mais satisfeitos com o fim da guerra do que os guerrilheiros.

Talvez pela primeira vez na história dos conflitos armados, um dos beligerantes que, para todos os efeitos, tinha perdido a guerra, parecia estar feliz por não ter vencido. Era compreensível mas nem por isso deixava de ser intrigante.

Na minha infância, havia duas classes de pessoas as quais nutria uma grande admiração e cujo meio frequentava com muito gosto: Era a dos atletas/lutadores tradicionais (habitualmente fulas pretos) e a dos soldados (de todos os tipos), ambos apresentando características muito semelhantes no que se refere ao seu comportamento: Irreverência congénita, ousadia e provocação, ausência de pudor e inclinação para violar regras sociais pré-estabelecidas e/ou velhos tabus, a fraqueza pelas mulheres e sobretudo a predisposição constante para criar situações ridículas, hilariantes.

Lembro-me, a propósito, de uma conversa entre dois milícias em que um deles explicava ao outro, de forma convincente, que aos brancos não lhes interessava o fim das guerras, de todas as guerras e, acrescentava:

- Na terra deles há uma coisa pequena do tamanho de uma agulha que era capaz de arrasar todo o território da Guiné e matar todos os terroristas num abrir e fechar de olhos.

Agora, eu sei que ele se referia as trágicas bombas largadas sobre Hiroshima e Nagasaki. O segundo milícia, mais lúcido, tinha replicado ao primeiro:

- Deus nos livre, se isso acontecesse, tu ias esconder o teu traseiro fedorento onde, na cova de um porco-espinho?!

Perante a gargalhada geral dos presentes, a conversa que tinha começado de forma amena, terminara em pancadaria. Quem teria razão?


(v) A (mu)dança das bandeiras

Na manhã do dia 1 de Setembro de 1974, os poucos soldados que ainda estavam 
presentes (um pelotão da 2ª CCaç / BCAÇ 4514/72,, perfilaram no centro do aquartelamento para cumprir o último acto militar da entrega do quartel de Fajonquito. De um lado estavam os portugueses, doutro, os guerrilheiros. Frente a frente, pela última vez. Todos fardados com rigor. Cada grupo com a sua bandeira. As cores não eram muito diferentes, vermelha, verde e amarela. Só divergiam nos motivos, na origem e no destino. Os “ex-bandidos” também estavam distintos nesta derradeira cerimónia de passar o testemunho.

Notava-se que na fila dos portugueses, não havia muita diferença, pareciam ter sido escolhidos a dedo, altura mediana. Já do lado dos nossos, a disparidade era gritante, enquanto uns eram baixinhos, outros eram desmesuradamente altos. Como na música e na dança, na África tropical a desordem é só aparente.

Da boca do oficial saíram, de forma vigorosa, os “firme” e “ombrós-arma”, acompanhados de movimentos da tropa a condizer, a corneta soou estridente seguida pelo coro dos cães da aldeia em protesto, as armas foram apresentadas a altura dos peitos soerguidos. 

Primeiro, arriaram a bandeira portuguesa, lentamente no início, mas quando ia quase a meio do percurso, contrariando o ritmo habitual, com largos esticões o soldado fê-la cair rapidamente, atirando o pano em cima dos ombros, enquanto desfazia o nó. O gesto denunciava alguma impaciência. Depois, foi a vez da nova bandeira subir e flutuar ao vento. Garanto-vos que estávamos ansiosos e orgulhosos.

O guerrilheiro encarregue do acto deu dois passos a frente, encaixou a bandeira na corda e puxando uma das pontas, fê-la subir, normalmente. E quando estava quase a chegar ao topo, por qualquer razão, estas se emaranharam entre si deixando a bandeira presa, não podendo subir nem descer. Foi precisa uma pequena ajuda do soldado português para acabar com a trapalhada das cordas e terminar, finalmente, com a parada (seria isto um sinal para o futuro?).

Depois houve uma troca de apertos de mãos de parte a parte. Havia uma pequena assistência de populares do lado de fora dos arames farpados. Não tinham sido convidados.

Olhando para trás no tempo, esta cena onde uma dúzia de soldados está perfilada frente a frente, procedendo a passagem simbólica do poder de uma terra que tinha sido administrada durante muitos anos por militares, na ausência de qualquer autoridade ou representantes da sociedade civil, desperta em mim, pouco a pouco, a sensação de que a Guiné, a nossa querida Guiné, de facto, não tinha sido preparada para viver sob um regime civil com base em princípios de governação democrática.

Por outras palavras, a população da Guiné foi, e durante muito tempo, preparada para conviver com as ditaduras militares. Não surpreende muito, a ordem da sucessão parece inequívoca. De distrito militar repressivo (princípios do século XX), o território passou para uma província militarizada e em guerra (1963/74) e desta seguimos directamente para uma ditadura de guerrilheiros impreparados, ávidos de poder e sedentos de sangue. 

Não existe e nunca existiu uma tradição de poder civil, situada acima dos grupos étnicos. Neste aspecto, em particular, as ex-colónias francesas estavam ou ainda estão a milhas de avanço. As imagens filmadas sobre as independências desses países são disso um facto bastante revelador, pondo de parte o caso da Algéria.


(vi) Os meus amigos guerrilheiros, balantas


Foi preciso esperar pela terceira vaga de guerrilheiros, sempre em bigrupos, para finalmente conseguir fazer alguma amizade. Eram dois combatentes de etnia Balanta, naturais de Banta (região de Quinara), o Dinis e o Marcos. Pelo menos é o que me tinham dito.

Se os portugueses me tinham ensinado as primeiras letras de forma desinteressada, foi com esses jovens Balantas que acabei por assumir a real necessidade de aplicar-me aos estudos a fim de melhor poder contribuir para a construção da nossa Pátria (um vocábulo novo, com consonância especial, na altura).

Com os soldados portugueses tinha começado a moldar um instrumento, uma ferramenta de pesquisa e de trabalho mas foram estes guerrilheiros do PAIGC, esfarrapados e desnutridos que, imbuídos do espírito genuíno de libertação e emancipação de todos os povos da Guiné sem distinção, na altura, me ajudaram na definição do objectivo da minha escola. O que antes era longínquo e desconhecido, passou a ser conhecido e desejado.

Em casa o meu pai recebeu-os efusivamente, tirando o chapéu da cabeça e curvando-se em sinal de respeito antes de lhes apertar as mãos, como sempre fazia diante das autoridades. O Dinis, calma e serenamente, explicou-nos que estes gestos já não se justificavam pois, todos eles eram filhos do povo.

 Nós lutamos para acabar com a humilhação do nosso povo em geral e dos nossos pais em particular, homens e mulheres, foi isso que Cabral nos ensinou e é isso que vamos transmitir aos nossos irmãos mais novos.

Ele falava olhando para mim, meigamente.

Na estrutura militar dos guerrilheiros, havia o comandante e o adjunto do comandante, mas a partir dali já era difícil descortinar a sequência hierárquica, tanto para cima como para baixo na cadeia. Eram sinais de uma desordem latente donde podia nascer a anarquia que viria ao de cima, anos depois.

O Dinis era um combatente simples, um aldeão que, não sendo muito instruído era relativamente bem informado sobre as ideias e conceitos políticos da época. As suas palavras eram simples e claras e com ele iniciei a minha aprendizagem na escola do pensamento polítíco que começava com Cabral e terminava em Marx e Engels ou vice-versa.

Nesta viagem de iniciação político-ideológica, o Lenine era a criança prodígio que tinha encontrado o livro de um velho sábio (Marx) e graças ao qual ele tinha revelado ao mundo as ideias revolucionárias de como tornar o mundo mais justo, mais progressista, apesar das contrariedades criadas pelas forças reaccionárias da direita capitalista (os demónios). “Foram as ideias contidas nesse livro antigo que, também, permitiram a libertação do nosso povo, através de Amílcar e seus companheiros”, concluía Dinis.

No entanto ele não sabia dizer se, eventualmente, Cabral teria encontrado com o jovem Lenine, quando foi a Moscovo, à procura de tais ideias. Ele se defendia, dizendo: “Tu és jovem e já bastante avançado na escola, depois, quando fores para a União Soviética, perguntas a eles para saber, eu não sei, não estive lá, sou um simples combatente”.

Saberia mais tarde que Cabral tinha nascido no ano de 1924, no mesmo ano em que morria o líder dos sovietes, o Lenine. O mais importante aqui não era a forma mas sim o conteúdo.

A passagem dos guerrilheiros por Fajonquito foi breve, mas antes de partir, desmantelaram completamente o quartel, onde nunca chegaram a se instalar verdadeiramente, seja pelo pobre número de efectivos ou por outras razões desconhecidas. A atenção estava, sobretudo, concentrada sobre Canhámina e os caminhos de acesso à fronteira com o Senegal.

Quanto ao resto, os olhos atentos dos comissários políticos se encarregariam de velar. O fim do quartel representou, para a aldeia, o inicio da escuridão, a noite, com o desaparecimento do único grupo gerador da localidade. Ninguém tinha pensado nas consequências, aliás, nem sequer tinham dado à população a possibilidade de pensar.

Mais tarde soube que o Dinis e o Marcos se tinham voluntariamente desmobilizado e regressado para a sua aldeia natal onde continuariam a trabalhar com os jovens da sua tabanca, ajudando na recuperação das bolanhas abandonadas durante a guerra e continuando a sensibilização dos mais novos sobre os ensinamentos de Cabral no meio de histórias da luta de libertação nacional para a qual tinham dado o melhor da sua juventude.

No ano seguinte, após ter concluído o ensino primário, eu cumpriria a promessa feita ao Dinis de continuar os estudos na cidade, mais precisamente no ciclo preparatório de Bafatá,  que tinha sido aberto poucos anos antes. Já não era somente a fome e a batalha pelo reconhecimento do grupo que me impeliam para a frente mas, também, a fome pelos livros, pelo saber, pensando, no meu íntimo que a única forma de voltar a reencontrar os meus divertidos e irreverentes amigos brancos era pela via da escola.

Antes porém, de fazer a minha primeira viagem a Europa em 1985, mais precisamente à URSS, tinha ido à tabanca de Banta, no sector de Empada, à procura dos meus velhos camaradas de 1974. Na localidade, esperava-me uma pequena surpresa, pois, ninguém se lembrava dos antigos combatentes do PAIGC com os nomes de Dinis e/ou Marcos.

Penso que teria acontecido uma dessas práticas muito comuns entre os Guineenses das zonas rurais, de usar nomes (cristãos, logo civilizados) fabricados para o momento e a ocasião,  aos quais podiam livrar-se mais rapidamente que um camaleão muda as suas cores.  Na aldeia, teriam voltado aos seus verdadeiros nomes da terra, ocupando os assentos que as suas idades sociais lhes reservavam dentro da comunidade (que não coincidiam necessariamente com a idade biológica), animando as festas dos “ irãs” que habitam os grandes poilões da floresta sagrada do sul.

No caminho de regresso à cidade, perguntava-me a mim mesmo se eles existiram de facto ou se tudo não passara de pura imaginação do espírito fértil de uma criança que queria acordar cedo demais?!

Fajonquito, 17 de Junho de 2010

Cherno Baldé (**)

[ Revisão, fixação de texto, adaptação, subtítulos, para efeitos de publicação neste poste: LG]

(Continua)

__________

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22969: (Ex)citações (402): adeus, Fajonquito!... Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro macaco-cão "sorridente" (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha... (Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/73) > O "Pifas", mascote da companhia...

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ninguém, civil ou militar,  português ou guineense, conseguiu até agora,  como o nosso Cherno Baldé,   descrever,  com tanta minúcia, vivacidade, humor, ironia, perspicácia e apreensão em relação ao futuro, o que foi a retração do dispositivo militar português e a ocupação, pacífica,  pelo PAIGC dos nossos aquartelamentos e destacamentosdas NT  e povoações sobre o nosso controlo, na sequência dos acordos  de Argel, de 25 de agosto de 1974, entre o Governo Português e o PAIGC. 

Com os seus 13/14 anos, ele foi uma testemunha, histórica, privilegiada, diremos mesmo única,  do que se passou na sua terra natal, Fajonquito, no dia 1 de setembro de 1974, bem como nas semanas antecedentes e subsequentes.  

Este comentário que ele deixou no Poste P22912,  obriga-nos a reproduzir, em duas ou três postes, já a partir de amanhã, o poste de antologia, P6864 (*), que por ser muito extenso e ter sido publicado há 11 anos e meio atrás, não é conhecido da maior dos nossos leitores.

Voltamos a dizer aqui que a série de que ele é autor,  "Memórias do Chico, menino e moço", já há muito merecia publicação em livro. Oxalá/Inshallah(/Enxalé ainda possa aparecer um patrocinador, individual ou institucional, que aceite custear parte ou a totalidade dos custos de produção editorial de uma obra que é já, em formato digital, no nosso blogue, um grande documento humano. 

A lusofonia só teria  ganhar com isso.  E é mais do que tempo de perdermos  a  mania do "politicamente correto" quando falamos do passado... O fortalecimento da amizade entre os dois povos, e e das relações entre os dois países, só tem a ganhar com a partilha de testemunhos "puros e duros" como o Cherno Baldé, o "Chico de Fanjanquito"... (LG)


2. Comentário de Cherno Baldé  ao poste P22912 (**)


Caros amigos,

De acordo com o plano do Estado-Maior, a entrega do quartel de Fajonquito devia acontecer no dia 02Set74 (*), na realidade esta cerimónia (fúnebre) foi antecipada um dia antes (ver a pesquisa de José Marcelino Martins sobre as companhias que passaram por Fajonquito).

O pequeno grupo (menos de um Pelotão da segunda companhia do BCAÇ 4514/72, comandada pelo Cap Mil Inf Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins) que restava para a entrega,  estava com os cabelos em pé de tanta pressa para deixar a localidade.

Eu, mais um grupo de crianças (todos rafeiros profissionais) que tinha ido buscar o (seu) café da manhã, fomos dos poucos que tiveram o privilégio de assistir à rápida cerimónia que decorreu na parada, junto ao mastro da bandeira, mas fora dos arames, pois o aqurtelamento, de facto, ja estava sob o controlo dos guerrilheiros, sempre armados, que nos olhavam com aquele olhar felino de homens de mato, como que a dizerem: "Pensam que isto vai continuar, seus malandros?". 

Por algum tempo, talvez 2 ou 3 meses, ainda continuámos a comer bacalhau com arroz e um pouco de batatas dos restos que tinham ficado no depósito de géneros. Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro babuino sorridente (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha.

O PAIGC sabia o que estava a fazer e, para adormecer a desconfiança dos homens grandes fulas, o primeiro bigrupo que entrou na Tabanca era constituido maioritariamente de jovens e simpáticos balantas de Sul com excepçao do homem da segurança (a PIDE do partido) e do Comissário Político que eram naturais da zona e conheciam tudo e todos. Caso fossem mandingas (nossos vizinhos e arqui-rivais), certamente, a recepção não seria a mesma e muitos iriam juntar-se aos que ja estavam do outro lado da fronteira Norte.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
___________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974

 
(***) Último poste da série > 4 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22966: (Ex)citações (401): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte II: A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval), vai usar corvos-da-nova-caledónia para recolher as beatas do chão

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19282: O Nosso Livro de Visitas (198): Gostava de ter o livro da história da 38ª Companhia de Comandos (António Cunha, 'Tony', ex-fur mil enf, camarada da dáspora, empresário, North Arlington, New Jersey, USA)


O ex.fur mil Cunha esteve temporariamente colocado em Mansoa, em 1973, na 38ª CCmds. Acabou a comissão na CCAÇ 6, em Bedanda, onde era conhecido como o Furrel Mezinho Djaló. Vive em North Arlington, New Jersey, USA. E aceitou integrar a nossa Tabanca Grande. Vai ser apresentado, em próximo postem,  como o grã-tabanqueiro nº 782.



1. Mensagem de António Cunha (Tony),. nosso camarada da diáspora nos EUA (*)


Date: segunda, 3/12/2018 à(s) 01:20
Subject: 38ª Compendia de Commandos
Caro Luis Graça

Tenho recebido os seus blogues em e-mail, e leio-os, sempre, com avidez. Obrigado pela assiduidade.

Na passada quinta-feira, foi apresentado um livro editado acerca da 38ª Companhia de Comandos. O coração  "apertou" imediatamente. (**)

Não sendo eu um Comando, nem parte da Trigésima Oitava, esta Companhia foi-me sempre muito querida, porque, em parte, fiz parte dela.
Capa do livro 

Quando eles chegaram a Bissau, o Furriel Enfermeiro da Companhia, o Rogério (se não estou em
erro), foi para o Hospital Militar tirar um curso rápido de sangue. Eu fui "encomendado" para o ir substituir na Trigésima Oitava, enquanto o curso durava.

No dia em que cheguei, tinha a Companhia sofrida a primeira casualidade que, creio, consta no livro: o soldado que, a limpar a arma, tinha fatalmente disparado a única bala de que se tinha esquecido na câmara e atingiu o companheiro.

Nessa Companhia fiz de todos amigos, especialmente o Simão (enorme de corpo e de coração), o Pignatelli (com quem várias vezes fui jantar às "Libanesas") e, inclusivamente, o (na altura) Capitão Pinto Ferreira (que sempre me tratou com muita consideração).

Quando a Companhia sofreu o primeiro grande ataque no mato, na Mata do Morés, fui com a CC 11 recebê-los, creio que em Mansabá. Foi quando vesti pela primeira vez na minha comissão a farda camuflada, surpreendendo todos quando me apresentei.

Depois do IAO, o Furriel Enfermeiro não quis trocar comigo e voltei para o Hospital Militar, tendo sido enviado a dar instrução ao Batalhão de Caçadores 4514, em Bolama, e, quando de volta, fui "enviado" até ao fim da minha comissão para Bedanda, para a CCaç 6, onde as coisas estavam bem "quentes", e onde fiquei conhecido como "Furrié Mezinho Djaló".

Quanto ao livro publicado acerca da Trigésima Oitava, seria possível indicar-me como o posso adquirir? Não creio que seja "exclusivo" para Comandos, mas se for, por favor envie (creio que deve ter o e-mail) este e-mail ao coronel Pinto Ferreira (creio ter lido ser este o posto corrente), com o requerimento de um livro, da parte do Furriel Enfermeiro Cunha. A morada está na assinatura.

Uma vez mais, obrigado pelo entusiasmo na distribuição de notícias de todas as Tabancas. Há tantos anos fora de Portugal, todas as notícias relacionadas com aqueles tempos são sempre avidamente lidas.

Cumprimentos fraternais,

António Cunha (Tony)

2. Resposta do nosso editor LG, com data de 5 do corrente:


Tony: Obrigado pelo teu contacto!...Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana... Quero, antes de mais, convidar-te para integrar esta grande comunidade virtual, a Tabanca Grande, já com 781 membros (70, infelizmente já falecidos) em menos de 15 anos... Como já há um António Cunha, tu serás o António Cunha (Tony), tal como te conhecem nos Estados U nidos.

Quanto ao teu pedido, vou já encaminhá-lo para a pessoa certa, o camarada o ex-1º cabo 'comando' Amílcar Mendes, da 38ª CCmds... E se não te importares gostava de publicar a tua mensagem. Se me mandares duas fotos (, uma do antigamente e outra atual), com uma pequena apresentação (sou fulano de tal, assim assim...), passas a ser o camarada nº 782 a sentar-se à sombra do nosso mágico e fraterno poilão...

Bom Natal, mas até lá quero mais notícias tuas. Luís Graça

PS1  - Temos malta do teu tempo, em Mansoa (38 CCdms,  CAOP 1) e depois em Bedanda (CCAÇ 6), bem como do Hospital Militar de Bissau (HM 241) ... que vais gostar de reencontrar e recordar. O batalhão a que deste formação, em Bolama,  deve ser  o BCAÇ 4514/72, que esteve em Cadique (1973/74).

PS 2 - A "CC 11" que referes, não pode ser a 11ª CCmds (, que esteve em Angola, de 1967 a 1969). Devia ser uma companhia africana, talvez a CCAÇ 13 (Bissorã), a CCAÇ 15 (Mansoa) ou CCAÇ 16 (Bachile). A CART 11 / CCAÇ 11 estava na região de Gabu. A minha CCAÇ 12 estava no setor L1 (Bambadinca). A CCAÇ 14 devia estar em Cuntima, Farim.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19147: O nosso livro de visitas (197): Conheci em Angola o cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, ex-cmdt da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, que passou por Guileje (1968/69) e que esteve prisioneiro na Índia (1961/62), tendo falecido em 2014 (Fernando Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3380, 1972/74)

(**) Vd. poste de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18139: História da Unidade - Pelotão de Morteiros 4580 (Bafatá, 1973 - 1974) (Carlos Vieira, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Vieira[1], ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), com data de 15 de Dezembro de 2017:

Caro Carlos
Já vi a publicação da foto que te enviei.
Quanto ao tempo de demora, não tens de pedir desculpa, a minha única preocupação era qualquer problema no ficheiro anexo.
Conforme tinha prometido, em anexo, vai a história do pelotão.
Quanto à publicação é para quando tiveres tempo e disponibilidade pois temos o resto das nossas vidas para recordamos aquele período que fomos obrigados a viver.

Saudações para todos os tabanqueiros,
Carlos Vieira


____________

Nota do editor

[1] - Vd. poste de 20 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17993: Tabanca Grande (452): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Bafatá, 1973/74), 761.º Tabanqueiro

sexta-feira, 14 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12836: In Memoriam (186): José da Cruz Policarpo (1936-2014), 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa (1988-2013), irmão mais velho dos combatentes Maria do Céu Policarpo e Fernando Policarpo

José Policarpo (1936-2014). Foto:
 Cortesia  do sítio do Patriarcado
de Lisboa
1. Morreu José Policarpo (1936-2014), cardeal patriarca de Lisboa, de 1998 a 2013...

Morreu ontem aos 78 anos, na sequência de um crise cardíaca... Morreu no combate pela vida, em plena intervenção cirúrgica, no bloco operatório de um hospital particular. (Ter-se-ia salvo se tivesse sido encaminhado para um hospital público? É possível.) O governo decretou hoje dia de luto nacional.

Não nos cabe, a nós, aqui neste blogue de ex-combatentes da guerra colonial, fazer a evocação da sua figura como cidadão, como intelectual e como homem de Igreja. E, muito menos, especular sobre o seu lugar na história da igreja e do nosso país. Na morte, há grande tendência, neste país, para o unanimismo. Não queremos cair aqui nessa pecha nacional.

Se lembramos aqui a sua memória, é também pelo facto de ter tido,  numa família numerosa de 8 irmãos, do oeste estremenho (Caldas da Rainha), pelo menos 2 irmãos combatentes na guerra colonial:

(i) a Maria do Céu Policarpo [, foto à direita, Tancos, 1961], a irmã mais nova, uma das corajosas e pioneiras 42 enfermeiras paraquedistas que serviram no ultramar, e que fez parte do 1.º curso (ao lado de mais 5 Marias), tendo obtido o seu brevet justamente no ano em que o mano José era ordenado sacerdote (1961);

(ii) o Fernando Policarpo, o  mais novo dos irmãos  (n. 1951), ex-Alf Mil pertencente a uma das subunidades do BCAÇ 4514/72 (1973/74), que passou por Nova Lamego, Guidaje, Cuntima  e região de Tombali, Cantanhez - Cadique, Cafine e Jemberém-, onde foi gravemente ferido em combate; é hoje Coronel, DFA, é escritor e professor do Colégio Militar (desde 1989), historiador, além de cofundador da Liga dos Amigos do Colégio Militar.

Aos dois, e demais família, aproveitamos para mandar, em nome pessoal e da Tabanca Grande,  um grande abraço solidário na dor pela perda do mano mais velho, que também fazia parte da nossa família alargada, já que “pais, irmãos e filhos dos nossos camaradas, nossos pais, irmãos e filhos são”... (Sejam eles cidadãos anónimos, sejam eles personalidades destacadas da via portuguesa).
.


Sobre o Fernando Policarpo (bem como sobre sobre a irmã Maria do Céu Policarpo), temos várias referências no blogue.

O Fernando Policarpo [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Liga dos Amigos do Colégio Militar], que se licenciou e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi também cofundador, em 1985, do Centro de Estudos de História Militar.

Entre outras obras, é autor de Guerras de África: Guiné (1963/-1974). Matosinhos: QuidNovi. 2006. (Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21), livro de síntese  de que já aqui, no nosso blogue, foram feitas as devidas recensões pelos nossos camaradas Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos.


Tancos, 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: (i) Maria do Céu Policarpo; (ii) Maria Ivone; (iii) Maria de Lurdes; (iv)  Maria Zulmira; (v) Maria Arminda;  e (vi)  o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor). Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois (Legenda: Rosa Serra).
 .
 Foto: Maria Arminda / Rosa Serra (2011). Todos os direitos reservados.


2. Evocamos o nome, a figura e a memória de José Policarpo também por respeito à comunidade eclesial católica, a que pertencerão muitos dos membros da Tabanca Grande. Somos, histórica e sociologicamente falando, um país católico. Pela minha parte, associo-o sobretudo a uma Igreja mais arejada, tolerante, plural e moderna, a do pós Vaticano II, que soube, com ele e com o seu antecessor, António Ribeiro, fazer a reconciliação entre os portugueses, os católicos, praticantes e não praticantes, e os não católicos.

Não sei o que ele, enquanto padre, pensava sobre a guerra colonial, nem sei se tinha (ou teve) alguma posição, pública, sobre este assunto relevante para todos nós (Igreja, povo de Portugal, povo das colónias...), na altura em que por lá andámos, nós e os seus irmãos, na Índia, em Angola, na Guiné e em Moçambique. Nem isso, para já nos interessa. É possível que não, que nunca se tenha pronunciado sobre a guerra (que corria o risco de se eternizar). até por que passou alguns anos em Itália, onde se licenciou, em 1968, em Teologia.

Recorde-se que José Policarpo foi nomeado bispo já depois do 25 de abril, em 1978, tendo sucedido a António Ribeiro, como 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa, em 1998. Antes tinha sido professor (1971-1986) e Reitor da Universidade Católica Portuguesa (1988-1992). Foi igualmente Reitor do Seminário dos Olivais (1970-1997). Nomeado Cardeal em 2001, participou no Conclave de 2005 que elegeu Joseph Ratzinger como Papa Bento XVI e depois no Conclave de 2013, que elegeu Jorge Bergoglio como Papa Francisco.

Dizem os seus biógrafos que foi (i): protagonista da renovação cultural da Igreja Católica em Portugal; (ii) é autor de teve cerca de cinquenta obras publicadas; (iii) era sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa; e (iv)  académico de mérito da Academia Portuguesa de História.
 
Pessoalmente, devo dizer que mal o conheci...  Há uma coisa, no entanto, que me intriga, e sobre a qual gostaria de poder um dia fazer um estudo: muitos dos oficiais e sargentos milicianos na guerra colonial foram ex-seminaristas, com uma preparação física, moral, humana, intelectual e cultural acima da média da sua geração... Não temos números, mas em todas as unidades e subunidades havia ex-seminaristas...

O(s) seminário(s) foi(foram) também uma grande fábrica de soldados... A Igreja nunca se pronunciou sobre isto, que eu saiba... Temos no blogue camaradas que passaram por lá...

O funeral de José Policarpo (1936-2014) é hoje, às 16h00, na Sé Patriarcal de Lisboa. Os seus restos mortais vão repousar no Panteão dos Patriarcas, em São Vicente de Fora. Que descanse em paz,  com Deus e com os homens. (LG)
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12796: In Memoriam (185): Victor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, ex-cap art, cmdt, CART 2715 (Xime, 1970/71)...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12160: Tabanca Grande (409): Joaquim José Nogueira Alves, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72 (Cadique e Contuboel, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Joaquim José Nogueira Alves (ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72, Cadique e Contuboel, 1974), com data de 12 de Outubro de 2013:

Camaradas:
Desde que tomei conhecimento do vosso Blogue, senti uma saudosa nostalgia do pouco tempo (para mim foi uma eternidade! ) que estive na Guiné. "Um dia vou-me associar" - pensava, mas... "Um dia,..." até hoje!

Não tanto pela "guerra" em si, mas pelas memórias dos sentidos que permaneceram ao longo deste tempo todo passado!... Não foi um tempo fácil mas não tão difícil como para os camaradas que lá estiveram mais tempo que eu. Recorde-se que fui em rendição individual, em 16 de Março de 1974, e, por isso, "beneficiei" do regresso da minha Companhia à metrópole, no dia 8 de Setembro do mesmo ano, com pouco tempo de estadia na "GUERRA".

Agora, embora lamentando o que aconteceu aos alferes que me antecederam no comando do 4.º Pelotão da 1.ª Companhia do BCAÇ 4514/72, recordo os tempos difíceis de viver na frente de uma guerra...

De tudo, o bom e o mau, quero aqui deixar uma palavra de agradecimento aos meus dois FURRIÉIS (escrevo c/ letra grande porque assim os devo classificar) que me ajudaram, imenso, a comandar um Pelotão Valoroso que, mercê das circunstâncias que os mesmos sabem e não cabe aqui referir, considero formado por HOMENS com um verdadeiro sentido de responsabilidade, entreajuda, camaradagem e... todos os predicados que se lhes possam, adequadamente, adjectivar. 

Não posso deixar de, aqui, lembrar a AMIZADE dos restantes Alferes da Companhia, mais "velhos" do que eu e que, desde o primeiro dia, me acarinharam, ensinaram, e nos últimos tempos, me deram as "baldas" como Alferes novato.

Recordo os petiscos, as "bazucas", os convívios até altas horas e muitas, muitas coboiadas!

A memória não dá para mais e os nomes escapam-se-me, com pena minha. Retenho alguns: Alferes "Tony", Santos (com quem me cruzei, fugazmente, já na vida social no Porto), Policarpo e Ferreira. Havia um que, suponho, pertencia à Engenharia e era o "Fotógrafo de Serviço" de excelente qualidade, por sinal.

Para terminar, não poderia deixar de falar na tripla, única, de enfermeiros que, com o seu humor, até faziam sorrir os doentes, dos quais apenas me recordo dum nome : O Cunha, com o qual tive alguns encontros de fugida e que morava no Porto.
A todos eles, e ao amigo Comandante da Companhia Capitão Miliciano Antunes, o meu reconhecido agradecimento de terem feito o favor de terem sido meus amigos.

Um abraço.
Joaquim José Nogueira Alves
Alferes Miliciano Atirador
1.ª Companhia do BCAÇ 4514/72

P.S.:- Como depois de regressar da vida militar, fiz uma vida de "saltibanco" , as poucas fotografias referentes à minha estada na Guiné, foram ficando pelo caminho e, as que ainda escaparam, encontram-se em muito mau estado.

Cadique, 1974 - A aguardar transporte de luxo, uma canoa indígena

Cobumba, 1974 - A quilómetros da civilização


2. Comentário de CV:

Caro camarada Joaquim Nogueira Alves,
Bem aparecido no nosso Blogue.
Como te disse na nossa troca de mensagens, foste um sortudo em ires em rendição individual para o BCAÇ 4514/72 quando a guerra estava mesmo a terminar.
Como não adivinhavas o desfecho tão breve, foste como qualquer um de nós com a ideia de cumprir minimamente o que nos era pedido, mas com o objectivo principal de voltar vivo. Felizmente que aconteceu o 25 de Abril para terminar com aquela maldita guerra, que na Guiné, principalmente, estava muito complicada.

Dizes que algumas das tuas fotos se perderam e as que tens estarão em mau estado. O que não se estragou ou perdeu, foram as tuas memórias pelo que as poderás enviar por escrito.
Apesar de tudo viveste aqueles tempos incertos depois de decretado o fim da guerra e o antes da independência, tempos esses complicados, achamos nós os que lá estivemos antes.
Poderás confirmar se as cadeias de comando se mantinham operacionais e se a disciplina foi, ou não, mais difícil de manter.
Por outro lado, as relações com o PAIGC nem sempre seria isentas de alguma tensão porque eles nos veriam, cada vez mais, como intrusos e nós nos sentiríamos a mais naquele território destinado à independência.

É disto que nos podes falar, até porque, sendo oficial, terias acesso a determinadas informações não do conhecimento mais geral.

Partindo do princípio que vais aceitar o nosso desafio, ficamos na expectativa da tua colaboração.
Resta-me deixar-te o habitual abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Ao teu dispor
O camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11957: Tabanca Grande (408): Francisco Maria Magalhães Baptista, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10146: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (36): Recordando o inesquecível amigo João, ex-1.º Cabo Mecânico da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72

1. Comentário do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, deixado no poste P10119, lembrando o seu amigo João, ex-1.º Cabo Mecânico da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4514/72 (Fajonquito):

Caro Eduardo Ferreira,

Gostei de ler estas recordações das crianças de Mansambo em que me revejo inteiramente.

E lembrei-me do meu último amigo, o João, 1.º Cabo Mecânico, que pertenceu à última Companhia (BCAÇ 4514/72) que passou por Fajonquito (sector de Contuboel, região de Bafatá).

Quem o quisesse ver devia ir à sua oficina, onde passava o tempo a construir e a reconstruir os dois Unimogs, uma Berliet e uma velha GMC, herdados das anteriores Companhias.

O João fez parte do pelotão que devia entregar o aquartelamento ao PAIGC em Setembro de 1974. Muito amigo e voluntarioso tinha prometido oferecer-me a sua cama de tropa, mas era sem contar com as artimanhas dos guerrilheiros e novos senhores do país que, tão logo chegaram, puseram trancas (guardas) na porta d’armas e proibiram o acesso ao quartel.

Na véspera da sua partida, contornei a porta e os arames e enfiei-me lá dentro, o João estava à minha espera, comovido mas receoso com a minha presença. Ele sabia que eu viria, de qualquer maneira. Mandou-me subir para a viatura e pôs-se ao volante, atravessamos a porta d’armas sem parar, os guardas olharam, mas não puderam reagir, a tempo.

Ainda hoje, são visíveis as marcas deixadas nos zincos da nossa casa, pelo portal traseiro, do Unimog que manobrava para deixar na nossa varanda o espólio que trazia ao seu pequeno amigo: Um pequeno colchão de tropa, já negro de tanto uso e dois armários feitos de caixas de madeira, daquelas onde vinham batatas da metrópole.

Toda a família estava presente para assistir à despedida do nosso amigo branco. O João, homem tímido e parco em palavras, também, aproveitou para se despedir dos meus pais e da sua lavadeira que era, nem mais nem menos, a minha própria Irmã, mas que ele conhecia de longe, pois quem tratava de trazer e levar a roupa do quartel era eu e não a menina, quase adolescente.

No fim, o João, pesaroso e o nariz vermelho, disse-me:
- Olha rapaz, desculpe, não foi possível trazer a cama de ferro.

- Não era importante, amigo João, de qualquer modo, não ficaria com ela. Após a tua partida, decidiram entregar o colchão ao nosso pai maior, ou seja, ao irmão mais velho do meu pai, único local seguro contra a argúcia e malandragem dos agentes do PAIGC. Os armários serviram de lenha para cozinhar o mata bicho do dia seguinte. Era material do inimigo, muito perigoso para os tempos que corriam.

E, eu me lembro sempre desse dia, tendo guardado dentro de mim a recordação do gesto e a postura de um homem íntegro, amigo e irmão que cumpriu a sua palavra, à risca.

Certamente, também, assim sentiram as crianças de Mansambo... de Mansabá... de Cuntima... de Bajocunda... de Canjambari... e de muitos outros lugares da Guiné que, entretanto, se foram tornando homens e sobrevivem nesta terra à deriva, sem rumo nem destino.

Um dos meninos de Mansabá que frequentava a Messe de Sargentos. Apesar do tempo já passado, julgo que se chamava Braima. Que será feito dele?
Foto e Legenda de CV

Isto é nostalgia? - Sim, uma nostalgia saudável e humana e que brota de dentro do coração dos homens bons e valorosos.

Um grande abraço para si e a todos os amigos desta Tabanca.
Cherno Baldé
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9732: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (35): O Irã animista e o Djinné muçulmano


(*) Sobre a 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72:

(i) Mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15;
(ii) Unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 4514/72;
(iii) Comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins
(iv) Assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 3549, em 15 de Junho de 1974
(v) Veio a iniciar o deslocamento para Bissau a partir de 30 de Agoosto de 1974,
(vi) Um pelotão efectuou a desactivação e entrega, ao PAIGC, do aquartelamento em 1 de Setembro de 1974.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9483: As Nossas Tropas - Quem foi quem (8): António Sousa Teles (1922-2006), ten cor art, comandante do BCAÇ 4514/72 (Cadique, 1973/74)

Poste resultante de vários comentários e trocas de mensages entre o Luís Gonçalves Vaz e o Paulo Santiago:

1. Luís Gonçalves Vaz [, foto à esquerda]:

Acabei de ler a confirmação de quem era o comandante de Cadique, pelo Paulo Santiago, como tal peço aos editores para colocar no poste da "estória do meu mano Pedro" a foto deste oficial [, à direita]... Em sua homenagem, pode ser?


Este distinto oficial, pelos vistos, era admirado e muito respeitado pelos seus soldados. Era um oficial "para toda a obra", tanto quanto sei, muito dinâmico e competente. Pelos vistos não era "fora do comum" um BCaç ser comandado por um ten cor de artilharia, segundo o camarigo Paulo Santiago.

Eu já recortei uma fotografia, que identifica o sr. tenente-coronel Sousa Teles, o de Artilharia.  isso não há duvidas, pois está bem nítido nas costas da fotografia, e pelo punho do meu falecido pai.   Pelo Eduardo Campos já tinmha sabido que "com a chegada em 20/06/73 da CSS/BCAÇ 4514, comandada pelo Ten Cor Sousa Teles, ficou o mesmo a partir dessa data, como comandante em Cadique". Tinha dúvidas era sobre a sua arma...

O Batalhão de Caçadores n.º 4514/72 foi obilizado no Regimento de Infantaria n.º 15, de Tomar, embarcou em Lisboa a 3 de Abril de 1973, chegando a Bissau a 9 do mesmo mês. Teve como Comandante o tenente-coronel António Manuel Dias Falagueiro de Sousa Teles e Segundo Comandante o major Eduardo César Franco Bélico Velasco, que viria a ser substituído no cargo pelo capitão de infantaria Jorge Xavier de Vasconcelos Mendes Belo, que era o Oficial de Informações e Operações/Adjunto da unidade.

Infelizmente, também acabei de saber que o tenente-coronel António Manuel Dias Falagueiro de Sousa Teles, que foi comandante de Cadique, já faleceu, em Lisboa, em 14/9/2006. Nascera, também em Lisboa,  em 4/10/1922, era pois do mesmo ano do meu falecido pai, Henrique Gonçalves Vaz. Tem dois filhos, o João, que é da minha idade e uma filha, Maria da Graça, que é professora. Dados da GENEALL.


2. Paulo Santiago [, foto à esquerda]

 Conheci os dois, ambos  ainda majores, e irmãos, um de Infantaria, 2º comandante do BCAÇ de Galomaro,o outro,de Artilharia, 2º comandante do BART de Bambadinca (batalhão a que pertencia o Mexia)[ BART 3873, Bambadinca, 1971/74].


Privei mais com o Sousa Teles,  infante. Com o artilheiro, pouco tempo, mas deu para perceber que eram duas personalidades muito diferentes, acho que já o escrevi tempos atrás. Verifiquei,através de um link do Luís Vaz,que o comandante de Cadique era o artilheiro, e pelo pouco que conheci,deveria ser um bom comandante.
Hoje tive a certeza que o ten-cor Sousa Teles, comandante do batalhão de Cadique,era de facto o artilheiro, António Sousa Teles, sendo que o irmão, de Infantaria, tinha como primeiro nome Arnaldo. 

Pela   foto publicada,tinha quase a certeza, que se tratava do Artilheiro. Os rostos são parecidos, mas o porte militar não engana,o Infante Sousa Teles era um civil mal fardado,se é que me entendes.

Quanto ao facto de um BCaç er comandado por um ten cor de Artilharia, nada de estranho, estive num BArt comandado por um ten cor de Infantaria (*).

_____________

Nota do editor:

Último poste do blogue > 12 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9034: As Nossas Tropas - Quem foi quem (7): João Polidoro Monteiro, Ten-Cor Inf (cmdt do BCAÇ 2861, Bissorã, 1970, e BART 2917, Bambadinca, 1971/72) (Armando Pires / David Guimarães / Paulo Santiago)

domingo, 24 de outubro de 2010

Guiné 63/74 – P7169: Fichas de Unidades (8): Batalhão de Caçadores N.º 4514/72 (Guiné, 1973/74) (José Martins)

1. Mensagem de José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 22 de Outubro de 2010:

Caro Luís

Já me não recordo se dei as informações solicitadas no mail abaixo, de qualquer forma segue:

Estive no Arquivo Histórico Militar a consultar a pasta 2-4-113-4 referente à História do BCaç 4514/72, mas o que a mesma contem é muito reduzido e não contem dados relevantes.

Pelo que li, as Unidades tiveram os seus mortos e feridos, mas não indica quem, limita-se a indicar o número de mortos e feridos o que leva a pressupor que os evacuados, como é lógico, contam como feridos.

No caso em análise, o nosso camarada Francisco Ferreira dos Santos terá sido um dos feridos em operações, provavelmente antes de 25 de Abril, evacuado para o Hospital de Bissau, vindo a falecer, em consequência dos ferimentos, na data de 10/Maio/74.

Provavelmente os ferimentos não aconselhavam a sua transferência para Lisboa.
Anexo segue a história da unidade, nos moldes habituais.

Envio com conhecimento ao Sr. José Conteiro, informando que poderá contar com a nossa colaboração, caso necessite

Um abraço
José Martins


FICHAS DAS UNIDADES (8)

Batalhão de Caçadores n.º 4514/72


Divisa: “POR VÓS"


Mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 15, de Tomar, embarca em Lisboa a 3 de Abril de 1973, chegando a Bissau a 9 do mesmo mês.

Teve como Comandante o Tenente-coronel António Manuel Dias Falagueiro de Sousa Teles e Segundo Comandante o Major Eduardo César Franco Bélico Velasco, que viria a ser substituído no cargo pelo Capitão de Infantaria Jorge Xavier de Vasconcelos Mendes Belo, que era o Oficial de Informações e Operações/Adjunto da unidade.

O comando da CCS - Companhia de Comando e Serviços - foi desempenhado, sucessivamente, pelo Capitão SGE (Serviço Geral do Exército) José Augusto Dias Veloso, Capitão SGE Ponceano Alves Martins e Tenente SGE José João Morato Ferreira.

O Batalhão realizou o IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) no Cento Militar de Instrução, no Cumeré, entre 11 de Abril e 6 de Maio de 1973, tendo seguido para o sector de Nova Lamego em 9 de Maio, para efectuar o treino operacional e a sobreposição com o Batalhão de Cavalaria n.º 3854. 

No entanto em 5 de Junho de 1973, no final do treino, é deslocado para a zona Sul onde sobrepõe e substitui o Comando Operacional n.º 4 (COP 4), instalando o Comando e a CCS em Cadique a 19 desse mês.

Assume a responsabilidade Sector S4 em 3 de Julho de 1973, em substituição do COP 4, tendo a sede em Cadique e com subsectores em Bedanda, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cabedú, Chugué, Cobumba e Jemberem. Em 1 de Fevereiro de 1974 o sector é reduzido dos destacamentos de Chugué e Cobumba e em 9, desse mês, foi reduzido do destacamento de Jemberem.

Desempenhou a sua intensa actividade na área Sul, onde houve um recrudescimento de acções contra as nossas tropas.

Na actividade desenvolvida capturou, além de outro material, 1 pistola-metralhadora, 1 espingarda, além de detectar e levantar 19 minas.

Foi rendido em 23 de Maio de 1974 no Sector S4 pelo Batalhão de Artilharia n.º 6520/73, recolhendo a Bissau para posteriormente se deslocar para a zona Leste, para render o Batalhão de Caçadores n.º 3884, assumindo a responsabilidade do Sector L2, em 15 de Junho de 1974, com a sede em Bafatá. 

Na execução do plano de retracção do dispositivo milite português, desactivou e entregou ao PAIGC os subsectores de Sare Bacar em 20 de Agosto, de Fajonquito em 01 de Setembro, de Contubuel em 02 de Setembro e os aquartelamentos de Geba e Bafatá em 07 de Setembro, data em que recolheu a Bissau a aguardar embarque, que ocorreu em 08 de Setembro de 1974 (Comando, CCS e 3.ª Companhia).


Subunidades orgânicas:

1.ª Companhia – Comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria José Custódio Sanches Antunes e, depois de efectuar o treino operacional, em Cabuca, com a Companhia de Caçadores n.º 3401, assume, em 01 de Junho de 1973, a função de subunidade de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores n.º 3854, procedendo a várias actividades operacionais nos subsectores de Canjadude, Cabuca e Quibaba. 

Foi deslocada, provisoriamente, para Bissau em 11 de Julho de 1973 e seguindo para Cadique, no dia 22 de Julho, substitui a Companhia de Caçadores n.º 4540/72 assumindo a responsabilidade do subsector, integrada no comando e dispositivo de manobra do seu batalhão. 

Em 23 de Maio de 1974 é rendida pela 1.ª Companhia do Batalhão de Artilharia n.º 6520 e é deslocada para Contubuel, no Sector L2, onde rende a Companhia de Caçadores n.º 3547 e assume a responsabilidade do subsector em 15 de Junho de 1974. 

Em 30 de Agosto de 1974 inicia o deslocamento para Bissau, tendo permanecido no destacamento um pelotão que procede à entrega do mesmo ao PAIGC em 1 de Setembro. Regressa à Metrópole em 05 de Setembro de 1974, em conjunto com a 2.ª Companhia.

2.ª Companhia – Comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins e depois de efectuar o treino operacional, em Madina Mandinga, com a Companhia de Caçadores n.º 3406, foi deslocada para Farim, afim de substituir a 1.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4512/72, assumindo a responsabilidade do subsector em 20 de Maio de 1973, deslocando para Cumtima um pelotão, para reforço da guarnição local.

 É substituída, em 14 de Setembro de 1973, pela Companhia de Caçadores n.º 4944/73 e segue para o Sector S4, substituindo a 2.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4610/72, instalando-se em Cafine, subsector de Cafal, integrada no comando e dispositivo de manobra do seu batalhão, deslocando dois pelotões para reforço da guarnição de Cobumba. 

Em 23 de Maio de 1974 a 2.ª Companhia do Batalhão de Artilharia n.º 6520/73 substitui esta subunidade em Cafine e Cobumba, que se desloca para o Sector L2, indo assumir a responsabilidade do subsector de Fajonquito e destacando dois pelotões para Cambajá, onde substituiu a força ali instalado da Companhia de Caçadores n.º 3549. 

A 20 de Agosto de 1974 entrega ao PAIGC o aquartelamento de Cambaju, retirando a força para Fajonquito.

Inicia em 30 de Agosto o regresso a Bissau para aguardar embarque, regressando à Metrópole em 05 de Setembro de 1974, em conjunto com a 1.ª Companhia.

3.ª Companhia – Comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Jorge Manuel Pedroso de Oliveira Martins, substituído pelo Capitão Miliciano de Infantaria Tiago Frederico depois de efectuar o treino operacional em Nova Lamego com a Companhia de Caçadores n.º 3405, assume, em 01 de Junho de 1973, a função de subunidade de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores n.º 4512/72, tendo sido deslocada para Guidage entre 10 de Junho até ao fim de Agosto de 1973, como reforço ao Comando Operacional n.º 3. 

Em 4 de Setembro de 1973 e rendendo a 1.ª Companhia do Batalhão de Artilharia n.º 6521/72, reforça a guarnição de Jumbemrem, integrada no dispositivo de manobra do seu batalhão. 

Tendo sido substituída pela 3.ª Companhia do Batalhão de Artilharia n.º 6520/73 em 23 de Maio de 1974, é deslocada, acompanhando o seu batalhão, para o Sector L2 onde, em 15 de Junho de 1974 rende a Companhia de Caçadores n.º 3548 e assume a responsabilidade do subsector de Geba. 

A 31 de Agosto inicia a deslocação para Bissau, ficando no local um pelotão para proceder à entrega do aquartelamento ao PAIGC em 7 de Setembro. 

Regressa à Metrópole em 08 de Setembro de 1974, em conjunto com o Comando e a CCS.


Tombaram em Campanha

Companhia de Comando e Serviços

Dinis da Conceição Marques, Soldado Atirador número mecanográfico 14842272, solteiro, filho de Eugénio Marques e de Maria José Conceição, natural do lugar de Vale de Tábuas, freguesia de Maçãs de Dona Maria e concelho de Alvaiázere, faleceu em 18 de Dezembro de 1973 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate em resultado de um ataque In na estrada entre Cadique e Jembemrem, aquando da protecção à reparação da estrada. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Maçãs de Dona Maria.
(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 235/2)

João das Neves Fernandes, Soldado Atirador número mecanográfico 13190572, solteiro, filho de Fernando Fernandes e de Conceição das Neves Tavares, natural do lugar de Moita, freguesia de Oliveirinha e concelho de Aveiro, faleceu em 18 de Dezembro de 1973, vitima de ferimentos em combate em resultado de um ataque In na estrada entre Cadique e Jembemrem, aquando da protecção à reparação da estrada. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Oliveirinha, no sarcófago exclusivo dos militares mortos no Ultramar.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 236/1)


1.ª Companhia

Alcino Dionísio Leal Rodrigues Gaio, 1.º Cabo Atirador número mecanográfico 11562572, solteiro, filho de Dionísio João Rodrigues Gaio e de Maria Zulmira Rodrigues Leal, natural da freguesia de São Félix da Marinha e concelho de Vila Nova de Gaia, faleceu em 19 de Novembro de 1973 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate em resultado de um ataque In ao aquartelamento em Cadique. Foi inumado no Cemitério de São Félix da Marinha.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 231/2)

Francisco Leite Costa, 1.º Cabo Atirador número mecanográfico 12269172, solteiro, filho de José Ferreira da Costa e de Leonor Leite, natural da freguesia de Vizela (Santo Adrião) e concelho de Felgueiras, faleceu em 02 de Janeiro de 1974, vitima de ferimentos em combate em Cadique. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Vizela (Santo Adrião).

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8º Volume – Tomo II - Livro 2, página 249/1)

Manuel Carreira Eusébio, Soldado Atirador número mecanográfico 12306072, solteiro, filho de Albino Fernandes Eusébio e de Elisa Torres Carreira, natural da freguesia de Aguçadoura e concelho de Póvoa de Varzim, faleceu em 02 de Janeiro de 1974, vitima de ferimentos em combate em Cadique. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Aguçadoura.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 249/2)

Adriano Maria Alexandre, Soldado Atirador número mecanográfico 14182872, solteiro, filho de José Alexandre e de Maria Joaquina, natural do lugar de Moita, freguesia de Pataias e concelho de Alcobaça, faleceu em 25 de Fevereiro de 1974 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate em resultado de um ataque In ao aquartelamento em Jumbembem. Foi inumado no Cemitério Paroquial da Moita.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 263/1)


2.ª Companhia

João Moreira da Cunha, Soldado Atirador número mecanográfico 12653372, solteiro, filho de José Eduardo da Cunha e de Clarinda Moreira dos Santos, natural do lugar de São Gião, freguesia de Água Longa e concelho de Santo Tirso, faleceu em 07 de Fevereiro de 1974, vitima de ferimentos em combate em Cafine. Foi inumado no Cemitério da Paróquia de Água Longa – Lugar reservado aos combatentes.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 259/2)


3.ª Companhia

Henrique dos Santos Cabral, 1.º Cabo Atirador número mecanográfico 13916172, solteiro, filho de António Vicente Cabral e de Zulmira da Piedade Santos, natural da freguesia de Ponte de Penacova e concelho de Penacova, faleceu em 07 de Outubro de 1973 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate provocado pelo rebentamento de uma mina anti-carro em Jemberem. Foi inumado no Cemitério da Carvoeira – Penacova.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 225/2)

Augusto José Abreu, Soldado Atirador número mecanográfico 14342272, solteiro, filho de João da Silva Abreu e de Alda de Jesus, natural da freguesia de Agria Grande e concelho de Figueiró dos Vinhos, faleceu em 07 de Abril de 1974 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate em Jembemrem. Foi inumado no Cemitério Municipal de Figueiró dos Vinhos.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8º Volume – Tomo II - Livro 2, página 277/1)

Francisco Ferreira dos Santos, Soldado Atirador número mecanográfico 14246272, solteiro, filho de Francisco dos Santos e de Luísa Ferreira Eugénia, natural do lugar de Vale de Água, freguesia de Juncal e concelho de Porto de Mós, faleceu em 10 de Maio de 1974 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate. Foi inumado no Cemitério Paroquial do Juncal.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 285/2)

Manuel Tomé Ferreira, Soldado Atirador número mecanográfico 14420972, casado com Maria de Fátima Coelho Lourenço, filho de Manuel dos Santos Ferreira e de Maria Fernandes Tomé, natural da freguesia de Estela e concelho de Póvoa do Varzim, faleceu em 30 de Agosto de 1974, vitima de acidente de viação no itinerário Xime - Bafatá. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Estela.

(Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1964, 8.º Volume – Tomo II - Livro 2, página 301/1)

José Marcelino Martins
22 de Outubro de 2010
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7163: Patronos e Padroeiros (José Martins) (18): Nossa Senhora do Cheche

Vd. último poste da série de 12 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6581: Fichas de Unidades (7): Companhia de Artilharia 2673 - CART 2673 (José Martins)