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terça-feira, 15 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26692: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (7): Coluna de Reabastecimento a S. João - Coluna a S. João em 08/12/69 e Colunas de reabastecimento a Lala

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


17 - COLUNA DE REABASTECIMENTO A S. JOÃO
Saída de uma coluna
Regresso da coluna
Chegada ao quartel

Sempre que estava presente em Nova Sinta e havia colunas de reabastecimento a S. João, eu fazia todas. As localidades distam cerca de dezoito quilómetros. Era sempre necessário picar a estrada para detetar e levantar minas e foram algumas que se conseguiram. Demorava algumas horas a percorrer a distância.

Numa dessas colunas chegamos a S. João ao final da tarde. Estacionamos as viaturas em local devido e preparamo-nos para comer a ração de combate. 

O alferes do destacamento veio falar comigo e muito gentilmente propôs para não comermos a ração e ofereceu uma refeição quente, nada mais nada menos que um bacalhau com batatas, com a promessa da minha parte de lhe devolver a quantidade de géneros utilizados. Oferta irrecusável. Lá arranjei dois cozinheiros improvisados e que estiveram à altura da tarefa.

 Depois da refeição o pessoal preparava-se para ir dormir num colchão muito duro. Nada mais nada menos que o estrado das viaturas, sem cobertores e sem mosquiteiros ficando à mercê dos mosquitos. Só nesse momento me apercebi que os alferes e furriéis do pelotão, tinham ido para Bolama atravessando o rio, bastante largo, num barco de fibra de vidro.

Eu lá fiquei a dormir junto dos soldados, naquele confortável colchão. O batelão que transportava a carga, estava previsto atravessar o rio, de Bolama para S. João, ao raiar da manhã. Creio que devido a questões de maré ou de segurança, a travessia foi antecipada. O alferes do destacamento recebeu uma mensagem de Bolama a informar o facto. Procurou-me e disse o que se estava a passar e que teríamos de ir fazer a segurança ao batelão. Acabou com o nosso repouso. 

Acordei os 1.ºs Cabos e estes os restantes soldados. Lá fomos para a beira rio montar o perímetro de segurança. Mais ou menos duas horas depois começamos a ouvir o motor do barco. Chegado a S. João mantivemos o plano traçado.

Aos primeiros raios de sol começamos a tarefa de descarga e a carregar as nossas viaturas. Do alferes e dos furriéis nada. Efetuada a tarefa e enquanto esperávamos por eles, a maioria do pessoal aproveitou para se banhar no rio. Depois de ter suado na trasfega da carga, comecei a suar muito mais, desta vez com o nervoso miudinho. Numa viatura sentado em cima dos caixotes, perguntava a mim mesmo o que fazer.

 Entretanto o alferes do destacamento veio informar, que o motor do barco que os levou para Bolama tinha avariado e que o capitão daquele quartel não autorizava a cedência do barco deles. Enviar uma mensagem para Nova Sintra a informar o que se estava a passar e pedir instruções? Isso iria de certeza criar problemas disciplinares aos fugitivos.

 Aguentei mais duas horas. Suava por todos os lados, até que ouvi o barulho do motor. Eram eles. Chegados, não houve tempo para conversas e iniciamos o regresso, sem que a estrada fosse novamente picada, o que era um risco muito grande. Chegamos bem ao destino. O alferes teve o bom senso de ir informar o capitão do que se tinha passado e o assunto morreu aí, salvo eventual raspanete.

Mas a história não acabou aqui, é que dois soldados também foram para Bolama e por lá adormeceram numa qualquer tabanca e ficaram. As férias antecipadas custaram-lhes sanções disciplinares


18 - COLUNA A S. JOÃO EM 08/12/69
Estrada Nova Sintra – S. João
Regresso à saída de S. João
Cais de S. João. Do outro lado é Bolama

A determinada altura a coluna parou. Foram verificados vestígios da passagem de elementos do PAIGC, tendo sido de imediato iniciada uma incursão na mata, para ver o que se passava. Ouviu-se um rebentamento. Fora acionada uma mina antipessoal, por um soldado da CCAV 2482, cujo pelotão estava destacado, temporariamente, em Nova Sintra.

De imediato foi pedida a evacuação e iniciada a preparação para a sua efetivação e na qual participei. Foi encontrada uma clareira na mata, mas mesmo assim foi necessário desmatar à catanada, mais alguma vegetação.

O helicóptero começou a sobrevoar o local e o piloto exigiu que a clareira tinha de ser alargada e devidamente sinalizada. As catanas voltaram à ação. Como sinalização tive uma ideia que foi posta em prática. Coloquei no centro do local de aterragem, duas t-shirts brancas, uma que levava vestida e outra que levava na viatura para servir de pijama, que foram cravadas ao solo com umas pequenas estacas.

Assim o helicóptero pousou em segurança e consumada a evacuação.


19 - COLUNAS DE REABASTECIMENTO A LALA

Lala é um local situado à beira de um rio, sem qualquer tipo de cais de acostagem, onde só iam as LDM que quase encostavam à margem, tendo as descargas de ser feitas rapidamente, conjugadas com as marés, para evitar que na maré baixa ficassem assentes na terra, correndo o risco de serem flageladas.


No final do trabalho toda a malta aproveitava para dar uns mergulhos e braçadas no rio.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 8 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26675: (In)citações (265): Obrigado ao vagomestre Vieira que das tripas fez coração... e ao Noratlas da FAP que, de vez em quando, nos largava uns frescos de paraquedas ( Ramiro Figueira e Carlos Barrros, 2ª CART / BART 6520/72, Nova Sintra, 1972/74)72, Nova Sintra, 1972/74)


 








Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > >2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74) > Largada de frescos e correio, de paraquedas, através do Noratlas. Fotos do álbum de Ramiro Figueira


Fotos (e legenda): © Ramiro Figueira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CART 2711 (1970/72) > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil d"Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.


Foto (e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de Ramiro Figueira, médico na situação de reforma, que foi Alf Mil Op Especiais na 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74); membro recente da Tabanca Grande (desde  23 de junho de 2022), tem 9 referências no blogue.


Data - domingo, 23/03/2025, 18:25
Assunto - Vagomestres, precisam.se! (*)


Boa tarde

Como sabem, não fui vagomestre em Nova Sintra, estas funções eram desempenhadas pelo
furriel Vieira, um homem da zona de Leiria. Não me lembro do pessoal se queixar do vagomestre, lembro-me sim das inúmeras queixas sobre a comida, mas toda a gente sabia que o vagomestre fazia o que podia com o que lhe enviavam.

Os frescos constituíam um problema realmente, mas não passou, felizmente, por “excursões” a Bissau em busca de alimentos embora algumas vezes se levantasse a questão o que acabou por nunca acontecer.



O lendário Noratlas da nossa gloriosa FAP... Fonte: Wikipedia (com a devida vénia)


Os frescos chegavam-nos do ar, literalmente…
como uma periodicidade de que não me lembro. A Força Aérea enviava um Nortlaas que os largava de paraquedas no quartel espalhando-os um pouco por todo o lado, sobretudo na pista improvisada que servia o quartel.

Recordo-me de uma das vezes um paraquedas caiu em cima dos telhados de zinco provocando um enorme barulho que simulou o rebentamento de granadas que levou a algumas corridas às valas….


Abraço
Ramiro Figueira



2. Mensagem do Carlos Barros, ex-fur mil arm pes inf, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra".

Data - Quarta, 2/04/2025, 18:01
 

O Vagomestre de Nova Sintra, da 2ª C/BART 6520/72,  era o nosso querido e amigo Vieira sempre pronto a servir-nos bem, dentro da rotineira ementa- arroz com salsichas, salsichas com arroz...- e quando havia caça - javali/gazela...- era momento de júbilo no seio dos comensais. 

Muitas vezes, os vagomestres eram criticados por todos nós todavia, eles faziam o possível dentro do orçamento exigido pelos comandantes , do Batalhão ou da Companhia.

Devo realçar, que em Nova Sintra, em 1972/74, nunca passamos fome, isto na essência da palavra, a alimentação era pouco nutritiva e os legumes eram algo que raramente víamos. Chegámos a estar 3 meses sem ver um único legume ou hortaliça...

Um dia, implantamos um "projeto rudimentar de plantação de tomates" e mal nasciam, eram logo surripiados e nunca atingiam a adolescência...

Pensamos em cultivar alfaces , um sonho que o calor abrasador da Guiné não nos permitia sonhar com esse "luxo leguminoso" e o nosso Vieira, lá fazia de "tripas coração" para satisfazer as nossas exigências. 

Este amigo continua a ir aos nossos encontros, vamos no 50º e sempre foi uma pessoa maravilhosa e só pedimos desculpa das insinuações que fazíamos aos vagomestres , acusados de pouco honestos e todos nós sabemos do que se passava dentro dos quartéis ou destacamentos onde a seriedade estava em "crise" e eles, algumas vezes, levavam por tabela!.

Obrigado, Vieira, pela tua prestação como vagomestre em Nova Sintra e, se tiveste falhas, também nós tivemos e estamos todos perdoados!... (**)

Carlos M. Lima Barros
Ex-furriel dos "Mais de Nova Sintra" 
"Armas Pesadas" - sempre alinhou , quase diariamente, no mato.
2ª CART / Bart 6520/72 (Nova Sintra, Tite, Gampará, 1972/74)

3. Comentário do editor LG:

No passado 21/03/2025, às 22:02, tinha mandado para a caixa de correio de  cerca de quatro dezenas de grão-tabanqueiros uma mensagem sob o título "Vagomestres, precisam-se!"... Poucos me responderam. Um deles foi Ramiro Figueira, hoje médico, bem como o Carlos Barros, professor reformado, ambos da 2ª C/BART 67520/72, 

 O teor da minha mensagem era o seguinte (*):

Camaradas, grão-tabanqueiros:

Uma das coisas intrigantes da Tabanca Grande é que há uma enorme escassez de... vagomestres!...

Pelas minhas contas, assim de cabeça, vivos, temos o João Bonifácio (vive no Canadá, era da CCAÇ 2402, do nosso histórico Raul Albino, já falecido) e agora Aníbal José da Silva (que foi do CCAV 2383, Nova Sintra, 1969/0)... Temos ainda o Vitor Alves, da CCAÇ 12 (2ª geração), já falecido,,, (E já me esquecia do António Tavares (ex-fur mil SAM, CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72).

No blogue e ao fim de 20 anos temos 40 referências à figura do vagomestre (2 por ano em média!)... Mas, bolas, foram nossos camaradas e ajudaram-nos a não morrer de fome...

O que se passa com eles ? Não têm boas recordações da Guiné, como todos nós temos ? Bolas, foi o tempo mais divertido das nossas vidas!

Vamos lá a comentar este bem humorado poste, escrito por uma vagomestre que já mereceu honras de Tabanca Grande!... Vocês estão a imaginar o pobre do Aníbal a carregar às costas (e a suar em pinga!) uma carcaça de vitela (!) do táxi à avioneta dos TAAG, em Bissalanca, para matar a malvada aos seus camaradas de Nova Sintra ? E, se calhar, nem recebeu um simples louvor no fim da comissão! (*)

Cinquenta anos depois, camaradas, digam lá qualquer coisinha sobre os ossos queridos vagomestres que fizeram das tripas coração!... Sem ironia!...

Bom fim de semana... E alimentem o blogue, que também tem "barriga".... Um Ab, Luís

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


(**) Último poste da série > 4 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26653: (In)citações (264): Morreu Roberta Flack aos 88 anos, a mesma Roberta Flack que acompanhava as noites do medo no mato da Guiné... (Ramiro Figueira, ex-Alf Mil Op Especiais)

terça-feira, 8 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


14 - PELOTÃO CAÇADORES NATIVOS 56

Quando chegamos a Nova Sintra não houve sobreposição com a companhia que lá estava, a CART 1743. Nós chegamos e eles partiram. Ficou o Pelotão de Caçadores Nativos n.º 56, constituído por quinze a vinte elementos. Foram eles que nos ensinaram a andar no mato, a conhecer trilhos e picadas e a indicar locais perigosos. Era malta fixe, de etnias diversas, com muitos anos de guerra.
Em reconhecimento da lealdade, o capitão Bernardo um dia chamou-me e lançou o repto de passarmos a dar-lhes alimentação gratuita. Disse-lhe que só fazendo uma experiência durante uma semana. Até essa altura adquiriam os géneros de que precisavam pagando-os.
Feita a experiência e as contas, verificamos que era possível e assim foi feito. A empatia entre nós subiu. O porta-voz deles era o Ansumame que tinha alguma formação escolar, veio ter comigo pedindo que eu fosse o fiel depositário do dinheiro de todos eles. Na secretaria havia um cofre pequeno que não estava a ser utilizado. Com a devida autorização superior passei a usá-lo. Criei envelopes individuais onde colocava o dinheiro e uma folha de conta corrente onde registava as entradas e saídas. Passei a ser banqueiro.
Aproximava-se a data prevista para nos deixarem e ir para outras paragens. Na véspera da partida, à noite, o Ansumame veio convidar-me para ir ao abrigo deles para a despedida. Quando lá cheguei, aqueles que não bebiam álcool, os muçulmanos, estavam sóbrios mas as outros nem por isso. Tive de os acompanhar ao beber um wisky e um copo de Drambuie.
No dia seguinte lá foram eles.



15 - PRIMEIRA VEZ DEBAIXO DE FOGO

O nosso batismo de fogo foi na noite de 22 de Março de 1969. Pela primeira vez ouvimos o matraquear da famosa costureirinha, espingarda automática com carregador redondo, bem como as granadas de morteiro e canhão sem recuo, que assobiavam ao sobrevoar o quartel e a rebentar para os lados da bolanha. Eles deviam estar, talvez a 1,5 klm de distância, mas na nossa ideia estariam a entrar pelo arame farpado. Dentro dos abrigos, através das friestas disparávamos a torto e a direito, o cheiro a pólvora e o fumo eram enormes. Passados alguns minutos começamos a ouvir o nosso capitão, percorrendo os vários abrigos, a berrar ordenando o cessar fogo. Provavelmente nessa noite ninguém dormiu receando nova investida.
Recordo que nesta data, dois conterrâneos faziam anos, a D. Maria Lucas e o Tonecas, tendo horas antes escrito ao amigo desejando um bom aniversário.
Nos vinte meses de permanência em Nova Sintra, fomos flagelados por dezoito vezes.
Abrigo do morteiro 81
A metralhadora Breda do 2.º pelotão
Cunhetes de munições do PAIGC


16 - EMBOSCADA VIRTUAL

No regresso de uma coluna a S. João a dado momento ouviu-se uma rajada. De imediato o pessoal saltou das viaturas e deitados na berma da picada, tomamos posição para ripostar.
Mais um fogachal dos diabos. Eu estava deitado ao lado do Bicho e os invólucros que saíam da sua G3 batiam na minha cara e sentia o quente do metal. Passados poucos minutos o alferes que comandava a coluna, apercebendo-se que o fogo era só nosso, mandou cessar fogo. Afinal o que se tinha passado? Só no quartel viemos a saber. O Xabregas afirmou que a tal rajada partiu da sua arma. Em cima da viatura com a arma destravada e com o dedo no gatilho, levou com um ramo de uma árvore na cara, provocando-lhe desequilibrio e o apertar do gatilho. Felizmente que a rajada foi na direção da mata, se fosse para o interior da viatura poderia ter atingido alguém.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

terça-feira, 1 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


11 - JOGOS DE FUTEBOL E VOLEIBOL

Equipa dos graduados
Alinhados perante a tribuna
Bandeirola fiscal linha feita ramo capim
Entrada em campo dos graduados
Fase do jogo na área dos graduados

Sempre que a actividade operacional permitia, bem como as tarefas diárias dentro do quartel jogávamos à bola. Equipa de oficiais e furriéis contra soldados, pelotão contra pelotão, os do Porto contra os de Lisboa era pretexto para um joguinho. Recordo bons jogadores, o Aníbal Oliveira, o Cardoso , o Brito e furriel David Moreira que fora guarda redes do Tirsense. Nos primeiros três meses de comissão, enquanto tivemos a companhia do Pelotão de Caçadores Nativos, os jogos eram arbitrados por um dos seus elementos, o José Pedro da Silva que tinha o sonho de ser arbitro oficial. Como eu também era conhecido por Silva, o Zé Pedro conjugando os Silvas, dizia que era meu primo. O certo é que a minha equipa era normalmente favorecida. Eu era conhecido por Nóbrega, à época jogador do FCP e o Jardim por Humberto Coelho pois era benfiquista.
Menos vezes, porque havia menos aderentes, também jogávamos voleibol. Numa das vezes em pleno jogo foi iniciada uma flagelação ao quartel. Estávamos em campo aberto e a reação imediata foi correr e aterrar dentro dum abrigo de morteiro que estava desativado.
Resultado, cabeça contra cabeça, hematoma aqui e ferida acolá, mas nada de grave.
Voltando atrás, também no futebol por três vezes o jogo foi interrompido. De futebol passou a atletismo ao correr para as valas.

Fase dum jogo de voleibol. É só estilo
Equipa de graduados


12 - NATAL E FIM DE ANO 1969
Noite de consoada 1969
Convívio pós ceia
As morteiradas da meia noite 31/12/69

Ao jantar de Natal não podia faltar o bacalhau com batatas, mas sem legumes. Bolo rei, rabanadas e outras guloseimas nem vê-las, a não ser para aqueles que receberam encomendas da família. Tivemos pessoal em patrulha noturna. Dentro do quartel estivemos vigilantes e a jogar às cartas, sendo a lerpa o jogo dominante. Nesta noite a saudade da terra e da família é mais forte.
Na passagem do ano pouco há a referir a não ser que ao bater da meia noite mandamos para o ar na direção da bolanha três morteiradas.



13 - HOTEL MIRAMAR E PENSÃO XANTRA

Quando ia a Bissau, para não ficar a fazer serviços da guarda no quartel de Brá, ficava alojado no hotel Miramar ou na pensão Xantra. O primeiro ficava próximo da marginal do rio Geba. Hotel só de nome, nem pensão era, era sim uma espelunca. Mas como o nome Miramar me era afeto, por ser o nome duma localidade da minha freguesia natal, habitualmente ficava lá. As refeições fazia-as na mesa de um civil, que fora tropa lá e que se estabeleceu com uma oficina de automóveis. O empregado que servia às mesas era lento muito lento. Dizia o civil: “este gajo só tem três velocidades, devagar, devagarinho e parado “. Os quartos eram uma desgraça, havia a cama, duas cadeiras para pendurar a roupa e mais nada. O quarto de banho, melhor dizendo a retrete era única. As portas não tinham chaves. Uma das vezes fui para entregar documentos e dinheiro na Intendência. Levava uma pasta de cabedal embrulhada em jornais e amarrada com fios para desviar atenções. A repartição onde devia fazer a entrega já estava fechada.
Tive que a levar para a espelunca. Sem chaves na porta do quarto e com medo de ser assaltado, tive uma ideia. Retirei as notas da mala, meti-as num saco de plástico, esvaziei o autoclismo da sanita e coloquei lá dentro o saco. Tive o cuidado de colocar um papel dizendo “avariada”. Dormi com alguma preocupação. Na manhã seguinte refiz o embrulho e lá fui fazer a entrega.
Na pensão Xantra, estive lá duas vezes, ambas acompanhado pelo inseparável furriel Lima, quando chegamos a Bissau para ir de férias à metrópole.
Numa delas chegamos à hora do almoço esfomeados. Comemos que nem uns alarves. Tal como as cobras, depois de saciada a fome, fomos dormir uma valente sesta. No final da tarde com a digestão feita e descansados, prepararmo-nos para ir à baixa da cidade. Fomos impedidos de o fazer. A dona da pensão, a dona Xantra convidou-nos para a banquete de casamento duma das filhas que horas antes dera o nó com um alferes aviador. Convite imediatamente aceite e sem qualquer reserva. Voltamos a encher o bandulho e depois sim fomos até à baixa caminhando para fazer a digestão. Na manhã seguinte fizemos a viagem para Lisboa e depois para o Porto.


(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

terça-feira, 25 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


8 - CANTINA
Sala do Soldado

Em setembro de 1969, por determinação do capitão Loureiro passei a assumir a gestão da cantina, acumulando com a do rancho geral.
O capitão ao assumir o comando da companhia, verificou irregularidades, creio eu por desleixo e falta de jeito do, então, gerente. Fiz-lhe ver que era muito trabalho para mim. É que não havia máquinas de calcular. As contas eram todas feitas à mão. Só havia uma máquina de somar com alavanca, obsoleta e que encravava com frequência, dando origem a erros. Soli
citei a colaboração de um ajudante tendo o pedido sido aceite.

Iniciei a recuperação de algum prejuízo verificado nas gestões anteriores e mantive a escrita em boa ordem até final da comissão sala do soldado


9 - ENCONTROS EM BISSAU
Rua do hotel Miramar
22/11/70 dia operação Mar Verde
Comendo as boas ostras da Guiné

Dos conterrâneos e amigos que encontrei em Bissau, para além do Camarinha e do André, recordo o Quim Marques que estava destacado em Farim, o Zé Pimpão e o Forte Rei. 

O Zé fazia parte da companhia de transportes e efetuava colunas de reabastecimentos para o norte da Guiné. Tinha uma casa alugada, próximo do quartel de Santa Luzia, que partilhava com outros furriéis. Nessa altura um deles estava de férias e convidou-me para ocupar a cama dele durante a minha curta estadia, o que aceitei de bom grado, pois assim evitava ir para o quartel de Brá, onde com toda a certeza me punham a fazer serviços da guarda e eu não queria.

O Forte Rei era gerente de messe de sargentos no quartel de Santa Luzia, onde o encontrei. Eu tinha tido alta do hospital militar e aguardava transporte para o mato. Após um forte abraço fitou-me e disse, é pá estás magro como um cão. Contei-lhe o que me tinha acontecido. De imediato levou-me para dentro da messe, no seu modo espalhafatoso. No seu local de trabalho chamou por alguém e ordenou: “Ó pá trata da fome a este gajo”.

Durante os três dias em que lá estive fui tratado como um príncipe.

Não era conterrâneo, mas alferes da minha companhia. Era um “ bon vivant” e cedo se percebeu que não queria estar lá por muito tempo. Engendrou uma úlcera no estômago, tendo sido evacuado para o hospital militar. Numa das minhas idas a Bissau encontrei-o na 5.ª Rep, designação dada a um café/cervejaria situado na avenida principal e da igreja.

Dizia-se até que era um local frequentado por elementos do PAIGC, procurando ouvir conversas dos nossos militares. E não é que vou encontrar o alferes a comer ostras e camarão e a beber umas canecas de cerveja. Perguntei: ”então meu alferes a beber cerveja tendo uma úlcera?“. E ele respondeu: “ó pá está calado, tenho de a alimentar senão ela morre“. 

O certo é que foi evacuado para a Metrópole tendo terminado a comissão.


10 - ENTRETENIMENTO
O Duo Ouro Negro
Fazer a barba com uma catana
O Russo, o Americano e o Português

Para além dos espetáculos que de vez em quando fazíamos entre nós, num palco montado no estrado duma camioneta mercedes, fomos brindados em datas diferentes com a presença do Duo Ouro Negro e do Show de Leónida Mendes.

Os nossos eram abrilhantados com o acordeão do furriel Azevedo. Inventávamos rábulas, sketchs, contavam-se anedotas e é claro as cantorias. Eu era como sou agora, tímido e pouco falador, não alinhando muito naquelas coisas, era só espetador atento. Mas um dia pregaram-me uma partida. O organizador disse que um alferes ou um furriel tinha de ir cantar. Colocaram numa saca quinze papéis, supostamente com o nome de todos, para efetuar um sorteio..E o contemplado fui eu ,pelo simples facto de em todos os papéis estar escrito o meu nome. E assim tive de ir cantar, tendo escolhido “ó rosa arredonda a saia “.

Foi um sucesso !...

No espetáculo do Duo Ouro Negro, improvisamos um palco no estrado de dois unimogs juntos, enfeitados com ramos de palmeira e um pano de fundo com a inscrição de “Olimpia de Nova Sintra”. O pessoal vibrou com todos os temas cantados, sobejamente conhecidos de todos.

Em junho de 1970 recebemos o espetáculo de Leónida Mendes, que se fazia acompanhar do locutor da emissora nacional Fernando Correia, da cançonetista Isabel Amora e duma senhora que tocava orgâo. Estava uma tarde muito ventosa. Os toldos que cobriam o palco estavam presos por uma pedra. Uma rajada de vento mais forte derrubou a pedra que caiu em cima do orgão e a senhora, já com alguma idade, borrou-se toda de medo, pois julgava que estávamos a ser atacados. Passado o susto o espetáculo foi retomado, só com a letra das canções, pois o orgâo foi para a sucata.

Esporadicamente ia lá um foto cine exibir filmes. Duma vez foi o furriel Martins, que estava há pouco tempo na Guiné e era a primeira saída que fazia e estava cheio de medo. O tempo de permanência seria de uma semana, mas acabou por ficar duas por falta de transporte. Então vimos filmes de todas as formas e feitios. O de cowboys foi inicialmente visto da forma normal e depois em reprise foi totalmente exibido de trás para a frente. O pistoleiro e o cavalo primeiro morriam e só depois era disparado o tiro.

“Não sou digno de ti” é o nome do filme romântico que foi exibido. O protagonista era o italiano Gianni Morandi. Nas cenas mais escaldantes, o pessoal exigia que o filme parasse por alguns momentos. A Tombó, nossa prisioneira em liberdade, não tirava os olhos de espanto do ecrã e comentava o filme à sua maneira. Dizia que o Giani Morandi era o juve (rapaz), a namorada a bajuda e a mansão a tabanca. Transportava o que via para a sua realidade e dizia, o juve vai à tabanca da bajuda.

Depois da primeira semana o Martins ambientou-se, estava mais adaptado e calmo.
Apanhou uma bebedeira de tal ordem, que eu estive quase a ser vítima do seu estado de embriaguez. 

Na altura eu tinha um bigode farfalhudo e o dele era muito incipiente. Como éramos naturais de freguesias próximas, alguém lhe disse se não tinha vergonha de ter um bigode tão enfezado relativamente ao meu. O Martins enraivecido andou atrás de mim para mo arrancar pelo por pelo e tive de andar a saltar de abrigo em abrigo fugindo dele. Alguém o agarrou, deitou-o na cama e amarrou-o. Depois de aplicada uma injeção tranquilizante serenou e dormiu que nem um justo toda a noite. 

Na manhã seguinte levantou-se ainda com os vapores do álcool e saiu do abrigo. Viu o capitão Loureiro a fazer a barba, pegou no pincel, meteu-o à boca e disse: “ meu capitão este gelado está bom e é de baunilha! “. 

No fim da segunda semana deixou-nos já com saudades. Nos anos 80 encontrava-me com ele no Porto, ao balcão do banco onde trabalhava e recordávamos os tempos da Guiné e muito nos ríamos e ameaçava: “ não voltes a aparecer aqui com o bigode, porque qualquer dia ficas sem ele “. Soube que estava doente, pelos vistos seriamente, tendo falecido.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série d18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

sábado, 22 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26606: Desaparecido do nosso radar (2): Silvério Dias, o "senhor PIFAS!



A mascote do Programa [de Informação]  das Forças Armadas (PIFAS), da responsabilidade da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica. Autor (até à data) desconhecido.  Imagem cedida  pelo nosso camarada Miguel Pessoa, cor pilav ref (ten pilav, Bissalanca, BA 12, 1972/74). 



1. Publicou há dias o Manuel Resende na página do facebook da Magnífica Tabanca da Linha > 6 de março às 17:34 

Caros Magníficos, já procurei em tudo onde podia estar o nosso Magnífico, e não o encontro. 

Alguém sabe dele? 

Mora(va) em Oeiras, o telefone está desligado, já contactei alguém da Biblioteca de Vila Velha de Ródão, onde ele era colaborador e natural, e ninguém sabe dele. 

Silvério Dias

Tinha um blog "Poeta Todos os Dias", desactivado desde finais de 2023. Disse-me ele, "Manel,  publico todos os dias alguma coisa em verso até morrer".

O seu nome é Silvério Pires Dias.

Se alguém souber algo sobre ele, diga.



2. Comentário do editor LG:

O nosso camarada o Silvério Dias, 1º srgt ref, ex-radialista do PIFAS, grão-tabanqueiro nº 651 (*),  é um cso extraordinário de "resistência e resiliência" contra os "males da idade"...

Mas também deixei, infelizmente, de ter notícias dele (**), depois do último convívio da  malta do Pifas no "Páteo Alfacinha", em Lisba, em 9/9/2023, com a presença do general Ramalho Eanes (***).

Tinha então 89 anos completados em 18 de agosto. Ainda me desafiou para aparecer, o que não me foi possível por estar fora de Lisboa. Um das últimas vezes que o vi, erá sido em Oeiras, em 2017.



Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30> A antiga equipa que deu voz e alma ao PIFAS: o primeiro sargento Silvério Dias (nosso grã-tabanqueiro nº 651) e a famosa "senhora tenente", sua esposa.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorde-se aqui, muito sumariamente,  o  percurso de vida do nosso camarada Silvério Dias: 

(i) nasceu em 19/8/1934,  em Sarnadinha, Vila Velha de Ródão  

(ii) como militar passou pela Índia, Moçambique e Guiné (ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra, 1967/69):

(iii) 1º srgt art, locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, 'Pifas', Bissau QG/CTIG, 1969/74, onde trabalhou com Ramalho Eanes e Otelo, entre outros; 

(iv) civil, foi delegado de propaganda médica, 1974/76, em Bissau; 

(v) 1º srgt art ref, casado com a "senhora tenente", também do 'Pifas',  vivia em Oeiras até finais de 2023;

(vi) editou, até 26/11/2023,  o  blogue "Poeta Todos Dias"  (criado em 2011 e onde todos os dias, publicava um, dois, três, quatro , cinco ou seis apontamentos poéticos, em geral, quadras populares, sobre temas do quotidiano, e suas memórias de militar);

(vii) teve, até então, cerca de 526,5   mil vizualizações de páginas;

(viii)  apresentou  na Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão em 23 de março de 2017 o seu livro  de poesia "Neste lugar onde nasci" (2017); 017, o seu livro  de poesia "Neste lugar onde nasci" (2017) (,

(ix) é membro da Tabanca Grande desde 24/3/2014; tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue.

Se alguém tiver notícias do Silvéro Dias, que partilhe connosco.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12894: Tabanca Grande (430): Silvério Dias, 1º srgt art ref, o senhor PIFAS, e "poeta todos os dias!...Nove anos de permanência em terras guineenses, incluindo uma comissão na CART 1802 (Nova Sintra, 1967/69)... É agora o grão-tabanqueiro nº 651

(**) Último poste da série > 3 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22168: Desaparecido do nosso radar (1): António Duarte de Paiva, ex-sold cond ambulâncias, HM 241, Bissau, 1968/70

(***) Vd. poste de 9 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24636: Convívios (972): Almoço/Convívio do pessoal do Programa das Forças Armadas da Guiné (PIFAS), hoje, 9 de Setembro de 2023, com a presença do senhor General Ramalho Eanes (João Paulo Diniz)