Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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terça-feira, 29 de julho de 2025
Guiné 61/74 - P27068: Blogpoesia (804): Versejar em Nova Sintra - 1: "Marcha de Nova Sintra", por Manuel Gouveia de Oliveira, Soldado Atirador (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação)
1. Em mensagem de 1 de Julho de 2025, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), enviou-nos alguns versos alusivos a Nova Sintra.
Publicamos hoje a "Marcha de Nova Sintra" da autoria do Soldado Atirador Manuel Gouveia de Oliveira, o "Xabregas".
VERSEJAR EM NOVA SINTRA - 1
Não me recordo de haver muitos militares a fazer versos e a havê-los não os davam a conhecer.
Eventualmente enviavam as suas “obras” à mãe, à esposa, à namorada, ou à madrinha de guerra.
Mas recordo com muita saudade o amigo Xabregas, sempre bem disposto e risonho, soldado atirador de Cavalaria de seu nome completo Manuel Gouveia de Oliveira que, sobre qualquer tema ou pretexto, repentinamente fazias as suas quadras. De várias que ele compôs, partilho com os camaradas do blogue, as duas únicas que tive a oportunidade de guardar.
MARCHA DE NOVA SINTRA
Defendemos Nova Sintra
Com muito orgulho e altivez
Pertencemos à companhia
Que é, a dois quatro oitenta e três
Aqui vai Nova Sintra
Que vai a Tite pra dar nas vistas
Andam por aqui e além
À procura dos terroristas
Terroristas venham cá
Que nós estamos à vossa espera
Agora não são catanas
Nós temos armas da nova era
Terroristas, Terroristas
Nova Sintra está cá
Se precisarem de ajuda
Nós iremos a Jabadá
Defendemos Nova Sintra
Com muito orgulho e presunção
Pertencemos à Companhia
Que é a melhor do Batalhão
Viva a nossa Companhia
Que é a melhor do Batalhão
Viva o nosso Homem Grande
Que é o nosso CAPITÃO
Autor
Manuel Gouveia de Oliveira
Soldado Atirador de Cavalaria
CCAV 2483
_____________
Nota do editor
Último post da série de 21 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26602: Blogpoesia (803): No Dia Mundial da Poesia: "A Noite Mundial da Poesia", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)
quinta-feira, 10 de julho de 2025
Guiné 61/74 - P27001: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/69) (4): A carta de condução, tirada na Escola de Condução Angélica da Conceição Racha
Decorria o verão de 1969 e a situação política não alterara em nada a situação militar.
Era muito difícil sair dos buracos que nos estavam reservados. Só com uma forte justificação tal era consentido.
Mas forte justificação tinha eu quando solicitei autorização para me deslocar a Bissau a fim de fazer exame de condução, o qual tinha sido requerido havia mais de seis meses.
Deferido. Só faltava transporte para a cidade e marcar a data do exame, depois de ter alugado viaturas para tal.
E lá fui, desta vez não me lembro de que meio de transporte nem como decorreu. Sei que marquei o exame para o dia seguinte – tinha prioridade por ser bicho de mato – e só faltava alugar a viatura.
Aluguei um camião com atrelado e uma mota para o exame das duas modalidades.
À hora marcada, o Paulo, o tal condutor, estava com as viaturas preparadas eis que chega o alferes examinador.
Comecei pelo código, a que respondi muito satisfatoriamente, depois das lições que o Durão me deu e que complementei com uma leitura rápida do livro e, passado nesta fase, passei à prática, obtida sem consentimento do Fernando Almeida.
– Um apito é para fazer dois oitos para a esquerda. Dois apitos são para fazer dois oitos para a direita. Três apitos são para regressar a este local e acabar o exame.
E lá vou eu, fazendo tudo muito certinho, regressando ao local de partida aos três apitos. Aí, quis brilhar. Lembrei-me de passar uma rasteira ao alferes e, quando quis travar para parar, a mota não parou. Entrou pela escola dentro.
– Azar, nosso furriel. Depois de uma prova tão boa não o posso passar. Deu muito nas vistas.
Fiquei vacinado e nunca mais pensei na mota. Fiquei-me pela carta de tractor com reboque.
Era assim. Agora, um pouco diferente. Vejam como circular nas rotundas.
Joaquim Caldeira
(*) Último poste da série > 6 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26989: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/60) (3): O levantamento de rancho em Nova Sintra, por causa do meu "prato", uma lata de Coca-cola, meia de água, com quatro feijões a nadar...
(**) Segundo a Wikipedia, citando a agência Lusa, em 2013 seria a escola de condução mais antiga da Guiné-Bissau.
A escola já pertenceu a um português, migrado na ex-colónica portuguesa, de seu nome Telesfório Américo Racha. Tendo mais tarde pertencido a Augusto Soares, entretanto falecido. Actualmente o proprietário é João Augusto Soares, de 59 anos, irmão do anterior dono e conhecido em Bissau como “mestre Joãozinho”.
domingo, 6 de julho de 2025
Guiné 61/74 - P26990: In memoriam (554): Apolinário Pereira Teixeira (1950-2025): natural de Fermentões, Guimarães, antigo autarca, ex-fur mil, 2ª CART / BART 6520, "Os Mais de Nova Sintar" (1972/74) (Carlos Barros)
Data - 6 julho 2025 16:54 e 17:52

Gampará era uma zona de intensos combates, com constantes flagelações do PAIGC e o saudoso ex- Furriel Apolinário (Guimarães) dizia-me: "Barros, dizem que não há inferno mas Gampará é mesmo um inferno!"...
Constantes emboscadas, flagelações ao destacamento, saídas permanentes para o mato, reforço do arame farpado, em duplicado, mortes, feridos e num desses ataques foram atingidos 3 furriéris milicianos entre outros militares que "agonizaram" durante toda a noite , dos terríveis ferimentos,
porque os "hélis" à noite, não faziam evacuações.
O Apolinário saiu desse inferno, sendo deslocado para uma companhia de africanos, tendo-se despedido dos seus amigos, com um semblante tristonho.
Paz à sua Alma
Carlos Manuel de Lima Barros
Conhecido por Barros, "O Lateiro de Nova Sintra"
Esposende, 5 de julho de 2025
Guiné 61/74 - P26989: Memórias da tropa e da guerra (Joaquim Caldeira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, Tite e Fulacunda, 1968/60) (3): O levantamento de rancho em Nova Sintra, por causa do meu "prato", uma lata de Coca-cola, meia de água, com quatro feijões a nadar...
1. Mais um excerto do livro "Guiné: Memórias da Guerra Colonia", do Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905, ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69) (*)
Mensagem do Joaquim Caldeira
Data - sexta, 4/07/205 19:41
Assunto - Levnatamento de rancho
Caro Luis. O post de hoje tem a ver com as dificuldades passadas em Nova Sintra, local de má memória, até pelo texto anexo (*).Um abraço e feliz fim de semana.
J.Caldeira.
Imagem à direita: Capa do livro de Joaquim Caldeira, "Guiné - Memórias da Guerra Colonial", publicado pela Amazona espanhola (2021)
Nova Sintra. Já aqui referida muitas vezes e sempre pelas piores razões. Chegámos a passar fome. E o trabalho era incessante. Andávamos todos mal nutridos e esgotados, além de cheios de medo de que aquele fosse o nosso último dia.
A comida era uma desgraça em qualidade – já nem nos preocupava a qualidade – e em quantidade.
Certo dia, hora de almoçar, peguei na minha lata de Coca-Cola, à qual tinha sido retirada a tampa, e me dirigi para a improvisada cozinha onde o cabo cozinheiro fazia o melhor que podia e tinha e, nesse dia, perdi a razão.
A minha lata vinha meia de água e tinha quatro feijões a nadar. E era o meu almoço, igual ao de todos, capitão incluído. Talvez para ele houvesse cinco ou seis feijões dentro do caldo. A taça era também a lata de Coca-Cola. Danei-me. Fiz uma chinfrineira danada – por isso é que digo que me danei – e aconselhei os soldados a recusar comer.
Aí, entra em ação o segundo comandante, alferes Barros, engenheiro de profissão, homem muito sensato e que eu admirava pela sua cortesia e fair-play. Pegou-me no braço e tentou arrastar-me para longe dos soldados. Eu não aceitei e continuei a reclamar e a aconselhar o levantamento de rancho. Estava cheio de fome e aquilo não era comida suficiente para o resto do dia que se adivinhava muito trabalhoso e difícil.
Com uma calma que só o bom do alferes Barros, lá me fez acalmar e sugeriu-me
que repetisse a dose, se ainda desse para repetir.
A custo, aceitei a sugestão dele mas entendia que era injusto eu poder repetir só porque tinha reclamado e, os restantes terem que ficar só pela dose de água e quatro feijões. E não repeti.
Interveio o capitão que me disse que podia acontecer eu ser preso pelo delito que estava a cometer e que devia dar bons exemplos, dada a minha posição de comandante de secção, etc. etc.
Para mais, se fosse para a prisão, deixaria de correr riscos e teria três refeições diárias.
E assim ficou a minha rebelião que, afinal, não chegou a servir para nada.
Coitados dos que tiveram que passar fome, nesse e nos dias que se seguiram. Coisas que só podiam ser compreendidas pelo estado de graça ou de guerra em que vivíamos.
Hoje, passados tantos anos, penso que fiz bem em ter-me revoltado e fiz bem por ter acatado as sugestões do senhor Barros, a quem endereço um forte abraço e peço que, se um dia vier a ler estas linhas, se recorde deste episódio.
(Revisão / fixação de texto: LG)
______________
Notas do editor LG:
(*) Originalmente publicado no blogue do autor, que foi descontinuado e não consgeruimos recuperar nem Arquivo.pt nem no Archive Net
http://ccac2314.blogspot.com/2010/07/levantamento-de-rancho.htmlterça-feira, 17 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26930: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (16): Para recordar; Quadro de Honra; Feridos em combate e Outros que serão sempre lembrados

49 - PARA RECORDAR
A amizade entre todos era forte e sincera, que ainda hoje perdura. Mas dada a maior convivência destaco:
- Furriel Jardim, um bom amigo, conversador e conselheiro.
- Furriel Lima e Furriel Oliveira Miranda, os irmãos metralha, sempre pegados como o cão e o gato, mas bons amigos.
- Furriel Baeta, autêntico computador à época, grande memória pois sabia de cor algumas dezenas de números mecanográficos. Passados vinte anos num convívio perguntei-lhe se sabia o meu, tendo respondido de pronto 06026567 e é mesmo.
- Furriel Bettencourt, mais do que enfermeiro foi o médico que nunca tivemos.
- Furriel Brito, o nosso fotógrafo e DJ no quarto de Tite.
- Soldado Xabregas, espirituoso e sempre bem disposto e o poeta que escreveu a letra da marcha de Nova Sintra que começava assim:
Obviamente não posso deixar de referir o capitão Bernardo, o nosso chefe, amigo de toda a gente, grande condutor de homens, cuja perda prematura foi muito sentida. Jamais esquecerei uma das suas palavras de ordem “à falta de meios avança a imaginação
50 - QUADRO DE HONRA
24 de Julho de 1969 - Soldado Adelino Sousa Santos
04 de Agosto de 1969 - Soldado Domingos Conceição Verdades Ventinhas
17 de Novembro 1969 - 1.º Cabo José Maria Lomba
51 - FERIDOS EM COMBATE
Cap Cav - Joaquim Manuel Correia Bernardo, em 11/07/69
Fur Mil - José Joaquim Oliveira Miranda, em 24/07/69
Fur Mil - Aníbal José Soares da Silva, em 04/08/69
Fur Mil - Fernando José Barriga Vieira, em 17/11/69
1.º Cabo - Manuel João
Soldado - Isidoro Soares Machado
Soldado - Gabriel Matias dos Santos, em 17/11/69
Soldado - António Augusto Soares Poupada, em 17/11/69
Soldado - Leonel Jorge Pascoal Germano, em 17/11/69
Soldado - Joaquim Marques Batista, em 17/11/69
Soldado - José Maria Silva Soares
52 - OUTROS QUE SERÃO SEMPRE LEMBRADOS
E que entretanto faleceram, após o regresso a casa:
1.º Sargento Josué Júlio Monteiro Ludovico
2.º Sargento José Fidalgo Canaveira
Fur Mil Alberto Augusto Ramos P. Azevedo
Fur Mil José Santos Moreira
Fur Mil Jorge Manuel Frazão Damaso
1.º Cabo Artur Oliveira Soares
1.º Cabo Gregório João Revés
1.º Cabo José Correia
1.º Cabo José Manuel Chambrinho Braz
1.º Cabo Rogélio Carlos Cipriano
1.º Cabo Sérgio Alves Pereira
Soldado Amândio Alves Amaral
Soldado António Francisco Soares
Soldado António Jesus Garcia
Soldado António Augusto Fernandes Poupada
Soldado Carlos Alberto Neves Lourenço
Soldado Fernando Jacinto da Silva
Soldado Gustavo Liz Castro
Soldado João Henrique Martins Boleto
Soldado Joaquim Marques Batista
Soldado José Augusto Batista Rodrigues
Soldado José Guerreiro Estevans
Soldado José Joaquim Alves Cruz
Soldado Leonel Jorge Pascoal Germano
Soldado Manuel Gouveia de Oliveira (Xabregas)
ARCOZELO – GAIA, 01 de JUNHO DE 2020
(FIM)
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Nota do editor
Vd. posts da série de:
4 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26551: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (1) Formação do BCAV 2867 - Partida para a Guiné e Chegada a Bissau
11 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26573: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (2): Partida para Nova Sintra - Chegada a Nova Sintra - Em Nova Sintra
18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação
25 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento
1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra
8 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual
15 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26692: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (7): Coluna de Reabastecimento a S. João - Coluna a S. João em 08/12/69 e Colunas de reabastecimento a Lala
22 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26714: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (8): O gerador; O bezerro; Os cães e a raiva; As botas trocadas; As abelhas e As rolas
29 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26743: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (9): Messe de sargentos; O Correio; A Enfermagem; As Transmissões e A Ferrugem
6 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26770: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (10): Os grandes azares; Insensatez; O ronco; Caso do Furriel Moreira e Chuveiro do abrigo dos Morteiros
13 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26796: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (11): Uma jóia de criança; A Tombó; Abutres e pelicanos e As larvas de asa branca
20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (12): O meu acidente
27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker
3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau
e
10 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26904: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (15): A despedida do Quartel de Brá e o Regresso
terça-feira, 10 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26904: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (15): A despedida do Quartel de Brá e o Regresso

47 - DESPEDIDA DO QUARTEL DE BRÁ
Todo o Batalhão aprumado e engraxado apresentou-se, sem armas, ao General Spínola.
Depois do discurso de despedida proferido pelo General, seguiu-se a leitura dos louvores para as Companhias. Das quatro, a CCS e três operacionais, só a minha a CCAV 2483, os gloriosos "CAVALEIROS DE NOVA SINTRA", não recebeu qualquer louvor. Mais uma grande desilusão. Se fomos para Nova Sintra porque éramos a Companhia mais bem preparada para lá permanecer os primeiros seis meses, mas acabamos por ficar vinte, com o pior aquartelamento em termos de instalações e o mais doloroso, tivemos cinco mortos em combate e as outras nenhum, salvo a CCS que teve um por acidente com arma de fogo dentro do quartel. Não é de esquecer que o nosso capitão foi gravemente ferido. Sei a razão, naquele momento o nosso Comandante de Companhia era um alferes e o de todas as outras eram capitães do quadro permanente. Quero com isto dizer, que os louvores não se destinavam às companhias, pois estas extinguiam-se à chegada a Estremoz, mas sim aos capitães do quadro que tinham carreiras militares a seguir. Para além duma grande injustiça, foi também uma humilhação, desta maldita guerra.
48 - O REGRESSO
Embarcamos no navio Úige no dia 22 de Dezembro de 1970. O pessoal estava e continuou eufórico até à chegada a Lisboa. A noite de Natal foi passda a bordo. Para além do jantar habitual, à meia noite foi servida uma ceia, com tudo o que comporta uma ceia daquela noite. Bacalhau com batatas e legumes, bolo rei, rabanadas e outras goluseimas, sem esquecer o tinto e o branco, e o espumante. No dia de Natal o barco foi autorizado pelas autoridades marítimas espanholas a aproximar-se do porto de Las Palmas, sendo visível a marginal, as palmeiras e o movimento automóvel. Chegamos a Lisboa no inicio da noite do dia 28, mas dado que não podiamos atracar, o barco ficou ancorado ao largo. De certeza que ninguém dormiu. Rádios, gravadores e cantoria fizeram-se ouvir toda a noite. De manhã cedo do dia 29, o barco atracou ao cais e começou o desembarque. As malas e os sacos estavam pesados por causa das compras, o que o tornou mais lento. No cais o pessoal desenfreado ía à procura dos seus familiares. Com facilidade encontrei os meus pais e irmã.
É o momento em que não de pode controlar as lágrimas. Seguiu-se o agrupar das tropas para o desfile perante as autoridades militares.
As camionetas da Setubalense esperavam por nós e entrado o último militar iniciou-se a viagem para Estremoz. No quartel, ordeiramente fizemos a entrega do fardamento e efetuadas as demais formalidades finalmente pudemos vestir a roupa civil. Seguiram-se as despedidas sempre emocionadas, com a promessa de encontros futuros, que felizmente acontecem todos os anos. Oa cafés encheram-se para o último copo. Num deles o meu amigo Jardim quis conhecer o meu pai e eu sabia porquê. Tentou convencê-lo a deixar-me ir com ele para Angola, a sua terra natal. Dizia que a avó queria que ele fosse gerir umas fazendas ou roças e pretendia levar-me para o ajudar. Ainda em Nova Sintra ao luar africano, por diversas vezes ensaboou-me a cabeça, procurando convencer-me. Não fui por razões familiares e porque tinha assegurado o regresso ao meu emprego. Grande amigo o Jardim. Por quatro vezes veio ao nosso convívio annual e na primeira emocionei-me com uma lágrima ao canto do olho.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau
quinta-feira, 5 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26884: S(C)em Comentários (70): O quarto dos furriéis em Tite... e as maroteiras que pregávamos ao Miranda (Aníbal Silva, ex-fur mil SAM, CCAV 2483, Nova Sintra e Tite, 1969/70)
Foto (e legenda): © Aníbal José da Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(i) Aníbal José da Silva (Vila Nova de Gaia) (ex-fur mil SAM, CCAV 2482, Nova Sintra e Tite, 1968/69):
Aproximava-se o regresso à Metrópole e alguns já tinham comprado aparelhagens de som. Lembro a do Brito e o famoso Akai do Jardim, que tocavam à vez.
Para além disso também se faziam algumas maroteiras, sendo as principais vítimas o Teixeira e sobretudo o Oliveira Miranda:
- um dia, ou melhor uma noite, o Miranda, ao regressar dum patrulhamento noturno, ao abrir a porta do quarto, estrategicamente entreaberta, levou em cima da cabeça com uma bacia cheia de água;
- outra vez colocámos velas acesas nas extremidades da cama dele e sentámo-nos à volta, simulando um velório;
- noutra vez o Miranda entrou e verificou que estava tudo calmo; a luz estava apagada e aparentemente toda a gente a dormir: "hum, disse ele, deve estar algum santo para cair do altar e que o que é que estes camelos estão preparados para fazer"...
- aparentemente nada, mas sim havia algo....O Miranda foi tomar banho, regressou ao quarto e preparava-se para deitar e disse: "hoje parece que estou safo". Deitou-se e passados dez minutos, sobre a sua cama começaram a cair pingos continuados de água...
- como uma mola, levantou-se e foi verificar o que estava a acontecer: alguém que não estava deitado ficou fora do quarto a aguardar que ele tomasse banho e se deitasse; previamente fora instalada uma mangueira que saía duma torneira do chuveiro contíguo ao quarto, que passava sobre o teto falso e pendia sobre a cama; com ele no ninho foi só abrir a torneira;
- verificada a marosca, regressou ao quarto, fulo, e a vociferar palavrões dirigidos aos “dorminhocos”. (...) (**)
Aníbal, as "partidas" que pregávamos uns aos outros, mereciam uma série...Incluindo as "praxes"... Quero ver se retomo este tema...
Será que estas "partidas" (em geral, inofensivas, como as vossas, em fim de comissão, próprias para "desopilar"...) poderiam ser consideradas uma continuação do "bullying" (como se diz hoje...) que praticávamos na escola ?... As vítimas, na escola, na tropa, no trabalho, são sempre as mesmas: os mais "fracos", os mais "vulneráveis", os "marginais", os "diferentes"...
Notas de leitura:
(*) Vd. poste de 3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau
(**) Último poste da série > 28 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26856: S(C)em Comentários (69): A maldição de...Bissássema, no setor de Tite, região de Quínara (Cherno Baldé, Bissau)
terça-feira, 3 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau

44 - TITE
É a localidade onde está situada a sede do Batalhão, denominada Companhia de Comando e Serviços (CCS), implantada na região administrativa do Quinara, que dá início à zona sul que é bastante pantanosa. Situa-se a 18 Km de Nova Sintra e talvez 4 a 5 Km do Enxudé, onde existia um posto avançado junto à margem esquerda do rio Geba, que fazia de cais às LDM´s e ao bote que diariamente atravessava o Geba em direção a Bissau. Em redor do quartel havia muitas moranças que constituíam a Tabanca de Tite, sendo as etnias dominantes os "Beafadas” e os “Balantas”.
45 - QUARTO DE FURRIÉIS EM TITE
O inferno de Nova Sintra ficara para trás e rumamos a Tite para cumprir os últimos três meses de comissão, num quartel com instalações condignas. Para além da óbvia dormida, sempre que a atividade operacional permitia, passávamos algum tempo no quarto, umas vezes jogando às cartas, escrevendo à família e sobretudo ouvir música. Aproximava-se o regresso à Metrópole e alguns já tinham comprado aparelhagens de som. Lembro a do Brito e o famoso Akai do Jardim, que tocavam à vez.
Para além disso também se faziam algumas maroteiras, sendo as principais vítimas o Teixeira e sobretudo o Oliveira Miranda.
Um dia, ou melhor uma noite, o Miranda ao regressar dum patrulhamento noturno, ao abrir a porta do quarto, estratégicamente entreaberta, levou em cima da cabeça com uma bacia cheia de água.
Outra vez colocamos velas acesas nas extremidades da cama dele e sentamo-nos à volta, simulando um velório.
Noutra vez o Miranda entrou e verificou que estava tudo calmo. A luz estava apagada e aparentemente toda a gente a dormir. Hum, disse ele, deve estar algum santo para cair do altar e que o que é que estes camelos estão preparados para fazer. Aparentemente nada, mas sim havia algo. O Miranda foi tomar banho, regressou ao quarto e preparava-se para deitar e disse, hoje parece que estou safo. Deitou-se e passados dez minutos, sobre a sua cama começaram a cair pingos continuados de água. Como uma mola levantou-se e foi verificar o que estava a acontecer.
Alguém que não estava deitado ficou fora do quarto a aguardar que ele tomasse banho e se deitasse. Previamente foi instalada uma mangueira que saía duma torneira do chuveiro contíguo ao quarto, que passava sobre o teto falso e pendia sobre a cama. Com ele no ninho foi só abrir a torneira. Verificada a marosca regressou ao quarto, fulo e a vociferar palavrões dirigidos aos “dorminhocos”.
46 - ÚLTIMOS DIAS EM BISSAU
No dia 15 de dezembro de 1970 a compamhia seguiu de Tite para Bissau a fim de aguardar embarque para a Metrólole, previsto para o dia 22.
Os últimos dias serviram para fazer compras, principalmente nas lojas dos Libaneses. Rádios, gira-discos, gravadores, relógios, tapetes, artesanato africano e principalmente whisky, muito whisky. Alguns Furriéis, eu incluído, alugamos o espaço de uma casa para servir de armazém. Nas compras, nos restaurantes e cervejarias, tudo servia para gastar os últimos pesos (moeda da Guiné).
Alguém conseguiu autorização para numa tarde desfrutar da água morna da piscina dos oficiais. Foi um regalo, mas o pior tinha acontecido. Quando fomos para os balneários, verificamos que os nossos haveres tinham desaparecido, pois foram roubados relógios, dinheiro e até anéis. Eu fiquei sem um relógio seiko que comparara dias antes, mas já não tinha dinheiro suficiente para comprar outro.
Nota do editor
Último post da série de 27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker
terça-feira, 27 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker

42 - COMISSÃO LIQUIDATÁRIA
Terminada a permanência em Nova Sintra, rumamos a Tite para completar os vinte e dois meses de comissão. Como não tinha funções a executar relativamente à minha especialidade, o sargento da CCS colocou-me a fazer serviços da guarda e integrado numa equipa a fazer picagem à pista de aviação. Não estava nada interessado naquilo, mas ainda fiz por duas vezes a picagem. Quanto ao serviço da guarda não fiz nenhum.
Ouvi dizer que estava em formação a comissão liquidatária e ofereci-me para ser o representante da minha companhia, o que foi aceite. Era coordenada pelo Major Martins Ferreira, 2.º Comandante do Batalhão e composta por um representante de cada uma das companhias operacionais. A minha missão era ir junto dos diversos serviços (Intendência, Material, Transmissões e Saúde) resolver ou acelerar a resolução de autos pendentes, relativos a autos instaurados, por perdas, deterioração de géneros, desgaste de peças das viaturas, dos rádios, material de saúde, bem como os resultantes da atividade operacional. As questões relacionadas com o armamento e fardamento seriam mais tarde tratadas pelo 1.º e 2.º Sargentos. Fomos para Bissau e ficamos instalados no Quartel de Santa Luzia.
Por determinação do major, tinhamos de estar todos os dias às dez horas da manhã, à porta do seu quarto. Assim fiz durante os dois primeiros dias, mas depois deixei de comparecer porque o major só muito depois das onze é que resolvia aparecer. Como os serviços abriam às oito horas, a manhã estava perdida e à tarde o movimento era maior, portanto mais complicado. Comecei a ir àqueles serviços à hora de abertura. Tive a sorte de em alguns serviços encontrar gente conhecida da escola de Gaia e da Oliveira Martins, no Porto e até da Tranquilidade, onde trabalhava na vida civil., que me resolveram a grande maioria dos autos. Aqueles que não consegui, mas que foram poucos, ficaram para ser tratados pelos sargentos.
No final de tarde estava a beber umas cervejas num café da baixa, após ter realizado mais um circuito pelos serviços, quando o furriel Graça que era, digamos, o adido em Bissau do Batalhão, veio ter comigo e disse: “ó pá estás tramado, o major quer dar-te uma porrada e quer que compareças amanhã“. Assim fiz. Quando o major me viu, do alto dos seus galões vociferou, "ó pá, que merda é esta, passas os dias no café a beber cerveja e trabalhar nada?".
Numa das vezes que fui ao Hospital Militar, ao Serviço de Saúde, ao passar junto à varanda de uma das enfermarias, ouvi gritar pelo meu nome, "ó primo Silva". Só podia ser o Zé Pedro, o candidato a árbitro de futebol. Estava internado em tratamento e a aguardar intervenção para retirar estilhaços de granada alojados nas costas.
43 - ESFEROGRÁFICAS PARKER
Durante a permanência em Nova Sintra e com a minha gestão na cantina, os lucros resultantes da exploração, eram aplicados na aquisição de bens que minimizassem as nossas dificuldades e recordo a compra de ventoinhas para os diversos abrigos. Saídos de Nova Sintra já não havia em que gastar o dinheiro em caixa. De acordo com o alferes Martinho e dado que estava em Bissau na comissão liquidatária, pesquisei em várias lojas artigos com interesse. A melhor solução encontrada foi adquirir esferográficas Parker e com a concordância do alferes comprei uma para cada militar, mais ou menos cento e cinquenta. Foi gravada a inscrição CCAV 2483.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (12): O meu acidente