Mostrar mensagens com a etiqueta legislação. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta legislação. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26122: As nossas geografias emocionais (30): A "toponímia" da colónia ou a "Babel linguística": Bafatá devia ter sido grafada como "Báfata" e Gabú como "Cabo" (do mandinga "caabu")...







Governador Manuel Sarmento Rodrigues (1945-1949) 
[ foto: cortesia da Revista Militar]. 
Também era carinhosamente conhecido com o "Mamadu" Rodrigues
e havia uma tabanca conhecida como Sinchã Sarmento.  


1. "Em bom português nos entendemos" ? ... Nem ontem nem hoje...

Foi em 1948, quando era governador da Guiné (então colónia  portuguesa, parte do Império Colonial Português, e sem complexos, de natureza semântica e conceptual, e muito menos político-ideológica!),  o  capitão de fragata Sarmento Rodrigues,     que se  fez um primeiro esforço sério para grafar os topónimos (nomes geográficos) guineenses, através da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948...


Ainda hoje, há um pequena "Babel linguística" no nosso blogue  (e demais redes sociais), quando escrevemos alguns nomes de terras por onde passámos e que nos são familiares (dolorosamente familiares, em muitos casos)

Por exemplo, deve escrever-se:
  • Guileje e não Guilege ou Guiledje;
  • Guidaje e não Guidage;
  • Jabicunda e não Djabicunda:
  • Bajocunda e não Badjucunda (e muit0 menos Bajicunda);
  • Iracunda e náo Ira Cunda;
  • Áfia e não Afiá;
  • Piche e não Pitche;
  • Xime e não Chime;
  • Xitole e não Chitoli;
  • Contuboel e não Contubo El;
  • Pecixe e não Peciche;
  • Porto Gole e não Portogole;
  • Gandembel e não Gã Dembel;
  • Camamadu e não Cã Mamadu;
  • Copelão e não Cupelom ou Cupilão ou Pilão (para os "tugas");
  • Poindom e não Poidon ou Poidão;
  • Sinchã e não Sintchã;
  • Sare e não Saré;
  • Tombalí e não Tombali ou Tombáli;
  • Quitáfine (e não Quitafine) (palavra exdrúxula, mas o "e" final é aberto: Quitáfinè);
  • Ilha de Jeta e nãoo Jata ou Jete...
O caso de Pigiguiti então é divertido...Temos visto as mais diversas grafias: Pijiguiti, Pidjiguiti, Pidgiguiti, Pindgiguiti... 

Bambadinca também já tenho visto como Babadinca e até Bambarinca  e Bambadinga (num anúncio comercial, erro tipográfico comum na nossa imprensa da época colonial). E deve dizer-se Bambadincazinho e não Bambadincazinha... tal como de resto vem na carta de Bambainca (1955), escala de 1/50 mil.

Nalguns casos, ficaram consagradas pelo uso  grafias erradas como;
  • Bafatá (que deveria ser Báfata, como pronunciam os fulas);
  • Gabú em vez de Cabo;
  • Sinchã Jobel em vez de Sinchã Jaubel...
Gabú (do mandinga, "caabu") era o nome de uma circunscrição, Gabú-Sara era uma povoação (p. 37, da Portaria, abaixo citada) e Nova Lamego uma vila tal como Nova Sintra (p. 52).

As cartas geográficas seguiram esta orientação de "aportuguesamento" dos nomes geográficos da Guiné, de acordo com  as regras fixadas na Portaria nº 74, de 7 de julho de 1948 e a ortografia então em vigor.

No nosso blogue (que é escrito, em geral, em Português europeu...) devemos seguir esta "normalização"  dos nomes geográficos da Guiné que conhecemos..., sob pena de cairmos na babelização linguística...

A crioulização do português da Guiné.Bissau é outro problema  (complexo e delicado...) sobre o qual não nos vamos debruçar agora... Na dúvida, perguntamos ao Ciberdúvida da Língua Portuguesa...

Até 1948, as tropelias linguísticas nesta matéria (grafia dos nomes geográficos da Guiné) era confrangedora, agravada pelas frequentes gralhas tipográficas (vd. por exemplo anúncios comerciais da imprensa da época). 

Leia-se, também,  um folheto como o "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º Sargento António dos Anjos (Bragança, Tipografia Académica, 1937, c. 97 pp.) que  publicámos no nosso blogue. Cite-se alguns nomes, mal grafados: 

  • Gábu
  • Xôroenque,
  • Sáfim, 
  • Gêba
  • Gade-Mael
  • Xôro
  • Bacerél
  •  Sozana, etc.

Armando Tavares da Silva (1933-2023)


Obrigado ao nosso saudoso amigo e grão-tabanqueiro Armando Tavares da Silva (1933-2023), especialista da história político-militar da Guiné (1878-1926) que nos fez chegar cópia desta portaria e de alguns dos seus anexos. 


2. Voltamos a reproduzir aqui a mensagem do prof Armando Tavares da Silva, com data de 3/10/2017 (*)

Luís,

Enviei por WeTransfer 14 páginas da "Primeira Relação de Nomes Geográficos da Guiné Portuguesa" elaborada em 1948 nos tempos do Governador Sarmento Rodrigues.

Por ela se pode ver que havia 2 povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu. Teixeira Pinto existia e era uma Vila.

Quanto a Portugal, havia uma povoação na área de Bolama e uma fulacunda. A do régulo Bacar Dikel deve ser esta.

Gabú era uma circunscrição e Nova Lamego uma Vila.

Quanto a Aldeia Formosa esta aparece como uma fulacunda, e Quebo outra fulacunda, aparecendo também como povoação na região de Catió (páginas não enviadas).

Curioso é ler o preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues e as normas adoptadas para a escrita dos nomes geográficos.

Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula. Entre elas notei a existência de uma Sinchã Comandante, outra Sinchâ Sarmento e (entre muitas outras) uma Sinchã Marío (com acento agudo!?).

Espero que isto anime a discussão...

Abraço, 
Armando






Excerto da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948 (publicada no Boletim Oficial, suplemento nº 10, de 7 de julho de 1948, Império Colonial Portuguêrs, Colónia da Guiné)
 

3. Veja-ser também o Anexo à Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948, do Governo da Colónia da Guiné, de que publicámos, por ser muito extenso, apenas alguns excertos (pp. 7, 23, 37, 52, 57, 68, 67, 69, 72) (*).


Por essa lista (onde parece haver gralhas tipográficas da sempre rigorosa Imprensa Nacional - Casa da Moeda) se pode ver, por exemplo, que havia duas povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu (p. 23). O Canchungo, nome gentílico, de povoação,  coexistia com a nova vila, Teixeira Pinto (p. 72).

Quanto à tabanca Portugal, havia dois lugares com este nome: (i) povoação na área de Bolama; e e uma outra na região de Fulacunda, sendo nesta que morava, em 1947, o régulo Bacar Dikel (p. 57).

Gabú era uma circunscrição (e região), Gabú-Sara era uma povoação (p. 37) e Nova Lamego uma vila tal como Nova Sintra (p. 52). 

Também existia uma Nova Cuba (p. 52) (que só podia sere a Cuba do Alentejo e não a Cuba do...mar de Caribe).

Quanto a Aldeia Formosa (p. 7) esta aparece como uma povoação de Fulacunda, a par de Quebo (p. 57).

Como se lê no preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues, houve uma expressa vontade de normalização da escrita dos nomes geográficos da Guiné. Alguns nomes são novos, ou aparecem pela primeira vez: 

  • Teixeira Pinto, 
  • Nova Lamego, 
  • Aldeia Formosa, 
  • Nova Sintra, 
  • Nova Có,
  • Nova Cuba (...do Alentejo ?)...

Lembre-se, por fim, que Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula, acompanhando a "expansão" do chão fula... Entre elas (e são mais de centena e meia) notámos a a existência de uma Sinchã Comandante (p. 67) e outra Sinchã Sarmento (p. 68)... E, já agora, uma Áfia do Governador (p.7).

Por sua vez, Sare que dizer povoação fula não recente...

Também, para além de Aldeia Formosa, há mais 3 Aldeias (p. 7). 

Também havia muitas Pontas (pp. 56 e 57) (não temos a pág. 56 do Anexo):

  • desde a Ponta Brandão à Ponta Varela, 
  • de Ponta do Inglês a Ponta de Janadá, 
  • de Ponta Augusto Barros à Ponta Luís Dias.

 (Ponta era sinónimo de horta, pomar, terra agrícola, em geral junto a um curso de água ou bolanha.)

Há ainda, topónimos pouco vulgares ou pitorescos como:

  • Algodão, 
  • Acampamento,
  • Achada do Burro (p. 7),
  • Olho Grande, 
  • Olhozinho (p. 52),
  • Porcoa, 
  • Preço Leve
  • Quartel (p. 57)
  • Sinchã Fodê (p. 67)...

Pode ser que o Valdemar Queiroz ou Ramiro Jesus, que são os nossos campeões dos passatempos "Vê se és bom observador" e "As gralhas da nossa embirração"..., sejam capazes de descobrir se alguns destes topónimos, aportuguesados, sobreviveram à guerra e à independência...

No nosso blogue há, por exemplo, há várias referências a lugares começados por Sinchã... Destaque para Sinchã Jobel (ou Jaubel, mais correto) e foi uma base do PAIGC ou "barraca" no regulado de Mansomine (carta de 1/50 mil. Bambadinca).

Sinchã Abdulai (1)
Sinchã Bambe (1)
Sinchã Dumane (1)
Sinchã Jobel (16)
Sinchã Madiu (1)
Sinchã Molele (1)
Sinchã Queuto (2)
Sinchã Sambel (1)

Tirando um ou outro nome português, do nosso roteiro poético-sentimental (Nova Sintra, Nova Lamego, Nova Cuba, Aldeia Formosa, Teixeira Pinto...), o essencial dos nomes geográficos (ou topónimos) da Guiné não nos diziam nada, nem tinham que dizer, eram exóticos, pitorescos, gentílicos... mas não suscitavam curiosidade por aí além... Muito menos, emoção... nem faziam sorrir como alguns topónimos portugueses, com conotações erótico-burlescas (Coito, Pito, Picha, Rata, Rabo, Cabrão, Coina, Cu,  etc.)

Eu, que não sabia mandinga, só muito mais tarde é que vim a saber, por este bliogue,  que Bambadinca, por exemplo, queria dizer "a cova do lagarto"...

De facto, quem é que se lembraria de ir fazer umas "férias", em 1948, a Contuboel, a Gadamael a Pejungunto, ou a Buruntuma ou a Catió... ? Eram nomes completamente estranhos aos militares portugueses que foram aportando a Bissau, a partir de 1961... 

Mas muitos desses topónimos hoje fazem parte das  nossas "geografias emocionais" (**), de Madina do Boé a Guidaje, de Gadamel a Guileje, de Canquelifá a Mansoa, de Fajonquito ao Xime, de Piche a Contabane, de Buruntuma a Cumbijã, de Buba a Bambadinca, de Olossato a Farim...

domingo, 19 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20574: Recortes de imprensa (111): Homenagem ao psiquiatra Afonso Albuquerque, "pai do stress de guerra e da APOIAR" (Mário Vitorino Gaspar, "O Notícias de Almeirim", 23/8/2019)


Lisboa > No dia 15 de Dezembro de 2000,  a APOIAR organizou um Colóquio, com o tema “A Rede Nacional de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra",  no Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD).  Na foto, da esquerda para a direita, o Presidente da ADFA, Patuleia Mendes, a dra. Trindade Colarejo (SNRIPD), o doutor Afonso de Albuquerque e o Mário Vitorino Gaspar, Presidente da APOIAR.  (Foto: cortesia do Mário Gaspar, 2019)




Doutor Afonso de Albuquerque, 
Pai do Stress de Guerra e da APOIAR

O Notícias de Almeirim, 23-08-2019


[ex-fur mil art, minas e armadilhas,  CART 1659,
  Gadamael e Ganturé, 1967/68; 
tem mais de 110 referências no blogue]



1. Neste artigo, reproduzido por "O Notícias de Almeirim",  com a devida autorixação do autor,  o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar [, foto à esquerda], presta-se uma homenagem ao "Doutor Afonso de Albuquerque:

Presidente e fundador da Associação Portuguesa de Terapia do Comportamento e da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Ex- Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, Presidente, Fundador, Presidente, em vários mandatos,  da Mesa da Assembleia Geral da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra, Sócio Honorário.

Afonso de Albuquerque fez 83 anos em 2018 e completou 50 anos de carreira. Em entrevista à Sábado, 28/10/2018, falo do seu passado, pessoal e profissional. Ficamos a saber que, depous de regressar a Portugal com o título de especialista em Psiquiatria, atribuído pela Royal College of Psychiatrists, fez o seu serviço militar obrigtório, em Moçambique, de 1961 a 1964, antes do início da guerra colonial. Teve problemas com a PIDE e a justiça militar. Voltaria a ser preso pelo PIDE, antes do 25 de Abril. Foi simpatizante do MRPP., mas nunca militante.


2. Mas regressemos ao artigo do Mário Vitorino Gaspar:

[...] Entre outros cargos, [Afonso Albuquerque] é membro do “Royal College of Psychiatrists”  (England), autor de variadas publicações e artigos na área do PTSD [, Post-Traumatic Stress Disorder,]  e da Sexologia, pesquisador do trauma dos Ex-Combatentes, nesse sentido o Serviço que presidia, colaborou com a ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas, no Palácio da Independência, no apoio aos Ex-Combatentes da Guerra Colonial, em Janeiro de 1987. Em Setembro de 1989, os Serviços saem da ADFA.

Como sócio, fundador e dirigente da AOPIAR, doente e conhecedor de um pouco do trabalho desenvolvido pelo doutor Afonso Albuquerque, habilito-me a prestar-lhe a minha homenagem. Após o registo da APOIAR, fiz de parte de diversas listas, o dutor presidiu sempre à Mesa da Assembleia Geral, desde Dezembro de 1994 até Dezembro de 2004.


A APOIAR iniciou o percurso, sempre acompanhada pelo Doutor, investigador da doença, que apresentara o resultado de uma pesquisa científica, em conjunto com a Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes. Neste pode-se ler:

“… o conceito actual de Perturbação Pós Traumática do Stress (PTSD) – posttraumatic stress disorder, no DSM – III em 1980, também já incluído no ICD – 10, da Organização Mundial de Saúde, em 1992”. 

Diz ainda:

 “Não havendo estudos epidemiológicos sobre a distribuição da desordem de stress pós-traumático entre a população portuguesa, apontaram para a «existência em Portugal de 140.000 ex-combatentes vítimas de PTSD, por extrapolação das estatísticas americanas». (…) 

Este trabalho foi feito tendo por base números propostos por estudos epidemiológicos realizados junto da população americana. Tais estudos teriam sido promovidos pelos “ Centres for Disease Control” [CDC].


A APOIAR dava os primeiros passos na Sede, num vão de escadas, gentilmente por ele cedido nos Serviços de Psicoterapia Comportamental, existido uma mesa, duas ou três cadeiras, um armário e uma máquina de escrever. O Dr. Afonso de Albuquerque permitia que a APOIAR se servisse do seu gabinete, no 1.º andar, para receber principalmente a comunicação social, ou qualquer individualidade.


Em Outubro de 1995, o Doutor foi o principal impulsionador do “1.º Encontro sobre o Stress Traumático” na Fundação Calouste Gulbenkian.

Em parceria com a Biblioteca Museu República e Resistência, a APOIAR colaborou neste evento também com uma Exposição com o título «Guerra Colonial», e um Ciclo de Conferências: “Guerra Colonial. Um Diferente Olhar”, de 8 a 18 de Abril de 1996. Num painel intitulado “Mesa Redonda com Ex-Combatentes”, o Dr. Afonso de Albuquerque dirigiu um longo debate.

No dia 4 de Abril de 96, a APOIAR foi convidada a participar num Colóquio, organizado pela ADFA, com o tema «A Realidade do DPTS – Suas Causas e Consequências». Presidiu ao debate o General Ramalho Eanes, e entre outros, o Dr. Afonso de Albuquerque referiu: “A guerra, principalmente a de guerrilha, é a situação mais traumática”.


APOIAR denunciou, e inclusive no seu Jornal: 

(…)  Nas situações de juntas para a reforma, ou de revisão de baixas começou-se a ouvir: “É a doença nova”; “É a doença do Dr. Afonso de Albuquerque” ou: “Desconhecemos essa nova doença”.

A APOIAR participou no Colóquio da ADFA no Porto, no dia 29 de Novembro de 96, com o tema “A Realidade do PTSD – Suas causas e Consequências”. O Dr. Afonso de Albuquerque afirmou: “O PTSD é a única doença de Psiquiatria que pode surgir muito à posteriori”. 

Continuando:  “…uma das causas que provocam o PTSD é a exposição ao combate, e existe muito de comum entre a Guerra Colonial e a do Vietname, o serem ambas guerras de guerrilha, e as diferenças, favoráveis às das tropas americanas: melhor armamento, melhores serviços e campanhas inferiores a 12 meses, 3 deles fora das zonas de combate. Gozavam licença,  enquanto o soldado português não. Os americanos não possuem a tradição de confraternizar, ser a sua idade média inferior à do português, alguns casados, noivos ou com namoradas”.

No dia 28 de Fevereiro de 1998 a APOIAR organizou em Cuba [, Alentejo,] com a colaboração da Comissão de Ex-Combatentes e Residentes de Cuba,  um Colóquio, com uma Exposição Fotográfica com o tema «Guerra Colonial – Memória Silenciada».

O Doutor Afonso de Albuquerque afirmou: 

 (i) “… o trabalho de acompanhamento aos ex-combatentes é um trabalho pesado, o mais pesado da minha vida como médico”;

(ii) “A juventude que era de alegria foi marcada pela tristeza”;

(iii) " (...) 30% de combatentes, incluindo oficiais e sargentos – principalmente os milicianos – devido à responsabilidade de comando, sofrem de PTSD. Metade, portanto 15%, estão em estado crónico”;

(iv) (...) Quer dizer, dos 140.000 – número calculado por extrapolação dos dados americanos – 50.000 podem estar incapacitados totalmente para o trabalho”;

(v) “… a doença é perversa, retardada e rebenta mais tarde”;

(vi) “Existem doenças associadas ao PTSD: o alcoolismo surge com frequência, sendo o suicídio maior nos ex-combatentes e menor a longevidade – morre-se mais cedo”.

Interessa antes de tudo que o ex-combatente seja acompanhado por psicólogos e psiquiatras, e que o mesmo acompanhamento seja extensivo à família. Sucede existir pouca sensibilidade de certos médicos, que dizem ignorar a PTSD, embora esta seja aceite pela Organização Mundial de Saúde. 

É bom que a APOIAR e a ADFA colaborem ambas de molde a permitir que a doença seja reconhecida, a doença existe, foi causada pela guerra. Nos Estados Unidos motivado pela Guerra do Vietname, a partir de 1980 surgiram diversos movimentos: Médicos no Congresso e o Movimento dos Combatentes entre outros, conseguindo que fosse publicada legislação.

Em 14 de Julho de 1998,  foi apresentado pelo Deputado Carlos Encarnação,  do PSD,  um Projecto para o reconhecimento em Portugal do Stress de Guerra, e Criada uma Rede Nacional de Apoio às Vítimas de PTSD.

No dia 19 de Setembro de 1998,  a APOIAR reuniu com o Dr. Álvaro de Carvalho, Director dos Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental, que solicitou à APOIAR um parecer técnico para ser enviado por ele mesmo, como responsável máximo da Psiquiatria e Saúde Mental, a todos os Hospitais, Centros de Saúde Mental e Escolas de Enfermagem para que os técnicos conheçam mais pormenores sobre a doença. A APOIAR considerou ser o Doutor Afonso de Albuquerque a pessoa mais indicada para fazer o “parecer técnico”, parecer esse que deu origem à legislação, e o reconhecimento do trabalho da APOIAR. Esse parecer,  elaborado pelo Doutor Afonso de Albuquerque,  foi-lhe entregue posteriormente.

No dia 25 de Setembro de 1998 houve um ciclo com o tema “Amor em Tempo de Guerra”, conjuntamente com uma Exposição denominada “O Erotismo na Arte”. 

O Doutor Afonso de Albuquerque, que cumpriu a Comissão em Moçambique [, enter 1961 e 1964], como médico, disse: 

“A sexualidade em tempo de guerra tem a ver com a experiência havida em tempo de paz. (...) Chegados os soldados à zona de guerra as prostitutas surgiram logo, existindo uma mulher europeia, por cada dez europeus. O perigo das relações sexuais com as nativas eram as doenças venéreas. Não havia preservativo, mas bisnagas de sulfamida. Os soldados afirmavam que aquilo tirava a potência, sucedendo existirem experiências sexuais com animais".

A APOIAR convocou uma Conferência de Imprensa no dia 19 de Maio de 1999. Na Mesa: Doutor Afonso de Albuquerque; Mário Vitorino Gaspar, Presidente e Carmo Vicente, Vice-presidente da Direcção Nacional. Foi entregue à Comunicação Social um documento, que foi lido. Muitas questões levantadas pelos bastantes jornalistas. 

A SIC fez uma entrevista em directo para o Telejornal das 13H00, entre outras questões, e prometendo-nos que nos acompanhava ao Parlamento:  “Qual a posição que a APOIAR tomará caso seja chumbado o Projecto de Lei?" Após consulta rápida decidiu a DN. Foi dito pelo Presidente Mário Vitorino Gaspar:  “… caso o projecto de lei chumbe,  não votaremos nas próximas eleições, que se aproximam, e iremos recomendar a mesma medida aos ex-combatentes e ao país”.

 O Dr. Afonso de Albuquerque afirmou:  “… É extremamente importante a publicação e regulamentação da Lei e a formação de técnicos, temendo que a mesma seja feita de modo a não apoiar devidamente os ex combatentes e família”.

O Stress de Guerra já tem lei, aprovado o Projecto de Lei, por unanimidade na Assembleia da República e fez nascer a Lei de Apoio às Vítimas de Stress Pós Traumático de Guerra e passou a existir uma Rede Nacional de Apoio. A Lei foi promulgada em 27 de Maio. {Lei nºn46/99, de 16 de Junho].

No dia 15 de Dezembro de 2000, a APOIAR organizou um Colóquio, com o tema “A Rede Nacional de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra",  no Secretariado Nacional de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Além do Secretariado, presente o Presidente da ADFA, Patuleia Mendes, Mário Vitorino Gaspar, Presidente da APOIAR e Doutor Afonso de Albuquerque. [Vd. foto acima].


[...] Este, após resumidamente focar a história da doença referiu:   “A terapia de grupo é o melhor dos tratamentos para a doença”, continuando:  “Quanto à criação de Centros da Rede Nacional de Apoio, têm de ser diferentes de um posto dos serviços de saúde, embora necessitando sempre uma ligação com o SNS”. Mário Vitorino Gaspar afirmou: “O apoio só deve ser prestado depois de um ambiente de confiança mútua”.

No dia 4 de Fevereiro de 2002 a APOIAR na pessoa do seu Presidente da Direcção Nacional, Mário Vitorino Gaspar, assinou o Protocolo, no Salão Nobre do Ministério da Defesa Nacional .

A APOIAR, a convite de Sua Excelência o Ministro da Saúde, participou em Lisboa num Workshop, com o tema “Perturbações de Pós Stress Traumático em Ex. Combatentes” no dia 4 de Novembro de 2002. Está agendado outro Workshop no dia 5 de Novembro de 2002 em Coimbra, em 12 de Novembro, no Porto. A APOIAR e a ADFA foram convidados para a Mesa nos três Workshops.

Na sessão de abertura não estiveram presentes os Ministros da Saúde, Estado e da Defesa Nacional, Segurança Social e do Trabalho e Suas Excelências o Secretário de Estado da Saúde, e o do Estado da Defesa Nacional e dos Antigos Combatentes, tal como estava agendado.

Referiu o Doutor Afonso de Albuquerque: 

“… o conceito PTSD é recente, mas as reacções do ser humano são de sempre. Todos aprendemos a lidar com o perigo e já Shakespeare descreve na sua obra as reacções horrores agudas, mas foi principalmente a guerra,  que permitiu que estas reacções fossem estudadas. Na Guerra Civil Americana {surgou] a expressão «Irritable Heart Syndrome». Foram estudados casos, após a II Guerra Mundial, sucedendo a Guerra da Coreia, só existindo 6% de evacuações de origem psiquiátrica. 

"Os portugueses quando regressaram da guerra encontraram um clima anti-guerra, tinham partido como heróis e regressado como assassinos. PTSD de Guerra está considerada como «uma doença ansiosa".

Findou:  “… em 1992 entre 15 a 50% dos militares desenvolvem PTSD com origem na Guerra Colonial. No estudo da população em geral e em Portugal foram encontrados 7,8%”.

No dia 27 de Novembro de 2002,  a APOIAR, esteve representada pelo Presidente e Vice-presidente, respectivamente Mário Vitorino Gaspar e António Pinheiro e Técnicos, a convite dos Laboratórios Pfizer, Lda.,  surge:

Doutor Afonso de Albuquerque e da Professora Doutora Catarina Soares, esteve presente na “Apresentação dos Resultados do 1º. Estudo de Prevalência de Perturbação do Stress Pós Traumático, em Portugal”, estando presentes igualmente outras Associações e Técnicos de Saúde.

O Doutor Afonso de Albuquerque fez uma breve resenha histórica, e referindo o impacto na Psiquiatria das Guerras Mundiais e das Guerras da Coreia e do Vietname, e por tal a publicação em 1980 do DSM-II, em Portugal, o impacto da Guerra Colonial Portuguesa e posterior luta em defesa dos ex combatentes que deu origem à publicação da Lei nº. 46/99”. 

Frisou ainda: 

“Neste trabalho, quanto aos acontecimentos traumáticos que causaram PTSD, [surge] 

(i) o combate com 10,9%;  

(ii) abuso sexual antes dos 18 anos com 21,7%; 

(iii) violação com 23,1%; 

(iv) catástrofe natural com 1,4%; 

(v) morte violenta de familiar ou amigo com 12,3%; 

(vi) testemunha de acidente grave ou morte com 3,8%; 

(vii) acidente grave de viação com 5,6%;

(vii)  incêndio com 0,5%; 

(viii) ameaça com arma com 5,5%; 

(ix) ataque físico com 9,3%;

(x)  roubado ou assaltado com 2,4%”. 

"… PTSD na população exposta ao combate foi de 0,8% da amostra total é de 10,9%, relativamente aos indivíduos expostos."

Considerando a totalidade de acontecimentos traumáticos que foram causa de PTSD, verifica-se que a situação que mais contribuiu para o total de casos foi «morte violenta de familiar ou amigo».

No conjunto, os resultados deste estudo assemelham-se aos encontrados em estudos epidemiológicos realizados noutros países”. (...) Limitações do estudo: (...) em 1º. lugar a existência de potencial «enviesamento» da amostra; entrevistas realizadas por pessoas sem formação clínica e necessidade de confirmação destes resultados com mais estudos (população geral e/ou populações específicas).

Em 14 de Dezembro de 2002, na 16ª Assembleia Geral da APOIAR, no Salão Nobre do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, por proposta da Direcção Nacional foi atribuída a qualidade de Socio Honorário ao Doutor Afonso Abrantes Cardoso de Albuquerque.

Atrevo-me a afirmar: Doutor Afonso de Albuquerque, Pai do Stress de Guerra e da APOIAR. (...)

O Notícias de Almeirim, Edição online semanal, 23/8/2019

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]
____________

Nota do editor:

Último poste da série >17 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20464: Recortes de imprensa (110): Pinto Leite, Leonardo Coimbra, José Vicente de Abreu e Pinto Bull, os parlamentares que pereceram no acidente aéreo de 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 27 de julho de 1970)

sábado, 7 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13252: E as Nossas Palmas Vão para... (7): José Carmino Azevedo, autarca de Vila Frechoso, Vila Flor, que quis doar à Tabanca Grande 0,5% do seu IRS de 2013... Que gesto magnânimo!!!... Infelizmente não temos estatuto jurídico...nem sequer número de identificação fiscal (NIF) e, como tal, não existimos face ao Estado Português...




Página da junta de freguesia de Vale Frechoso, concelho de Vila Flor, distrito de Vila Real... O presidente da junta de freguesia é o nosso camarada, membro da Tabanca Grande desde 2009, José Carmino Videira Azevedo. (*)


1. Telefonou-me, em 20 de maio último, o nosso grã-tabanqueiro José Carmino Azevedo que, antes de ser autarca, foi soldado condutor auto rodas da CCAV 2487 / BCAV 2868 (Bula, 1969/71).

Em 28 de junho vai haver o convívio do BCAV 2868 que esteve em Bula (1969/71), evento esse que fica aqui registado para divulgação. Pedi ao nosso camarada que nos mandasse o programa do encontro para a divulgação.

Mas o motivo do telefonema não foi esse: o nosso camarada queria saber o NIF (nº fiscal) da Tabanca Grande. Ía apresentar a declaração de IRS 2013 e queria preencher o quadro 9 do Anexo H, com o nome e o NIF da Tabanca...

Fiquei  muito sensibilizado com o seu gesto (**), mas disse-lhe que, feliz ou infelizmente, a Tabanca Grande não é uma "Instituições Particular de Solidariedade Social (IPSS)" ou uma "Pessoa Coletiva de Utilidade Pública", não tendo por isso NIF nem sendo elegível para efeitos deste benefício fiscal. Mas transmito-lhe em nome de toda a Tabanca Grande o nosso apreço pela sua generosidade e camaradagem.

Com muita pena, e assim sendo, o nosso camarada iria voltar a entregar os 0,5 do seu IRS à Liga dos Combatentes... Sugeria-lhe outras instituições ligadas aos ex-combatentes como a APOIAR.

Também me disse que desta vez não viria ao nosso IX Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, no dia 14, mas que mandava um alfabravo a todos os participantes. (Ele esteve connosco, pelo menos uma vez, no V Encontro Nacional, em 2010, em Monte Real). Fica aqui o convite dele para o visitarmos em Vale Rechoso, Vila Flor, terra de que ele tem muito orgulho mas que fica "longe do mundo"... Lembrei-lhe que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, mesmo que a senhora ministra das finanças nunca tenha ouvido falar em nós... (LG)



Foto de José Carmino Azevedo na  bolanha de Biombo
_____________

Notas do editor


(...) Participei na [Op]  Ostra Amarga, Operação onde estava presente a televisão Francesa, convivi de perto com os malogrados Capela e Henrique e, presenciei a infeliz ideia do Spínola de mandar para a morte os Majores Passos Ramos, Pereira da Silva, Osório, Alferes Mosca e os nativos Mamadu Sisse e Carlos Patrão.

Fui incumbido de fazer o transporte de géneros para abastecer PCA do Batalhão. Fiz o percurso Bula/Bissau/Bula, atravessei varias vezes o rio Mansoa, onde caiu o helicóptero que transportava deputado[s] à ex-Assembleia Nacional, Pinto Leite, se bem me lembro, {e outros]..

Quando estive na guerra colonial, cheguei a João Landim num dia de muito calor. Como tinha que esperar para encher a jangada, disse ao marinheiro, que era preto, que ia mergulhar para refrescar. Estavam quase 60 graus ao sol e ali não havia sombra. Quando mergulhei nas águas do Mansoa, o marinheira bateu a colatra da arma. Fiquei assustado, saí e perguntei o porquê daquela atitude, mas ele não me respondeu. No dia seguinte, quando atravessei o rio, o marinheiro chamou-me e disse:
- Vês o porquê da minha atitude? Ontem estava ali um jacaré bébé que pesava cerca de 80 quilos.

Obrigado, meu amigo, onde quer que estejas. (...)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11886: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548 (Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (9): Em louvor dos deficientes das forças armadas (DFA) (Ricardo Almeida)

1. Texto enviado em 26 de janeiro último pelo Ricardo Almeida [, ex-1.ºcabo, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Tem este texro o fim de alertar consciêcias esquecidas neste nosso Portugal: refiro-me ao ostracismo e desprezo que os nossos governantes têm votado as Forças Armadas de Portugal e,  mais concretamente, aos deficientes militares que depois de 40 anos do término da guerra colonial, continuam a clamar que lhe seja aplicado o Decreto Lei nº 43/76.

Refiro ainda que este texto foi publicado no jornal ELO, orgão da ADFA [,publicação que tem já 39 anos de existência].

Nunca o conceito de soldado esteve tão actualizado a meu ver e, nesse sentido, lembro aos nossos governantes uma lição que aprendi nos bancos da escola primária.

Então: o soldado é o homem a quem a pátria confia a sagrada missão de velar pela sua honra, de garantir a sua independência.  Ao dar-lhe a farda e a arma ela diz-lhe:

"Aqui tens esta farda, pega nesta arma, de agora em diante és o meu defensor e conto contigo! Enquanto te exercitas no manejo das armas, te afazes ao frio, ao calor e á fadiga e te submetes à obdiência, o país,  graças a ti, que velas por ele, pode entregar-se tranquilamente aos trabalhos da paz. Orgulha-te da tua missão; esta farda, respeita-a,  livra-te de a desonrar. Desde o dia que pela primeira vez a vestires não deixes que o teu coração perca os sentimentos de dignidade e de coragem que convêm aos homens a quem Portugal, comete a nobre missão de velar pela sua honra e pela sua indepedência. Lembra-te que a nossa história nos dá belos exemplos do brio dos nossos soldados! Segue estes exemplos e a pátria ser-te à eternamente grata."

Ora seguindo estes exemplos, a ADFA é sua herdeira
 e fiel depositária desse espirito. Então:  à ADFA, a
todos os que partiram e aqueles que já têm a viagem marcada, aqui deixo o meu grito de revolta, clamando por justiça que não se acalma sem ver o Dec Lei nº 43/76 posto em prática e na íntegra, em tudo o que diz respeito aos deficientes das forças armadas,  sem subtarfugios e invenção, de mais um [Dec Lei nº] 134/97,  de tão má memória para todos nós.

Não podemos permitir que alguém, sem conhecer o nosso passado, se arrogue o direito de nos negar sem que primeiro, nos consultar sobre as nossas necessidades e mazelas que ao serviço da pátria, não regateamos esforços pela nossa condição; e que por via disso, se criou o Decreto Lei nº 43/76, para que a pátria reconheça todos os sacrificios passados!

Vêm agora uns senhores esbarrar connosco sobre um direito que é dos mais elementares; a saúde gratuita e extensiva ás nossas companheiras que,  pelo o seu carinho,esforço mental e psicológico e também fisico, merecem estar em lugar cimeiro nesta nação Portugal.

Junto especifico a razão do texto.

2. Poema > Em louvor dos Deficientes das Forças Armadas (DFA) e demais combatentes


Mas como pode Portugal
Desprezar tantas familias,
Não cumprindo o seu dever
E os corpos devolver,
P'ra se fazer o funeral.

E deste mundo cruel,
Quando amanhã eu morrer,
Não levo saudade, mas levo a paz,
De tanto na vida sofrer.

Fui fazer guerra a um povo
Que. de tão martirizado.
Pegou em armas de fogo
P'ra banir tanto diabo.

E, como se não bastasse,
Muitos de nós lá ficaram,
Cegos, amblíopes e estropiados.
E, se a vida que eu carrego,
Fosse minha por um segundo,
Não me importava ser cego
P'ra depois ver este mundo!

Uma criança corria
Com seu arco na bagagem,
Era o brinquedo que tinha
P'ra ser mais breve a viagem.

Sua mãe fora doçura,
Mas seu pai o pôs andar,
De casa com amargura,
Por não haver que lhe dar.

Disse adeus à sua terra
E às coisas belas que tinha,
Feito homem foi p'ra guerra,
Com saudades da mãezinha.

Com vinte anos de vida
O ensinaram a manejar
Uma arma assassina,
P'ra em terra estranha matar!

Uma criança corria
Com seu arco na bagem,
Era o brinquedo que tinha
Naquela mata que ardia!

E fugia, fugia.
De Coimbra para Coimbra,
Um comboio circulava
E outro que de lá vinha,
Em Coimbra ele parava.

Gente, muita gente,
E eu estava no meio,
Coimbra e mais gente apressada!
Para onde irão com tanta pressa?

E eu, sem pressa, aqui estou,
À espera, embebedando-me
Com a paisagem
De água
E comboios
E gente.

Estou a viver um sonho
Do qual não posso fugir,
É um processo medonho
Que tenho que concluir.

Não faço parte da terra,
Não faço parte do todo,
Mas fiz parte duma guerra
Em terras de outro povo.

Fiz um poema à lua
E não é que ela gostou?
Mas disse-me que era só tua
Porque por mim já passou!

Vê lá bem essa malvada...
Que luar não mais me deu!
E disse que era só tua,
P' não me preocupar com nada
Porque está a chegar ao fim,

A minha noite de breu
Por onde tenho caminhado.
E sair fora de mim,
Deixando-te o meu legado.

Marques de Almeida


PS - Aquele abraço a toda a Tabanca Grande. Luis,  eu não tenho por hábito dar titulo ao que escrevo por isso se lhe quiseres dár-lhe,  estás á vontade. Um grande abraço,  meu amigo.

_________________

Nota do editor:

Último psote da série > 10 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11548: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (8): K3, Madrinha de guerra

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7703: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (4): "Eu servi a minha Pátria. É justo que a minha Pátria reconheça isso" (Cândido J. R. Pimenta)

O autor da petição, o nosso camarigo Inácio Silva (, foto à esquerda, ex-1.º Cabo da CART 2732, Mansabá, 1970/72)

1. Nós já subscrevemos a Petição Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios, para Assembleia da República e Governo. 2178 pessoas (ex-combatentes, seus familiares, seus amigos, seus concidadãos) já subscreveram.  Faltam mais de 1800 assinaturas. Aqui ficam alguns comentários (selecção dos editores)...


Nome
 Comentário

2162
Carlos de Jesus Gouveia Rodrigues
Estive na Guiné 69/70, não tenho Pensão,    mas estou convosco. 
2137
Vitor Hugo Rodrigues Figueiredo
Apoio 100%. Nação que não protege os seus veteranos, não merece qualquer sacrifício de parte os seus cidadãos.
2104
Ana Maria Delgado Martins
Sou filha de um ex-combatente na Guiné - Bissau,   Comp de Caçadores 1589, Fá  e Madina de Boé.
2117
Aurélio Neves de Sousa
A todos os camaradas que serviram a Pátria além fronteiras,  sou solidário no reconhecimento que o Estado Portugês deve aos ex-combatente uma vez que no cumprimento de suas missões revelaram um elevado sentido de Patriotismo e como tal deve ser reconhecido o seu mérito.
2090
Amaro de Oliveira Antonio
Comando de Agrupamento 1980 - Guine, Bafatá 67/68
2047
José Joaquim das Estevas
Combati na Guiné em nome de Portugal. Mereço respeito.

1864
Francisco Martins Moris
O dever de gratidão também deveria fazer parte do código de ética do Estado Português.
1821
Joao Luis dos Reis Moniz
Guiné, 1970-1971-1972...
1728
Candido José Rodrigues Pimenta
Eu servi a minha Pátria. É justo que a minha Pátria reconheça isso.
1686
Manuel gonçalves
Começo a entender que fomos os "mainatos" da pátria.
1638
Francisco Manuel Branco Frutuoso
Guiné.  Guidage, 1969 a 1971.
1611
Carlos Gil Correia Veloso da Veiga
Há sobretudo que dar uma atenção muito especial aos ex-combatentes naturais da ex-colónias e que por lá ficaram, perdendo a nacionalidade portuguesa.
1556
Jorge Morais de Araújo Ribeiro
Consultar legislação similar dos EUA sobre veteranos da Guerra do Vietname.
1509
António Manuel de Lemos Viana Boavida
Cmdte do Pelotão de Morteiros 4581/72 . Entrada em Mafra em 24 Abril de 1972. Guiné desde 1973 a 1974.
1480
Vítor Manuel Sampaio e Melo dos Santos
Sou ex-combatente miliciano e saliento que o País não trata devidamente os seus ex-combatentes como nos países desenvolvidos e até nos países mais pobres como os PALOP, em que existe um Ministério dos Ex-Combatentes.
1447
Pedro Gonçalo Coelho Nunes de Melo
Um povo que não honra quem o serviu, não merece esse nome.
1324
Renato Manuel Laia Epifânio
Presidente do MIL - Movimento Internacional Lusófono.
1320
Manuel Augusto Gordo Correia
"Honrai a Pátria que ela vos Comtempla" era o lema que nos massacrou durante todo o tempo de serviço. Nós honrámos a Pátria e ela não nos comtemplou. É mais que tempo para que se faça justiça. Tenho dito.
1240
António Monteiro Marques
Bendita Pátria que tais filhos tem.
1160
Honorata Jesus Soares Pequeno
Eu,  como mulher do ex-combatente,  é que sei o que as mulheres sofrem com o stress de guerra,  eu tenho um cá em casa.
1034
Filipe Vilhena Lemos Gonçalves
Lembrar ao Estado que os ex-combatentes não foram como voluntários para a guerra do ultramar.

943
Verónica leal
O meu pai quase morreu em 1966 na Guiné, hoje com 66 anos tem muitas mazelas fisicas e psicológicas e nunca recebeu nem recebe nada nem um obrigado...
926
João Alves Gomes
A Pátria deve honrar os seus soldados, a quem lhes pediu todos os sacrifícios incluindo o da vida. Quando isso não acontce, essa Pátria está doente.
919
Carlos Alberto Candido Ferra
Só neste País é que não reconhecem os ex- combatentes. Nos Estados Unidos são tratados como heróis, e com assistência total e boas reformas.
723
Carlos Manuel Alves Coutinho
Peca pelo tardio.
586
Terry Chagas Lino
O meu pai sofreu, e ainda sofre,  por causa da guerra na qual participou.
388
José Alexandre da Silveira Câmara
Fur Mil,  CCaç 3327/BII17, Guiné
305
Manuel Fernando Dias Oliveira
O Carácter de Uma Nação Vê-se Pela Forma Como Trata os Seus Veteranos (Winston Churchill).
137
João Maria Pereira da Costa
Muitos há anos que já mereciam os seus problemas resolvidos. Não esqueço os africanos que tombaram e vivem em condições sub-humanas. No livro «A Última Missão» do ex- Major Pára Calheiros vem a vergonha que assinámos e nos comprometemos. Leiam.

 
Brazão da  madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72), a que pertenceram, entre outros os nossos camarigos Inácio Silva, Carlos Vinhal e Jorge Picado


2. Texto da petição

Bellum dulce inexpertis
(Bem parece a guerra a quem não vai nela)

Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios.

1. Com a publicação da Lei 9/2002, de 11 de Fevereiro, foi regulado o regime jurídico dos períodos de prestação de serviço militar dos ex-combatentes, para efeitos de aposentação e reforma;

2. A regulamentação a que aquela Lei foi sujeita (Dec.-Lei nº 160/2004, de 2 de Julho), desvirtuou, em absoluto, os seus princípios, designadamente, a fórmula de cálculo do CEP (Complemento Especial de Pensão);

3. O Governo, perante inúmeras reclamações, submeteu à Assembleia da República, a Lei nº 3/2009, de 13 de Janeiro, que regula os benefícios previstos nas Leis n.os 9/2002, de 11 de Fevereiro, e 21/2004, de 5 de Junho e revogou o Dec.-Lei nº 160/2004, de 2 de Julho;

4. Porém, a injustiça manteve-se, não sendo acautelados, como deveriam ter sido, os interesses dos ex-combatentes.

Assim, propõem, à Assembleia da República e ao Governo, o seguinte:

a) Que os complementos especiais de pensão, agora convertidos no suplemento especial de pensão, sejam substituídos pela antecipação da idade da reforma, tendo em conta o tempo de serviço militar prestado em condições especiais de dificuldade ou perigo, até ao máximo de 5 anos;

b) Esta medida é extensiva a todos os ex-combatentes que efectuaram descontos para os subsistemas de Segurança Social, independetemente de estarem ou não reformados;

c) Aos ex-combatentes que recorreram à antecipação da sua reforma, deverá ser feito o recálculo da sua pensão, aplicando-se o regime previsto na alínea a), após a sua aprovação;

d) Aos ex-combatentes já reformados, tendo cumprido o período máximo de descontos para a Segurança Social, será atribuído um complemento adicional à sua pensão, correspondente ao tempo referido na alínea a);

e) Aos ex-combatentes que não se enquadram na al. b) mas que passaram a usufruir do “suplemento especial de pensão”, ser-lhes-á garantido o valor já atribuído;

f) Aos ex-combatentes que optaram por passar à disponibilidade numa das ex-províncias ultramarinas, considerar, para efeitos de reforma, o tempo de serviço aí prestado, ainda que o tenha sido numa empresa privada, a exemplo do que foi considerado para os bancários, advogados, solicitadores e Rádio Marconi.

Quae sunt Caesaris, Caesari
(A César o que é de César)

Os signatários


____________

Nota de L.G.: