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domingo, 17 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27128: A nossa guerra em números (34): Colonos - Parte I: os sírio-libaneses


Guné > Região de Gabu > Nova Lamego > Pel Mort 4574 (1972/74) >  Eram tapetes, de estilo oriental, com motivos exóticos (como a fauna e a flora africanas), que os militares compravam aos comerciantes libaneses. Eles também aproveitaram a "economia de guerra"... Foto do álbum de Joaquim Cardoso [, ex-sold trms, Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74].

Foto (e legenda): © Joaquim Cardoso  (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Caamaradas da Guiné]



Guiné > 1951 > Anúncio comercial da casa Fouad Faur > Tinha sede em Bafatá e "feitorias" em Piche, Paunca, Bajocunda e Bambadinca.

Fonte:  edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951 (e não 1961, como vem escrito por lapso na página da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, a quem agradecemos a cortesia).  É uma raridade bibliográfica: o suplemento dedicado ao Ultramar tem 218 páginas (22 dedicadas à Guiné, pp. 45-66).  Disponível  aqui em formato digital. 









Guiné > 1956 >  Amostra de anúncios de casas comerciais, pertencentes a sírio-libaneses ou seus descendentes.
 Foram publicados em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.

 
Havia, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá, em 1956, de acordo estes anúncios: 

(i) Jamil Heneni, com grandes plantações de arroz em Jabadá [e não Janbanda], na região de Quínara [mais um imperdoável  gralha!]; 

(ii) Toufic Mohamed [ou não seria Taufic ? Muitos dos anúncios vêm gralhados: por ex, Bambadinga, em vez de Bambadinca, Bajicunda em vez de Bajocunda; o que quer dizer a toponímica da Guiné era "estranha demais" aos nossos jornalistas e tipógrafos...];

(iii) Rachid Said

(iv) Salim Hassan ElAwar e irmão (com sede em Bafatá e filial em Cacine, e não Canine, como aparece no anúncio: mais uma gralha tipográfica a juntar-se a muitas outras desta edição especial da revista de Turismo...); há um membro da família, presume-se, Mamud ElAwar, que era um conceituado comerciante de Bissau;

(v) Fouad Faur, com lojas também em  Piche (grafado "Pitche"),  Paunca, Bajocunda  (grafado "Bajicunda") e Bambadinca.


Tinham peso económico e social... Por exemplo, Mamud ElAwar, tal como Aly. Souleiman e  Michel Ajouz,  era então um dos mais conhecidos comerciantes da Guiné, de origem libanesa.

 O  Salim Hassan ElAwar devia ser seu irmão  (ou membro da família):tinha lojas em Bafatá e Cacine.  E quem não conhecia o Tauffik  Saad, uma das melhores lojas de Bissau (onde havia de tudo de relógios a máquinas fotográficas) ?!.

Não sabemos se o Mamud ElAwar era muçulmano (provavelmente era, pelo nome e apelido). Já o Michel Ajouz devia ser cristão maronita, por celebrar o natal cristão e ter uísque em casa para oferecer aos militares de Bissorã, como foi o caso do nosso camarada Manuel Joaquim, que passou com ele o natal de 1965.  

Recorde-se que os  cristãos maronitas  são cerca de de 3,2 milhões em todo o mundo,  obedecem ao Papa da Igreja Católica, mas têm uma liturgia própria; no Líbano, serão um pouco mais de 1 milhão, constituindo cerca de 20% do total da população).



Guiné > Região de Bafatá > Bafatá : A zona da "Mãe de Água" ou "Sintra de Bafatá" > c. 1969/70 > Um piquenique

 Guia e especialista de Bafatá dos anos 1968/70, o arquiteto Fernando Gouveia ( que lá viveu como alferes miliciano, com a sua esposa,  a saudosa Regina Gouveia ), descreve esta zona num dos seus postes do roteiro de Bafatá como  sendo a "Mãe d'Água" ou a "Sintra de Bafatá", local aprazível e romântico onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante do Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados, além dos alferes, e alguns furriéis, "todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e não só"... 

O esquadrão acima referido deveria ser o  Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga (reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro).

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Pormenor de "A rapariga com brinco de pérola" (c. 1665)... Uma das obras primas da pintura ocidental, da autoria do pintor holandês (ou neerlandês) Johannes Vermeer (1632-1675). Óleo sobre tela (44,5 cm x 39 cm). Localização atual: Galeria Mauritshuis, Haia. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025) (Vd. poste P27127)


1. Os colonos na África Portuguesa não eram só cidadãos portugueses da metrópole (*), mas também das ilhas atlânticas (Madeiras, Açores e Cabo Verde) e igualmente  estrangeiros como os libaneses, ou sírio-libaneses, sem esquecer os luso-indianos de Goa, Damão e Diu, e até os macaenses. Pode-se falar de um mosaico de
 povos para classificar a  diversidade humana da colonização da África Portuguesa, de Cabo Verde a Timor.

É uma afirmação historicamente correta e de grande pertinência: a população de "colonos"  na África sob domínio português não era composta exclusivamente por cidadãos da metrópole. Pelo contrário, estes territórios acolheram uma diversidade de gentes oriundas de várias partes do Império Português e de outras regiões, formando uma sociedade colonial complexa e multifacetada. 

Entre estes grupos, destacam-se os libaneses (ou sírio-libaneses), os cabo-verdianos, os luso-indianos de Goa, Damão e Diu, e os chineses de Macau, cada um com as suas próprias idiossincrasias e só sobretudo razões para migrar,  e com papéis distintos na estrutura social e económica das colónias.

Hoje damos, mais uma vez, no nosso blogue, o devido destaque aos libaneses (ou sírio-libaneses, oriundos do império otomano a que a I Grande Guerra pôs fim),  comerciantes e empreendedores. 

A presença de comunidades sírio-libanesas, cristãos mas também muçulmanos, tornou-se notável em Angola e Moçambique a partir do final do século XIX e início do século XX. E sobretudo na Guiné (no tempo da I República). 

Estes imigrantes dedicaram-se principalmente ao comércio, estabelecendo redes de distribuição que iam dos centros urbanos às zonas mais recônditas do interior. 

Eram conhecidos pela sua capacidade de iniciativa e pelo seu papel no comércio de retalho, vendendo tecidos, utensílios e outros bens de consumo. A sua posição era frequentemente a de intermediários económicos entre as grandes companhias europeias (portuguesas e francesas)  e a população africana.


A Presença Libanesa na Guiné: Um Século de Comércio

 A presença de comerciantes libaneses, e mais amplamente sírio-libaneses, na Guiné é um facto histórico bem documentado, que remonta à transição do século XIX para o século XX. Estes imigrantes desempenharam um papel fundamental e duradouro na estrutura comercial do território, hoje Guiné-Bissau.

A chegada destes levantinos enquadra-se num movimento migratório mais vasto, que os levou a estabelecerem-se na Amércia do Suil (com destaque para o Brasil) e em vários pontos da África Ocidental (com destauqe para a Costa do Marfim: maior comunidade libanesa na África Ocidental; muito presentes em Abidjan e no setor comercial).

Na então Guiné Portuguesa, encontraram um nicho económico, posicionando-se como intermediários cruciais no circuito comercial. A sua principal atividade consistia em fazer a ponte entre as grandes casas comerciais europeias e a população local.

O termo “sírio-libaneses” refere-se sobretudo à emigração anterior a 1920, quando a Síria e e o Líbano ainda eram parte do Império Otomano e depois do Mandato francês-

O Papel dos Comerciantes Sírio-Libaneses:

  • Comércio de Proximidade: ao contrário das grandes companhias portuguesas (como a Casa Giouveia ou a Ultramarin), que se focavam na exportação de produtos como a mancarra (amendoim) e o coconote, os sírio-libaneses especializaram-se no comércio a retalho; montaram lojas e estabelecimentos nos principais centros urbanos e vilas do interior, como Bissau, Bolama, Bafatá, Teixeira Pinto, Bissorã, Farim, Geba, Bambadinca, Xitole, Jabadá, Catió, Cacine, Gadamael, etc.
  • Rede de Distribuição: forneciam às populações locais bens de consumo importados da Europa, como tecidos, utensílios domésticos, e outros produtos manufaturados, a sua mobilidade e capacidade de se fixarem no interior permitiu-lhes criar uma rede capilar que penetrava profundamente no território;
  • Impacto Económico: o seu sucesso foi notável; de acordo com registos da época, em meados do século XX, as firmas pertencentes a sírio-libaneses representavam uma fatia muito significativa, por vezes perto de metade, dos estabelecimentos comerciais em importantes centros de trocas do interior da colónia.

Esta comunidade, embora não numerosa em termos absolutos (umas escassas centenas., concentrados hoje em Bissau), teve um impacto desproporcional na vida económica e social da Guiné. 

Tornaram-se uma figura familiar e indispensável no quotidiano de muitas regiões, consolidando a sua presença ao longo de todo o século XX e mantendo a sua relevância até à atualidade. A sua história é um testemunho da complexa teia de relações comerciais e migratórias que moldaram a África Ocidental na era colonial.

No nosso blogue temos cerca de meia centena de referências aos libaneses.

Os sírio-libaneses, que se começaram a radicar no território a partir de 1910, alguns acabaram por ligar-se, pelo casamento, a famílias portuguesas... Inicialmente não eram, porém, bem vistos pela concorrência nem até pelas autoridades locais.

Por outro lado, em 1974, todos já teriam a nacionalidade portuguesa...Mas parte desta comunidade optou por ficar no novo país lusófono, a Guiné-Bissau. Mas não se deram bem com o regime de Luís Cabral...


Fontes...

Segue  uma lista de fontes académicas e publicações que corroboram e aprofundam a informação sobre a presença de comerciantes sírio-libaneses na Guiné desde o início do século XX. Estas fontes são essenciais para quem deseja estudar o tema com rigor académico.

Fontes Académicas Específicas:


Janequine, Olívia Gonçalves. Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926. Dissertação de Mestrado em História, Universidade de Évora, 2011.(*)

Resumo: Este é talvez o trabalho académico em língua portuguesa mais focado e detalhado sobre o início da presença sírio-libanesa na Guiné. A autora analisa a sua chegada, o estabelecimento das suas redes comerciais e a sua relação com a administração colonial e com as populações locais no período crucial de 1910 a 1926. É uma fonte primária.


Forrest, Joshua B. Lineages of State Fragility: Rural Civil Society in Guinea-Bissau. Ohio University Press, 2003.

Resumo: Embora o foco seja a sociedade civil e a formação do Estado, este proeminente historiador da Guiné-Bissau dedica várias passagens à estrutura económica da colónia. Ele descreve o papel fundamental dos comerciantes sírio-libaneses como intermediários económicos, destacando como eles preencheram um vácuo deixado pelas grandes companhias portuguesas, especialmente no interior.

Galli, Rosemary E. & Jones, Jocelyn. Guinea-Bissau: Politics, Economics and Society. Frances Pinter Publishers, 1987.

Resumo: Um estudo clássico sobre a Guiné-Bissau que, ao analisar a economia colonial, faz referência explícita à importância das comunidades de comerciantes estrangeiros, nomeadamente os sírio-libaneses, na estrutura do comércio a retalho.

Fontes sobre a Diáspora e Contexto Regional:

Leite, Joana Pereira. "Comerciantes sírio-libaneses em Moçambique: perfis e percursos de uma minoria." Revista de História da Sociedade e da Cultura, vol. 18, 2018, pp. 245-266.

Resumo: Apesar de o foco ser Moçambique, este artigo é útil porque contextualiza o fenómeno da migração sírio-libanesa para as colónias portuguesas em geral. Explica os padrões de migração, as redes familiares e os modelos de negócio que eram comuns a estas comunidades em toda a África Lusófona, incluindo a Guiné.

Boumedouha, Said. "Change and continuity in the relationship between the Lebanese in Senegal and the Mouride brotherhood." In The Lebanese in the World: A Century of Emigration, editado por Albert Hourani e Nadim Shehadi, I.B. Tauris, 1992.

Resumo: Este livro é uma obra de referência sobre a diáspora libanesa a nível mundial. O capítulo sobre o Senegal é particularmente relevante porque a Guiné-Bissau partilha muitas dinâmicas históricas e comerciais com a sua vizinhança na África Ocidental. Descreve o modelo de negócio dos comerciantes libaneses na região, que é perfeitamente aplicável ao caso da Guiné.

Estas fontes demonstram que a presença e a importância dos comerciantes libaneses e sírio-libaneses na Guiné-Bissau não são apenas um facto conhecido, mas também um objeto de estudo académico consolidado. A dissertação de Olívia Janequine (**), em particular, é a referência mais direta e aprofundada sobre o tema.

Face à indepenmdência, os comerciantes sírio-libaneses dividiram-se: uns partiram para Portugal e outras paragens; outrros acrediataram nas promessas d0 PAIGC e ficaram. O regime de partido único e de economia planificada (1974/91) dei cabo deles, com a inesperadda ajuda dos suecos  (***).

(Pesquida: IA / Gemini / ChatGPT /  LG | Revisão / fixação de texto, negritos, itálicos: LG)
________________

Notas do editor LG:


(**) Vd. poste de 29 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18962: Antropologia (28): Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926; Dissertação de Mestrado em Antropologia Social por Olívia Gonçalves Janequine (Mário Beja Santos)


(...) "A principal produção da Guiné-Bissau, além da agricutura de autossubsistência, era o arroz e o amendoim, os dois produtos de exportação.

O comércio entre os produtores e o porto de Bissau estava nas mãos dos libaneses. Estes usavam carrinhas de marca Peugeot, em estradas lamacentas e com pouca manutenção, para transportarem para o interior produtos importados (artigos de plástico, tecidos e outros), consumidos pelas populações, e no regresso a Bissau voltavam carregados com arroz e amendoim.

O governo não estava nada satisfeito com este sistema por considerar que os libaneses ganhavam demasiado com estes negócios de verdadeira exploração dos produtores locais. Considerava também que as pequenas quantidades transportadas não eram economicamente viáveis na perspetica da exportação em grande escala.

Ambos os problemas foram resolvidos com um plano que previa a nacionalização do comércio por grosso e a retalho e o transporte das mercadorias a realizar por camiões modernos.

Claro está que foi a Suécia quem, a meu pedido, veio a fornecer umas dúzias de moderníssimos camiões Volvo, desembarcados em Bissau em poucos meses.

Estes camiões último modelo,com ar condicionado, rádio estereofónico e confortável cabine para o condutor dormir, eram naves espaciais aos olhos da populção, e depressa se tornaram num instrumento de "engate" das belezas locais nas ruas de Bissau.

Durante uns tempos era mais importante esta "mercadoria" do que os tradicionais produtos de plástico e tecidos a serem transportados para o interior.

Se o problema tivesse sido só esse, as coisas näo teriam sido tão graves. Mas...quando os camionistas mais consciencios finalmente se puseram a caminho do interior (o que não deveriam ter feito!), concluiu-se que as estradas existentes ["picadas",] não foram feitas para estes mastodontes ma sim para as carrinhas Peugeot.

Todos os tipos imagináveis de problemas surgiram, acabando por liquidar este tipo de transporte. Em menos de seis meses todos os camiões Volvo estavam parados.

Sendo as marcas de camiões Volvo e Scania as mais vendidas mundialmente, e utilizadas nas condições mais extremas, foi enviada a Bissau uma equipa de mecâncios para estudar o problema surgido.

Chegou-se à conclusão de que, para além dos problemas quanto ao peso que as estradas não suportavam, ambém tinham surgido pequenos problemas de manutenção das viaturas, do tipo: esqueceram-se de mudar o óleo, houve componentes dos motores que desaparecera, etc.

Com a falta de intermediários tradicionais, como os comerciantes libaneses, os camponeses não conseguiam escoar a sua produção, pelo que se voltaram a concentrar-se na produção para consumo local.

O arroz passou a não chegar para alimentar a população de Bissau. Aí a coisa tornou-se grave! 

O Presidente [Luís Cabral,] justificou perante mim, que as coisas tinham-se agravado por razões climatéricas que teriam acarretado doenças para as plantas. Devido a isto, perguntou-me de imediato se seria possível um aumento da ajuda económica estipulada para estas situações de emegência.

Telegrafei de imediato para os escritórios centrais da SIDA (que são as iniciais ou o acrónimo da Agência Estatal Sueca para a ajuda aos países em vias de desenvolvimento) e, em muito curto espaço de tempo, tínhamos em Bissau um barco fretado, chinês, que transportava 3 mil toneladas de arroz para que a população não morresse de fome.

Estou a simplicar mas as coisas passaram-se basicamente assim.

História semelhante poderia ser aqui contada quanto ao enorme apoio económico sueco à indústria da pesca local"  (...)

Guiné 61/74 - P27127: Felizmente ainda há verão em 2025 (18): Libanesas de olhos verdes, nunca tínhamos visto... (Valdemar Queiroz, 1945-2025)


Pormenor de "A rapariga com brinco de pérola" (c. 1665)... Uma das obras-primas da pintura de todos os tempos, da autoria do pintor neerlandês Johannes Vermeer (1632-1675).  Óleo sobre tela (44,5 cm x 39 cm). Localização atual: Galeria Mauritshuis, Haia. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



Valdemar Queiroz (Afife, Viana do Castelo, 1945 - Agualva, Sintra, 2025).

ex-fur mil at art, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


1. Morreu em 3 de março de 2025, sem ter completado os 80 anos (nascera em 30 de março de 1945, minhoto de Afife). Um grande perda para todos nós, da família aos camaradas da Guiné. Era uma das figuras mais queridas da Tabanca Grande. 

Cinco meses de saudade!... Como ele gostaria de estar aqui hoje, mesmo dando-se mal com a canícula do verão, por causa da sua DPOC de "estimação"... De vez em quando lá ia de charola para o Hospital Amadora-Sintra... Sempre "preso à "bomba", "agarrado ao blogue", sorrindo com meia-cara à doença,  ao infortúnio, à solidão, e desejando "saúde da boa" a amigos e inimigos (se é que os tinha!)...

Cinco meses de saudade, Valdemar!... Deixaste de aparecer,   ainda estamos todos tristes e inconsoláveis... Estás perto e longe, felizmente não fostes parar á "vala comum do esquecimento"... A gente não se esquece de ti. E tu também prometeste não te esqueceres de nós.  Mas,  sem ti, o nosso blogue já não é a mesma coisa. Nem o blogue nem a Rua de Colaride... 

Olha, fui repescar textos teus, comentários que só tu sabias fazer e que nos encantavam  pela espontaneidade, autenticidade, irreverência,  verve, humor desconcertante, elegância  e alegria de viver que sabias transmitir como ninguém. 

Grande "lacrau", vê se gostas de te rever nestes teus (re)escritos, a que eu dei a forma de prosa poética... Mostra lá ao São Pedro, que até nem é mau rapaz, coitado, mesmo velhote, lá vai cumprindo os pesados deveres do seu ofício, o de porteiro do céu... (É um dos nossos três santos populares, mas não tem a mesma afeição que a gente dedica ao Santo António e ao São João; claro, não lhe diga, seria deselegante e no céu ou no inferno temos que nos dar com toda a gente, santos e pecadores...)

Podes dizer-lhe, da minha parte,  que cá na Terra da Alegria estamos todos zangados  com ele por te ter acolhido tão cedo no Olimpo dos deuses e dos guerreiros!... 

P*rra, meu velho "lacrau", porque é que não fomos todos juntos, à molhada, como no tempo em que nos mandaram para a Guiné... nos T/T Niassa, Uíge, Ana Mafalda ?!...

 Valdemar, podias ter esperado pela gente que ainda cá anda, gemendo e chorando... Na Terra da Alegria, mas que está cada vez mais feia...  

Até sempre, camarada ! Reza por nós à tua maneira...  (LG)


Da rua de Colaride via-se o mundo

por Luís Graça


Uma rua, a rua de Colaride, Agualva-Cacém,
que se tornou famosa,
há uns tempos atrás:
estava no mapa e na blogosfera,
por nela viver (mesmo só podendo assomar à janela...)
um antigo combatente da guerra da Guiné, 
um "lacrau", o Valdemar Queiroz...

Vivia sozinho em casa,
era portador de um doença crónica incapacitante
(o raio de uma DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica),
mas não perdia o gosto de viver e, tanto possível, conviver,
e muito menos deixava de cultivar o bom humor de caserna...
Que o crioulo, esse, falava com a empregada
que lá ia a casa fazer a cachupa, a bianda,
e em dias de festa o chabéu de frango...
"Bioxene ? Não, camarada, estou proibido dos médicos.
Agora só água da bolanha!"...

Da sua janela via o mundo... da sua rua.
Era um dos mais antigos moradores da rua Colaride,
que estava então mais bonita do que em 1972/73,
quando um andar do Jota Pimenta
custava 200 contos
(c. 56 mil / 49 mil euros, a preços de hoje...).

Quando o Valdemar Queiroz se casou
e se mudou para Agualva-Cacém, há 50 anos,
a Rua Colaride não era tão bonita
e sobretudo era muito menos "colarida"...
Agora floriam nespereiras e jacarandás nos canteiros.

No país não havia mais do 28 mil estrangeiros
com estatuto legal de residentes...
Há dois anos já eram  mais de 750 mil,
segundo o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)
que entretanto foi extinto,
mas continuou a haver estrangeiros e fronteiras,
e cada vez mais fronteiras.

Na Rua de Colaride, havia  gente oriunda de outras terras,
Cabo Verde, Guiné, Angola, por exemplo,
três antigas colónias portuguesas,
que se haviam tornado independentes em 1974 e 1975...
Muitos vizinhos já teriam a nacionalidade portuguesa,
outros bem a queriam ter,
para não terem um dia destes a desagradável surpresa
de virem a ser corridos da rua de Colaride...
Que era maneirinha, pacata, "multicolarida"...

As fotos que o Valdemar ia tirando à varanda,
com um telemóvel fatela,
não nos diziam tudo, mas diziam algumas coisas,
dele, dos vizinhos, dos fregueses, dos transeuntes...
Bem, não se via o mundo todo,
via-se só uma nesga, o que era melhor que nada.

E sobretudo deram origem a umas tantas blogarias.
O Valdemar gostava de blogar,
dizia ele que até fazia bem à saúde,
que até se esquecia que estava agarrado à "bomba".

Às vezes, demasiadas vezes, lá sobrevinha uma crise.
Lá vinha o tinonim do 112
e lá ia ele de charola para o hospital.
"Parece que me safei desta, camaradas!"

Da última vez, no dia 1, há 2 dias,
escreveu, no blogue, a partir do tal telemóvel fatela:

"Caro amigo Vinhal... 
Eu estou de cama
sem poder deslocar-me em casa 
por estar ligado a uma máscara de oxigénio.
É uma merda estar nestas condições da doença, 
e magro, como um cão, só pele e osso.
Neste mês vou ao hospital, consegui !!!, com os bombeiros,
para ser visto o pacemaker.
Obrigado pelo teu cuidado, ´
abraço e saúde da boa. 
Valdemar Queiroz".

Morreu o Valdemar, 
o último tuga da rua de Colaride.

"Desta vez não me safei, camaradas,
mas já tinha pedido ao meu filho, que está na Holanda,
para vos avisar, quando a pilha falhasse.
Não se esqueçam de mim,
eu não vos esquecerei".

Minhoto de nascimento, 
alfacinha por criação, 
avô de netos holandeses, aliás, neerlandeses...
Uma história de grande humanidade, 
um exemplo (tocante) para todos nós,
antigos combatentes,
seus camaradas de armas,
que somos representantes de uma "espécie" 
em vias de extinção...

Luís Graça

3 de março de 2025,22:00


  Libanesas de olhos verdes, nunca tínhamos visto

por Valdemar Queiroz (1945-2025)

Que pena tenho eu de não estar em Nova Lamego,
em 1972/74,para ver as libanesas,
porque em 1969/70
tinhamos que ir a Bafatá ver os seus olhos verdes.

Ó Marcelino Martins, tens toda a razão
e eu, em 1969/70, também não me lembro 
de estabelecimentos de libaneses, no Gabu.

Havia a casa do sr. Caeiro.
Vendia tudo, p
omada prós calos,
ventoinhas, frigoríficos a petróleo,
e até material militar (facas de mato) 
pra algum 'piriquito' despassarado.

Também havia, no Gabu, outro português,
que fazia uns frangos de churrasco, de cair pró lado.
Era na saída, para Bafatá e lembro-me 
que o empregado, um africano, tinha hora de saída.
E o patrão dizia:
“Vocês é que são os culpados, 
destes gajos terem horário de saída”…
O que nós fomos 'arranjar'!

Mas, José Marcelino Martins,
nunca vi nenhuma libanesa em Nova Lamego
e eu não era cego.
Lembro-me da filha do Sr. Caeiro, 
aparecia poucas vezes,
era de cair pró lado, boa como o milho,
rapariga prós vinte e poucos anos, 
sempre à espera dum capitão.

Mas, para ver as libanesas, de olhos verdes, raparigas bonitas,
tinhamos que ir a Bafatá.
Quem me dera, estar em Bafatá naquele tempo,
tinha vinte e poucos anos.

(...) Não me lembro das libanesas em Nova Lamego. 
Lembro-me do tal fim de ano (69/70) no cineclube, 
mas não me lembro das libanesas, 
também não me lembro de quantas garrafas de 'bioxene' 
foram deitadas a baixo, se calhar foi por isso.

A filha do sr. Caeiro, de que me recordo, 
era uma bem jeitosa que andava sempre 'doente' 
atrás do tenente médico, 
mas ela queria era um capitão, 
a outra, a “rebenta-minas”, 
era gordinha mas fazia torcer o pescoço à rapaziada.

Mas das libanesas de Nova Lamego não me lembro 
e naquela altura tinha boa memória.

(...) Quanto eu gostava de saber o que é o belo, 
agora que em toda a zona da Agualva/Mercês 
há um florescer de plumas, milhares de plumas
é uma beleza de ver
(ou são só as 'Meninas de Avignon', do Picasso,
ou 'As meninas' ,de Botticelli, que são uma beleza de ver?)

E por que razão as raparigas/mulheres libanesas 
de Nova Lamego ou Bafatá, não seriam uma beleza de ver? 
Que mal estaria a rapaziada a fazer, 
se só apreciassem os olhos verdes das libanesas? 
Cometiam um grave sacrilégio de apreciar a sua beleza,
ou, querendo lá saber disso,
teriam que apreciar o saber do passar a ferro, 
o mudar a água às azeitonas, 
o fazer uma sopa de beldroegas e esperar?

Acho que não, 
a rapaziada gostava de ver raparigas bonitas, 
libanesas, fulas, mandingas 
e até as filhas dos da metrópole que eram mais finas. 
Não havia nenhum mal nisso, era absolutamente normal.

Quem, em 1969/70, na Guiné, 
não gostava de ver uma mulher de olhos verdes, 
sem estar a pensar nas mulheres 
de olhos castanhos, azuis ou pretos 
para fazer comparações...
e também pensar que todas as mulheres têm olhos bonitos,
que elas haveriam de ser um dia as nossas companheiras
e as mães dos nossos filhos?

Pois é, caro Luís, naquele tempo, há 45 anos, sem querer, 
já nós apreciávamos a 'Mulher com brinco de pérola', de Vermeer , 
sem com isso desgostar da 'Mulher de Afife com arrecadas', 
da 'Mulher com o joelho à mostra na Pastelaria Suíça', 
ou 'A Vera de biquini amarelo na Caparica'.

Pois é, caro Luís, isto do belo dá pano para mangas 
e é só escolher, 
pra nós as libanesas chegavam: 
libanesas de olhos verdes, nunca tinhamos visto.

(Condensação de vários comentários do VQ, 
publicados no blogue | Revisão / fixação de texto: LG)
_______________

Nota do editor LG:

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26943: Notas de leitura (1810): A presença portuguesa no Gabu, a relação colonial com os Fulas, por José Mendes Moreira (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Este artigos de divulgação escrito pelo antigo administrador que produziu uma monografia sobre os Fulas do Gabu, elucida-nos de como nos apropriamos tão recentemente de cerca de um sexto de território da atual Guiné-Bissau, como se desenvolveu um relacionamento amigável entre as etnias Fulas e a administração portuguesa que, em parte, nos leva a compreender como, iniciada a luta armada, a esmagadora maioria das etnias Fulas se puseram automaticamente do lado da soberania portuguesa, e até ao fim do período colonial, oferecendo-lhe todo o apoio militar. Releva também do trabalho de Mendes Moreira a figura do régulo Monjur, que aparecerá por várias vezes ao lado das tropas portuguesas, em campanhas de pacificação. Esta revista Império, de 1951, era-me totalmente desconhecida, este artigo surge nos primeiros números, vou ler o que ainda falta, pode ser que tenha ainda mais uma agradável surpresa.

Um abraço do
Mário


A presença portuguesa no Gabu, a relação colonial com os Fulas, por José Mendes Moreira

Mário Beja Santos

O administrador José Mendes Moreira escreveu em 1948 uma monografia sobre os Fulas do Gabu, ainda hoje trabalho referencial. Encontrei há dias uma revista intitulada Império, teve curta existência, mas teve um arranque prometedor, em 1951. No número desse ano de setembro/outubro José Mendes Moreira ocupava-se do Gabu, vale a pena citá-lo:

“Gabu, o antigo Cabo, tão bem conhecido dos nossos exploradores do século XVI, não passava ainda de uma nebulosa no quadro da ocupação efetiva da província (século XIX, entenda-se). Fomos absolutamente estranhos às sanguinolentas lutas entre Mandingas e Fulas que culminaram pela conquista da supremacia por parte dos últimos. Ao contrário do que afirmam algumas crónicas e relatos orais dos nativos, a região nunca foi desabitada mesmo recuando no tempo até à Pré-História. A recente descoberta da estação de Nhampassaré, atesta a existência de homens pré-históricos, embora de proveniência e raça ignoradas.

Já nos tempos históricos, teriam por aqui passado algumas tribos, hoje acantonadas no litoral da província: os Bagas, os Banhuns ou Cassangas, os Felupes, os Bâmbaras e os Biafadas, tendo estes últimos sido desalojados pelos Mandingas Soninqueses, a partir do século XIII. Posteriormente, atravessaram a região os Fulas de Coli Tenguela, verdadeira tromba humana de que André Álvares de Almada nos conservou a memória.

Na primeira metade do século XIX, são ainda os Soninqueses os denominadores do Cabo (de Kabu – guerra) de onde o nome de “kabunkas” por que ainda hoje são designados pelos seus irmãos de além-Geba e Farim, por sua vez designados de “braçunkas” (de Braço – rio Farim ou Cacheu).

Contra o animismo turbulento dos kabunkas ia surgir em breve uma ameaça: o proselitismo religioso, fanático e avassalador, dos Fulas-muçulmanos do Futa-Jalom, já senhores de um império que atingia a Gâmbia pelo norte, a Serra Leoa pelo sul e se estendia para o oriente, quase até à curva do Alto Níger. É inevitável o choque entre as duas ideologias adversas e as crónicas relatam porfiadas lutas que terminam na epopeia sangrenta de Cam-Salá, numa guerra de extermínio entre duas raças e dois credos opostos.

Venceram os Futa-Fulas embora a vitória representasse um golpe profundo no seu poderio militar, golpe de que nunca mais se recompuseram, pois os franceses avançavam já com passos seguros por todo o seu domínio, enquanto os Fulas-Pretos de Alfá Moló e Mussá Moló, de vitória em vitória, completavam numa guerra de libertação a queda do carcomido tronco da poderosa monarquia religiosa e feudal do Futa-Djalon.

Alfá Bácar Guidáli completava a ocupação de Gabu pelos Fula-Forros, os Mandingas homiziavam-se para Farim e Casamansa, e o forte militar de Geba pairava já como sombra fatídica sobre o imenso território.

Entretanto, celebra-se a Convenção de 12 de maio de 1886 e todo aquele território correspondendo ao Gabu é considerado esfera de influência dos portugueses. Os franceses estavam persuadidos de que a Convenção de 1886 deixava na zona francesa os territórios do Forreá e Pachisse, incluindo Kadé e Canquelifá, mas brevemente reconheceram o erro. De facto, Kadé, inegavelmente sobre a influência francesa ficava a 20 km para o ocidente do meridiano 16ºW de Paris. Após intermináveis discussões, recomeçaram-se os trabalhos de 1898 concluidos em 1903, conduzindo à assinatura de um processo verbal que deixava à França os territórios de Kadé e Binane e a Portugal o Forreá e a parte ocidental de Pachisse, incluindo Canquelifá. Como compensação, foi-nos atribuído ao Sul uma extensão igual de território. Tudo decorreu sem quaisquer atritos.

Foi assim que Gabu entrou na órbita da ocupação portuguesa.
De 1905 a 1919, Gabu não tem qualquer autonomia administrativa. Faz parte da antiga circunscrição civil de Geba. Porém, Geba, antigo baluarte militar, foco de um intenso e profícuo missionarismo, sentinela vigilante da soberania e da civilização na parte oriental da província e centro comercial de primeira categoria, entra em decadência. É que, na margem esquerda do rio a que dera o nome começa a surgir, numa promessa de grande prosperidade, um novo foco de civilização – Bafatá. Situada na confluência dos rios Geba e Colufe, em breve destrona a velha e gloriosa povoação afortalezada. Em 1912, já é sede de circunscrição, que ainda se domina circunscrição civil de Geba. É Bafatá a porta de saída dos produtos naturais da região. É Bafatá que arrecada o imposto de soberania e todos os rendimentos públicos. No Gabu impera, quase soberanamente, o prestigioso régulo Monjur Embaló, filho do fundador do regulado, Alfá Bacar Guidáli, sucessor de Seilú Coiada, o régulo que acompanhara os trabalhos de delimitação de fronteiras.

Mais para o ocidente, o gentio insubmisso reclamava o emprego das nossas armas enquanto Monjur, nosso amigo e colaborador em campanhas, cobrava os impostos que vertia no todo ou em parte nos cofres da Fazenda, guerreava os potentados vizinhos do território francês e cercava-se de uma auréola de fastígio e de poder e granjearam o ser reconhecido como o maior de todos entre os régulos que ainda imperavam dos dois lados da fronteira.

Os centros comerciais de Oco, Piche, Sonaco e Canquelifá esboçavam ainda timidamente os primeiros passos. Um português de nome Lança abrira o primeiro estabelecimento comercial em Oco. Em 1912, começa a infiltração de comerciantes sírios e libaneses. São eles que efetivam a ocupação comercial da região.

Com as fulgurantes vitórias de Teixeira Pinto, a província foi completamente pacificada. Da ocupação militar passa-se à ocupação administrativa. Em junho de 1919, o território do Gabu é desanexado da circunscrição civil de Bafatá, constituindo a décima circunscrição civil. O administrado Alberto Gomes Pimentel vem instalar em Oco a sede dos serviços da nova circunscrição. O tenente Adolfo de Jesus Leopoldo transfere a administração para Lenquerim, na margem esquerda do Colufe mas, a breve trecho, reconhece que Gabu-Sara, povoação fronteira na margem direita, oferece melhores perspetivas ao desenvolvimento de um centro urbano comercial que combina os comerciantes libaneses de Oco a transferência do centro comercial para Gabu-Sara, onde, em 1921, já se encontram em funcionamento os primeiras estabelecimentos comerciais e iniciada a constrição do edifício da administração.

Monjur é ainda o maior de todos, mas com a velhice as intrigas dos próprios irmãos começam a minar-lhe o poderio. Respeitado e temido por todos, não faz concessões, as nossas autoridades administrativas, recentemente instaladas, não dão conta dos trabalhos que se lhes levantam debaixo dos pés e cometem erros de gravidade por desconhecerem a índole da população e o espírito intrigante do Fula. Monjur luta sempre, indomável, contra as intrigas dos seus irmãos de raça e de sangue e contra a incompreensão do branco outrora tão seu amigo. É sucessivamente destituído e reposto no cargo, vê o seu território esfacelado e de novo unificado sob a sua égide.

Quando uma nova divisão estava iminente, Monjur vai a Bolama pedir justiça, que é feita e, no regresso, morre pouco tempo depois em Coiada, donde o seu cadáver é processionalmente transferido para Oco perante incontáveis multidões de gente vindas de todos os pontos da Guiné e do vizinho território francês.

Estamos em 1929. De então, até 1935, Gabu atravessa um período crítico em que a confusão reina soberanamente e despovoa-se de tal forma que, de 30 mil impostos que se arrecadavam nos tempos áureos de Monjur, desce para 11 mil e pouco em 1934. Contudo, nunca foi necessária a força armada para restabelecer a ordem. Em 1936, repartiu-se o território pelos chefes dos diferentes ramos da família Embalocunda, a dinastia reinante, voltou a tranquilidade. Hoje a população nativa anda à volta dos 60 mil quando em 1934 mal aflorava aos 30 mil. Fulas-Forros, Futa-Fulas e Fulas-Pretos vivem em paredes meias com Mandingas, Jacancas, Saracolés. Sossos, Torancas e outros grupos étnicos, sem atritos de qualquer natureza.”


José Mendes Moreira dá-nos depois a relação das benfeitorias desde a assistência sanitária, a assistência agrícola, a construção de edifícios, um bairro cívico em Sonaco, novos edifícios para a administração, uma central elétrica em Nova Lamego, melhoria das estradas, etc.


A antiga Nova Lamego
Pista aérea de Nova Lamego, 1971
Uma galeria de mulheres Fulas numa festa do Cupilon de Baixo, 1973, RTP Arquivos
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Nota do editor

Último post da série de 16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26925: Notas de leitura (1809): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26654: (De)Caras (229): Mais postais ilustrados da coleção do Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), que ontem fez 75 anos, três quartos de século

 

Guiné > Bissau > s/d  (c. 1960/70) >  "Banho de menino (Fulacunda)". Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 140". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal. Imprimarte, SARL).

Guiné > Bissau > s/d  (c. 1960/70) > "Fulas batendo pano (Bissau)". Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 114". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal. Imprimarte, SARL).

Guiné > Bissau > s/d  (c. 1960/70) > "Mercado nativo (Bissau). Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 103". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal). Imprimarte, SARL.


Guiné > Bissau > s/d  (c. 1960/70) >   "Nova Lamego, Guiné Portugesa".  Colecção "Guiné Portuguesa, (s/n) ". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal,  Imprimarte, SARL).

Guiné > Bissau >  s/d (c. 1960/70) > "Bafatá".  Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 136". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal). Imprimarte, SARL.

De cima para baixo, edifício da administração de Bafatá (circunscrição) (as duas primeiras imagens); o mercado (3ª); a mesquita (4ª); a catedral (católica) (5ª); vista aérea (6ª); postal ilustrado nº 136, da edição Foto Serra.

Guiné > Bissau >  s/d (c. 1960) > Aeroporto Craveiro Lopes. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 121". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal,  Imprimarte, SARL).  

Coleção: Agostinho Gaspar / Digitalizações, edição e legendagem: Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


1. Continuação da publicação de uma seleção dos postais ilustrados da Guiné do
nosso tempo (c. 1960/70),  da coleção do nosso camarada, natural do concelho de Leiria, Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74). 
O pretexto foram os seus 75 anos (*).

Para além da Foto Serra, havia outros editores de postais ilustrados:

  • Agência-Geral do Ultramar.
  • Casa Mendes (com destaque para o fotógrafo A. B. Geraldo);
  • Casa Gouveia;
  • Foto Íris, etc-

 2. Comentário do editor LG:

Aproveita-se a oportunidade para pedir aos nossos camaradas o envio de cópias digitalizadas, com boa resolução, dos postais dos seus álbuns, que eventualmente ainda tenham guardados no "baú da Guiné"... Imagens e respetivas legendas, por favor (como as que acima reproduzimos)...

É uma pena que estes postais se percam, dado o seu valor iconográfico e documental.  Mais: é "pecado" estes postais irem para o lixo... E um "crime" de lesa-memória, lesa-património...

Digam lá se não é um ternura aquele primeiro postal que publicamos, a de uma mãe (biafada ?), em Fulacunda, a dar o banho ao seu menino numa cabaça cortada ao meio ?!... Claro   que o Facebook não mo deixa publicar, a esta hora já removeu o "conteúdo por  nudez e atividade sexual" (!)...

Pergunto: amigos e camaradas, o que é feito deles, desses postais ilustrados, com motivos do folclore local ou paisagens da Guiné, que comprávamos em Bafatá, Nova Lamego, Teixeira Pinto ou em Bissau, como lembranças ou como  bilhetes de correio que, depois de devidamente selados, mandávamos para a família, vizinhos, colegas  e amigos, com uma simples nota a dizer que "estávamos de boa saúde mas cheios de saudades"?!..

Muitos terão acabado, ingloriamente, no caixote do lixo, tal como os nossos aerogramas e cartas. Outros, compram-se agora por aí, em alfarrabistas e antiquários, procurados por coleccionadores de postais, saudosistas da Guiné, da África, do Império, ou apenas por simples coleccionadores... Outros ainda pairam no fundo dos nossos baús... Quantos, onde ?...

Bom, no último caso, é altura de lá ir tirar-lhes o pó, digitalizá-los e mandar-nos a respectiva imagem, para publicação no blogue, se possível com a reprodução dos respectivos dizeres... 

No caso de o bilhete postal (ilustrado) ter alguma mensagem escrita que possa ter interesse para o nosso blogue, para o conhecimento e a compreensão do nosso quotidiano de guerra, ou até para a divulgação da história e da cultura dos povos da Guiné-Bissau, peço para me tirarem também uma cópia...

Para alguns de nós, estes postais podem ter algum valor afectivo, sentimental, raramente estético... Noutros casos, eles podem ter interesse, documental, para os estudiosos da Guiné e da guerra colonial: sociólogos, antropólogos, historiadores... Terão seguramente algum interesse para os mais jovens, portugueses e guineenses, com pouca ou nenhuma informação sobre os seus países, de há 50/60 anos atrás...

Não vale a pena também esconder que muitos deles eram um arma de propaganda, usada pelo regime político de então, para reforçar a ideia do Portugal plurirracial e pluricontinental, que ia supostamente do Minho a Timor...  Têm valor também por isso. Sobvretudo, fazem parte da nossa história, a grande e a pequena.


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terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26143: Humor de caserna (81): "Há ouro em Bafatá ?!"... A imaginação febril dos serôdios "garimpeiros" coloniais... (Excerto do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951, suplemento especial dedicado às províncias ultramarinas que, em revisão constitucional, tinham acabado de deixar de ser colónias)

 


Excerto do Suplemento do "Diário Popular", edição de 20 de outubro de 1951, pág. 9



Capa do Suplemento do "Diário Popular", edição de 20 de outubro de 1951,



Capa da edição do "Diário Populae", de 20 de outubro de 1951. Era diretor o Luis Forjaz Trigueiros (1915-2000)


1. Na euforia do  fim do "Pacto Colonial", e da revisão constitucional (Lei nº 2048, de 11 de junho de 1951),  a imprensa lisboeta começa a olhar para o "ultramar português"  como um mercado cheio de potencialidades... 

É um número de "informação e propaganda", em que figuras-chave do Governo de Salazar (Sarmento Rodrigues, Ulisses Cortês, etc.) mas também historiadores alinhados política e ideologicmemte com o Estado Novo (Damião Peres, por exemplo, que a dirigiu a monumental História de Portugal, publicada entre 1928 e 1954) assinam artigos de opinião ou dão entrevistas...

 O "Diário Popular", na sua edição de 20 de outubro de 1951 ( e não de 20 de outubro de 1961, como vem escrito por lapso, na ficha da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa), distribuiu um suplemento, dedicado ao Ultramar, desde Cabo Verde a Timor,  com 218 páginas (22 das quais são dedicadas à Guiné).  

É uma raridade bibliográfica, está disponível  aqui em formato digital. Merece uma leitura atenta.  E tem apontamentos deliciososos, como este que publicamos acima, na série... "Humor de caserna" (*).  (O "há ouro em Bafatá" faz-nos lembrar a rábula do saudoso e genial Solnado, na divertida comédia televisiva , de 1986,  "Há petróleo no Beato"...)

Um pensamento "seráfico" de Salazar dá o tom para esta edição "eufórica" sobre o ultramar português e a "nossa ancestral vocação civilizadora":

"Nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos à conceçãoo superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, do domínio da razão sobre os instintos"...

Dentro dos condicionalismos da época (a começar pela censura), temos de reconhecer, no entanto,  que o "Diário Popular" foi também um viveiro de grandes cronistas,  repórteres e jornalistas.

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