Queridos amigos,
Entendi que se deviam publicar as linhas de ação governativa de Sarmento Rodrigues, ele diz que vem por pouco tempo, que pretende acabar obras e deixar muitas outras em andamentos, sente-se que vem bem apoiado pelo ministro Marcello Caetano, ao longo de 1945 observa-se a abertura de créditos, acabara a guerra e havia dinheiro, desanuvia-se a atmosfera de grande austeridade, lançam-se os fundamentos do que o governador idealizava para a Guiné: obras públicas, transportes, portos, pontes, reformulação de toda a política de saúde, investigação cultural. Quando deixar a colónia, em 1949, o seu sucessor, Raimundo Serrão, passará anos a inaugurar obras do seu legado. Legado tão forte que quando Craveiro Lopes visitar a Guiné em 1955, a grande estrela será Sarmento Rodrigues, então ministro das Colónias.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, finais de 1945 (58)
Mário Beja Santos
Vai começar a era de Sarmento Rodrigues, veremos ao longo de 1945 sucessivas autorizações de abertura de linhas de crédito, todas elas justificadas por dotações insuficientes. O novo governador chega e começa por trocar saudações com o Conselho de Governo.
O Comandante Manuel Maria Sarmento Rodrigues irá proferir na abertura dos trabalhos (mera sessão protocolar) um discurso surpreendente, vale a pena reter alguns parágrafos, pois deixa bem claro ao que vem e o que pretende fazer:
“Vossas Excelências esperariam, talvez, que nesta ocasião lhes fosse apresentado um programa do Governo. Justamente, uma das incumbências que Sua Excelência o Ministro me deu foi de elaborar um plano de Governo. Não serei eu só, mas Vossas Excelências, todas as pessoas esclarecidas e de boa-vontade, que hão de ter parte nele com as suas informações, os seus exemplos e a sua previsão. E, depois disso, mais do que planear, terão de executá-lo. Deposito a maior esperança na colaboração de todos. Não seria possível encontrar aqui homens que negassem o seu esforço par ao engrandecimento da colónia.
Conheço a dureza da vida na Guiné, por um lado causada pelas asperezas do clima, do outro pelas dificuldades económicas de cada um. É indispensável, portanto, fazer o possível por conseguir mais conforto e bem-estar para todos, de modo que esta colónia possa um dia ser, mais do que a região atrativa e prometedora do que já é, uma terra onde a vida possa decorrer sempre com agrado.
Julgo que isso será possível. Habitações higiénicas; higiene nas ruas e em volta das povoações; meios de vida mais fáceis; ambiente social cada vez mais digno; satisfação das necessidades espirituais.
Sua Excelência o Ministro enfrenta um vasto programa de melhoramentos na colónia, para a realização dos quais já começaram a trabalhar os organismos superiores do Ministério.
Muitos deles aqui se movimentam também. Habitações, saneamento, água e hospitais; pontes, portos, obras hidráulicas, aeroportos, farolagem; missões científicas, de geodesia, hidrografia, zoologia, antropologia, botânica, medicina, etc.; desenvolvimento do serviço missionário, na parte religiosa e na parte do ensino indígena; defesa militar na colónia; assistência às atividades económicas, nomeadamente às agrícolas e industriais, direta e indiretamente; ensino dos indígenas em agricultura, pecuária e artes e ofícios; e outros.
Infelizmente, o momento atual não é de molde a permitir a fácil realização deste vasto programa, porque em grande parte rareiam os elementos para a sua execução. Junta-se à falta de técnicos a escassez de materiais e a dificuldade de transportes. Heis porque, mais do que nunca, se impõe a colaboração de todos; levara moralidade administrativa a todos os setores, aos mais pequenos detalhes; intransigência, contudo que possa traduzir corrupção e vício. É nestas bases de moral sem transigências que temos de trabalhar.”
Imediatamente a seguir discursa na primeira sessão do Conselho de Governo, aí sim temos as linhas gerais do que planeou para a ação governativa:
“É premissa basilar não estagnar, não haver uma pausa sequer. O ritmo de trabalho, da atividade, tem de ser acelerado. Figura no primeiro plano das realizações, como mais visível, o trabalho das obras públicas. Temos uma vasta lista de obras projetadas para um período que desejaríamos que fosse bastante curto. Coloco à frente as construções por acabar e que pretendo arrumar. Afigura-se-me como ação de prestígio para nós a conclusão ou aproveitamento imediato de todos os edifícios que estão incompletos: Palácio, Sé, capelas de Catió, Bafatá, Canchungo, Mansoa e Gabu, moradias projetadas para os funcionários em Bissau, o monumento ao Esforço da Raça, edifício da Praça do Império, cuja origem quase se desconhece, e outras tentativas dispersas pela colónia, aguardando que as acabem.”
E passa em revista o que pretende fazer: instalar o Tribunal Administrativo, o Tribunal da Comarca, Escrivães e Conservatória; na Praça do Império instalar um Museu, Arquivo e Biblioteca. “Tenho também intenção de restaurar a Colónia Penal Agrícola, pois é necessário haver um local onde sejam conservados os condenados ao cumprimento de penas, os quais não têm presentemente lugar nas cadeias. Até hoje não descobri as razões que levaram à suspensão da Colónia Penal. Por toda a colónia há imensas obras eu se impõem, como as sedes dos postos administrativas de Prabis, Cacine, Bedanda, Bambadinca, Xitole, Bula, Enxudé, Binar, Enxalé, Piche, Pirada, Ilha Roxa, Caravela e outros; as secretarias das administrações de Bissau e Canchungo; residência dos administradores de S. Domingos e Gabu, do secretário de Farim e dos aspirantes em Bafatá, Catió, Bubaque e Farim.” E seguidamente fará menção da rede de estradas, pontes e reparações de envergadura.
E sinais desta atividade vão aparecer no Boletim Oficial, torna-se claro que o Ministro das Colónias, Marcello Caetano, lhe está a dar um apoio incondicional. Veja-se o suplemento ao n.º 46, Boletim Oficial de 17 de novembro, publica-se o Decreto-lei n.º 43:677, fala-se no levantamento hidrográfico da colónia da Guiné, é necessário um navio adaptado às especiais condições hidrográficas da colónia, o Ministério da Marinha destinará uma canhoneira, fala-se da logística, duração dos trabalhos, etc.
As questões de saúde merecerão do governador a devida atenção, como se pode ver numa portaria publicada no Boletim Oficial n.º 51, com a data de 17 de dezembro. Iniciara os seus trabalhos na colónia a Missão de Estudo e Combate à Doença do Sono, o governador determinava: que todos os indígenas a quem seja feito o diagnóstico de tripanossomíase fossem obrigatoriamente mandados apresentar nos postos de tratamento; e que os doentes indígenas considerados no período nervoso da afeção ficassem isentos de pagamento do imposto palhota e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que tivessem sujeitos. Nesse mesmo Boletim Oficial era criado o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa que teria como seu órgão o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.
No último dia do ano, no suplemento n.º 53 do Boletim Oficial n.º 25, publica-se o Decreto-lei n.º 34:478, do Ministério das Colónias, tem a ver com o envio de missões antropológicas e etnológicas, a quem Sarmento Rodrigues dará todo o impulso aos seus trabalhos. Enfim, o plano de ação governativa com o declarado apoio do Governo e com a chegada de dinheiro e meios e técnico ganhava o seu ímpeto.
Sarmento Rodrigues regressava de Lisboa e trazia boas notícias: dinheiro, equipamentos, a vinda de cientistas, apoio governamental para infraestruturas, obras públicas e saúde
Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Foto Serra, 1955
Tocado de Korá. Imagem retirada deste número de Ronda pelo Ultramar
Duas páginas do mesmo número da revista
(continua)_____________
Nota do editor
Último post da série de 15 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)
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