Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta direito. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta direito. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25191: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte II: "32. No Bar"... ("Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice.")

 

Jorge Cabral (1944-2021)

Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."


1. Confesso que tenho saudades do nosso "alfero Cabral", o Jorge Cabral (1944-2021). O mais "paisano" dos militaes que alguma vez conheci... Com o seu inseparável cachimbo... e o seu sorriso, meio amargo e meio trocista... Com o seu humor desconcertante... 

Ultimamente tenho andado a reler o exemplar autografado, que me ofereceu em 2006,  das suas "Histórias de um Professor de Direito" (publicado em 2002)... 

Nunca fomos muito "íntimos". Mas éramos cúmplices. Nem ele nem eu éramos dados a ter muitos amigos do peito... (Amigas, sim, teve ele milhares, as suas alunas; sempre foi bendito entre as mulheres.)

Eu tinha muita estima e afeto por ele, embora privássemos pouco. De vez  em quando eu telefonava-lhe. (A iniciativa era sempre minha. Em geral, por causa do blogue. E,  nos seus últimos meses de vida, por causa da maldita doença que o iria matar.) 

E encontrávamo-nos, pelo menos anualmente, nos  encontros da Tabanca Grande, em Monte Real.  (Tenho pena de nunca ter bebido um copo com ele na  noite de Lisboa; tinha-lhe sugerido que o lançamento do I volume das "estórias cabralianas" fosse num bar do Cais do Sodré, mas infelizmente sobreveio a pandemia.)

Era sobretudo por email que íamos pondo a conversa em dia... Ele sempre muito lacónico,  eu mais palavroso...

Conhecemo-nos na Guiné, em Bambadinca, no período de 1969/71. Ele, num Pelotão de Caçadores Nativos, o Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71). Eu, na CCAÇ 12... Fizemos algumas operações conjuntas.

Reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue mas também, uma vez ou outra,  no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (cooperativa de ensino criada em 1935, ali no Largo do Mitelo) ou mais tarde na Universidade Lusófona, ali no Campo Grande.

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica então mais uma das provas (sob a forma de casos) a que ele submetia os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, para efeitos de  avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores.

Reconhecemos, na sua "casoteca", nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito",  a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violencia, o álcool, a droga... 

Destaque para o contexto pungente  desta "conversa" entre dois homens à procura da paternidade  perdida... 

(...) Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice. Elas já falavam dos seus úteros elas como quem fala dos parentes, enquanto eles bebiam, bebiam sempre copos atrás de copos, com o ar enfastiado de quem cumpria quem cumpre um ritual.(...)


2. Histórias de um Professor de Direito > III. Dos Filhos (nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras)

32. No bar

por Jorge Cabral  (pp. 65/67)


Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice. Elas já falavam dos seus úteros como quem fala dos parentes, enquanto eles bebiam, bebiam sempre copos atrás de copos, com o ar enfastiado de quem cumpria um ritual.

Apetecia fugir. Desfraldar um bandeira. Gritar um ipiranga. Mas não. Já não podia deixar aquela mesa onde também bebia um xarope para a tosse que o empregado garantia ser whisky, puríssimo  e importado. À minha mesa, dois parceiros, de ocasião, desafinavam um diálogo absurdo e incoerente. Cláudio estava suavemente bêbado,  e sofria.  Porque não queria sofrer só, convidava-nos a sofrer com ele,  e por isso nos contava todas aquelas desgraças. Claudino ouvia, comentava e,  às vezes perguntava. Mas sempre a despropósito.

Não cheguei a perceber se o fazia intencionalmente. Ou era muito estúpido ou muito inteligente, o que, aliás, acontece a todos nós. Tudo depende das circunstâncias, do tempo e do lugar.

Vou tentar reproduzir o que lhes ouvi dizer, tentando ser fiel neste relato.

Cláudio (quase a chorar) Hoje deixei de ser pai. Fui inibido. 

Claudino −  Também já fui assim. Passou-me com a idade.

Cláudio − Diz a sentença que bebo. Que não ligo às crianças.

Claudino  − O meu primo Gustavo também pagou uma multa por causa do balão.

Cláudio  − O advogado diz que pode ser levantada.

Claudino   Quem?

Cláudio    A inibição.

Claudino – Ah! Essa!

Cláudio −  E tudo por causa dela. Que  me trocou pelo carteiro.

 Claudino   Se calhar, precisava de óculos.

Cláudio −  Apanhei-os na cama, na minha cama.  E ele ia lá todos os dias.

Claudino   O carteiro toca sempre duas vezes.

Cláudio −  Ele tinha a chave. Aliás já os tinha visto no elétrico dos Prazeres. 

Claudino −  Isso é cinema pornográfico. Não gosto.  Prazeres elétricos, que estupidez!

Cláudio − Foi por isso que comecei a beber e deixei de lá morar. Mas ela também abandonou as crianças. Até fomos suspensos os dois do poder paternal.

Claudino  − E não caíram?

Cláudio − Os miúdos forem internados no lar de São Teotónio. Ainda lá estão. Parece que vão ser adotados.

Claudino (distraído)  − A droga é um verdadeiro flagelo.

Cláudio − Se eu conseguisse que ela fosse também inibida, ficávamos empatados.

Claudino − Os inibidos empatam sempre. É preciso descontração.

Cláudio  − Eu não consinto. Não assino nada. Mas o advogado diz que eles podem ser confiados.  

Claudino    Sempre há gente muito desconfiada.

Cláudio  − E nem eu sei quem  os quer adotar. É  segredo. Dizem que vão para o estrangeiro.

Claudina − A poluição tem muitas culpas.

Cláudio −  O meu mais velho já tem doze anos. Não sei se com essa idade ele já tem opção.

Claudino  − Depende do contrato. O Oceano vai para o Benfica.

Cláudio−   Ah! Se eu  acabasse com a inibição e ganhasse o divórcio, resolvia tudo, anulava as adoções e voltava a ser pai.

Claudino foi à casa de banho e eu aproveitei para me despedir. A cena passou-se ontem e eu prometi solenemente, a Cláudio,  levar-lhe hoje os vossos testes, para que ele compreenda integralmente a situação.

Coitado do Cláudio!

 Comente, clarifique, descreva,  interrogue e solucione.


(Transcrição e r
evisão / fixação de texto: LG)
________

Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...

(...) Comentário de Tabanca Grande Luís Grça:

Tristeza, "alfero Cabral", nem um único comentário ao teu "amoroso" livrinho!...

Como é que tu estás? "Minimamente confortável" no pedacinho de universo que te coube em sorte, "post-mortem", "lá na tua estrelinha"? É para onde vão as "alminhas" (como tu gostavas de chamar às tuas alunas) que desaparecem, e que nós amamos, como eu explico à minha neta que tem pouco mais de 4 anos... E o teu neto, "tens falado com ele"?... Mantenhas, saudades das bajudas de Fá Mandinga, Fá Balanta, Missirá, Bambadinca e Bafatá...

2 de fevereiro de 2024 às 12:37 (...)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...


Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."

O Jorge Cabral  (1944-2021) foi af mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71). Tem 253 referências no nosso blogue. Era (é) um histórico: ingressou na Tabanca Grande em 21 de dezembro de 2005.

Cartaz da conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar". Lisboa, Centro de Formação do Hospital dos Capuchos,  17 de Maio de 2006, 16h00.

Foto: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...) 

[O Fórum de Santo António dos Capuchos era, na altura,  uma iniciativa de profissionais de Serviço Social, organizada pelo Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS), pelo Serviço Social dos Hospitais dos Capuchos, Desterro, Miguel Bombarda, Liga dos Amigos e Utentes do Hospital dos Capuchos (LAU) e do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona.] 

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs Jorge Cabral, Alfredo Henriquez e Cristina Carvajal Isabel (assistente social colombiana, com vasta experiência em trabalho social na América Latina e Europa)

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs. Jorge Cabral (docente da Universidade Lusófona, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da Infância, direito penal, escritor, ex-combatente da guerra colonial na Guiné) e o Alfredo Henriquez (presidente do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social), que presidiu à conferência. (*)

Fotos: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...).

1. Há muito que ando para citar e divulgar este livrinho do nosso sempre chorado e lembrado "alfero Cabral", o  Jorge Cabral (1944-2021). Redescobri-o há tempos na minha biblioteca. Já não recordo, com precisão, em que cirunstâncias é que o autor me ofereceu um exemplar autografado das suas "Histórias de um Professor de Direito"... 

Conhecidos da Guiné, de Bambadinca, do período de 1969/71, reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue (e depois nos encontros anuais da Tabanca Grande) mas também no Instituto Superior de Serviço Social e ainda na Universidade Lusófona. Participámos em algumas iniciativas como, por exemplo, na Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Lisboa, Hospital dos Capuchos, 17 de maio de 2006).

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica uma das provas a que ele submeteu os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, na avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores. Reconhecemos, nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito" a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violência...

2. Comecemos com alguns excertos do prefácio dos editores. 

(...) A presente obra, "Histórias de um professor de direito".  traz-nos o testemunho brilhante de um docente que ao longo de anos, e de forma pioneira, tem vindo a reflectir sobre a problemática  humana que o Direito te,m tem vindo a classificar  como uma disciplina autónoma: o Direito de Menores e da Família. 

"O Doutor Jorge Cabral terá sido um dos primeiros docentes a introduzir, na década dos anos 70, esta disciplina no programas do ensino superior, através das suas aulas no Instituto Superior de Serviço Social. O seu estilo irreverente e profano, já evidenciado noutras obras e nas inúmeras conferências, revela,  na sua ousadia, este conhecimento profundo da cotidianeidade dos seres humanos mais vulnerabilizados e excluídos,Das cerca de histórias das cerca de 30 histórias.ades e excluídos com as quais ele tem assumido carinhosamente ao longo dos anos o seu compromisso profissional na defesa dos seus direitos". (...) 

Dr. Alfredo Henriques C

(...) Foi com enorme prazer que (re)li as 'estórias' que agora se publicam, fazendo-me voltar atrás mais de 10 anos e recordar as aulas do Professor Jorge Cabral. Fizeram despertar em mim afectos que foram verdadeiramente marcantes, reconhecendo, sem margem de dúvida,  que os seus ensinamentos foram dos mais ricos,  invulgares e eficazes na minha formaçöão. 

Dr. Maria André Farinha, direção da APSS [Associação dce Profissionais de Serviço Social]    .

As histórias aqui reunidas neste livrinho são 35, ao todo. Estão classificadas, de acordo com o índice, em três capítulos ou partes:

I... Do Casamento. Amam-se- Desamam-se. Enganam-se. Desenganam-se.   [Ao todo, são 15 . ] 

II... Da Filiação. As mães são. Os pais talvez. [Ao todo, são 16.   ] 

III... Dos Filhos.  Nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras.... [As restantes quatro  ] 


Histórias de um Pofessor de Direito: "25. No Regimento de Cavalaria" (pp. 54/56) 

por Jorge Cabral

Passa das oito da noite. Estou no escritório ainda. Preciso de escrever uma contestação para amanhã sem falta. Tocam à campainha, cinco toques. Quem será? Penso não abrir a porta. Fngir que não estou. É algum chato a fazer uma pergunta. Abro, não abro. Hesito, mas abro a porta. 

Entram. Tresandam a um perfume intenso daqueles que permanece e agoniam.  Ele baixo, entroncado, um bigode fininho, para o moreno, traz uma penso na testa. Ela usa uma saia de criança que só lhe tapa três quartos das coxas e na testa uma fita que não segura cabelo nenhum. Irá jogar ténis ? 

Pergunto-lhe os nomes e finjo tomar nota. Marieta e José. Casados um com o outro. Dois filhos pequeninos. 

 −Então o que o traz por cá?   − interrogo com  simpatia, enquanto os observo. Não respondem. Insisto. 

 − Alguma herança ?  Acidente ?  Uma ação de despejo ?  Problemas de droga ?

 Começam a falar ao mesmo tempo. Brigaram. Odeiam-se. Ela anda na vida e ele vive à custa dela. 

 − Falo eu que sou homem  − diz José.

  −Isso é que era bom    − grita Maria. 

 − Falam os dois  mas um de cada vez   −  interrompo.  O senhor vai ali para o lado.  Já o chamo. 

Ele foi de má vontade. Ea fica e começa:

 − Vou começar pelo princípio e contar tudo, que isto de advogados é como os padres. Há dez anos, inha eu dezassete,. vim servir para Lisboa em casa de um coronel. Chamava-se Alvarenga e tinha uma mulher chata. A Dona Lúcia.  A casa deles era dentro do quartel, o Regimento de Cavalaria 4, na Rua das Almas. O Doutor está a ver,  uma rapariga nova no meio de tantos homens. O primeiro foi o sargento, depois o furriel. Mas nunca foram tantos como por lá constava.  A fama tive. Sabe como é que é. José era ordenança do coronel. E que diferente ele era.  Tímido, envergonhado, sempre com medo de tudo e de todos. Fui eu que o cobicei,  quasi que o obriguei. Ele saiu da tropa em fevereiro de 83 e  nós casámos no 25 de Abril do mesmo ano, seis  meses antes do nascimento do Joca o meu filho mais velho.  José ganhava pouco, bebia, começou a acompanhar com vadios e galdérios. Tinha o Joca dois meses, pôs-me na rua. Eu que ganhasse algum. A princípio custou-me. Depois fiz de conta. José deixou de trabalhar. Saca-me a massa toda. Trata mal os putos e o Zeca tem só dezasseis meses. Estou farta, farta. Quero ir para o Algarve. Ganha-se lá muito mais. Conheço uma senhora que fica com os miúdos. Diz que os vai adotar. É mulher de um engenheiro, já pssou os qquarenta e  não pode ter filhos. Quero o divórcio e  rápido. Tudo legal. Eu não quero problemas. 

 − Pode sair agora. Entre ,  senhor José. 

Ele entrou irritado. 

 − Não sei o que ela disse, mas é tudo mentira. Para já não assim nenhum divórcio. Ela dava-me tudo. Fiz dela uma senhora. Quando a conheci, era uma sopeira.  Se me chateia muito,  tiro o nome aos miúdos. Eu sei lá se são meus filhos Antes de casar, andou com meio regimento. E depois é o que se vê. Diga lá o Doutor se  não tenho razão. Posso deixar de ser pai, não posso ? Diz que vai dar os putos. E se Eu não deixar ? Eu até lhes possa tirar. É verdade ou não é? Provo que ela anda na vida, e pronto. Se ela for para o Algarve, vou lá e arrebento-lhe  as ventas. Tenho esse direito. Pois, não sou o marido ?. 

Chame os dois. Informo-os  que vou estudar o assunto. Marco uma entrevista para daqui a oito dias. Despedem-se. Esquecem-se de pagar. 

Está visto que não poderei ser advogado  dos dois. Mas vocês podem.  E é o que vão fazer. Vão apreciar as razões de cada um e tentar encontrar as soluções jurídicas. 

PS  − Eles estiveram no meu escritório ontem, dia 5 de fevereiro de 1987 (**).

(Revisáo / fixação de texto: LG)

_____________

Notas dos editor:

(*) Vd. poste de 10 de4 março de  2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

(**) A data é importante. A profunda revisão do nosso Código Civil (que a partir de 1978 passou a ajustar-ser à nova Constituição da República Portuesa, de 1976) trouxe grandes alterações nas áreas do direioto da família e dos menores (Vd.  Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro. Entrou em vigor  a partir de 1 de abril de 1978.)

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20108: Vemos, ouvimos e lemos..., e não podemos ignorar (1): Carta aberta ao presidente da república do Senegal: os dramáticos efeitos das barragens senegalesas de Niandouba e de Anambé, construídas na bacia do rio Kayanga / Xaianga / Geba, que vêm privando a Guiné-Bissau de valiosos recursos hídricos desde 1984 (Umaro Djau)



Fotograma do vídeo Rio Kayanga / Geba (apresentação em crioulo, por Umaro Djau) (13' 48'')






Capa da página Rio Geba, criada por Umaro Djau com o objetivo de divulgar, assinar e partilhar a carta aberta ao presidente do Senegal





I. Do cidadão guineense Umaro Djau, nascido em Pirada, jornalista,  ativista social, recebemos a seguinte mensagem; 

Assunto: Carta Aberta ao Presidente da República do Senegal, Macky Sall

Sirvo-nos da presente nota para vos informar sobre uma Carta Aberta que dirigi à Sua Excelência, o Presidente da República do Senegal, Sr. Macky Sall.

A referida carta aberta debruça-se sobre os efeitos das barragens senegalesas de Niandouba e de Anambé que vêm privando a Guiné-Bissau de valiosos recursos hídricos desde 1984.

A carta aberta foi traduzida para duas outras línguas internacionais, nomeadamente o inglês e o Francês (em anexo).

Sem mais assuntos no momento, subscrevo-me com a mais elevada estima e consideração.

Umaro Djau, MA.
Strategic Communications Specialist | Journalist & Producer | Political Analyst & Commentator
Skype: umaro.djau

Mobile: +1-404-723-7225 (USA) | +245-96-520-5911 (Guinea-Bissau)
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/umarodjau/



II. Carta Aberta ao Presidente da República do Senegal, Macky Sall, por Umaro Djau

Agosto de 2019

A Sua Excelência
O Presidente da República do Senegal
Macky Sall

Senhor Presidente,

Chamo-me Umaro Djau e sou natural da Guiné-Bissau. Começo parabenizando-lhe, do fundo do meu coração, pela sua releição para um segundo mandato, no escrutínio de Fevereiro passado.

Estou a escrever-lhe para partilhar as minhas preocupações sobre os efeitos das barragens de Niandouba (de regulação) e de Anambé (de confluência), construídas na bacia hidrográfica do
Kayanga/Geba, da qual, a maior parte (65%) está localizada na Guiné-Bissau. De facto, o Geba, a parte jusante dessa mesma bacia, é o maior rio da Guiné-Bissau.

As barragens citadas, particularmente a de Anambé, localizada entre as áreas de Kolda e Velingara – apenas 20 quilômetros da fronteira com a Guiné-Bissau - vêm privando o meu país de valiosos recursos hídricos desde 1984, aquando da sua construção na confluência entre os rios Anambé e Kayanga. Reconhece-se, no entanto, a diminuição da pluviosidade na região, nos últimos anos, como sendo um dos factores adicionais na redução dos caudais do leito principal da bacia e dos seus afluentes.

Nenhum outro lugar mostra as consequências dessas ações (no lado guineense) mais do que os rios Bidigor, Campossa e Gambiel, todos tributários/afluentes do rio Geba/Kayanga. Assim que a estação seca começa (em Novembro), esses rios secam muito rapidamente, devido a uma diminuição drástica do caudal de água da parte montante do rio, no território senegalês. Esse fraco e debilitante fluxo de água está a afetar de forma grave e diretamente mais de meio milhão de pessoas nas regiões rurais de Gabú, Bafatá e Oio, de acordo com dados divulgados em 2009.

Hoje, um número superior de pessoas estará a ser afetado. Com base em dados disponíveis (e situações visíveis), permita-me, Senhor Presidente, citar algumas das consequências das barragens construídas no seu território:

• Alterações hidrológicas profundas na parte jusante do rio Kayanga/Geba, com a diminuição dos níveis de água na Guiné-Bissau;

• Morte lenta dos afluentes do Kayanga/Geba: Bidigor, Campossa e Gambiel;

• Escassez dramática de água que é a fonte da vida e responsável pela sobrevivência da humanidade e dos ecossistemas;

• Um impacto negativo nas atividades das populações, incluindo a interrupção da agricultura, pecuária (animais de pasto, especialmente gado) e caça;

• Degradação ambiental em geral devido a uma redução drástica da flora (perda de biodiversidade na vegetação) e fauna aquática e terrestre;

• Empobrecimento do solo, a deterioração das margens dos rios e o aumento da salinização, especialmente nas áreas costeiras da Guiné-Bissau;

• Aumento da profundidade de captação nos poços artesianos de águas subterrâneas devido ao abaixamento do nível estático dos lençóis freáticos;

• Efeitos sociais irreparáveis com a deslocação indiscriminada dos guineenses em busca de outros locais e regiões com cursos de água mais acessíveis, ou seja, a incrementação da transumância.

Sr. Presidente, é compreensível o facto do Senegal não querer desperdiçar os valiosos recursos
hídricos que atravessam o seu território (a montante) e que eventualmente não estariam a ser utilizados pela Guiné-Bissau (a jusante). Também estou informalmente ciente de que, através da
SODAGRI (Sociedade para o Desenvolvimento Agrícola e Industrial no Senegal), o seu país teria eventualmente entrado em contato com as autoridades da Guiné-Bissau nos anos 1970/80 para mantê-las a par do que pretendia fazer, ou seja, os estudos iniciais e as diferentes fases de implementação dos projectos das referidas barragens.

Sem o pleno conhecimento dos factos que cercam esse período e as respectivas concertações, a
fraqueza institucional da Guiné-Bissau é, todavia, bem documentada e conhecida entre os seus
parceiros regionais, nomeadamente as frequentes crises domésticas, a falta de recursos financeiros, a limitação no tocante ao conhecimento especializado, assim como a falta da capacidade técnica, sobretudo na primeira década após a sua independência. Todos esses obstáculos contribuíram certamente (e muito) para um comportamento pouco ou não responsivo por parte do Estado guineense.

Independentemente do que possa ter acontecido naquela época, compreendo a necessidade do Senegal de sustentar as necessidades agrícolas da sua população do sul, através da agricultura
irrigada , nomeadamente o cultivo do arroz, a prática da horticultura e a conservação da água. Assim, as barragens foram construídas e têm beneficiado grandemente o seu país, o Senegal, através de projetos nacionais ambiciosos destinados a reforçar os meios de subsistência do seu povo (a produção de energia elétrica, a captação e a acumulação de água para a agricultura, a pesca, a piscicultura, a horticultura, a pecuária, etc.).

Devo confessar que, da última vez que passei pelas áreas de Tabendo e Kounkane, fiquei encantado com a sua paisagem. A ponte de Kounkane e os seus arredores estão repletos de água proveniente do reservatório de Waima que já mudou todo o ecossistema local, criando oportunidades económicas substanciais nessas áreas. Waima e outros dois reservatórios (Niandouba e Confluência Anambé) são tidos como depósitos essenciais de todas as águas da bacia, estimadas em mais de 130 milhões de metros cúbicos.

Sr. Presidente, a bacia hidrográfica Kayanga/Geba é um curso de água transfronteiriço que nasce nas montanhas de Fouta Djalon, perto da aldeia de Labé, na República da Guiné-Conacri. Este curso natural de água atravessa o território do Senegal, antes de se desembocar na vila de Xime (perto de Bambadinca, na Guiné-Bissau), onde Kayanga/Geba se cruza com o rio Koliba/Corubal.

Durante séculos, os nossos ancestrais comuns - das terras altas de Fouta Djalon (Guiné-Conacri) ao sul do Senegal e até à Guiné-Bissau - compartilharam e desfrutaram pacificamente desses recursos cruciais hídricos fornecidos por este rio de cerca de 550 quilômetros em extensão.

O mesmo senso comum, as mesmas relações e os mesmos princípios ancestrais não regulamentados levaram à coexistência pacífica entre os nossos povos, superando todos os obstáculos de comunicação, nas eras de impérios e doutras chefias que reinaram por muitos séculos, em toda a nossa Costa Ocidental da África.

Para preservar ainda mais o compromisso ancestral entre países - agora na era da regulamentação
e de interesses nacionais – a Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG) nasceu em
1978 com os objetivos de promover e coordenar ações conjuntas, por forma a garantir o uso racional e durável dos recursos dessa importante Bacia Hidrgráfica, com realce para os domínios de conservação e de desenvolvimento, realçando especificamente os componentes de “estudos, planeamento e infraestrutura, agricultura e ambiente, bem como outras tarefas de desenvolvimento dos recursos dos rios Gâmbia, Kayanga-Geba e Koliba-Corubal nos territórios dos estados membros”,  nomeadamente a Gâmbia, o Senegal, a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, tendo este último se juntado ao grupo em 1983.

É importante salientar que o Rio Kayanga/Geba já ganhou um estatuto internacional e todas as suas obrigações legais estão em vigor e sob à gestão da OMVG, sublinhando, neste particular, a existência de uma Convenção para a gestão desta Bacia já aprovada no Conselho de Ministros da organização, faltando apenas a sua promulgação pelos Chefes de Estado.

Sr. Presidente, embora eu lhe esteja a lembrar detalhadamente sobre alguns princípios legais baseados em convenções, acordos, e declarações internacionais e regionais, deixe-me também afirmar que não sou um advogado e nem estou a tentar produzir um argumento legal contra o seu país nas suas decisões soberanas. Mas, permita-me informar-lhe que hoje, os nossos dois países podem confiar em várias diretrizes e estruturas institucionais nacionais, regionais e internacionais que podem servir de guia para a produção de melhores e mais adaptadas medidas e políticas no tocante às águas transfronteiriças, a saber:

1. Declaração de Madrid sobre o Regulamento Internacional relativa à Utilização dos Rios Internacionais para Fins Distintos da Navegação (1911) adverte contra alterações unilaterais dos fluxos de rios e lagos - contíguos ou sucessivos - sem o consentimento de um Estado co-ribeirinho. Essa Declaração recomenda a criação de comissões conjuntas de água.

2. A Declaração de Montevidéu (1933) argumenta que nenhum estado pode, sem o consentimento do outro Estado ribeirinho, introduzir em cursos de água de caráter internacional quaisquer alterações que possam ser prejudiciais aos outros Estados interessados, mesmo para os efeitos da exploração industrial ou agrícola (artigo 2).

3. As Regras de Helsínquia (1966) recomendam o equilíbrio entre as necessidades variantes (económicas e sociais) e as demandas das nações fronteiriças, aplicando o princípio de “uma parcela razoável e equitativa” nos usos benéficos das águas de uma bacia de drenagem internacional, excepto onde existem outros acordos (Capítulo 2, Artigo 4, 5), sem causar danos substanciais a um estado de co-bacia.

4. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos Não Navegacionais dos Cursos de Água Internacionais - adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1997 e que entrou em vigor em 17 de Agosto de 2014 - defende os princípios fundamentais de “utilização equitativa e razoável” e a “obrigação de não causar danos significativos”. Esta Convenção foi ratificada pela Guiné-Bissau desde o ano de 2010.

Como podemos concluir, muitas dessas regras, declarações e convenções recomendam uma forma “razoável e equitativa” de usar as águas transfronteiriças e obrigam as partes a evitar a alteração dos fluxos naturais dos cursos de água, cujas ações podem levar a “danos significativos” num dos países.

Apesar de toda a minha explicação, factos e argumentos até aqui apresentados, o objetivo desta carta não é culpar o Senegal por ter optado pelas políticas que considera corretas para o seu povo, mas sim fazer com que a Sua Excelência esteja consciente sobre os efeitos dramáticos dessas medidas (as barragens de Niandouba e Anambé) sobre o povo da Guiné-Bissau.

Sr. Presidente, nasci em Pirada, uma pequena vila perto da fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Na verdade, quando era criança, o meu pai ocasionalmente me levava para as localidades vizinhas de Nianao e Wassadou, para o mercado semanal, conhecido por "Lumos". Durante a minha infância, confesso que não via muita diferença entre os dois lados da fronteira, devido à minha inocência da criança. De facto, as proximidades e as semelhanças geográficas, sociais, étnicas e culturais fazem com que as localidades fronteiriças do Senegal e da Guiné-Bissau sejam difíceis de diferenciar e dividir.

E ainda durante essa época - no final dos anos 1970 e início dos anos 80 - pequenos agricultores
e pastores de gado na região de Gabú costumavam contar com as dádivas do rio e dos riachos que desciam da fronteira norte pelo país adentro. Os campos de arroz, ou seja as “bolanhas”, permaneciam verdes o ano inteiro, cheios de vida e de esperança. A abundância em água satisfazia quase todas as necessidades, de homens e animais.

Infelizmente, os corredores da água e outras reservas hidrográficas já se evaporaram há muito tempo devido, em parte, às barragens construídas no Senegal. Estou, todavia, ciente doutras condições climáticas e humanas que têm tido impactos negativos em toda a região do Sahel, mas todas as áreas transfronteiriças da Guiné-Bissau estariam significativamente melhores em termos hidrográficos, se o seu país gentilmente mantivesse a circulação regular da água doce de montante para a parte jusante, através do Rio Kayanga/Geba.

Sr. Presidente,

Como a Sua Excelência deve saber, grande parte do mundo depende da água dos rios que percorre de uma nação para outra. Por exemplo, o vital recurso hídrico do Senegal, o rio com o mesmo nome, nasce das maravilhas de Semefe e Bafing (na Guiné-Conacri e no Mali, respectivamente) com as bênçãos dos rios Faleme (também da Guiné-Conacri) e do Gorgol (Mauritânia). Seria desconcertante para o seu país se as necessidades humanas nesses três países os obrigasse a mudar os cursos daqueles fluxos naturais de água, assim como os seus padrões geológicos. Do mesmo modo, o próprio Rio Gâmbia,  o fulcro do projecto OMVG, nasce nas montanhas de Fouta Djalon, percorrendo uns 1.200 quilómetros de distância.

No mundo de hoje, equilibrar as necessidades económicas e humanas é um dos grandes desafios
- seja na África ou noutros lugares. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO), existem mais de 3.600 tratados relacionados com os recursos hídricos
internacionais e que incluem os aspectos da navegação, da demarcação de fronteiras, do uso, do
desenvolvimento, da proteção e conservação de recursos naturais.

Outros dados indicam que também existem mais de 260 bacias hidrográficas (entre rios e lagos)
transfronteiriças no mundo e elas cobrem quase a metade da superfície terrestre. Em quase todas as circunstâncias, os países a montante têm o dever moral e ético de partilhar os recursos hídricos
com os seus vizinhos a jusante. De facto, há muitos exemplos interessantes, encorajadores e inspiradores dessas práticas em todo o mundo. Aqui passo a transcrever alguns deles:

• Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã têm compartilhado o Rio Mekong desde 1957, mesmo durante a Guerra do Vietnã;

• Israel e a Jordânia têm compartilhado o Rio Jordão desde 1955, mesmo sob constantes ameaças de conflito regional;

• Índia e o Paquistão têm compartilhado o Rio Indo, apesar das duas guerras entre os dois países;

• Mais de 160 milhões de pessoas de pelo menos 10 países africanos têm compartilhado o Rio Nilo, assim como outras cinco bacias - Congo, Níger, Nilo, Zambeze, etc.;

• Rio Danúbio ainda serve mais de 10 nações da Europa Central e Oriental;

• Rio Colorado é uma fonte vital de água para mais de 40 milhões de pessoas, tanto nos Estados Unidos como no México.

Sr. Presidente,

Reconheço ser difícil conseguir um consenso global sobre os problemas da água no mundo, mas gostaria de lhe pedir respeitosamente que considere as seguintes observações e recomendações de muitos especialistas da Guiné-Bissau e internacionais com os quais abordei as minhas preocupações:

• O Senegal deve estabelecer uma regra do jogo justa em relação ao nosso curso de água comum, o que levaria à partilha dos seus benefícios para um desenvolvimento sustentável em ambos os países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem capacitar a sua Comissão Conjunta de Gestão de Recursos Hídricos, através da Comissão Hidrológica, para se reunir periodicamente para avaliar o comportamento da bacia Kayanga/Geba, bem como para testemunhar as descargas e represas periódicas das águas para garantir o seu fluxo apropriado de um lado para o outro, o que não acontece desde o ano 1998. As tais descargas regulares e suficientes da parte superior da bacia podem permitir a recuperação de alguns afluentes, bem como recarregar as águas subterrâneas, fontes de abastecimento de água para a população local nos dois países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem envidar esforços para mitigar os impactos negativos mencionados anteriormente, através de atividades de reflorestamento, recuperação de terras e formação pública sobre questões ambientais;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem reconhecer que revisões periódicas são necessárias para sustentar o curso de água, protegendo assim os ecossistemas e atendendo às necessidades humanas e um equilíbrio justo entre os dois países;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem rever todas as disposições existentes sobre o monitoramento, a avaliação, a execução, a pesquisa e o desenvolvimento, o intercâmbio e o acesso à informação para uma partilha mais equitativa e adequada do rio Kayanga/Geba e as suas bacias;

• O Senegal e a Guiné-Bissau devem conduzir mais consultas para encontrar um quadro aceitável no âmbito da OMVG ou bilateralmente para implementar mecanismos que levem à cooperação através da celebração de acordos específicos e/ou criação doutros órgãos conjuntos.

Sr. Presidente,

Já deve estar claro para a Sua Excelência de que acredito piamente em princípios como a “partilha justa” de recursos. Nesse sentido, estou particularmente atraído por uma iniciativa específica da ONU conhecida como "Águas Compartilhadas, Oportunidades Compartilhadas". Esta iniciativa defende a ideia de que “fomentar as oportunidades de cooperação na gestão transfronteiriça da água pode ajudar a construir o respeito mútuo, a compreensão e a confiança entre países e promover a paz, segurança e o crescimento económico sustentável”.

De facto, o respeito mútuo, a compreensão e a confiança podem e servir-nos-ão bem, pois o Senegal e a Guiné-Bissau têm certamente procurado assegurar e construir um futuro melhor para os seus cidadãos que estão ansiosos em permanecer bons e indivisíveis vizinhos hoje e nos séculos vindouros.

Assim, compartilhar amigavelmente os recursos que nos foram dados pelo poder divino seria o
primeiro passo em direção a esse objetivo. Na verdade, a promoção do uso equitativo desses recursos hídricos comuns ajudaria a sustentar o nosso clima regional, combater a pobreza e estimular o desenvolvimento económico em ambos os países.

Sr. Presidente, estou esperançoso de que possa haver um futuro para o Rio Geba se o seu país, o
Senegal, puder gentilmente e regularmente ter em mente que doutro lado da sua fronteira, há um
vizinho que está igualmente carenciado e sedento pelo curso de água do Kayanga. Seria desnecessário lhe reiterar que este recurso hídrico transfronteiriço é também a nossa herança
comum que devemos todos valorizar, compartilhar, cuidar e preservar.

Sr. Presidente,

Reconhecendo que as barragens aqui mencionadas alteraram dramática e negativamente os modos de vida da população na Guiné-Bissau, é necessária uma forte vontade política para forjar uma compreensão mútua e cooperação entre o Senegal e a Guiné-Bissau, no quadro propício da OMVG, em prol de uma partilha consistente e fidedigna de benefícios num futuro próximo.

Sr. Presidente,

Embora eu não represente o Governo da Guiné-Bissau, gostaria de ter a oportunidade de me encontrar com a Sua Excelência para discutir esta questão vital. Mais importante ainda, encorajaria a Sua Excelência para se aproximar das autoridades da Guiné-Bissau para discutir as medidas urgentes que são necessárias para começar a abordar as questões e as preocupações expostas nesta carta aberta, podendo posteriormente com as autoridades que envolvem os dois estados, mandatar os peritos especializados em matéria de hidrologia, meio ambiente e desenvolvimento durável, a elaboração de uma proposta técnica concreta e viável, que poderia servir de roteiro para a atenuação da situação vigente.

Sr. Presidente,

Hoje, pela importância e valor dos recursos hídricos na luta contra a pobreza e como uma garantia de
tranquilidade e paz social no mundo, é aconselhável institucionalizar a hidrodiplomacia e a
hidrossegurança, como abordagens apropriadas para resolver a escassez de água e conflitos hídricos,
através da cooperação, gestão e desenvolvimento sustentável, como recomendado pelas muitas iniciativas globais e regionais, nomeadamente o Fórum Mundial da Água de Brasília, Brasil (Março de 2017).

E, por outro lado, se a Sua Excelência também achar necessário, por favor, não hesite em entrar
em contato comigo pelo telefone +1-404-723-7225 ou através do meu e-mail pessoal:
umarodjau@gmail.com.

Obrigado, Sr. Presidente, por ter reservado este valioso tempo para ler esta carta aberta que destaca uma questão de extrema importância para as populações da Guiné-Bissau, na medida em que tentam lidar com os dramáticos efeitos das barragens de Niandouba e Anambé no Rio Kayanga/Geba, ações que acabaram por influenciar negativamente os afluentes Bidigor, Campossa e Gambiel.

Que Allah/Deus lhe proteja e lhe dê forças e coragem para continuar a servir não só o Senegal, mas também toda a humanidade, a começar pela própria sub-região.

Sinceramente,
Umaro Djau

Um obrigado especial para as seguintes individualidades:
Eng. Inussa Baldé e Eng. Justino Vieira

Com o conhecimento das seguintes instituições e dignitários:
Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz
Presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá
Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes
Ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Suzi Barbosa
Ministro dos Recursos Naturais e Energia, Issufo Baldé
Bancada Parlamentar do PAIGC na ANP
Bancada Parlamentar do MADEM G-15 na ANP
Bancada Parlamentar do PRS na ANP
Bancada Parlamentar da APU-PDGB na ANP
Partido União para a Mudança, UM
Partido da Nova Democracia, PND
Embaixada da República do Senegal na Guiné-Bissau
Embaixada da Guiné-Bissau no Senegal
Secretário-geral das Nações Unidas
Assembleia Geral das Nações Unidas
Missão Permanente

III.  Nota do editor:

Declaração de interesses:

(i) parafraseando a nossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, há realidadades que "não podemos ignorar", sobretudo depois de  "vermos, ouvirmos e lermos"... 

(ii) esta carta aberta do guineense Umaro Djau, filho do Gabú, e de que certamente por lapso não foi dado conhecimento ao Governo Português, à CPLP e à União Europeia, merece o devido destaque no nosso blogue, até por todas as razões e mais uma, de natureza afetiva: muitos de nós conhecemos o leste da Guiné-Bissau, as regiões de Bafatá e de Gabú, antes e depois da independência, e  o passado, o presente e o futuro dos nossos amigos da Guiné-Bissau não nos são indiferentes: de resto, só há uma terra, uma casa comum da humanidade, e a hidrossegurança é um requisito fundamental para a paz e o desenvolvimento;

(iii) o rio Geba (ou Xaianga, segundo a preciosa cartografia militar portuguesa) também é meu, também é nosso; temos cerca de 90 referências no nosso blogue a este rio que tanto amámos e odiámos durante a guerra colonial (1961/74);

(iv) o documento parece-nos bem elaborado, do ponto de vista técnico, e escrito em bom português, tendo tido a colaboração de especialistas guineenses em recursos hídricos  e geologia, como o engº Inussa Baldé, quadro superior do Ministério de Recursos Naturais, engº Justino Vieira, antigo secretário-geral da Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG), ou Orlando Cristiniano da Silva, geólogo guineense com residência no Brasil:

(v) não discutimos aqui questões como a oportunidade da sua divulgação que alguns  vão querer associar ao recente lançamento, na Guiné-Bissau,  de um novo partido, o Movimento Guineense para o Desenvolvimento (MGD), fundado e liderado por Umaro Djau;  julgamos que esta causa é transversal, e deve mobilizar todos os guineenses e todos os seus amigos e os seus vizinhos;

(vi) depois de ler este notável documento, eu não posso assobiar para o lado e dizer que, de acordo com as nossas regras editoriais, o nosso blogue não se pode imiscuir nos assuntos de Estado e na atualidade política e social;

(vii) Umaro Djau é um conhecido jornalista, que se formou, viveu e trabalhou  nos Estados Unidos;

(viii)  o editor do blogue não conhece o Umaro Djau, tendo no entanto recebido deste,  em 13 de fevereiro de 2007,  no seu endereço pessoal, a seguinte mensagem:  (,,,)" Chamo-me Umaro Djau e fiquei deveras surpreendido com o seu maravilhoso blog. Sou guineense e Jornalista. Resido nos EUA há mais de 11 anos. Trabalho para a cadeia da TV mundial, CNN. Gostaria de poder corresponder consigo".

(ix) o nosso coeditor Carlos Vinhal convidou-o, em 2008,  para integrar a Tabanca Grande, convite que não teve resposta até hoje (*).

(x) apoio a petição mas não consigo assinar, devido a erro informático... LG
__________

Nota do editor

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Guiné 61/4 - P18057: Agenda cultural (617): o criminalista e antigo inspector-chefe da PJ, Barra da Costa, acaba de lançar o livro "Os crimes de João Brandão: das Beiras ao degredo" (Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2017)


Edições Macaronésia: Rua da Saúde N.º 107 - Arrifes, 9500-363, Ponta Delgada.


Ficha Técnica:

Autor - Barra da Costa

Título - Os crimes de João Brandão (das Beiras ao degredo) 

Edição - Edições Macaronésia

Local - Ponta Delgada

Ano - 2017

Sinopse:

“Quando abracei esta vida reprovada por todo o ser cristão e que nos coloca na posição mais ínfima, mais vil, mais repugnante da sociedade, foi porque a miséria me impeliu juntamente com a falta de caridade que encontrei no meu semelhante; o meu coração, contudo, não é desses ferozes que se vangloriam ao verem tudo nadando em sangue. Tenho aversão a isso e só na última necessidade, quando não nos possamos salvar sem lançar mão desse terrível recurso, é que aconselho a que se derrame. Além disso desejo que socorramos aqueles que ainda necessitam mais que nós. Tiraremos aos ricos, mas repartiremos também com os pobres. Com uma mão praticamos o crime, pois bem, com a outra pratiquemos a caridade: verdadeira religião cristã. Usarei de uns bilhetes com o meu nome e toda a pessoa que o apresentar a vocês deverá ser respeitada como se fora eu. Serei justo e imparcial para com os meus colegas. Eis aqui as minhas ideias e sentimentos, que desejo que sigam à risca.” [José do Telhado, in Souza, Rafhael (1874). A vida de José do Telhado, p. 26), apresentando as suas condições para aceitar o cargo de mestre, proposto pelos seus companheiros, aos quais pediu que jurassem em como se comprometiam a dar a vida uns pelos outros.]

Fonte: Edições Macaronésia, Ponta Delgada, RA Açores

Comprar  > P.V.P.: 11,00 € 


1. Mensagem, de 7 do corrente, enviada pelo autor, [José Martins] Barra da Costa [, professor, escritor, criminalista e antigo inspetor-chefe da PJ] com pedido de apresentação e divulgação da obra sobre João Vítor da Silva Brandão (Tábua, Midões, 1825 - Bié, Angola, 1880), que ficou conhecido como o "terror das Beiras":


O livro que ora se apresenta – Os Crimes de João Brandão (Das Beiras ao Degredo) - é um trabalho histórico publicado pelas Edições Macaronésia, que tem como pano de fundo um período fervilhante da História de Portugal.

[Contactar o editor - tm. 918189075 ou email acrpeixoto@sapo.pt - que após confirmar o depósito do 11 euros no NIB que ele próprio  vos fornecerá, enviará o livro, sem acréscimo de preço]

O meu objectivo específico enquanto autor passa por convocar os leitores, por um lado, a uma comparação com as «novas filosofias de vida» que parecem querer despontar e, por outro lado, a uma reflexão sobre o que vem sendo feito pelo sistema político-judiciário, tantas vezes regredindo e transigindo em princípios e valores de Liberdade e de Democracia que se julgavam consolidados.

A forma como então decorreu a divisão do país entre miguelistas e liberais, potenciou a formação de grupos de guerrilhas. João Brandão acabou a lutar pelos seus interesses, sob a capa de uma ou outra ideologia, muitas vezes legitimado pelo próprio Estado a braços com um novo sistema político, de forma a garantir a perseguição dos inimigos políticos e o controlo da ordem pública. Quando as elites políticas entenderam que o poder estava estabilizado e os bandos já não eram úteis para os seus fins, varreram-nos para debaixo do tapete.

O meu objectivo geral tem como de fundo avançar uma reflexão sobre o futuro que hoje se desenha sobre nós, designadamente quando, sobre os braços da Justiça, parece querer voltar a elevar-se a antiga pena de degredo à condição de peça histórico-jurídica actual. Apetecia dizer que se trata de uma reflexão sobre tudo o que já foi e que não queremos que regresse, até porque a questão do degredo, neste caso das Beiras para Angola, não é estranha a muitos dos que povoaram outras paragens. 

Veja-se a «prática» de enviar para os Açores e Madeira os candidatos pior classificados em diferentes carreiras da administração central ou como ainda subsiste o hábito de colocar nas ilhas funcionários da administração central que tenham sido alvo de processos disciplinares ou, a outro nível, o que se passa com os repatriados vindos do Canadá e dos Estados Unidos da América.

Na parte final abordo a natureza das penas e dos seus efeitos, em especial as que foram aplicadas ao nosso herói que, apesar de «negativo», não devia ter recebido um sofrimento que é uma inqualificável barbaridade, uma aberração vergonhosa e uma forma irregular, inconsciente e arbitrária de aplicar um qualquer princípio de justiça.

João Brandão é uma personalidade da História recente, um exemplo do continuado poder político próprio dos caciques locais; e é muito em razão dessa «estrutura provinciana» que consegue integrar ainda hoje a cultura popular portuguesa. Como pretendi demonstrar.

Espero que gostem e possa ser útil na vossa vida pessoal e profissional, pelo menos.

Barra da Costa.

_________________

Nota do editor:

sábado, 28 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10202: Cartas do meu avô (15): Décima primeira (Parte III): a reforma, :a escrita, um ano em Perpigna, o regresso a Almada e à Caparica, e por fim... à justiça disse nada... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CART 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à esquerda, com os netos]. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)

B. Décima primeira carta - Parte III – Aposentação

Por fim, minha mulher tinha sido autorizada a vir para Lisboa. Estávamos a viver em Almada. Todos os dias tinha de vir trazê-la a Algés e levar o Luís ao colégio no Lumiar. E , ao final do dia, ir buscá-los. O calvário das bichas na ponte…

Os meus dias de aposentado passava-os em Almada. Quando regressava de Lisboa ia direito até ao paredão da Caparica.

Aí ficava grande parte da manhã a escrever e a ler, frente ao mar. Nas esplanadas daqueles bares muito bem erguidos em madeira. O “fofinho” e o vizinho, de um casal de retornados de Macau. Não me lembra o nome. Tudo desapareceu, naquele majestoso paredão, na voragem da novi-pseudo-urbanização urbana. Pérolas a porcos…

Enquanto não chegou a reforma de minha mulher. Foram os tempos mais radiosos da minha vida. Sem saber como, dei comigo a escrever…escrever…como nunca o sonhara.

A minha autobiografia desde a infância até ao fim da guerra; ensaiei romances; abalancei-me pela poesia; pelos contos e artigos para três jornais semanários. Foi uma doce e consoladora catarse às nuvens pardacentas do meu passado. Esconjurei os fantasmas todos, tenebrosos, do meu tempo de seminário…os da guerra e os da Caixa.

Lavei minha cabeça de toda a poeirada que nela entrara. Vivi livre…Se me apetecia, pegava no carro e aí ia eu, até Alcácer, até Évora, Setúbal , Sesimbra…Fui feliz. Cheguei a desejar que minha mulher se reformasse também…para continuarmos tudo aquilo a dois.

Inesperadamente, por força e efeito das mudanças de cadeiras na direcção do Instituto, surgiu a inefável hipótese de ir com minha mulher em sabática, durante um ano para Perpignan. Com um bom e suficiente subsídio…

Que experiência magnífica!...

Aí houve um total reencontro nosso. Ela, sozinha, nas suas investigações moleculares, com os recursos devidos, sem ninguém a chatear, produziu um trabalho excelente, inovador, eu, a giboiar pelas bordas azuis do mediterrâneo, desde Argelès até Colliure, ou a contemplar extasiado as níveas vertentes altíssimas dos Pirinéus…ditando poesia e as minhas narrativas sem parar, para o meu portátil, frente ao lago remançoso da Vile Neuve de la Raho…

Foi então que se assistiu no mundo ao maior atentado que se podia imaginar. As duas gémeas de Nova York foram derrubadas por um avião. Soubemos pelo rádio de França, quando regressava-mos ao hotel de Rivesaltes. Ali, ainda ninguém sabia. Pedi à recepcionista para abrir a TV.b Ficamos aterrorizados com o que estava a acontecer.


Daí em diante o mundo inteiro ficaria outro com toda a certeza. Sangramos de dor e horror. Quando fui para o quarto escrevi assim:

AS DUAS GÉMEAS …

É preciso, de imediato,
Lavrar a terra
E fazer renascer,
As duas gémeas,
No sítio exacto,
Onde tombaram.

É preciso reerguê-las,
A toda a pressa,
E repor, ao alto,
O valor americano,
A quem o mundo,
Apesar de tudo,
Muito deve,
No presente
E no passado.

É preciso que,
Doravante,
Todo o mundo
Se entenda,
Como gente,
Senão igual,
Como companheiros
De viagem,
Pelo universo…

Se enterre,
Para sempre,
Sem retorno
E bem à vista
Essa loucura,
Estúpida,
Armamentista…

Se queime e se estiole,
De verdade,
Toda a cultura
De semente
Que não dê pão
Ou força
À humanidade…

Que o país rico
Dê a mão,
Sem pedir preço,
Ao que nasceu pobre,
Ficou doente,
Ou não vai à escola…


E se não responda
À carnificina,
Com outra,
Igual,
Ou pior ainda…
...

Quem previu,
Algum dia,
Que o bastião americano
Fosse, tão vilmente,
Apunhalado?!…


Perpignan,
( restaurante-bar No Names)
14 de Setembro de 2001- 11h e 12m

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes

[Imagem, editada, da Wikipedia, com a devida vénia]

Acabada a sabática, com muita pena, regressámos a casa. Para a nossa vida habitual. A minha mulher retomou as suas investigações no instituto. Eu passei a levá-la e buscá-la, como antes. Durante o dia, passava parte da manhã junto ao mar na Caparica, a ler e escrever e depois vinha para o meu escritório de advocacia em Almada- Ficava pertinho do tribunal. A maior parte dos casos que tratei foram atribuídos pelo tribunal, como advogado oficioso, pago pelo Estado, segundo a tabela própria.

Advogado de quem provava não ter recursos para pleitear em tribunal. Foram sobretudo casos de instauração de divórcios, regulação do poder paternal ou acidentes de trabalho. Como estava frente à porta do tribunal, fui muitas vezes chamado para julgamentos de detenções em flagrante delito.

Os intervenientes eram sobretudo ciganos. Por roubos ou zaragatas. De tal modo que me tornei no advogado mais procurado por eles. O pior era receber os honorários. Muitas vezes fiquei apenas com a primeira parte. A segunda, como ficava para depois do julgamento, ficou por lá. Tive de assentar na exigência do pagamento antecipado.

O último que tratei foi de uma raparigona cigana vendedora de roupa ao ar livre. Havia um contencioso instalado entre a GNR e os vendedores ambulantes, sem licença.
Esta moça fora desapossada de tudo o que tinha exposto no chão por uma brigada vestida à paisana. Houve grande desacato entre ela, os familiares e os agentes. Por não serem reconhecidos como tal.

A apreensão e o julgamento foram imediatos. Fui chamado para a defender. Pedi para falar com ela a sós e recomendei que ela se comportasse ordeira e com respeito. Que confessasse a reacção que tomara, por irreflexão e desorientada com a perda da mercadoria. E que se mostrasse arrependida.

Qual quê!? Quando o agente começava a contar ao tribunal como tudo se passara, ela exclama em alta voz, como se estivesse na rua:
- Olha-me este grande aldrabão. Roubou-me tudo e ainda me prendeu.

Olhei para ela e dei-lhe a entender que não devia falar assim. Ela acedeu. O juiz enfureceu e quase lhe deu ordem de prisão. Desrespeito ao tribunal. Como se ela fosse uma cidadã de alto porte.

Não era caso para tanto…

O último caso que defendi em Almada foi o de uma brasileira, trabalhava de mulher a dias. Tinha sido posta na rua pelo companheiro. Se não fosse embora, ele dava-lhe cabo da vida… Provou-se que foram verdadeiras as ameaças. Ele mesmo confessou que ameaçou e que admitia que ela pensasse que ele era capaz de o fazer. No final, quem esteve para ser condenada foi a mulher…

Foi mesmo o derradeiro caso. Bastou-me de compartilhar naquele sistema em descalabro. Desiludido.

Fechei a porta ao Direito para sempre.

(Continua)
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 24 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10188: Cartas do meu avô (14): Décima primeira (Parte II): De regresso a Lisboa, para o contencioso, nos serviços centrais da CGD... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10188: Cartas do meu avô (14): Décima primeira (Parte II): De regresso a Lisboa, para o contencioso, nos serviços centrais da CGD... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CART 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à direita, com os netos]. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)

B. DÉCIMA PRIMEIRA CARTA >  De Novo Para Lisboa (Parte II)


II – O Contencioso

As perspectivas eram óptimas. O director quando lhe revelei, por telefone, a desistência do CEJ [Centro de Estudos Judiciários] (*() e o meu desejo de ir trabalhar no contencioso central deu logo o seu assentimento. Porque estava mesmo a precisar. E porque esperava muito de mim.

Por mim, também me era apetecível. Voltaria de novo para Lisboa, umas dezenas de anos depois da grande crise. Tudo tinha serenado. Lisboa é Lisboa. A minha mulher também o desejava há muito tempo. Da parte dela, era necessário que o director também lhe aceitasse o pedido de transferência. Eu teria que esperar todo o processo burocrático da substituição e preenchimento do meu lugar. Também deu para comprar um apartamento em Almada, com empréstimo da Caixa.

Só uns bons meses depois é que tudo se deu. Vim para o contencioso. E para a nova casa.. Trouxe o filho mais novo comigo e passei a levá-lo todos os dias para o colégio de São João de Brito, dos jesuítas. Minha mulher ficou à espera da autorização, em Aveiro, acompanhada da filha mais nova. Finalista de Engenharia Química. Se tudo corresse bem, seriam mais uns seis anos de trabalho. Com o suplemento militar, podia pedir a reforma antecipada, aos cinquenta e sete.

No dia marcado, apresentei-me no contencioso. A secretária anunciou-me. Trouxe o recado de que me receberia à hora X… Entretanto fui conversar com os colegas conhecidos. Até que fui chamado para ir ter com o Sr. Director. A secretária entreabriu a porta. Vi-o sentado no topo duma mesa muito comprida.
- Ah, é o Sr. Dr. Mendes Gomes? Seja benvindo. - Disse enquanto vinha ao meu encontro - Sente-se aqui nesta cadeira, se faz favor. Então? Finalmente!...

Sorrimos.
- É verdade. O tempo de tudo acaba por chegar …- respondi.
- Mas custou, desta vez. As coisas não são tão simples. Por minha vontade o Dr. Mendes Gomes vinha logo. E a filial? E arranjar outro?
- Pois é verdade.

Daí para a frente, contei tudo sobre o CEJ e sobre o que esperava. Foi uma conversa longa e muito interessada. Até que chegou a hora de ele ir ter com a Administração. – manifestou-mo.
Saímos os dois e continuamos a conversa pelos corredores.





Lisboa > Edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos > 28 de abril de 2012 > Um dos corredores exteriores, laterais, do lado da Culturgest.  Inaugurado em 1993. Autoria do arquiteto Arsénio Cordeiro, autor também do edifício da Torre do Tombo. Duas obras que têm fãs e críticos...

Fotos: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


O megalómano edifício novo da Caixa era-me totalmente desconhecido. Não sabia onde ficava nada. Muito menos a Administração. Fui-o acompanhando enquanto, dele, não recebi instruções em contrário. Até que flectimos à direita. Reparei que o ambiente envolvente ficara mais sofisticado. Tudo bem. Pelo menos para mim. Para ele, não.
- Onde é que o Senhor vem?... - desfechou com ar muito altivo e distante.

... Fiquei parvo. Pensei que estivesse a brincar.
– Que é que deu ao fulano? Passou-se…- pensei cá para comigo. -Não deve ser comigo.
- Não sabe que para aqui é a Administração?...

Fiquei mais espantado que um burro…
- Eu sei lá onde é a Administração. É a primeira vez que aqui venho…

Não sei como nos despedimos. Só sei que tinha acabado de apanhar com um balde de água gelada pela cabeça abaixo. Nunca imaginei me viesse acontecer. Muito menos vinda de que sempre me falara com toda a cerimónia. Ele era mais novo do que eu, em todos os parâmetros. Em idade, como advogado, como servidor da Caixa. Soube depois que tinha sido convidado pela Administração para a Caixa e que era membro activo da, para mim, tenebrosa Opus Dei. Dava catequese…Estava tudo explicado.

A partir daqueles instantes, o meu futuro ali estaria definitivamente comprometido. Não consigo admitir tamanho, desabrido e disparatado desaforo. Cerrei-lhe os dentes.
- Vou procurar dar o meu melhor, mas, aquele dr. H..., amistoso, próximo e natural, que pensava conhecer, acabou de falecer… morreu.

Todas as reservas seriam poucas O futuro haveria de confirmar tim-tim-por-tim, o que supus naquele instante.

O contencioso era servido por exército de advogados, altamente especializados naquelas coisas de acções e execuções, a maior parte oriundos do quadro geral como eu. Cada um deles tinha uns três ou quatro funcionários de carteira, a trabalhar nos processos que lhe estavam adstritos. Todos eles respeitavam a créditos em contencioso. De empresas e particulares. As secretárias ficavam tapadas de montes de processos logo pela manhã. Para serem tratados ontem…

Um turbilhão de requerimentos, petições e contestações, sobre a hora, pareceres para tudo a submeter ao subdirector, tudo dentro duma absurda imposta submissão e controlo hierárquicos, desrespeitosa da mais lídima e consagrada autonomia técnica que a nossa condição de advogado exige e impõe…

As reuniões com o director aconteciam com uma intensidade inaudita. Só ele nelas pontificava e se fazia ouvir. Gostava libidinosamente de se ouvir falar…Ai de quem ousasse expor o que pensava…vinha logo muito bem camuflado o peso da hierarquia…
- Que logro!...Isto é para se ir levando da melhor forma possível e aguentar até à reforma.- pensei eu

Tanta vez me lembrei de como fora tratado no meu reino de Aveiro…Minhas orelhas sangrariam de torcidas… Atingido o tempo suficiente para a pré-reforma, seria a libertação. Mal sabia o calvário que aí vinha para lá chegar. Estiveram-se nas tintas para a compensação do serviço militar…Tive de trabalhar mais um ano e meio do que devia. Porque não me fora concedida autorização. O serviço não permitia…
Só que eu sabia que, antes, todos os que quiseram usar essa faculdade o conseguiram, na hora…e ainda receberam a indemnização legal correspondente à categoria. Uns bons milhares de contos.

Tão estranha e injusta atitude aconteceu só comigo. E, para cúmulo, quando finalmente, foi concedida, porque coincidiu com o ingresso dum subido gestor encartado, um especialista arrasa-montanhas, que arribava nas altas esferas das administrações financeiras, o célebre Almerindo Marques, para administrador, este determinou, abruptamente, o corte geral das indemnizações por antecipação de reforma… saí sem nada…(seriam só uns três mil e quinhentos contos, Na cotação dos anos 1999…) .

Por isso, foi um cáustico tempo de expiação o que, por crasso erro meu, fui passar ao contencioso central. Mas, não há mal que sempre dure… a seguir vinha aí a bonança da aposentação.

(Continuação)

___________________

Nota do editor:

(*) Vd. último poste da s+erie > 17 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10162: Cartas do meu avô (13): Décima primeira (Parte I): A toga de juiz que não cheguei a envergar... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

terça-feira, 17 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10162: Cartas do meu avô (13): Décima primeira (Parte I): A toga de juiz que não cheguei a envergar... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)


A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à esquerda, com os netos]. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)

B. DÉCIMA PRIMEIRA CARTA > De Novo Para Lisboa (Parte I)

I - A Frustração do CEJ (Centro de Estudos Judiciários)


A actividade que exercia na Caixa, [como jurista,] era muito específica e rotineira. Por outro lado, não me deixava tempo para exercer a advocacia a sério.

Embora, pelo pouco que fiz, deu para conhecer os meandros negros que a envolvem na prática. Pude verificar e constatar,  com muita surpresa e desconforto, que para se singrar na advocacia,  numa terra pequena como era Aveiro, tinha de se lançar mão de métodos que exigiam o estômago que eu nunca tive.

Era-me muito indigesto ter de comprar por bom preço, se quisesse singrar e não fechar as portas, as boas graças de todo o cortejo de gente que trabalhava atrás dos balcões de serviços públicos, desde as Conservatórias todas, às secções dos tribunais.

Quem lá mandava e geria o curso dos papéis em azul papel selado, salvo raras excepções, eram toda a sorte de escrivães, que ali entravam com a quarta classe ou o 5º ano dos liceus. Vindos do mundo rural.





Cabeçalho do famigerado papel selado, símbolo da burocracia e da arrogância dos burocratas, entretanto extinto em Portugal como forma de cobrança do imposto de selo... Vigorou mais de 3 séculos ... 'Embrulhar alguém em papel selado' era uma expressão, coloquial, corrente, na tropa, no nosso tempo... Era sinónimo de ameaça (por ex,, fazer uma participação)  por parte de um superior hierárquico... (LG)


Ao fim de muitos anos, conheciam melhor que os magistrados toda a ladainha processual naqueles calhamaços que eles manipulavam lambendo os dedos e escozipavam à sovela. Do outro lado, era a exacerbada arrogância flatulenta da maioria dos causídicos da praça. Já muito bem instalados, na terra, com forte raizame subterrâneo que chegava a todo o terreno. Irradiavam uma feroz competição onde eu não podia entrar, nem aceitar. 


O exercício da magistratura judicial era um espaço que, desde miúdo, me seduzia. Conheci figuras de juízes veneráveis lá na terra onde cresci que me fascinaram. Lembro-me do Dr. Maltês, muito bem. Com suas barbas brancas. Eram pessoas finas, impecáveis, respeitadoras e distantes de todas as influências. Pareciam sacerdotes da Justiça. Ora, como advogado que era, eu tinha a hipótese de ir frequentar o curso de formação de magistrados no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa. Era um direito que tinha e que a entidade patronal não podia impedir. Não tinha nada a perder. Podia optar pelo ordenado de um ou do outro lado. Se gostasse ficava. Se não,  voltava ao meu posto de trabalho. A idade que tinha era a adequada. Sentia-me na minha capacidade física máxima para o desafio. Não podia deixar passar o tempo.




Antiga cadeia do Limoeiro, sede do Centro de Estudos Judiciários desde 1979 < Gravagura (aguarelada) do pintor (1858-1947). Cortesia do sítio Rede do Conhecimento da Justiça (LG) 

Entrei no CEJ naquele ano. Como Auditor de Justiça. A maioria eram jovens,  rapazes e raparigas,  saídos das faculdades de direito. Para eles, o CEJ era, sobretudo, uma óptima oportunidade de emprego e de uma boa carreira. Éramos, desde logo considerados da família de magistrados.  Muito bem tratados pelos magistrados instrutores. Saídos da carreira prática. As aulas eram muito intensas. Num curto espaço de tempo, os instruendos revisitavam,  com o seu sentido prático muito apurado, todas as cadeiras de direito processual. Com provas teóricas e práticas. Exigentíssimas. Numa abordagem tão profunda e imediata, que deixava os advogados-alunos, numa grande dificuldade.

Falo por mim. Habituado a dispor de todo o tempo do mundo para analisar os casos práticos e consultar as fontes, via-me grego para corresponder com suficiência. O direito penal estava-me bastante distante do que era necessário. Sentia que, não obstante, meia dúzia de meses depois, se fosse aprovado, eu estaria à frente duma pessoa para a julgar com toda aquela ferramenta penal que eu não dominava. Comecei a sentir-me cada vez mais desconfortado, à medida que o tempo avançava. Cada sentença que eu tinha de elaborar como exercício prático deixava-me muito embaraçado. Era como se fosse a sério. Ter de aplicar uma pena de prisão...nunca imaginei o que sentiria de facto...Passar o resto da minha vida, aí uns dez a doze anos a exercer uma tarefa tão delicada, surgiu-me claramente como manifestamente impossível. Resolvi desistir. Quando fui comunicá-lo ao director do CEJ, Desembargador A. Leandro (**), este ficou desapontado e lamentou, nestes termos que não esqueço:
- Tenho, temos muita pena, pode crer. A toga de juiz assentava-lhe muito bem...tinha e tem o exacto perfil para o cargo.

Foi o melhor prémio que eu queria tanto ouvir. Por mim, estava ganho o desafio que me tinha posto, contra tudo e todos. Sobretudo a família...Regressei a Aveiro. Cá por dentro, como um vencido. Embora tivesse sido muito bem recebido. Percebi-o quando lhes revelei que já tinha decidido ir para o contencioso central. Ficaram visivelmente desapontados, sobretudo o gerente e os que trabalhavam mais próximos comigo. Não esconderam. Tive pena mas já estava comprometido com o director do contencioso. Por isso, mais uma vez tive de vir para Lisboa. (...)

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10136: Cartas do meu avô (12): Décima carta: a casa das Quintãs, Aveiro (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

(**) Juiz conselheiro Dr. Armando Acácio Gomes Leandro, diretor do CEJ entre 1990 e 1998...