Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Visita ao Cantanhez, no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008. Saltinho, na Estrada Bissau - Mansoa - Bambadinca-Saltinho - Quebo - Gandembel - Guileje. Na altura, escrevi: " Uma imagem pouco usual no meu tempo [, 1969/71]: uma mulher [ fula] com dois gémeos... Não sei qual é hoje a prevalência do infanticídio"... Acrescento aqui e agora: é um tema delicado, que atravessa todas as sociedades humanas (da chinesa de hoje à portuguesa dos Séc. XVIII e XIX)... Sempre ouvi falar, aos antropólogos coloniais (como o António Carreira, no "infanticídio ritual"... Mas confesso que sei muito pouco do tema... Talvez o Cherno Baldé queira falar-nos, com a delicadeza, a inteligência, a cultura e a sabedoria de homem grande que são atributos seus, sobre esta questão, que ainda hoje parece ser um problema na sua (e nossa, adotiva) terra... O Cherno ou o meu amigo do ISCTE, o prof doutor Eduardo Costa Dias, antropólogo de profissão e membro da nossa Tabanca Grande... (LG).
Foto: © Luís Graça
(2008). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem, de 26 do corrente, do nosso amigo Cherno Baldé, a partir de comentário ao poste P8818 (*)
Caros amigos,
Depois do meu primeiro comentário (**), já não queria voltar a falar sobre este tema de "pais cabeças de vento", se não tivesse acontecido uma coisa que quero partilhar com os demais para mostrar que, se a teoria do infanticídio podia ser real em certos lugares e em certas circunstâncias, não é menos verdade que não era uma prática generalizada, longe disso.
Ontem, ao fim da tarde, estava eu sentado em casa de um colega e vizinho, quando apareceu um velho acompanhado de um jovem mulato, falando perfeitamente a língua balanta. Tratava-se de um primo do meu colega, filho da tia e de um soldado metropolitano [que esteve] na localidade de Bedanda entre 1972/74.
Quando a criança nasceu, temendo que o pai quisesse levar o seu filho (os africanos em geral pensam assim), a família resolveu esconder a mãe e o filho, transferindo-os para a aldeia de Banta, na zona de Empada. Assim, este jovem nunca soube nada do seu pai e na tabanca ganhou a alcunha de Balanta-Tuga, nome que lhe causou enormes problemas na sua juventude. Provavelmente, o pai nunca soube da sua existência.
Não obstante, houve muitos casos em que os pais "cabeças de vento" simplesmente abandonaram os filhos que tiveram nos seus braços e viram crescer.
Falar de responsabilidades não se pode considerar, de modo algum, uma perversão. Se assim for, então, já não valera a pena falar de justiça e de humanismo que foi, desde o período da Renascença na Europa e no mundo, a luz que ilumina o caminho da nossa humanidade. Eu sei que, aos portugueses e aos europeus em geral, causa um grande calafrio sempre que se levanta a questão de assumir responsabilidades históricas. ...Serão problemas da consciência?...
Falar de responsabilidades não se pode considerar, de modo algum, uma perversão. Se assim for, então, já não valera a pena falar de justiça e de humanismo que foi, desde o período da Renascença na Europa e no mundo, a luz que ilumina o caminho da nossa humanidade. Eu sei que, aos portugueses e aos europeus em geral, causa um grande calafrio sempre que se levanta a questão de assumir responsabilidades históricas. ...Serão problemas da consciência?...
Cherno Baldé
[ Revisão / fixação de texto , em conformidade com a
Novo Acordo Ortográfico: L.G.]
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Notas do editor:
(*) Vd. último poste da série > 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)
(**) Vd. poste de 20 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8799: (In)citações (36): Filhos do vento, ontem, brancu mpelélé, hoje (Cherno Baldé)