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quinta-feira, 26 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)

1. Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau

Carlos Vinhal

Quanto ao dia da minha inspecção militar em Matosinhos, no dia 21 de Junho de 1968, de pouco me lembro, a não ser do meu amigo Arménio Lucas que ficou livre por ser deficiente de um pé. Tirando este, grandes, pequenos, gordos e magros, foram todos apurados para servirem a Pátria.
Claro que me lembro de andarmos todos à pai Adão, sem parra, num edifício devoluto, de sala em sala, curiosamente contíguo à Escola Secundária que tinha frequentado uns anos antes, destinado temporariamente às Inspecções Militares.
Também me lembro da famosa pergunta de alguém que deveria ser médico ou afim:
- Sofre de alguma coisa?

Como na altura não percebia nada de postos militares, respondi em termos mais ou menos provocatórios:
- O senhor acha que eu com este corpo, sofro de alguma coisa?
Ao tempo eu era um pouco para o anafado.

Quem se lembra da célebre saquinha de onde se tirava o número mecanográfico? 19551569 tocou-me em sorte. Virá daí o ir às sortes?

Fui ainda cravado por um militar que deambulava por lá e se aprontou a vender-me uma fitinha horrorosa onde se lia APURADO.

Não sendo um homem de fortes convicções religiosas, logo portador de pouca fé, entreguei-me sempre ao destino, coisa em que acredito, esperando sempre o pior, para receber com alegria o que de melhor vier.

Nas Caldas da Rainha (ABR a JUL1969), nos últimos dias da Recruta, houve formatura geral na Companhia para chamar o povo, separando-o por Especialidades. Logo pensei - Carlos, presta atenção quando chamarem para Tavira para o curso de Atirador, não escaparás.
Não podia ser, não é que não fui para Atirador? Já estavam a chamar para uma outra Especialidade qualquer.

Mas, oh cruel destino, a tal coisa em que acredito, começaram a chamar, desta feita, para a Especialidade de Atirador de Artilharia, EPA/Vendas Novas. Não tardou muito... Soldado Instruendo 19551569 – Carlos Esteves Vinhal...
Pensei - mais uma vez fui beneficiado, não fui para o Algarve, o Alentejo sempre é mais perto do Porto.

Se bem se lembram, no final da Especialidade davam uma espécie de inquérito onde cada um podia escolher (santa inocência) três quartéis. Sendo eu um militar da Arma de Artilharia, escolhi as três Unidades mais próximas do Porto, a saber: Espinho (GACA 3), Gaia (RAP 2) e Penafiel (RAL 4).

Em meados de Setembro, acabada a Especialidade, concederam-nos uns dias de licença. Tinham-nos dito que receberíamos em casa a indicação do local e dia para nos apresentarmos. Esperei que o correio trouxesse o meu destino e um dia chega o veredicto: Colocado no BAG 2, em diligência no GACA 2, onde se deve apresentar no dia 13 de Outubro.

Como naquele tempo não havia internete, fui ao local onde se aprendia tudo, o Café. Perguntei a este e àquele, mas ninguém sabia onde era o BAG 2. O GACA 2 era em Torres Novas, mas o BAG 2...?

Lembrei-me de um amigo que era Furriel Miliciano e que estava colocado no QG da RMP, sito ainda hoje na Praça da República da Cidade Invicta, pessoa à partida conhecedora destas coisas. Nem ele, mas de repente fez-se luz. Um seu amigo, também Furriel Miliciano, estava colocado no BAG 1 e isso era... nos Açores. Seria o BAG 2 na Madeira?

Optimista como sou, pensei - qual quê, estes gajos para me serem agradáveis colocaram-me em Torres Novas, bem “pertinho” de casa, afinal. Nunca irei parar a esse tal BAG 2.
No aprazado dia 13 de Outubro (Segunda-feira), apresentei-me em Torres Novas, disposto a montar o acampamento pelo maior espaço de tempo possível. Qual quê? No dia 20, passada apenas uma semana, estava já a caminho de Tancos para tirar aquela Especialidade que qualquer militar anseia, Minas e Armadilhas. São mais conhecimentos adquiridos e mais uma estadia em Quartel com tudo incluído.

Ainda em Tancos, certo dia, constou que havia saído as mobilizações. Juntámo-nos uns quantos e fomos à Formação ter com o Sargento para que nos dissesse de sua justiça. O sistema era... nome, procurar em Angola, se não estava, procurar na Guiné, se não estava, procurar em Moçambique, está aqui, felicidades, outro...
Chegada a minha vez, acho que fiquei para último, disse ao Sargento para não perder tempo e procurar na lista da Guiné. Tiro e melro abatido... O 1.º Cabo Miliciano 19551569 - Carlos Esteves Vinhal, constava daquela lista.

Como se depreende, fiquei na maior, Especialidade de Atirador, Curso de Minas e Armadilhas e mobilizado para a Guiné. Como se costuma dizer, ninguém morre de véspera, só o peru. Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau.

Para compor o ramalhete, nos últimos dias de Curso de Minas, já tinha na mão a Guia de Marcha e o Bilhete de Embarque, para no dia 8 de Dezembro, no navio Funchal, rumar com destino ao... Funchal. Afinal sempre iria conhecer o BAG 2.

Com a anuência do Comandante do BAG 2, viemos, desenfiados, ao Continente passar o Natal de 1969 e a passagem de ano para 1970. De avião, às nossas custas, claro.
A expensas do erário público, viemos em Março ao Continente passar os 10 dias de mobilização, a viagem do Funchal para Lisboa foi feita a bordo do navio Angra do Heroísmo e regresso no Funchal, por avaria no primeiro.

O pior de tudo foi convencer a minha mãe destas viagens todas, sendo que a derradeira seria um dia para a... Guiné.
- Oh mãe, temos tantos vizinhos por aqui que foram para a Guiné e já estão cá, casados e tudo, limpe as lágrimas. Nem sei quando embarco. Mentira.

O meu pobre pai, já bastante debilitado pela doença que o vitimou anos mais tarde, aguentou estoicamente sem demonstrar o mais pequeno sinal de fraqueza. Homem não chora, nem pelo filho único que vai para a guerra, que eu visse, claro. A ele disse-lhe que não viria mais a casa uma vez que se embarcaria na Madeira para a Guiné.

Após cerca de quatro meses no Funchal, com tempo para dar uma Especialidade aos homens que haviam de integrar as CART 2731 (Angola) e CART 2732 (Guiné), formar Companhia, fazer IAO na Ilha, despejando carregadores de G3 para o mar, chegou o dia 13 de Abril, já no Ano da Graça de 1970, quando finalmente fomos do Funchal para o nosso derradeiro destino enquanto militares. A viagem desta vez foi no navio Ana Mafalda para variar.

Aquela coisa em que acredito, o destino, levou-me para a Guiné, trouxe-me para casa, deu mais uns anos de vida a meu pai e há-de ter-me por cá até a factura estar saldada.


Porto do Funchal, 13 de Abril de 1970. A CART 2732 desfila antes de embarcar no Ana Mafalda


Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá, 1970/72
__________

Nota de CV

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 24 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)

Leiria > Monte Real >Termas de Monte Real > O Joaquim Mexia Alves junto ao busto do fundador das termas, Olímpio Duarte Alves, que foi também governador civil de Leiria (1959-68). Na base do monumento lê-se: "A Olympio Duarte Alves, uma vida ao serviço destas termas que fundou e do termalismo nacional".

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados

1. Mensagem do camarigo Joaquim Mexia Alves:

Assunto - O dia da minha inspecção

Meus caros camarigos Luis, Virgínio, Carlos e restantes Atabancados

Nem só de guerra e de tristezas vivem os antigos combatentes, por isso aqui vai uma história para rir, que se passou comigo no dia da minha inspecção.

Alguém se lembra da inspecção e de alguma coisa especial que tenha acontecido durante a dita cuja, para além de ser dia obrigatório de copos?

Pois no dia aprazado, lá compareci no DRM [- Distrito de Recrutamento e Mobilização Militar],em Leiria, que ficava naquela altura junto ao Convento de Santo Agostinho, em frente do antigo Liceu Rodrigues Lobo, (o tal das Éclogas), o que para o caso não interessa nada, mas sempre ficam a conhecer um pouco mais de Leiria.

À data o meu pai era o Governador Civil de Leiria, e como tal, figura bastante conhecida na cidade e no Distrito, obviamente. Isso não impediu, (nem o meu pai era pessoa de permitir excepções), que esta praça lá tivesse de se despir e permanecer em fila para as medições, pesagem e demais exigências de que agora não me lembro.

Passei então à fase de me encontrar todo nu, frente a uma mesa com três ou quatro indivíduos, à qual que presidia um Coronel que me lembrava de já ter visto na casa dos meus pais em Monte Real.

Então não é que o senhor decidiu fazer conversa de circunstância, perguntando pelo paizinho e pela mãezinha, como estavam todos, etc., etc., e eu ia tapando as partes conforme podia, sem saber muito bem o que fazer da minha vida.

Quando começava a entrar em desespero perante a situação, o senhor perguntou-me se eu me queixava de alguma coisa, ao que respondi a correr que não senhor, que era são como um “pero”, e que se não se importasse muito gostaria de me ir vestir e “pôr-me na alheta”.

Ainda esboçou um qualquer gesto de despedida, mas não teve tempo, porque eu apressadamente me baldei para fora da sala, sob os olhares trocistas do resto do pessoal que estava na mesa, e dos outros “mancebos” que assistiam ao acontecido.

Apenas valeu, porque foi motivo para beber mais umas “cervejolas” do que o habitual.

Aqui fica para a posteridade, um relato da minha inspecção, que se calhar os psiquiatras de hoje em dia, (não tenho nada contra os psiquiatras), diriam que me poderia ter traumatizado para a vida inteira....

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. primeiro poste desta série > 24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4072: O trauma da notícia da mobilização (1): A minha mobilização para a Guiné acagaçou-me (Magalhães Ribeiro)