Um dos capítulos "intrigantes" é o intitulado "Morreu um sargento" (pp. 313-317)
Embora o sargento não seja identificado pelo nome, deve tratar-se do 2º Sargento Mecânico Auto Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Tavira, morto em 11 de agosto de 1965, um mês depois do Cap Inf Aurélio Manuel Trindade ter chegado a Bedanda.
Segundo o nosso coeditor e colaborador permanente Jorge Araújo, terá sido o 3º sargento a morrer no CTIG, de um total de 54 (**).
Escreve o autor do livro que temos vindo a citar:
(...) "Morreu em combate o sargento mecânico, um técnico excelente e um bom homem" (pág. 313).
O Manuel Andrezo (aliás. Aurélio Manuel Trindade) relata a seguir, sucintamente, as circunstâncias dessa morte para depois nos dar conta das suas fortes suspeitas sobre o soldado mecânico Fernandes, possível autor ou coautor do assassínio do 2º sargento mecânico da 4ª CCAÇ.
O sargento queria melhorar as condições de trabalho da oficina auto em Bedanda. Nomeadamente, queria construir uma plataforma com rampa para lavagem e melhor observação das viaturas. Para isso precisava de madeira. Pediu autorização ao capitão para ir cortar madeira nas proximidades do quartel, a 2 km, num sítio onde o pessoal costumava ir à lenha, e onde nunca até então houvera problemas. Teve o OK do capitão, desde que levasse segurança.
O sargento pegou na sua secção de mecânicos e condutores. E lá foi com uma equipa de 10 homens, munidos de serra mecânica e machados, e armados (os soldados da 4ª CCAÇ na altura ainda usavam a Mauser).
Passados duas horas, ouviu-se um curto tiroteio na mata. Uma pequena força, comandanda pelo Alf Mil Carvalho, saiu do quartel a correr para ir ver o que se passava, tendo deparado então, no local, com "o sargento morto, com um tiro na cabeça, e os soldados amedrontados" (sic) (pág. 313).
A explicação dada pelos soldados é que teriam sido "surpreendidos por uns guerrilheiros na estrada Mejo-Bedanda". Reagiram aos tiros e os guerrilheiros retiraram prontamente. A única baixa fora o sargento. Não souberam explicar "quantos eram e para onde foram" os guerrilheiros, já que fora tudo muito rápido.
O Alf Mil Carvalho fez uma pequena batida na zona mas não encontrou quaisquer vestígios da presença dos guerrilheiros, nem sequer invólucros. A haver trilhos confundiam-se com os da população, das milícias e das NT. Começou por isso a ter dúvidas sobre a versão do pessoal da ferrugem. E transmitiu as suas impressões (e apreensões) ao capitão.
Este fez questão logo de "considerar oficialmente a morte do sargento como sendo morte em combate numa emboscada da guerrilha" (sic) (pág. 315), mas mandou entretanto o Alf Mil Carvalho averiguar melhor o que se tinha passado, devendo para o efeito interrogar todos os homens da ferrugem que tinham estado com o sargento naquele fatídico local.
A versão de todos os soldados inquiridos era unânime: foram vítimas de emboscada do IN... Mas o alferes vai descobrir, no entanto, um "suspeito".
As relações do sargento com os soldados da sua secção não eram boas. Um deles, o Fernandes, que era de Bissau, "todo espevitado e mal encarado" (sic) (pág. 316), andava sempre a contestar as ordens do sargento. Três ou quatro dias antes, o sargento dera-lhe "duas valentes bofetadas" (sic). O Fernandes terá dito, em público, que se iria vingar. Houve testemunhas.
Chamado ao capitão, o soldado mecânico Fernandes foi de novo apertado:
(...)" Ouve, Fernandes. Eu não acredito na tua história da emboscada quando morreu o nosso sargento. Não houve nenhuma emboscada e foi uma arma vossa que o matou e todos combinaram isso da emboscada para enganar nosso capitão. Eu vou descobrir a verdade. Se descobrir que vocês me querim enganar, eu dou cabo de vocês. Tiveste uma discussão com o nosso sargento dois ou três dias antes. Disseste que te havias de vingar e vingaste-te. És capaz de ter morto o nosso sargento e inventaste depois a emboscada. Se eu descobrir que foi assim, limpo-te o sarampo como tu limpaste o nosso sargento. Ficas em constante vigilância do nosso capitão" (pp. 316/317).
O Fernandes manteve a sua versão até ao fim, protestando a sua inocência.
E a história acaba assim:
"Na companhia, oficialmente, só o Alferes Carvalho e o capitão duvidavam da versão dos soldados. Aliás, o capitão tinha a certeza de que o sargento tinha sido morto por um soldado, e pelo Fernandes com muita probabilidade" (pág. 317).
O Cap Cristo não quis, porém, esticar a corda e agravar o mal-estar já existente na companhia. Informou, no entanto, o Comando em Bissau , "em nota pessoal e confidencial das suas desconfianças e das razões que justificavam a sua atitude".
Por sua vez, "o soldado Fernandes, que estava no fim do seu serviço normal, pouco tempo depois passou à disponibilidade e, apesar de querer continuar e de ser um bom mecânico, tal não foi autorizado. As dúvidas que sobre ele existiam, influenciaram a decisão. O capitão considerava-o responsável pela morte do sargento e nunca lhe perdou" (pág. 317).
Uma história edificante? Pode perguntar-se por que é que o capitão não mandou levantar um auto de notícia e não se procedeu à autópsia do corpo do sargento, como seria normal noutras circunstâncias?... Não sabemos mais pormenores do caso. E convém lembrar que a fonte que estamos a usar é um livro de memórias, em parte ficcionado...
E depois o capitão tinha chegado há um mês, havia problemas de disciplina na 4ª CCAÇ, e Bissau fará questão de lembrar, a propósito da entrega ou não das espingardas automáticas G3 (em substitituição da velha Mauser), que se tratava de uma "companhia de negros em quem não confiamos totalmente" (sic) (pág. 139)...
O enviado de Bissau a Bedanda, um tenente coronel, Chefe do Serviço de Material, lembrou ainda ao Capitão Cristo que já houvera lá "uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3" (pág. 139)...
De qualquer modo, sabemos de outros casos, que no CTIG o exército lidava mal com estas situações de mortes por "acidente com arma de fogo" (termo que em geral era um eufemismo para escamotear as verdadeiras causas de acidentes mortais como o suicídio ou o homicídio).
Para proteger seguramente a família e honrar a memória do 2º sargento Rodolfo Valentim Oliveira, este foi dado como "morto em combate", tendo sido louvado e agraciado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 4ª Classe bem como a Medalha da Cruz de Guerra, colectiva, de 1ª classe.
2. Lê-se, a propósito, no portal UTW - Ultramar TerraWeb, dos Veteranos da Guerra do Ultramar (com a devida vénia...)
Honra e Glória - Rodolfo Valentim Oliveira (...)
(...) Louvado, a título póstumo, por feitos em combate, publicado na Ordem de Serviço n.º 118, de 1965, da 4.ª Companhia de Caçadores Indígena (4ª CCaçI);
Agraciado, a título póstumo, por feitos em combate, com a Medalha da Cruz de Guerra de 4.ª classe, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 4 de Março de 1966, publicado na Ordem do Exército n.º 13 – 3.ª série, de 1966;