quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23553: Notas de leitura (1478): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): as aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte I: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos."






Capa e contracapa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d 
[c. 2010 / 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/ jul 67. ]

Na foto acima, da capa, o "capitão Cristo, sentado ao centro, na casa do Zé Saldanha  [encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia] . Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o Zé Saldanha" (legenda, pág. 440).

1. Um exemplar autografado, dedicado ao cor inf ref Arada Pinheiro,   foi-me emprestado por este para leitura e recensão no blogue. 

O teor da dedicatória é o seguinte:  "Ao meu amigo Pinheiro com muito respeito e consideração para que se lembre sempre da Guiné, terra que ambos admiramos. 13/12/2020. Aurélio Trindade. " O Arada Pinheiro esteve no CTIG, como major inf, entre 1971 e 1973. E é um ano mais velho do que o autor, na Escola do Exército (é de 1951).

O livro, composto por cerca de 70 curtos capítulos, pode ser considerado como um "diário de  bordo", embora não datado, do autor (ou do seu "alter ego"), que foi o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6 (a 4ª Companhia de Caçadores passou, a partir de 1 de abril de 1967, a designar-se por CCAÇ 6 ("Onças Negras"), conforme fichas de unidade que publicamos abaixo).

A intensa atividade operacional é intercalada com pequenas, saborosas (e algumas pícaras=  histórias do quotidiano do quartel, da tabanca e seus "vizinhos"...

Já li as primeiras sessentas páginas, com prazer e apreço. O estilo narrativo é poderoso. Seco, assertivo, direto, às veses quase telegráfico. A escrita é, visivelmente, de um militar, com experiência operacional, e forte espírito de liderança, que quer "chegar, ver e vencer", mas que vai encontrar uma companhia em farrapos (equipada ainda com a velha Mauser, sem fardas novas, mal alimentada, isolada, desmoralizada, mal vista pelo comando do setor, sediado em Catió). 

É decididamente um militar que sabe que uma companhia vale pelo seu comandante operacional, e que quer fazer jus à sua divisa "Aut Vincere Aut Mori"  (Vitória ou Morte). Pelo que nos é dado inferir da leitura das primeiras dezenas de páginas, é um militar de "mão cheia", para usar uma expressão cara ao cor inf ref Arada Pinheiro, e que não regateia apoio aos seus soldados, mesmo que com isso tenha que enfrentar a incompreensão e até a desconfiança da hierarqui militar (em Catió e em Bissau). 

Antes de devolver o exemplar que foi me emprestado pelo cor Arada Pinheiro, quero ver se faço algumas notas de leitura, partilhando-as com os nossos leitores. Julgo que o livro está fora do  mercado livreiro habitual, não sendo de fácil acesso. Não consta, pelo menos, na Porbase (Base Nacional de  Dados Bibli0gráficos). O seu interesse documental, para nós, antigos combatentes da Guiné, é por demais evidente. É um período (1965/67) ainda mal conhecido, e a 4ª CCAÇ tem menos de 20 referências no nosso blogue. Já a CCAÇ 6 (extinta em 20 de agosto de 1974) tem mais de uma centena de referências.

Grande parte da narrativa, que segue um fio cronológico,  é constituída por episódios, entrecortados por muitos diálogos, sendo o principal protagonista o cap Cristo, "31 anos de idade, natural da Beira Alta, nascido e criado entre o duro granito da serra do Caramulo". É casado e pai de três filhos. Partiu no T/T Niassa, de Lisboa, em 30 de junho de 1965, com destino ao CTIG. 

Vai em rendição individual. Tem já duas comissões no Ultramar: Índia e Moçambique (donde acabara de regressar há 10 meses). (...) "Vai triste. (...) À sua frente o desconhecido. Sabe apenas que vai para a Guiné onde a guerra é dura. " (...) (pág. 7). 

Chega a Bissau a 5 de julho de 1965. E no dia seguinte, parte de imediato para Bedanda, de avioneta civil, com o cap Xáxa (a quem vai render), para tomar posse como novo comandante  da 4ª CCAÇ. O cap Xáxa fará as honras da sua apresentação aos militares e aos civis de Bedanda. E rapidamente a guerrilha do PAIGC (e a populaçao sob o seu controlo) vai passar a conhecê-lo e a temê-lo.

As primeiras impressões não foram favoráveis: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos. Nem se sequer se atreveram a praxá-lo, uma tradição muito cara à companhia" (...) (pág. 13).

(Continua)


Fichas de unidade > 4ª  Companhia de Caçadores

Identificação; 4ª CCaç

Cmdt (a) : Cap Inf Manuel Dias Freixo | Cap Inf António Ferreira Rodrigues Areia | Cap Inf António Lopes Figueiredo |Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire (membro da Tabanca Grande)| Cap Inf Nelson João dos Santos | Cap Mil Inf João Henriques de Almeida | Cap Inf Alcides José Sacramento Marques | Cap Inf João José Louro Rodrigues de Passos | Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares | Cap Inf Aurélio Manuel Trindade

(a) Os Cmdts Comp são apenas indicados a partir de 1Jan61

Divisa: "Aut Vincere Aut Mori"

Início: anterior a 1jan61

Extinção: 1abr67 (passou a designar-se CCaç 6)

Síntese da Actividade Operacional

Era uma subunidade da guarnição normal, com existência anterior a 1jan61 e foi constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, estando enquadrada nas forças do CTIG então existentes.

Em 1jan61, estava instalada em Bolama, com um pelotão destacado em Bedanda

Em 8abr61, iniciou o deslocamento para Buba, onde foi colocada temporariamente, a partir de 6mai61. Em 3jul61, foi transferida para Bedanda, mantendo um pelotão em Buba, até à chegada da CCaç 152, em 28jul61.

Entretanto, iniciou a instalação de forças em várias localidades da zona Sul, nomeadamente em Bolama, Bedanda, Cacine, Aldeia Formosa, Gadamael e Tite, as quais foram recolhendo à sede após substituição por outras forças, ou sendo deslocadas, para outras localidades, como Catió, Chugué e Caboxanque

A partir de 25jul61, foi integrada no dispositivo e manobra do BCaç 237 e depois sucessivamente no dispositivo dos batalhões e comandos instalados no sector. Tomou ainda parte em diversas operações realizadas nas regiões de Caboxanque, Chugué, Bochenan, entre outras.

Em 1abr67, passou a designar-se por CCaç 6.

Observações - Não tem História da Unidade. Em diversos documentos, esta subunidade era
muitas vezes designada por 4ª CCaç I.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 625- 626




Fichas de unidade > Companhia de Caçadores nº 6

Identificação:  CCaç 6
Cmdt: Cap Inf Aurélio Manuel Trindade | Cap Inf Renato Vieira de Sousa | Cap Inf Rui Manuel Gomes de Mendonça | Cap Art Ricardo António Tavares Antunes Rei | Cap Inf António Bernardino Fontes Monteiro | Cap Cav Carlos Domingos de Oliveira Ayala Botto | Cap Inf Gastão Manuel Santos Correia e Silva | Cap Inf Jorge Alberto Ferreira Manarte | Cap QEO Elísio José Brandão Alves Pimenta | Cap Mil Inf António Manuel Rodrigues
Início: 01abr67 (por alteração da anterior designação de 4ª CCaç) | Extinção: 20ago74

Síntese da Actividade Operacional

Em 1abr67, foi criada por alteração da designação anterior de 4ª CCaç.

Era uma companhia da guarnição normal do CTIG, constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local.

Continuou instalada em Bedanda, onde detinha a responsabilidade do respectivo subsector e se integrava no dispositivo e manobra do sector do BCaç 1858, ficando sucessivamente na dependência dos batalhões e comandos ali instalados. 

Por períodos variáveis, destacou temporariamente pelotões para reforço de outras guarnições, sendo especialmente orientada para a realização de acções nas regiões de Bantael Silá, Nhai, Bochenan e Flaque Injã, entre outras.

Em 20ago74, sendo substituída na responsabilidade do subsector de Bedanda por forças do BArt 6520/73, foi desactivada e extinta.

Observações -  Não tem História da Unidade.


Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 630.

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Nota de leitura:

Último poste da série > 22 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23544: Notas de leitura (1477): "A Guerra de Bissau, 7 de Junho de 98", por Samba Bari, um guineense diplomado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada; Sinapis Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É pena que o livro não se encontre no mercado livreiro. A malta de Bedanda gostaria de o ler. E não só, toda a malta que andou pelo sul da Guiné, e nomeadamente nos anos de 1965/67, época a cujas memórias se reporta.