Mostrar mensagens com a etiqueta Marta Pessoa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Marta Pessoa. Mostrar todas as mensagens

sábado, 9 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25252: Historiografia da presença portuguesa em África (413): O luso-colonialismo nunca existiu: para África, só desterrado ou com "carta de chamada" (António Rosinha / Valdemar Queiroz)


Cartaz (detalhe) do filme de Marta Pessoa, "Rosinha e Outros Bichos do Mato" (Documentário, 101 m, Portugal, 2023, Produção "Três Vinténs"):

(...) "Em 1934, o Estado Novo apresenta-se ao mundo com uma Exposição Colonial onde o viril Império português exibe como símbolo máximo Rosinha, uma nativa guineense. 'Rosinha e Outros Bichos do Mato'  revisita este acontecimento para entender o que nele se construiu e como ainda hoje pode ecoar no pretenso 'racismo suave' dos portugueses." (...)  (Fonte: Três Vinténs)


1. Comentários do António Rosinha e Valdemar Queiroz ao poste P25244 (*);

(i) Antº Rosinha:

Estes luso-cariocas de 1930, de colonialistas não tinham nada. (Colonialismo = A exploração desenfreada dos recursos dos territórios ocupados.)

Imaginemos a felicidade e a paixão destes luso-cariocas embasbacados com as riquezas da autossuficiência da mancarra, da cachaça de cana e do coconote e com aquelas descomunais estradas da Guiné, isto em 1930, quando desde 1880 os outros só já pensavam nas minas do ouro e diamantes

Aliás, havia em todas as gerações de "portugueses ultramarinos", uma determinada classe de pessoas que de colonialistas não tinham nada, eram simplesmente e apenas uns sonhadores "tropicalistas" acomodados aqueles paraísos tropicais, Bolama, Ilha de Luanda, Lourenço Marques, Rio de Janeiro e as terras de Jorge Amado.

Tropicalista é uma alcunha que inventei para gente que gostava de chabéu, mas tenho outros nomes, colonialista eram os exploradores europeus que dividiram África e deixaram os Bijagós para a gente.

E ainda obrigaram a gente a mandar para lá o Teixeira Pinto.

Ás vezes dá para pensar se não seria esta geração de apaixonados tropicalistas, contemporâneos de Salazar, e também de Henrique Galvão e Norton de Matos, etc. se não teriam inspirado Salazar a dar o grito "para Angola e em força" em 1961.

7 de março de 2024 às 11:41 

(ii) Valdemar Silva:

Antº. Rosinha essa das colónias e do colonialismo é sempre a mesma coisa para quem quer avaliar a "habilidade de chico-esperto",  transferindo de um dia pra outro o ministro das colónias para ministro do ultramar, mas não desfazendo a ideia de "Império" bem a maneira do salazarismo.

Em 1940 não se colocava esta questão, havia colónias e prontus.

No Cartaz da grande Exposição do Mundo Português, na Secção Colonial havia "GinKana de Negros - com várias provas originais". Não sei se havia algum com o cantar à desgarrada de brancos na Secção de Minhotos.

Saúde da boa
 

(iii) Antº Rosinha:

Valdemar, tens razão, devia de haver na exposição minhotos a cantar à desgarrada, pois que o império era do Minho a Timor.

Mas aí talvez a imaginação dos apaixonados pelo ultramar não chegasse a tanto.

Mas nas colónias havia minhotos e malta do Norte suficiente para não deixar morrer o vira do Minho e os pauliteiros de Miranda.

(iv) Valdemar Silva:

Pois, pois Rosinha, mas eram todos patrões e não estavam virados para essas brincadeiras.

Em Bissau, não me lembro o Restaurante, encontrei um meu conhecido empregado da mesa da Portugália (Arroios) a servir, também, às mesas, e como já não estava na tropa fiquei admirado.

Explicou-me que ele e outro tinham comprado o trespasse do Restaurante e um ficava ao balcão e outro servia às mesas.

Julgo que era difícil encontrar um empregado de mesa minhoto a servir num restaurante em Luanda ou Lourenço Marques, ou noutras cidades de Angola ou Moçambique.


(v) Antº Rosinha:

Valdemar, restauração, comes e bebes, do bom e do melhor, em Luanda, em São Paulo e Rio de Janeiro, era ou foi domínio de Minhotos e transmontanos.

Mas em Angola, Nova Lisboa, Sá da Bandeira e localidades mais pequenas, era gente do Norte donos de restaurantes, hoteis pensões etc.

Metia um ou outro beirão, mas muito pouco.

Em São Paulo, (10 Lisboas?) em cada esquina um minhoto ou um transmontano.

Mas ainda havia grandes supermercados de gente do Norte, acima do Douro, principalmente.

Em Angola vi gente começar do zero e irem longe, e outros darem com os burrinhos na água.

Vou-te contar uma de um retornado de Barcelos, que me serviu muitas imperiais de bandeja na mão em Luanda na Ilha, simples empregado, que se deslocava numa motorizada daquelas que faziam imenso barulho que me acordava de manhã, era meu vizinho, e me acordava às duas da manhã quando largava a cervejaria.

Pois com o 25 de Abril veio para Portugal e não largou a bandeja., Largou apenas a tal motorizada e encostava um bruto BMW à porta de um bar restaurante que explorava por conta própria, bem junto à estação de comboio movimentadíssima, de Vila Franca de Xira.

Eu,  que tinha vindo recentemente do Brasil, para onde tinha emigrado com o 25 de Abril, fiquei boquiaberto, quando precisei de apanhar aquele comboio, vou tomar a minha bica, e dou de caras, na caixa registadora,  com o meu antigo vizinho de Luanda, e perguntei-lhe pela motorizada.

Como havia mais de 5 anos que não nos viamos, foi aquele surpresa e eu já não apanhei o comboio, ele entregou a caixa registadora à mulher e contou-me entre outras coisas como de motorizada velha foi parar ao BMW novinho, à porta do bar, café, restaurante.

Bastante mais novo que eu, sei que numa das minhas vindas da Guiné, fui visitá-lo, já tinha passado o negócio...imagina se tiver saúde!

Tive colegas minhotos, de profissão, retornados, todos com golpe de vista.

Gente do Norte é que povoou por toda a parte.

8 de março de 2024 às 19:50 

(vi) Valdemar Silva

Rosinha, tudo o que explicas não me faz confusão ou sequer duvidar da grande valia dos minhotos, transmontanos ou beirões.

A minha dúvida é ter-lhes passado pela cabeça ir trabalhar para África para patrões como por cá devia acontecer. As suas ideias eram de ir ou ficavam depois da tropa como patrões de qualquer actividade.

Contaram-me que a falada "carta de chamada" era exigida a quem queria ir trabalhar,  por ex., para Angola desde que apresentasse o que ia fazer, dado não haver lugar para brancos, além do Estado, em profissões por conta de outrem. E depois sem trabalho viviam de quê, diziam os exigentes.

8 de março de 2024 às 23:12 

(vii) Antº Rosinha:

Carta de chamada era um documento de uma pessoa estabelecida, comerciante, fazendeiro, proprietário em que se responsabilizava durante um período (tenho na ideia que era meio ano) pela estadia do emigrante, e caso este não se adaptasse responsabilizava-se em "devolvê-lo" â procedência.

Foram muitos menores, tipo sobrinhos para casa de tios, ou irmãos, em que estes faziam o tal documento de responsabilidade.

Também se podia emigrar para as colónias, sem carta de chamada, mas tinha que deixar como caução dinheiro para viagem de regresso, caso não se adaptasse, ou as autoridades achassem inconveniente a sua presença, penso que era ao fim de meio ano que podia levantar a caução.

Eu tinha lá um irmão, foi fácil.

Para ir para o Brasil havia uma coisa semelhante.

Valdemar, só estranha essa da carta de chamada, que já vem essa norma desde tempos "dos reis" quem nunca esteve perdido num deserto, sozinho sem bússula.

Até quem ia das nossas aldeias para Lisboa, ia dirigido a algum parente ou conterrâneo.

Com uma cartinha com a morada e o nome da pessoa.

Mas havia ainda a história dos colonos, mas isso é outra história em que ultrapassa o próprio Salazar.

9 de março de 2024 às 11:13
____________

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23879: História de vida (51): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - IV (e última): A última comissão, Moçambique, 1973: "Bem-vindos a Mueda, terra da guerra, aqui vive-se, trabalha-se e morre-se"



Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saiem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito.


Foto (e legenda): © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
 


Rosa Serra, em Ponte de Lima,
24 de agosto de 2020.
Foto: António Mário Leitão (2020)




Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/79; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)


1. A Rosa Serra, natural de Vila Nova de Famalicão,   fez o curso geral de enfermagem no Porto, tendo aí conhecido a veterana Maria Ivone Reis (1929-2022), em 1967,  quando esta andava a recrutar jovens enfermeiras para a FAP. Fez o 45.º curso de paraquedismo, sendo "brevetada" em 13 de março 1968. Foi graduada em alferes enfermeira paraquedista.  

Conheceu os três teatros de operações da "guerra do ultramar": Guiné 1969-70, Angola 1970-71, e Moçambique 1973. Passou  à disponibilidade em 1 de março de 1974.   Vive em Paço de Arcos, Oeiras. É membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010. É coordenadora literária e coautora do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", 2.ª edição, Porto, Fronteira do Caos, 2014, 439 pp. 

Está a ultimar um livro com a sua história de vida como enfermeira e enfermeira-paraquedista. Por cortesia sua, temos estado a reproduzir um texto inédito seu, de 21 páginas, que nos chegou às mãos através de um amigo e camarada comum, o Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970-72), membro da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo), Lourinhã. Apresentamos  hoje a IV (e última) parte. E ficamos gratos aos dois,




Fotos do álbum de Rosa Serra (cedidas à realizadora de cinema Marta Pessoa, autora de "Quem Vai à Guerra" (2011) (Produção: Real Ficção; duração: 123 minutos)

Fonte: Arquivo Enfermeiras Pára-quedistas / Álbum de Quem Vai à Guerra (Facebook)...

Fotos (e legenda): Marta Pessoa / Quem Vai à Guerra (Facebook) (2011) (Reproduzidas com a devida vénia)... Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné



História de vida (excertos): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)

IV (e última) Parte: A última comissão, Moçambique, 1973: 
"Bem-vindos a Mueda, terra da guerra, aqui vive-se, trabalha-se e morre-se"


A minha última comissão foi feita em Moçambique, não em Lourenço Marques, não em Nampula, não em Tete, mas sim no Alto dos Macondes, Mueda. Aí logo que aterrávamos, víamos uma tábua pendurada numa árvore a dar-nos as boas vindas. Que dizia: "Bem-vindos a Mueda, terra da guerra, aqui vive-se, trabalha-se e morre-se". …Muito animador para quem lá chega pela primeira vez .….!

Foram poucas as enfermeiras paraquedistas que por lá passaram. A primeiras foi a Enfermeira Ivone Reos que foi conhecer o espaço e se havia condições para irem enfermeiras para lá.

O senhor general Neto, que conhecia tão bem o nosso trabalho na Guiné, achava que as enfermeiras faziam lá muita falta. Assim começaram a ir para lá enfermeiras.

As primeiras que foram eram enfermeiras inexperientes em prestar cuidados a feridos de guerra, nunca tinham estado em nenhum lugar antes. Era assim a sua primeira comissão no Ultramar. 

Mueda era um local assustador pelo seu isolamento, toda o espaço estava rodeado de arame farpado, não havia habitação para elas, dormiam na casa dos médicos, onde existia um quarto com duas camas para as duas enfermeiras lá destacadas, os naturais masculinos de Mueda sempre de olhar carregado e desconfiado, e pouquíssimo simpáticos. 

No início havia algumas mulheres brancas esposas de militares lá colocados, que mais tarde tiveram de sair, quando Mueda começou a ser atacada. As checas (novatas) enfermeiras sofreram bastante pelo isolamento, pela monotonia alimentar, porque nunca lhes tinham entregue um corpo desfeito embrulhado numa capa impermeável, uma alimentação monótona nada saborosa,  enfim,  um local nada aprazível para se viver. Só tiveram sorte porque não apanharam a fase dos ataques a Mueda.

Na minha opinião, foi uma má decisão enviarem enfermeiras individualmente e todas elas muito jovens e para a primeira comissão feita no Ultramar.

Foi lá que a minha colega Cristina foi atingida por uma arma inimiga, quando foi fazer uma evacuação, a um aldeamento ali próximo. Segundo o seu relato, regressava de uma evacuação com um ferido a bordo e,  sem que nada fizesse prever,  de repente sentiu,  como ela diz, tipo coice, junto a uma orelha e instintivamente levou a mão ao local e verificou que estava com sangue. Ao mesmo tempo que o piloto nervoso, informa com voz alterada que estava sem comandos. Ela tentou acalmá-lo dizendo; 

–   Já estamos com a pista à vista,  aguenta o avião que lá chegaremos.

Ele responde:

  O pior é que ele pode assapar antes de chegar ao planalto, onde a pista inicia.

E ficou em pânico, quando se virou para trás e vê o sangue junto à orelha da enfermeira. Ficou de tal forma nervoso que,  com voz alterada, pede um helicóptero à pista, não obstante a Enfermaria do Setor B (Hospital da frente) ficar a cerca de 200 metros.

Chegada ao hospital os médicos acham estranho não haver porta de saída dum suposto estilhaço e fazem um RX  e qual não foi o espanto de todos, ao verem uma bala que, ao apalpar na nuca, a sentiram de imediato, por baixo da pele. Deram uma leve anestesia local e retiraram a bala, que ela ainda a tem, como recordação. 

Curioso era a sua última evacuação pois ela ia sair da Força Aérea no fim dessa comissão.

Devido a este incidente, enfermeira foi evacuada para Lourenço Marques, onde estava a Direção de Saúde da Força Aérea, que comunicou via rádio para ela ser evacuada para Lourenço Marques.

Nesse mesmo avião embarquei eu, que já tinha viagem marcada para a substituir. Quando lhe perguntam se ela não ficou com algum grau de incapacidade,  ela respondeu; 

–  Não, eu fiquei bem, a bala foi retirada e não fiquei impedida de fazer a minha vida normal.



Moçambique > c. 1973 ? > Cristina Silva > A única enfermeira paraquedista que foi ferida em combate... 

Fonte: Arquivo Enfermeiras Pára-quedistas / Álbum de Quem Vai à Guerra (Facebook)...

Foto (e legenda): Marta Pessoa / Quem Vai à Guerra (Facebook) (2011) (Reproduzido com a devida vénia)... Legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Mas encontrei outras enfermeiras possuidoras de dignidade muito elevada. Uma delas foi a enfermeira Mariana. Eu só a conheci em Mueda, só lá estávamos as duas, na dita casa dos médicos onde tínhamos um quarto com duas camas, um caixote estreito com um fio por dentro onde podíamos pendurar as poucas peças de roupa que tínhamos, e um outro fio por fora onde estava enfiado um pano que servia de porta para que, a nossa roupa não apanhasse pó.

Um dia a Mariana foi fazer uma evacuação e,  logo que o pequeno DO-27 aterrou na pista, ainda com o ferido a bordo começou um ataque á pista. O piloto sai do avião a correr, abandonando o avião e protegendo-se atrás de uns bidons cheios de arreia que cercavam a pista.

A enfermeira paraquedista Mariana não lhe seguiu os passos e ficou dentro do avião. Ela tinha bem a noção do seu dever ético, e não deixou sozinho o ferido. Só mesmo quando tudo acalmou é que saíram da aeronave e o ferido seguiu para o Hospital.

Um dia tivemos uma surpresa. Demos de caras com o nosso capitão paraquedista Saramago, que foi para lá destacado, para nos proteger. Uma das primeiras coisas que ele fez foi construir um abrigo subterrâneo logo á entrada da casa dos médicos, pois os abrigos existentes ficavam distanciados só no AM-51 e,  se fugíssemos para lá,  havia fortes possibilidades de sermos apanhadas pelo caminho.

Certo dia, num fim de tarde quando os helicópteros já não voavam e nós tentávamos esquecer as evacuações desse dia, começam os morteiros inimigos a disparar de forma raivosa, direcionados para a casa dos médicos, e para o hospital. A casa ficava separada do hospital pela placa do helicóptero. Todos fomos para o abrigo. Nesse dia tinha chegado um médico novo. Passado poucas horas da sua chegada, quando Mueda começa a ser atacada. Todos nós nos recolhemos no abrigo. Pouquíssimos minutos depois, o médico checa (novato), desabafa, dizendo:

– Sinto as pernas a tremerem,,,

E, logo se ouve uma voz dizendo;

–  É da trepidação.

 E todas as vozes em tom calmo e solidária, ressoam: 

–  Estamos todos iguais, isto já passa.

Mueda era assim, insegura, um acentuado isolamento, uma monotonia alimentar grande, de lá ninguém saía gordo, mas toda a população militar era altamente solidária.

Houve uma situação grave que levou os médicos a ficarem de vigia durante a noite à porta do quarto das enfermeiras. Tínhamos um sr. local, que limpava as partes comuns e os quartos dos médicos

Era um homem alto, com cara de poucos amigos, cujo nome já não me lembro. Um dia soube que a enfermeira Mariana iria fazer uma evacuação para Lisboa. Abordou-a e pediu-lhe para ela comprar um fio de ouro. Quando a Mariana chegou,  ele perguntou-lhe pelo fio. Ela respondeu que não o comprou não teve tempo nem dinheiro para o fazer.

Ele olhou em redor e,  ao verificar que não havia ninguém por perto, ficou com cara de mau, e disse-lhe que a matava e que,  pelo facto de não dormir lá, ele arranjava maneira de o fazer. Ela virou-lhe as costas e,  logo que ele saiu de casa, ela contou ao dr. Requeijo que era o Diretor da enfermaria de Setor B (Hospital da Frente).

Ele fez logo uma escala se serviço de vigilância ao quarto das enfermeiras. Às vezes eu brincava com ela e dizia-lhe:

–  Dorme, Mariana, o nosso Anjo da guarda está sentado numa cadeira à nossa porta e, apesar de ser anjo,  está com uma arma na mão, e só de lá sai quando outro anjo aparecer para o substituir.

Depois pensava se isto acontecesse com as enfermeiras checas, elas logo que pudessem saíam e diziam adeus à Força Aérea para sempre.

Quando se fala do hospital de Mueda, é incorreto. É apenas uma enfermaria do Setor, neste caso o setor B onde existia uma sala operatória, uma pequena enfermaria com 35 camas, um gabinete de RX. Os feridos chegavam e ao fim de 35 a 42 horas eram evacuados para Nampula ou excecionalmente para Lourenço Marques.

Era um ambiente pesado, todo o planalto estava cercado de arame farpado,  sendo só possível de lá sair por ar, exceto a engenharia, quando tinha de se fazer à picada para levar mantimentos ou armamento para quarteis espalhados pelo vale de Miteda.

Quase todos os dias tínhamos, uma ou outra visita. Uma das mais assíduas era um Capitão do Exército Caritas, que sempre aparecia com um molho de folhas brancas. Eu nunca me aproximei dele para ver o que ele rabiscava. Numa noite eu reparo que ele olhava muito para mim e,  qual não foi o meu espanto,  quando antes de se retirar me entregou a dita folha com a minha cara que ainda a tenho pendurada no meu escritório.

Também nos ríamos quando o dr. Honório começava a declamar em voz alta, os discursos revolucionários, imitando o seu conterrâneo, Amílcar Cabral. Nós ríamos e o dr. Requeijo com um sorriso dizia; 

–  Ainda vais dentro. O Monteiro (Policia da PIDE) lá residente vem ali. 

Então ele continuava ainda mais alto gesticulando durante o seu discurso.

Os Médicos que lá estavam na minha altura eram:

  • Dr. Requeijo (Diretor);
  • Dr. Amarchande (Indiano, não sei escrever o nome);
  • Dr. Honório (natural da Guiné);
  • Dr. Migueis (alcunha o "Boticão", por ser dentista, natural do Porto);
  • Dr. Curchinho, senhor um pouco mais velho que todos nós;
  • Dr. Matos, anestesista;
  • Dr. Francês, anestesista que foi substituir o dr. Matos; 
  • Dr. David (intitulado “o Professor”  por, quando jogávamos ao poker de dados, ele fazia batota, lançando os dados e recolhendo-os rapidamente, dizendo em voz alta o belo resultado obtido, todos ríamos, com gosto, era uma animação).


Tancos > RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas) > 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone, Maria de Lurdes (Lurdinhas), Maria Zulmira, Maria Arminda e o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor). Nota: Para completar o grupo das "Seis Marias", falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.


Foto (e legenda): © Maria Arminda (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Voltando às enfermeiras que deram grande exemplo de trabalho e seriedade...  Outro caso é o da Lurdinhas, enfermeira do primeiro curso (1961),  única enfermeira graduada em sargento cujo nome é Maria de Lurdes Rodrigues que, para os paraquedistas e toda a gente, ficou conhecida para sempre como Lurdinhas.

Nessa altura em Portugal havia um curso mais reduzido, na formação em enfermagem, eram as auxiliares de enfermagem. Tinham menos habilitações académicas, por isso eram graduadas em sargentos.

Mas a Lurdinhas queria saber mais, determinada toma uma atitude: sai da Força Aérea e, à sua custa, matriculou-se no Liceu para fazer os anos exigidos na altura, para poder frequentar o Curso Geral de Enfermagem, entrando de novo na escola que a formou como auxiliar, e só de lá saiu ao fim de três anos com o Curso Geral concluído. Entra de novo na Força Aérea,  agora como Oficial Paraquedista.

A Lurdinhas é um bom exemplo de trabalho, esforço e dignidade. Sempre a conheci como uma pessoa virada para os outros, nunca quis ser o alvo das atenções e de uma seriedade elevada.

Teve atitudes engraçadas,  uma delas foi durante o seu curso de paraquedismo. Pouco tempo depois do início do seu curso, de paraquedismo no RCP, em Tancos, informaram-na para se dirigir ao departamento de contabilidade do Regimento para receber o pré. Sem saber o que isso era, dirigiu-se ao referido serviço, e informa que a tinham chamado. Quando percebeu que lhe iam dar dinheiro ela respondeu, prontamente que ia lá pagar o seu alojamento e a alimentação!

– Aqui ninguém paga, só recebe  responderam. 

Ficou tão atrapalhada e ao mesmo tempo tão contente que que recebeu o que lhe deram e quando foi a sua aldeia,  em Tomar, deu o seu pré às famílias mais pobres. Ela era muito generosa.

Nos factos narrados se alguém em paralelo tiver dúvidas, de tudo quanto foi dito, poderá sempre fazer uma consulta às ordens de serviço do Regimento de Caçadores Paraquedistas em Tancos, ficando a saber quem foram as nomeadas para ministrar esses cursos, de primeiros socorros avançados aos seus camaradas paraquedistas e os acompanhou no estágio feito no Hospital Militar da Estrela. Assim como, quem foi a última enfermeira enviada aos Açores para confirmar a inutilidade da presença das Enfermeiras Paraquedistas naquela Ilha Açoriana.

Esclareço que a opinião desta Enfermeira, foi dada ao Senhor Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa que, logo de seguida,  cancelou a colocação das Enfermeiras Paraquedistas nos Açores.

Também na BA-4, na Ilha Terceira nos Açores poderá eventualmente haver registos, com os nomes das Enfermeiras que lá desempenharam funções e o fim da colocação das mesmas, por ordem da Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea de Lisboa.

E até nos ataques a Mueda a Força Aérea e quem lá estava, como por exemplo o general Luís Araújo, antigo Chefe de Estado Maior General das Força Armadas, furriel piloto Nuno Neto filho do General Diogo Neto,  a própria Força Aérea será talvez possuidora de alguns registos visto que os acontecimentos narrados são referentes a 1973, ano em que eu lá estive, e pouco tempo depois dá-se o 25 de Abril.

No nosso RCP,  as suas ordens de Serviço podem também ser consultadas, para saber quem foram as enfermeiras que lá estiveram, embora também possam testemunhar alguns paraquedistas que por lá passaram ou para irem fazer operações ou para serem recolhidos vindo delas. Uns do BCP 31,  outros do BCP 32, dou como exemplo, o hoje, general Chaves Gonçalves, que me lembro de o ver lá.

Rosa Serra, antiga enfermeira paraquedista, 2022


[Seleção /  revisão e fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
___________


Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série >


10 de dezenbro de 2022 > Guiné 61/74 - P23862: História de vida (49): Sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - Parte II: A guerra e a sua violência... mas também havia situações "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos, tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...)

9 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23858: História de vida (48): sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra) - Parte I: A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira

sábado, 25 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14523: Agenda cultural (392): "O medo à espreita", documentário (Portugal, 2015, 86'), de Marta Pessoa, hoje, às 18h00, no Cinema São Jorge, no âmbito do Indie Lisboa 2015 - 12ª Festival Internacional de Cinema Independente








"O cinema independente celebra-se, duplamente, no dia da liberdade. A 25 de Abril, será exibido o mais recente documentário de Marta Pessoa: O Medo à Espreita. Um olhar sobre os passos escondidos e as manobras secretas da PIDE, a política política do Estado Novo, e que ainda marcam, hoje, as vidas e memórias de quem sofreu com as suas perseguições e torturas. A sessão especial terá lugar hoje, às 18h, na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, com a presença da realizadora. Um filme que promete não fazer esquecer os que sofreram, em Portugal, com os passos secretos da ditadura".


O Medo à Espreita
18:00 | 25 DE ABRIL DE 2015
Cinema São Jorge - Sala Manoel de Oliveira

Marta Pessoa, Documentário, Portugal, 2015, 86'

Secção: Sessões Especiais

Sinope:

Depois de “Lisboa Domiciliária”, estreado nas nossas salas em 2009, Marta Pessoa filma outras memórias secretas: a de cidadãos que viveram, até à queda do Estado Novo, uma vida de perseguição pessoal e política. Ao longo de toda a sua existência, uma das piores faces da ditadura movia-se por passos secretos, informações ocultas, e perseguições, no dia-a-dia, a pessoas suspeitas de viverem contra o regime. “O Medo à Espreita” é o retrato, assim, de pessoas que viveram diariamente debaixo da sombra dos informadores da PIDE/DGS e da sua tortura. Mas é também o retrato de um país onde o instrumento da denúncia cresceu para além dos círculos políticos para se instalar, sorrateiramente, no nosso quotidiano.

PS1 - Bilhete  com desconto: (i) jovens até aos 30, (ii) maiores de 65 anos, (iii) desempregados (mediante a apresentação de cartão do IEFP): 3,5€.

PS2 - A nossa amiga Marta Pessoa é também a realizadora de Quem Vai à Guerra [Portugal, Real Ficção, 123', 2011, disponível em DVD, € 10]. E foi a diretora de fotografia do filme de Silas Tiny, Bafatá Filme Clube  (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78').
_______________

Nota do editor:

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14225 Agenda cultural (378): De 3 a 6 de fevereiro, a televisão pública (RTP2) evoca o início, há 54 anos, da guerra colonial: filmes, documentários, debates

1. De 3 a 6 de fevereiro, a nossa televisão púlica, através da RTP2 assinala o início da guerra colonial  (1961/74) através de documentários, filmes e debates. Embora possa não ser ainda consensual, este período da nossa história vai de 4 de Fevereiro de 1961 (assalto a prisões de Luanda) a 25 de abril de 1974 (a chamada revolução dos cravos, em Portugal).


RTP2 > 3ª feira,  3 de fevereiro de 2015,   23h34 A>  QUEM VAI À GUERRA [vd. aqui trailer]


A enfermeira paraquedista e nossa grã-tabanqueira
Rosa Serra, uma das participantes
do filme de Marta Pessoa (realizadora, ela própria filha
de militar que esteve na Guiné)

Quem Vai à Guerra é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera...

Entre 1961 e 1974, milhares de homens foram mobilizados e enviados para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para combater numa longa e mal assumida Guerra Colonial. Passados 50 anos desde o seu início a guerra é, ainda hoje, um assunto delicado e hermético, apoiado por um discurso exclusivamente masculino, como se a guerra só aos ex-combatentes pertencesse e só a eles afetasse. No entanto, quando um país está em guerra, será que fica alguém de fora?

Quem Vai à Guerra é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera, por quem quis voluntariamente ir ao lado e por quem foi socorrer os soldados às frentes de batalha. Um discurso feminino sobre a guerra.Com: Ana Maria Gomes, Anabela Oliveira, Aura Teles, Beatriz Neto, Clementina Rebanda, Conceição Cristino, Conceição Silva, Cristina Pinto, Ercília Pedro, Fernanda Cota, Giselda Pessoa, Isilda Alves, Júlia Lemos, Lucília Costa, Manuela Castelo, Manuela Mendes, Margarida Simão, Maria Alice Carneiro, Maria Arminda Santos, Maria Augusta Filipe, Maria de Lourdes Costa, Maria Laura Silva, Maria Odete Barata, Maria Rosa Redondo, Natércia Neves, Rosa Serra


Título Original:Quem vai à Guerra
Realização: Marta Pessoa
Produção: REAL FICÇÃO
Ano:2009
Duração:123 minutos

RTP2 > 4ª feira, dia 4 de fevereiro de 2015, às 23h30 >  ANDAR RÁPIDO E EM FORÇA (Série documental “A Guerra”)
[Disponível aqui, na íntegra, no portal "A Guerra Colonial", parceria da RTP e da A25A]

Este episódio relata o dia 4 de fevereiro de 1961. Antes dos ataques da UPA, em Março, já o pânico dominava Luanda desde 4 de Fevereiro, quando centenas de angolanos assaltaram as prisões da cidade. A resposta portuguesa, civil e militar, leva o terror aos muceques. E a violência sem limites propaga-se a todos os grupos sociais, quando o 15 de Março lança o pavor em todo o norte. Angola reclama por apoio militar, mas Salazar só mandará “andar rápido e em força”, depois de afastar Botelho Moniz, o general que, entretanto, tentara depô-lo.


RTP2 > 5ª feira, dia 5 de fevereiro de 2015, às 23h30 > O HERÓI [vd. aqui trailer]

Luanda é uma cidade assaltada por milhares de pessoas, à procura de uma só coisa: sobreviver

Vitório regressa da guerra. Uma guerra que durou quase três décadas, na qual entrou forçado, aos 15 anos, como soldado raso, pau para toda a obra. Vitório matou gente, viu os amigos morrerem, passou fome e antes de ser desmobilizado, pisou uma mina e perdeu uma perna. 

Após uma lenta recuperação no hospital, Vitório como milhares de angolanos, tenta a sua sorte nas ruas de Luanda.

O seu principal intento: sobreviver.

Título Original: O Herói
Realização: Zézé Gamboa
Produção: Paula Ribas [co-produção: França, Angola, Portugal]
Autoria: Carla Batista
Música: David Links
Ano: 2002
Duração: 97 m


RTP2 > 6ª feira, dia 6 de fevereiro de 2015 > 23h02 > DESCOLONIZAÇÃO - 40 ANOS


 Um debate moderado por Luís Marinho sobre a descolonização, com a presença dw:

Prof. Jaime Nogueira Pinto | Embaixador de Angola - Dr. Luís de Almeida | Embaixador Francisco Seixas da Costa.


RTP2 > 6ª feira, dia 6 de fevereiro de 2015 > 23h68 >   A COSTA DOS MURMÚRIOS [vbd. aqui trailer]

Uma visão feminina sobre a Guerra Colonial

"Sim, é verdade, nesse tempo chamavam-me assim... Nesse tempo Evita era eu..."
Evita recorda e corrige uma história que já lhe pertenceu.


No final dos anos 60, Evita chega a Moçambique para casar com Luís, um estudante de matemática que ali cumpre o serviço militar. Nos dias que se seguem, Evita rapidamente se apercebe que Luís já não é o mesmo e que, perturbado pela guerra, se transformou num triste imitador do seu capitão, Forza Leal.

Os homens partem para uma grande operação militar no norte. Evita fica sozinha e no desespero de tentar compreender o que modificou Luís, procura a companhia de Helena, a mulher de Forza Leal. Helena, submissa e humilhada, é prisioneira na sua casa onde cumpre uma promessa. É ela que vai mostrar a Evita o lado mais negro de Luís e a tenta atrair numa relação ambígua de destruição e morte.

Perdida num mundo que não é o seu, Evita cai numa teia de violência mesquinha, sem glória e sem honra. A violência de um tempo colonial à beira do fim. Um tempo de guerra, de perca e de culpa.
Trata-se de uma visão feminina sobre a Guerra Colonial, que assinalou a estreia da realizadora Margarida Cardoso no domínio da ficção cinematográfica e tem integrado importantes festivais de cinema, entre os quais se destacam a selecção para o Festival de Veneza 2004, na secção Giornate degli Autori, a participação no Festival de Manheim, durante o qual foi distinguido com o prémio especial do júri internacional e as mais recentes participações no Festival de Cinema Latino, em Chicago e no CINEPORT 2005.

"A Costa dos Murmúrios" é a adaptação livre do romance da escritora portuguesa Lídia Jorge.
"A Costa dos Murmúrios" foi distinguido com o Prémio Revelação, na 7º edição do Festival de Cinema Europeu, Cinessonne 2005


Ficha técnica:

Título Original: A Costa dos Murmúrios
Com: Beatriz Batarda, Carla Bolito, Monica Calle, Sandra Faleiro, Custódia Galego, Adriano Luz
Realização: Margarida Cardoso
Produção: Maria João Mayer
Autoria: Cedric Basso, Margarida Cardoso
Música: Bernardo Sassetti
Ano:2004
Duração:115 minutos

 RTP2 > 4ª feira,dia 11 de fevereiro de 2014,  às 00h15 >  GUERRA OU PAZ [vd. aqui trailer]

Uma outra face da guerra e a sua influência na sociedade atual. Entre 1961 e 1974, 100.000  [?] [, é uma grosseira gralha da produção!, foram mais de 1 milhão!] jovens portugueses  partiram para a guerra nas ex-colónias . No mesmo período, outros 100.000, saíram de Portugal para não fazer essa mesma guerra. Em relação aos que fizeram a guerra já muito foi dito, escrito, filmado. Em relação aos outros, não existe nada, é uma espécie de assunto tabu na nossa sociedade. Que papel tiveram esses homens que "fugiram à guerra" na construção do país que somos hoje? Que percursos fizeram? De que forma resistiram?


Ficha técnica:

Título Original: Guerra ou Paz
Com: António Setas; Arlindo Barbeitos; Cláudio Torres; João Freire; José Mena Abrantes; Luis Cilia; Manuel dos Santos Lima; Manuela Torres; Rui Simões
Realização: Rui Simões
Produção:Real Ficção - ICA/MC/RTP
Ano: 2012
Duração: 77 minutos

________________

Nota do editor:

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h02 > O Joaão Graça faz um selfie (quando o selfie ainda não era uma moda viral),  tendo o velho cinema local (, edifício do início dos anos 70) por detrás de si. Comopranado o edifício em 2009 e com as imagens do filme (estreado em 2012), concluo que estará hoje mais bem conservado.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h22 > O edifício da antiga Casa Gouveia, hoje Tribunal Regional de Bafatá; o centro do parque onde estava a estátua do antigo governador Oliveira Muzanty, 1º ten da marinha (1906-1909) está agora o busto de Amílcar Cabral; à dierita da foto, fica o mercado e a piscina (agora em ruínas).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 16h16 > Bomba de combustíveis (já desativada) junto ao tribunal regional de Bafatá


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 16h19 > O João Graça fotografado junto a uma velha bomba de combustível desventrada...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h22 > O edifício da Repartição de Finanças da Região de Bafatá (Direção  Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h02 > 16h27 > A rua principal de Bafatá; do lado direito, o edifício do antigo restaurante A Transmontana onde muitos de nós íamos nos anos 69/71,  matar a malvada... O supremo luxo para um tuga que vinha do mato, para "respirar aqui os ares da civilização", era um bife com ovo a cavalo e batatas fritas, regada com uma "basuca", tudo por 25 pesos...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h02 > 16h26 > O antigo edifício do Restaurante A Transmontana... Será que estas casas "ainda têm dono" ?



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h25 > A Dona Vitória no seu estabelecimento. É irmã do falecido Faraha  Heneni, um dos importantes comerciantes libaneses (ou de origem  sírio-libanesa) de Bafatá... Como diz o Toninho, filho da Dona Vitória,  "a gente giosta de Bafatá, apesar de ser um cidade-fantasma. Temos cá as nossas raízes, nascemos cá, os nossos avós estão cá enterrados, bem como os avós dos nossos avós"...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h26 > A imponente Dona Vitória, viúva e mãe do Toninho, o filho mais novo. Não sei com quem a senhoar era casada... Será que era casada como filho do comerciante português António Marques da Silva ?


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h13 > O João, fotogarado com a Célia Dinis e o filho, Bruno, no seu estabelecimento (Restaurante Ponto de Encontro). Diz-me agora o Patrício Ribeiro,  em comentário a este poste, que o filho do casal morreu há dois anos: "O filho do Diniz e da Célia, o Bruno, infelizmente faleceu há  aproximadamente 2 anos, por acidente de moto,  o que deixou os pais muito abalados. Continuam a morar em Bafatá, depois de alguns meses passados em Portugal."


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h11> O João Graça a telefonar ao pai... A eletricidade e o telefone terão sido levadas para a cidade pelo administrador colonial Guerra Ribeiro, em 1968... Há postos de iluminação pública na cidade mas á noite é a escuridão total... Ou era, na altura em que "Bafatá Filme Clube" foi rodado...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 17h34 > Fim de tarde, rua de Bafatá, com o rio ao fundo (1): há muito que o alcatrão desapareceu...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 17h33 >  Fim de tarde, rua de Bafatá, com o rio ao fundo (2): quem vive em cima ("Barro do Rocha") não vai à baixa ("Bairro da Praça") só para ver a água do Rio Gebam, diz o João Diniz no filme...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h24> Pôr do sol sobre o rio Geba e a antiga piscina em ruínas.


Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L.G]



1. Notas à margem de um comentário do Valdemar Queiroz (*):

Valdemar, gravei o documentário "Bafatá Filme Clube" que passou na RTP2 no primeiro dia do ano...

Estive a vê-lo hoje, com alguma emoção. Devo acrescentar, às tuas  notas, que se trata de uma co-produção lusoguineense, da Real Ficção e da Telecine Bisssau...

Ver o filme (que é uma longa metragem, de cerca de 80 minutos) é rever Bafatá, embora se correndo o risco de se cair  na tentação de comparar a cidade de hoje  com aquela conhecemos, bonitinha, se não mesmo esplendorosa, entre meados de 1969 e o primeiro trimestre de 1971.  Chamava-se então a "princesa do Geba"...

Devo dizer que não me deixei ir na onda do saudosismo nem do miserabilismo, muito menos do derrotismo… Os países e as cidades são muito o que são a sua economia… E têm,  graças aos seus povos, uma grande capacidade de resiliência e de regeneração...

Claro que Bafatá (, o centro histórico,) é hoje uma cidadezinha "decadente", do interior da Guiné-Bissau, e aonde já não se vai, onde ninguém vai...  Como muitas partes do mundo, a começar pelo interior de Portugal onde há vilas e aldeias históricas completamente despovoadas...

No interior da Guiné, no antigo "chão fula",  Bafatá terá sido destronada por Gabu, mais próxima da fronteira leste e dos mercados dos países francófonos (Senegal e Guiné-Conacri),  Nem o rio Geba Estreito é mais navegável, como no nosso tempo. As principais casas comerciais (Gouveia, Ultramarina, Barbosa, Esteves, Marques Silva, Faraha Heneni, Marques da XSilva,  …) estavam ligadas à economia colonial, e já estavam em decadência com a guerra, tanto quanto me apercebi na altura…

A Bafatá que eu conheci, que tu conheceste, que muitos de nós conhecemos, vivia do “patacão da guerra”… Não escamoteemos esse facto...  Por outro lado, muitos jovens partiram, depois da independência, uns por razões políticas (temendo represálias dos novos senhores no poder, como foi o caso de muitos dos nossos antigos camaradas guineenses) outros procurando oportunidades de trabalho no estrangeiro (Senegal, Guiné-Conacri, Cabo Verde"...) ou na capital, Bissau.

2. O meu filho tinha estado em Bafatá em 15 de dezembro de 2009, como as fotos acima publicadas documentam (e outras já publicadas anteriormente)... Ficou lá uma noite,  e outra noite em Tabató, não sei se conheceu o Canjajá,  conheceu, a Dona Vitória, a família Dinis, os novos e os velhos habitantes da cidade baixa, os poucos que lá viviam e por lá deambuklavam... Percorreu as ruas e tirou fotos nalguns sítios emblemáticos, a pensar no pai: o cinema, a antiga Transmontana, a piscina, o cais, o rio, o mercado... E as fotos, mais as notas que escreveu no seu caderno, deram-me uma ideia precisa da extrema decadência que atingira a cidade, em particular a parte baixa (e histórica) de Bafatá, decadência essa que se acelerou com o fim da guerra e com a  independência…

Notas do caderno de viagem do João Graça, médico e músico à Guiné-Bissau em dezembro de 2009:

15/12/2009, 3ª feira, 11º dia, Bafatá, Tabatô 

(...) Partida [, de Bissau, ] às 10h00 com Antero (motorista) e Ali (funcionário da AD).  Ida ao quartel de Bambadinca, mas os militares recusaram [a entrada] , pela 2ª vez. Campos (bolanhas) de arroz. Ali disse: “África é um cego em cima de um diamante”. Paragem em Bafatá. Encontro com Demba, músico dos Super-Camarimba [, grupo de música tradicional afro-mandinga, com origem em Tabatô, tabanca a 12km de Bafatá; vd. também a sua página na Net]. 

Almoço no restaurante da Célia, portuguesa radicada em Bafatá desde os anos 70. Marido – não me recordo o nome [. Dinis] – esteve na guerra, nos anos 68/70 […]. Agora tem uma escola de condução.  Decadência de Bafatá velha. Sem pessoas, prédios degradados. Telefono ao meu pai: Libanesas (Vitória), piscina, cinema, [Restaurante] Transmontana. 

Passeio de piroga com pescador no Rio Geba.  Encontro com surdo-mudo que nos levou à sua tabanca (são familiares de Tabatô). Moram numa colina do Geba à entrada de Bafatá. Ofereceram-me uma cadeira e em 20 segundos juntaram-se 20 pessoas à volta da morança.  Ida para Tabatô (aguardada), passando antes pela casa do Victor [, cooperante espanhol, que conheci na viagem para Bubaque]. (...) 

Acho que o filme do jovem realizador, sãotomense,  Silas Tiny (que conversou comigo e com o Fernando Gouveia, entre outras pessoas que conheceram a Bafatá colonial, na fase de conceção do filme) não mostra só o lado decadente de Bafatá (e, por extensão, da Guiné). Descortino no filme sinais de esperança, porque acredito que a Guiné-Bissau tem futuro... (E a talhe foice, acrescente-se, como nota positiva, que a Guiné-Bissau fez uma doação, de 75 mil dólares, para as vítimas do vulcão da Ilha do Fogo e, pela primeira vez, Bissau teve fogo de artifício na passagem de ano, em vez de tiros de Kalasnikov para o ar!)...

3. Algumas notas sobre as pessoas que são entrevistadas no filme, e que retirei do seu visionamento (**):

(i) Canjajá [ou Canjanjá, como vem, parece que erradamente,  no genérico do filme ?] Mané, o antigo projecionista do cinema local (, pertença do Sporting Clube de Bafatá) e atual guardião das instalações, é o protagonista do filme… Há cinquenta anos que este homem guarda religiosamente o cinema de Bafatá (, um edifício ainda relatuivamente conservado, construído no início dos anos 70).… Terá hoje 75 anos. Nasceu em Mansoa, por volta de 1940, onde era pescador de “rede grande”… Em 1960, veio para Bafatá e começou a trabalhar no Sporting Clube de Bafatá, primeiro como contínuo e depois como projecionista, até chegar a fazer parte dos corpos gerentes, depois da indpendência… Ainda hoje é recordado pelos espetadores mais novos… Costumava adormecer durante as sessões, sendo preciso acordá-lo, ruidosamente, quando a fita se partia… Mandavam-lhe sacos de água e ovos, recorda o filho da Dona Vitória, o Toninho.

(ii) Muçulmano, praticante, Canjajá é homem de poucas falas. A primeira máquina de projetar era a “carvão” (?)… Depois veio uma “BU4 Bauer”, alemã, elétrica, acrescenta o presidente do Clube, que começou por ter uma pequena sala de cinema… Também havia cinema ao ar livre, antes da construção do cinema novo. A nova sede nasce do aumento da população de Bafatá e da sua nova prosperidade, com a forte presença dos militares durante a guerra colonial… Nessa altura, o Clube chegou a ter 500/600 sócios… Além das sessões de cinema, faziam-se festas e a vida era bela nesse tempo, dizem as senhoras, entrevistadas…

(iii) A talhe de foice, também há uma referência à passagem, por Bafatá, do Manuel Joaquim dos Prazeres, o conhecido empresário de cinema ambulante, pai da nossa leitora e escritora Lucinda Aranha. Chegou a fazer sessões de cinema na casa do comerciantes António Marques da Silva-

(iv) Canjajá também foi, já depois da independência, o encarregado da piscina de Bafatá: recorde-se que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro, e foi inaugurada em 1962. Depois da independência, ter-se-á chamado “Corca Só” (antigo futebolista do Clube Futebol Os Balantas de Mansoa, e comandante do PAIGC) e não “Orca do Sol” (como aparece, por crasso erro, nas legendas, por falta de memórias da guerra colonial da jovem que faz a tradução do crioulo para português (Joacine Katar Moreira)..

(v ) Outro dos entrevistados é o atual presidente do Sporting Clube de Bafatá, já acima referido, que fala, com ternura e candura, das glórias e misérias da vida da associação, incluindo a conquista do campeonato de futebol da Guiné-Bissau, em 1984 . Era então treinador o falecido Demba... E a histórica partida de futebol, disputada em Bissau, teve na assistência o general 'Nino' Vieira... 

(vi) É também entrevistado, em francês (!), o atual treinador do clube (, provavelmente oriundo do Senegal ou da Guiné-Conacri), que ainda sonha com o renascimento da equipa de futebol… Haja parceiros, de preferência vindos de Portugal, subentende-se... De qualquer modo, parece haver uma forte ligação da cidade ao Sporting Clube de Bafatá… Aquando da conquista do campeonato, em 1984, os futebolistas foram recebidos em apoteose…Mas em geral, o clube da terra fica nos primeiros lugares do campeonato...

(vii) As irmãs Danif, libanesas, que vieram de Sonaco, quando pequenas... Um delas para casar. Penso que são as filhas da Dona Rosa… Um dos irmãos foi paraquedista do BCP 12, hoje ten cor ref e amigo de alguns camaradas nossos, como o Humberto Reis. Um destas manas Danif tem filhas em Portugal, que casaram com ex-militares portugueses… (Eran meninas casadoiras no nosso tempo; e casaram no clube, diz a mãe!)... Os pais das irmãs Danif, Said Danif, estiveram esatabelecidos em Sonaco, Bambadinca, Geba...

(viii) Não sei qual é a relação das  manas Danif com a Dona Vitória, também libanesa, que tinha uma filha que morreu, já depois da independência, e depois de regressar de Portugal onde foi em tratamento. Havia, pelo menos, dois comerciantes libaneses, ligados ao Sporting Clube de Bafatá. Um eles era o irmão da Dona Vitória, Faraha Heneni, citado no filme por ela e pelo seu filho Toninho. Outro libanês era o Arif Elawar, que fazia parte da direcção do Sporting Clube de Bafatá (criado em 1937), quando o presidente era então o  administrador Carlos Caetano Costa (que anteceu o Guerra Ribeiro).

(ix) O João Dinis… Um camarada do nosso tempo que ficou em Bafatá, veio casar a Portugal e levou a esposa, Célia, para a Guiné em 1972… É um homem, desencantado, precomente envelhecido, mas ainda a reconhecer que ama África e a terra que escolheu para viver e trabalhar. Quando jovem, vivia melhor em Bafatá do que em Portugal, costumava dizer ele para os seus antigos camaradas de armas... Mas hoje confessa que ainda sonha em acabar os seus dias na sua terra, Portugal… 

O casal, João e Célia Dinis, abriram um negócio na área da restauração e hotelaria, mas hoje a baixa de Bafatá não tem gente, está às moscas…“O movimnento é que faz falta", diz ele... Havia barcos, havia camiões, sempre a carregar e a descarregar, havia correpios de gente na baixa... Agora é o vazio, diz o Toninho, que deve ser homen dos seus cinquentas e tais anos (, era criança  quando das primeiras flagelações do PAIGC a Bafatá, em 1973, de se lembra bem; o pai mandava o Canjajá desligar as luzes do cinema e levar  o Toninho e os primos para casa...).

(x) No filme, o João Dinis fala para a câmara, num verdadeiro monólogo, tentando explicar  as razões por que se foi deixando ficar até hoje...O realizador e o diretor de fotografia não fazem perguntas nem fornecem informação de contextualização: Bafatá é atravessada por uma "câmara muda"; há momentos de antologia como a sequência da partida de futebol, disputada ao longe (no estádio da Rocha) sob um uma nuvem de pó que se poderia confundir com o cacimbo...); ou a cena em que Canjajá, vestido de preto e com ar de asceta, faz as suas orações virado para Meca, enquanto um grupo de mulheres, a um canto da casa, tagarelam e dão continuidade à vida; ou ainda a cena, bem conseguida,  em que um voluntarioso entrevistado se transforma em proativo entrevistador, inquirindo em crioulo, de microfone em punho, a  opinião dos seus conterrâneos sobre o futuro de Batafá... E tem um comentário final otimista: "Bafatá há-de mudar para melhor, se Deus quiser"

(xi) Outro dos entrevistados é o empregado da atual escola de condução, cujo nome não consegui fixar … Era filho de um comerciante (, português ?), foi para a escola de condução por volta de 1995... Deve ser a escola de condução mais "surrealista" do mundo, a avaliar pelo número de carros que circulam por aquelas bandas... A escola pertence também ao portuguiês João Dinis...

(xii) O filme podia ter mostrado a casa onde nasceu Amílcar Cabral (e os filhos da Dona Vitória!), mas não o fez… Vê-se o seu busto, em bronze,  e um cartaz onde se lê “Cabral Ka Muri”… São as únicas referências ao “pai da Pátria”…

(xiii) Bafatá está hoje dividida em duas partes: a parte de cima (“Bairro do Rocha"), populosa, e a parte de baixo, vazia, o "bairro da Praça". onde alguns dos antigos edifícios coloniais que ainda se mantêm de pé foram ocupados pelo tribunal, as finanças, a conservatória, e uma delegação (?) do ministério do comércio… A baixa está vazia, o mercado está vazio, as lojas estão vazias, há muito que deixou de haver cinema, e os entrevistados vivem pateticamente das suas memórias do passado… À Dona Vitória vale-lhe a televisão que  a liga ao mundo... Não há electricidade, algumas casas têm gerador...A população de  cima só vem à baixa para tratar de algum assunto nas finanças ou no tribunal.. Até a paragem dos transportes públicos mudou-se, democraticamente,  para a parte de cima, no "Bairro do Rocha" [ou "da" Rocha, pergunto eu ao Fernando Gouveia, que é o nosso especialista em Bafatá...].

(xiv) Referência ainda para o ourives de Bafatá, o Tcham [ouTchame], filho do célebre ourives de Bafatá do nosso tempo que fez a famosa espada para o gen Spínola, guarnecida a ouro e prata… Em paga ganhou uma viagem a Portugal, para ele e a esposa... 

Tcham[e], o filho, faz referências (elogiosas) aos administradores Costa [Carlos Caetano Costa ] e Guerra Ribeiro (,sendo este o que trouxe a eletricidade e o telefone para a vila e depois cidade, em 1970)… E, claro, aos militares portugueses que eram clientes da oficina do seu pai, onde vinham encomendar joias para levar para as suas amadas na metrópole...




Guiné > Bafatá >  1959 > Foto nº 4: > "A fonte pública de Bafatá, 1948" [ Esta belíssima fonte, na "Mãe de Água", na zona conhecida como "Nova Sintra" de Bafatá, também aparece no filme, mas já muto degradada, bem, como o seu meio envolvente... O nosso especialista, o arquiteto Fernando Gouveia, que esteve em Bafatá como alferes miliciano nos anos de 1968/7o0, descreve esta zona nestes termos, num dos seus postes do roteiro de Bafatá: "A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras".]


Guiné > Bafatá >  1979 > Foto nº 7:> "A família Marques da Silva em Bafatá, em 1979. O rapaz ao centro da foto era o Xico, filho de uma Balanta e do Marques da Silva, ambos já faleceram. Talvez alguns dos nossos camaradas desse tempo ainda se recordem deles."



Guiné > Bafatá >  1958/59  > Foto nº 242: > "Equipa de futebol do Sporting Clube de Bafatá"


Fotos enviadas pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65). Já tinham sido publicadas anteriormente (***). São agora reeditadas.

[Observação do LC:"Fotos de Bafatá, de 1959, tiradas por um familiar ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa,  filha do senhor Faraha Heneni",


4. Dito isto, acho que que vale a pena comprar o DVD (7 €):  título "Bafatá Filme Clube"; realizador Silas Tiny; fotografia: Marta Pessoa; produção: Real Ficção (e Telecine Bissau); ano: 2012; duração: 78'.

Não sei se Canjajá e o seu cinema são uma "metáfora de Bafatá" e da própria Guiné.-Bissau (****).... Talvez sim, da Guiné-Bissau e da própria África pós-colonial... É seguramente uma  metáfora das nossas ruínas, materiais e imateriais, as que ficaram do nosso império (*****)...

Mas o mérito do realizador e da equipa é terem ido para Bafatá, despidos de preconceitos etnocêntricos... E trata-se de cinema lusófono!... Por outro lado, o filme faz-me lembrar o "Nuovo Cinema Paradiso", do italiano Giuseppe Tornatore (1988)...  Mas isso daria aso a outras reflexões sobre o cinema enquanto objeto de cinema que não cabem aqui neste blogue e nestes "manuscritos"... (LG)

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14115: Memória dos lugares (279): Bafatá, princesa do Geba, parada no tempo: o cinema local e o seu mítico guardião, Canjajá Mané, o casal João e Célia Dinis, Dona Vitória, as irmãs Danif (libanesas), o glorioso Sporting Clube de Bafatá (fundado em 1937 pelos prósperos comerciantes locais, e que chegou a ter 600 sócios), o ourives, o rio, os pescadores, e os demais fantasmas do passado que hoje povoam a terra de Amílcar Cabral... A propósito de "Bafatá Filme Clube" (2012) que acabou de passar na RTP2, no passado dia 1 (Valdemar Queiroz)

(**) Último poste da série > 1 de janeiro de 2015 Guiné 63/74 - P14105: Manuscrito(s) (Luís Graça) (42): Requiem para um paisano... (à memória do meu infortunado camarada Luciano Severo de Almeida)

(***) Vd. poste de 16 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11402: Memória dos lugares (229): Bafatá dos anos cinquenta (Leopoldo Correia)

(****)  Vd. crítica de António Rodrigues > "O movimento é que faz falta" > Rede Angola > 12/12/2014

(...) Mas Canjanjá é apenas a metáfora de Bafatá, segunda cidade da Guiné-Bissau, berço de Amílcar Cabral, entreposto adormecido no centro do país, onde só o tempo e natureza se dão ao luxo de ter futuro. O demais – casas, gentes, ideias – entrega-se resignado à decadência urbana ou à evocação do outrora, quando o cinema era cinema, o Sporting de Bafatá luzia viçoso, o comércio tinha com quem comerciar, os pescadores pescavam e os barcos faziam fila para descarregar no porto fluvial.

Se o projeccionista se limita todos os dias a abrir as portas, vassourar o chão, alimentar fingido o projector, também quase todos os outros personagens fingem gestos habituados a outras décadas, quando havia gente na baixa da cidade que ao perder o mercado, perdeu quase todo o movimento que tinha e o desfiar das casas de comércio – herança do passado colonial – não é roteiro mas rememorar.

Nem sequer é nostalgia, somente o evocar do movimento. “O movimento é que faz falta”, diz a certa altura João Dinis, dono do restaurante e hotel onde nunca se vê ninguém mais do que os seus proprietários. “Se eu chegasse aqui e visse isto, não ficava nem uma hora”, garante, para explicar a razão por que todos partem. Antes já afirmara porque vão ficando aqueles que ficam: “Fomos nos habituando à decadência.” (...)

(...) Silas Tiny, com ajuda da excelentíssima fotografia de Marta Pessoa, filma como se a câmara fosse apenas uma janela para esse mundo que se acaba. Não é o retrato do fim do mundo, só de um mundo, onde o tempo vai fluindo de mansinho, de sol a sol, medido pelas portas e janelas que se abrem e fecham, sem desígnio mais que o acto em si. (...)


(*****) Vd, também poste  de 17 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12595: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (15): O cinema local e a figura lendária do seu guardião, o Canjajá Mané... E, a propósito, relembre-se o documentário, já em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78')