1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 25 de Novembro de 2020:
Meu Caro Luís Graça,
Meus Caros Coeditores,
O meu Bombolom
Era devida a lembrança do Padre Macedo. Ocorreu-me trazer esta memória ao nosso Blogue na sequência do que foi escrito acerca de clérigos que serviram na Guiné. E já após a independência. Devo trazer a terreiro que pude consultar várias obras que abordam a presença em Cabo Verde e Costa Africana até ao Golfo da Guiné de clérigos ao longo dos séculos. Aliás, ficcionei, numa das minhas "Crónicas de Guiné – Crónicas de Guerra e Amor" – a existência simultaneamente atribulada e feliz do Frei Cipriano, que, em Cacheu, se introduziu na população, e converteu, e penou… Agradeço a fotografia que encima o meu texto sobre o grande Padre Macedo.[1]
Em tempo de pandemia, procuro estar atento ao que se passa, e ler, ler, e escrever. Ajuda a combater este bitcho carêto que nos faz emburacar e isolar…
Escrevi "A Revolta dos Animais" – um livro que se dirige aos jovens e não apenas. Nele procurei colocar os animais (seus representantes por eles escolhidos) a dialogar entre si e com os deuses gregos, reunidos na Acrópole. Para, de seguida, de forma ordeira mas firme, se dirigirem à ONU para apresentar as suas reivindicações… Mais não digo.
A capa e contracapa do livro vai junto (ver anexo). O livro tem a apresentação de Tiago Rodrigues (Director do Teatro Nacional D. Maria II), meu Amigo e filho de um grande meu Amigo, o Rogério Rodrigues (ver abaixo). E tem a ilustração pro bono da grande pintora Josete Fernandes, natural de Cedães, Mirandela, onde vive e tem o seu ateliê, e onde é possível apreciar a sua riquíssima e vastíssima obra.
Ofereci o livro à Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, minha Terra. O objectivo é distribuí-lo pelos jovens do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado.
Quero registar outra iniciativa: a minha mulher, a Maria da Conceição, atreveu-se a fazer a fotobiografia da presença do seu soldadinho na Guiné – anos de 70-72. Para os meus netos saberem o que foi a guerra colonial e como o avô a passou, e como tanta gente sofreu, lá e cá, durante treze anos. Não é tempo para esquecer, como não se esquecem as invasões francesas, as guerras mundiais, os descobrimentos…o bom e o mau…
Outras iniciativas estão na calha. Delas falarei mais tarde.
Aproveito para dar os parabéns aos magníficos textos dos camaradas escreventes neste Blogue. Recordo, sem esquecer outros, o Hélder, o Beja Santos, os poetas, o José Martins, o Abel Santos.
Aos bloguistas e seus Familiares, desejo saúde e resiliência (lá, na guerra colonial, utilizávamos a expressão resistência…).
Um abraço.
A partir de Torre de Moncorvo.
Paulo Salgado
25.11.2020
____________
Notas do editor:
[1] . Vd poste de 24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21579: (In)citações (172): Frei Francisco Macedo (1924-2006), um madeirense, homem de Igreja e de Cultura, profundamente ligado à história contemporânea da Guiné-Bissau (Paulo Salgado, ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)
Último poste da série de 23 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21475: Bombolom XXVII (Paulo Salgado): Drogas na Guerra Colonial - Um comentário e uma história
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 27 de novembro de 2020
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Guiné 61/74 - P20887: Efemérides (325): De Santa Margarida ao Olossato - O Testemunho vivo de um soldado (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp, CCAV 2721)
Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > Rio Farim > 2006 > Cambança do rio..."A bos portuguisis? Pai di nôs!"...
Fotos (e legendas): © Paulo Salgado (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado, [ex-Alf Mil Op Esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor do livro (, o mais recente,) "Milando ou Andanças por África" (Torre de Moncorvo: Lema d'Origem, 2019) com data de 19 de Abril de 2020:
Caros Editores, Camaradas,
Em anexo, a carta/mensagem que o Moura Marques me remeteu e que eu gostaria que fosse publicada - com a sua autorização, claro - uma vez que partimos a 4.4.1970.
E há dias, nesse dia, eu escrevi um texto e referi esta intenção de a publicar. [1]
Recordo que há texto no blogue sobre a ida nossa (minha mulher, Moura Marque e eu) e uma foto. Essa estadia do Moura Marques é de 2006.
Obrigado e um abraço camarada.
Paulo Salgado
De Santa Margarida ao Olossato
O Testemunho vivo de um soldado
O Moura Marques é meu Amigo (com letras maiúsculas) – foi 1.º Cabo, que eu promovi, do meu grupo de combate, pois logo ali vi, eu aspirante recente, um homem de costas direitas. Na Guerra, na Guiné, melhor, já em Santa Margarida, e depois no Olossato, e depois em Nhacra, e depois… sempre. A correspondência que temos trocado, os encontros da CCAV 2721, que vamos fazendo, as visitas que ele me fez a Coimbra (estava eu no meu local de trabalho, nos Hospitais da Universidade de Coimbra), a Moncorvo (onde a minha mulher e eu vimos frequentemente, às nossas raízes), as visitas que fizemos a sua casa em Tires, o encontro que tivemos em Bissau, aonde ele foi em 2006, estando nós em Bissau, em acção de cooperação – momentos que fortaleceram a admiração e respeito recíprocos.[2] Às apresentações dos meus livros na Associação 25 de Abril, foi sempre.
Da última vez que o visitámos em Tires (aquando do funeral de outro Amigo nosso, o grande jornalista e poeta Rogério Rodrigues, em Outubro de 2019) fiquei muito satisfeito ao ver a sua biblioteca – mais de duas centenas de obras: guerra colonial, 1.ª GG, 2.ª GG, Guerra Civil de Espanha, romances, alguns ensaios… bravo, meu Amigo, prova que sempre soubeste o que andas a fazer neste mundo. De resto, uma informação mais. Foi motorista de uma CERCI, carregou rapazes e raparigas e conduzia-os a casa e ao centro – um humanista, crede. No dia 4 de Abril último, como habitualmente, telefonámo-nos. Era o 50.º ano da nossa partida, de Santa Margarida para a Guiné. Nesse momento, referiu-me que iria mandar-me uma carta a propósito desta deslocação: a nossa ida para a Guerra.
Devidamente autorizado pelo autor – o meu Amigo Moura Marques – vou pedir aos editores que publiquem a carta. Apenas a “traduzi” para letra mais legível, sem, contudo, fugir da sua forma, com respeito pelo direito autoral. Esta carta é um monumento – na minha opinião. Aliás, guardo as suas cartas numa caixa, como guardo outras de familiares e amigos em outras caixas – numa época em que o registo epistolar se reduz aos computadores… (ainda bem que temos e lemos as saborosas cartas trocadas por Sena e Sofia… e outras…).
Ao ler esta carta, crede, fiquei emocionado, muito emocionado. Traduz sensações e sentimentos que compartilho…
Por isso, meus Caros camaradas Editores, vos peço que a publiqueis.
Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > Rio
Olossato > O Paulo Salgado e o Moura Marques, 35 anos depois...
**********
Aqui vai.
4/4/2020
Paulo Salgado. Meu alferes, meu amigo, meu irmão soldado, de há cinquenta anos.
Hoje foi um dia marcante para o resto das nossas vidas – 4/3/2020. A Companhia 2721 está de partida. Vou ler a minha memória tatuada [acho esta expressão profunda – opinião de quem reescreve a carta].
4 horas da manhã, toque de alvorada para tomar o café no refeitório.
5 da manhã, o Sr. capitão de cavalaria Francisco Vasco Gonçalves de Moura Borges fala na caserna aos seus soldados, porque só havia três militares na companhia, ele, e Severo e Amaro, os dois 2.ºs sargentos.
Palavras do capitão Moura Borges: bem, vamos partir para a Guiné, porque é um dever nosso defender o património que os nossos antepassados que partiram em naus e caravelas por esses mares fora e descobriram e conquistaram e colonizaram vários territórios pelo Mundo fora. Alguém sabe qual foi a primeira descoberta dos portugueses? Como ninguém se chegou à frente, o recente promovido cabo Moura Marques levanta o braço e respondeu, foi a Madeira, meu capitão. O cabo também sabia o ano da descoberta, mas não disse.
Moura Borges fala do treino operacional mesmo que o mesmo se prolongasse por mais tempo pouco adiantava.
Palavras do capitão Moura Borges: porque vocês só vão ser bons soldados quando morrerem quatro ou cinco.
Ironia do destino: Moura Borges foi o primeiro a tombar.
6 horas da manhã. Entrar nas berliets para a estação de Malpique para o comboio que nos despeja no cais de Alcântara.
No cais o cabo Moura Marques descobre que aquele barco velho e ferrugento já tinha levado o pai dele para os Açores, Ilha Terceira, local Praia da Vitória, em 1942. Só que ele viajou como um turista em plena segunda grande guerra mundial. O barco era misto de passageiros e carga. Como só viajava um pelotão de metralhadoras pesadas e alguns civis, nada tinha a ver com o Carvalho Araújo do dia 4/4/1970, com três companhias mais uns quantos de rendição individual, foi uma viagem tipo século XIX.
A 2721 teve direito a algumas tarimbas toscas feitas à pressa em tábuas de pinho, mas nem todos os homens da 2721 tiveram cama, uns trinta no chão, mas as companhias 2724 e 2725 não, foram para o porão do gado que vinha dos Açores para o Continente. Esses soldados chegaram a Bissau em péssimo estado físico e psicológico.
11 horas da manhã. O Carvalho Araújo levanta ferro do Cais de Alcântara; a cena dos familiares é dramática e alguns camaradas choram como crianças. O barco sai a barra do Tejo e volta passada meia hora ao Tejo, entra alguém a bordo, volta a sair e volta a entrar e só às 4 da tarde se faz ao mar, disseram que andava a acertar agulhas…
Quando o cabo Espichel deixou de se ver, saltou uma equipa de tripulantes com tábuas de pinho a pregá-las em caneira da proa para a ré, uma de cada lado. Colocaram dois motores a tirar água do mar que passava pelas caneiras e voltava ao mar depois da obra feita. O chefe da brigada disse para alguns soldados que estavam na coberta, o cabo Moura Marques era um deles. O homem disse: a da direita é para cagar, a da esquerda é para lavar a louça, pois tinham-nos dado um prato e um copo. A colher e o garfo já nós tínhamos no quite da campanha.
E é aqui que nasce a saga das naus e caravelas e pleno século XX, a cena é dramática porque a grande maioria não sabe que uma caneira tem uma função e a outra é para lavar a louça, por isso muitos pratos e copos foram atirados ao mar mas logo aparecia alguém com uma caneta e um papel a tirar o número mecanográfico e o nome para o desgraçado pagar uma dúzia de pratos.
Dia 11/4, chegada a Bissau. Um mundo tão diferente, o calor, os cheiros, os africanos nos seus trajes típicos da sua cultura, a cidade cheia de brancos todos vestidos de verde porque também era a nossa cultura para dominar a outra milenar e dona daquele chão. Chegada ao campo de adidos em Brá, um autêntico campo de concentração, ficámos numas tendas na terra vermelha e dormíamos vestidos nos camuflados todos transpirados, só havia água entre as 4 da tarde e as 5 e dificilmente apanhava água para beber e tomar banho, as latrinas estavam atascadas até à porta, de fezes cobertas de por milhões de larvas. Nesses malditos dias, nunca tivemos uma refeição quente, só tivemos ração de combate para preparar o estômago a ela, pois durante as saídas ela se tornava mais saborosa.
Chegada ao Olossato. Logo no primeiro dia fui posto à prova pelo capitão Vargas, da CCAÇ 2402, com a equipa dos filhos da puta, no curral das vacas, uma noite inesquecível… No dia seguinte, fui apresentado a um soldado da 2402 pelo camarada Benjamim Marques, esse soldado tem o nome de Alberto Dias e trabalhou com o Benjamim no casino Estoril. Não conhecia o Alberto, mas conhecia o pai dele, era chefe dos varredores no Monte Estoril. Dias era a experiência, era a velhice, falou de Có, Mansabá e Olossato, e eu era só ouvidos. E quando começa a falar dos tempos de criança, aí eu descubro que ele e o Benjamim são conterrâneos, do Alentejo, Benjamim não gostava de ser alentejano, de Cascais sim. E bebemos mais três ou quatro cristais. Descobri que já havia dois soldados vermelhos no Olossato…
A povoação do Olossato tem gente muito pobre que vive do gado e da natureza, fiquei de boca aberta quando reparo na etnia balanta só de tanga a lavrar o chão da bolanha com uma pá de madeira, como em 1444 João Fernandes os viu pela primeira vez, pois julga-se que foi o primeiro a viajar por terras da Guiné. Ao fim de mais de quinhentos anos as culturas indígenas não tinham sido contaminadas pelos portugueses. Na minha cabeça fica um ponto de interrogação, este povo não se deixou colonizar ou a colonização foi um embuste, pois eu vi que a maioria dos guineenses não fala o português, talvez na ordem dos 80 por cento.
Primeiro patrulhamento a norte do rio Olossato, ao atravessar aquela ponte presa à margem direita por meio metro de cimento e ferro em resultado de uma carga explosiva no dia 2 de Julho de 1963 pela guerrilha. Logo mais à frente há milhares de invólucros de balas de vários anos de confrontos com o PAIGC, mais à frente saímos da mata e vimos uma serração toda queimada, os camiões já tinham árvores de certa dimensão, nascidas dentro dos chassis, mais à frente uma aldeia queimada. Voltámos a passar à estrada para o lado leste e mais invólucros, as árvores tinham cicatrizes da metralha, as palmeiras sem copa. Acordei para a realidade, pois estou na guerra.
Hoje só restam recordações, boas ou más, ao fim de cinquenta anos ainda me recordo dos vários e diferentes ataques, 2 de abelhas, 5 de malária, e 14 ao quartel fora as do mato do PAIGC.
Recordo-te Salgado, sempre, e mais quatro ou cinco camaradas.
Para ti e esposa Conceição um abraço.
Moura Marques
____________
Notas do editor:
[1] - 4 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20812: Efemérides (321): No dia 4 de Abril de 1970, saiu a CCAV 2721 do cais de Alcântara em direcção a Bissau (Paulo Salgado)
[2] - 20 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16622: Memória dos lugares (348): Olossato, com o Moura Marques, o Grão de Bico, a São... 35 anos depois (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016)
Último poste da série de 17 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20865: Efemérides (324): 17 de Abril de 1968, dia negro para a CART 1689, a morte do Furriel Miliciano Belmiro João (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)
segunda-feira, 9 de julho de 2018
Guiné 61/74 - P18831: (In)citações (121): SOS, Língua Portuguesa: a propósito do editorial do "Novo Jornal", semanário luandense, de 6 do corrente: "Quando a língua se torna uma questão de Estado" (São e Paulo Salgado, ex-cooperantes)
Cabeçalho do semanário luandense Novo Jornal, 6 de julho de 2018, com a devida vénia...
1. Mensagem de ontem, da Conceição e Paulo Cordeiro Salgado, nossos grã-tabanqueiros, com uma larga experiência de cooperação na Guiné-Bissau e em Angola, em particular na área da gestão e da formação em saúde.
O Paulo, além de gestor e consultor em gestão de saúde, foi alf mil op esp da CAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), e tem 85 referências no nosso blogue. A São é economista. Ambos são transmontanos de Torre de Moncorvo, e vivem em Vila Nova de Gaia.
Assunto - SOS, Língua Portuguesa
Caros Editores,
Camaradas,
Em anexo, um outro contributo sobre o assunto epigrafado. Decerto que é uma matéria interessante que deve interessar-nos enquanto cidadãos.
Um abraço dos tabanqueiros.
Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
2. (In)citações > SOS – Língua Portuguesa
Ainda a propósito deste tema que tem sido abordado ultimamente (*), deixamos um outro contributo.
Do Novo Jornal – de Angola, sua edição de 6 de Julho, respigamos um parágrafo do Editorial, que preconiza a defesa, hoje, repetimos hoje, da difusão da língua portuguesa, porque é a língua oficial:
«Se é preciso que venham professores de fora do país para que aprendamos a falar a nossa língua oficial, que venham. Mas chega de sermos obrigados a ouvir disparates aos mais variados níveis.»
Vem esta transcrição a propósito do que defendíamos no nosso contributo passado sobre SOS – Língua Portuguesa, e que os editores postaram no nosso blogue. Reiteramos o que então dizíamos: é urgente, imperioso e eticamente responsabilizante ajudar a criar estruturas duradouras e consistentes de ensino da língua nos PALOP.
Além do mais, enfatizamos, é um compromisso histórico, mesmo que alguns não acreditem no processo histórico. Não como metodologia colonizante, mas como riqueza solidária que urge recriar de forma definitiva.
Já o pensador seareiro Augusto Casimiro escrevia em 1958 na obra Angola e o Futuro (Alguns Problemas Fundamentais) que o ensino do português era essencial para o conhecimento universal; mas, reparai bem, caros leitores, acrescentava, de resto com outros pensadores, que «o desenvolvimento de um povo se sustenta, prima facie, nas línguas nativas africanas, doces e maleáveis e que os seus princípios gramaticais assentam numa base sistemática e filosófica».
Afirmava o ilustre seareiro que as línguas maternas (nativas) devem ser mantidas porque são o veículo do bem senso natural para alimentar a clareza do pensamento. E acrescentava, embora com contraditores por essa altura, e decerto também agora os haverá), no final da década de cinquenta do século passado (já os ventos de autodeterminação e de independência sopravam fortes), que a educação colectiva deveria ser feita por meio da língua nativa (higiene, saúde, agricultura…), mas que a língua portuguesa deveria preencher progressivamente todos os níveis de ensino.
E é interessante notar que o editorial atrás referido menciona que alguns altos dirigentes de Angola que não haviam feito estudos, se compenetraram da aprendizagem em disciplinas diversas. Transcrevemos:
«…pelo menos dois dirigentes do então Bureau Político do MPLA que, em razão das inúmeras responsabilidades que foram tendo no processo da luta de libertação, não foram bafejados pela sorte de ir estudar para os países que apoiavam então os movimentos de libertação. No entanto, esses logo se apressaram a procurar professores que já viviam em Luanda, gente intelectual e bem preparada, com quem tiveram durante dois ou três anos aulas de Português, de História e até de Filosofia. Acabavam o seu trabalho e, em casa, tinham ao longo de toda a semana um horário estabelecido para explicações de três matérias que consideravam essenciais». [Vd. o editorial completo mais a baixo]
No mínimo, um notável sentido de responsabilidade.
Ora, foi isso que Amílcar Cabral procurou fazer: o ensino do português aos meninos e meninas que estavam no mato em zonas libertadas, ou em território da Guiné-Conakri, mas falando-se o crioulo na transmissão das mensagens entre os protagonistas da luta contra o domínio colonial – afinal a língua congregadora.
Não estaria Cabral a favorecer o bilinguismo? Não será a prática de duas línguas uma melhor aproximação entre duas culturas? Eis duas questões com que encerramos este contributo. Não temos respostas acabadas, temos dúvidas, sobretudo as que resultam da persistência de um niilismo – que alguns conservam – que não tem em conta o valor humano e social de duas línguas e respectivas culturas que não podem ignorar-se. A História não se pode destruir nem se pode vilipendiar e os povos seguem o seu percurso.
Maria da Conceição Salgado
Paulo Salgado
8.7. 2018
PS - Reproduz-se, com a devida vénia, o supracitado editorial do Novo Jornal:
________________
Último poste da série > 6 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18817: (In)citações (120): SOS, Língua Portuguesa: a situação na Guiné-Bissau e em Angola (São e Paulo Salgado, ex-cooperantes)
Camaradas,
Em anexo, um outro contributo sobre o assunto epigrafado. Decerto que é uma matéria interessante que deve interessar-nos enquanto cidadãos.
Um abraço dos tabanqueiros.
Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
2. (In)citações > SOS – Língua Portuguesa
Ainda a propósito deste tema que tem sido abordado ultimamente (*), deixamos um outro contributo.
Do Novo Jornal – de Angola, sua edição de 6 de Julho, respigamos um parágrafo do Editorial, que preconiza a defesa, hoje, repetimos hoje, da difusão da língua portuguesa, porque é a língua oficial:
«Se é preciso que venham professores de fora do país para que aprendamos a falar a nossa língua oficial, que venham. Mas chega de sermos obrigados a ouvir disparates aos mais variados níveis.»
Vem esta transcrição a propósito do que defendíamos no nosso contributo passado sobre SOS – Língua Portuguesa, e que os editores postaram no nosso blogue. Reiteramos o que então dizíamos: é urgente, imperioso e eticamente responsabilizante ajudar a criar estruturas duradouras e consistentes de ensino da língua nos PALOP.
Além do mais, enfatizamos, é um compromisso histórico, mesmo que alguns não acreditem no processo histórico. Não como metodologia colonizante, mas como riqueza solidária que urge recriar de forma definitiva.
Já o pensador seareiro Augusto Casimiro escrevia em 1958 na obra Angola e o Futuro (Alguns Problemas Fundamentais) que o ensino do português era essencial para o conhecimento universal; mas, reparai bem, caros leitores, acrescentava, de resto com outros pensadores, que «o desenvolvimento de um povo se sustenta, prima facie, nas línguas nativas africanas, doces e maleáveis e que os seus princípios gramaticais assentam numa base sistemática e filosófica».
Afirmava o ilustre seareiro que as línguas maternas (nativas) devem ser mantidas porque são o veículo do bem senso natural para alimentar a clareza do pensamento. E acrescentava, embora com contraditores por essa altura, e decerto também agora os haverá), no final da década de cinquenta do século passado (já os ventos de autodeterminação e de independência sopravam fortes), que a educação colectiva deveria ser feita por meio da língua nativa (higiene, saúde, agricultura…), mas que a língua portuguesa deveria preencher progressivamente todos os níveis de ensino.
E é interessante notar que o editorial atrás referido menciona que alguns altos dirigentes de Angola que não haviam feito estudos, se compenetraram da aprendizagem em disciplinas diversas. Transcrevemos:
«…pelo menos dois dirigentes do então Bureau Político do MPLA que, em razão das inúmeras responsabilidades que foram tendo no processo da luta de libertação, não foram bafejados pela sorte de ir estudar para os países que apoiavam então os movimentos de libertação. No entanto, esses logo se apressaram a procurar professores que já viviam em Luanda, gente intelectual e bem preparada, com quem tiveram durante dois ou três anos aulas de Português, de História e até de Filosofia. Acabavam o seu trabalho e, em casa, tinham ao longo de toda a semana um horário estabelecido para explicações de três matérias que consideravam essenciais». [Vd. o editorial completo mais a baixo]
No mínimo, um notável sentido de responsabilidade.
Ora, foi isso que Amílcar Cabral procurou fazer: o ensino do português aos meninos e meninas que estavam no mato em zonas libertadas, ou em território da Guiné-Conakri, mas falando-se o crioulo na transmissão das mensagens entre os protagonistas da luta contra o domínio colonial – afinal a língua congregadora.
Não estaria Cabral a favorecer o bilinguismo? Não será a prática de duas línguas uma melhor aproximação entre duas culturas? Eis duas questões com que encerramos este contributo. Não temos respostas acabadas, temos dúvidas, sobretudo as que resultam da persistência de um niilismo – que alguns conservam – que não tem em conta o valor humano e social de duas línguas e respectivas culturas que não podem ignorar-se. A História não se pode destruir nem se pode vilipendiar e os povos seguem o seu percurso.
Maria da Conceição Salgado
Paulo Salgado
8.7. 2018
PS - Reproduz-se, com a devida vénia, o supracitado editorial do Novo Jornal:
Excertos do Editorial do Novo Jornal, 6 de julho de 2018, com a devida vénia...
[Os sublinhados são da responsabilidade dos editores do blogue]
Nota do editor;
sexta-feira, 6 de julho de 2018
Guiné 61/74 - P18817: (In)citações (120): SOS, Língua Portuguesa: a situação na Guiné-Bissau e em Angola (São e Paulo Salgado, ex-cooperantes)
1. Texto enviado ontem, para publicação, pelos nossos amigos e grã-tabanqueiros Paulo e São Salgado, um casal com larga experiência de cooperação nalguns PALOP, como é o caso da Guiné-Bissau e de Angola, e em particular nas áreas da saúde e da educação. O Paulo, além de gestor e consultor em gestão de saúde, foi alf mil op esp da CAV 2721, (Olossato e Nhacra, 1970/72). A São é economista. Ambos são transmontanos de Torre de Moncorvo, e vivem em Vila Nova de Gaia.
SOS – Língua Portuguesa!
O que vamos escrever sobre a língua portuguesa nas ex-colónias portuguesas, países independentes há várias décadas, não são comentários de comentários, glosas de glosas, sobre o muito que já foi referido sobre este assunto (*).
(**) Último poste de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)
SOS – Língua Portuguesa!
O que vamos escrever sobre a língua portuguesa nas ex-colónias portuguesas, países independentes há várias décadas, não são comentários de comentários, glosas de glosas, sobre o muito que já foi referido sobre este assunto (*).
Pode esta ser uma apreciação ou um contributo nossos; não mais do que isso (**). E reflecte a nossa experiência e, de algum modo, as preocupações de quem foi cooperante na área da educação e na área da saúde. Desde já pedimos indulgências a quem souber mais do que nós – e há muitos que sim, em especial quem trabalha no Instituto Camões, ou por alguns estudiosos atentos e historicamente isentos. Apenas focamos o que sabemos sobre a Guiné-Bissau e Angola, não obstante termos visitado Moçambique e S. Tomé e Príncipe.
Primeiro: O português falado na Guiné-Bissau, em Angola, em Moçambique, em S. Tomé e Príncipe, em Cabo Verde e em Timor apresenta diversos matizes e dimensões. Tendo sido declarado como a língua oficial, verifica-se o seguinte relativamente à Guiné-Bissau e a Angola, mas considerando que se trata de uma visão parcelar:
a) Na Guiné-Bissau, os textos oficiais são em português, seja nos Tribunais, seja na Presidência da República, seja no Governo, nas escolas e noutros serviços públicos (embora nas escola, haja tendência para “fugir para o crioulo…).
Primeiro: O português falado na Guiné-Bissau, em Angola, em Moçambique, em S. Tomé e Príncipe, em Cabo Verde e em Timor apresenta diversos matizes e dimensões. Tendo sido declarado como a língua oficial, verifica-se o seguinte relativamente à Guiné-Bissau e a Angola, mas considerando que se trata de uma visão parcelar:
a) Na Guiné-Bissau, os textos oficiais são em português, seja nos Tribunais, seja na Presidência da República, seja no Governo, nas escolas e noutros serviços públicos (embora nas escola, haja tendência para “fugir para o crioulo…).
Nos eventos a que assistimos e ou em que participámos, como congressos, workshops, jornadas, etc., se a língua oficial era e é o português, muitas vezes, ou quase sempre, se encaminhava para o crioulo, porque era mais fácil e envolvente a comunicação para todos os participantes.
Recordamos três exemplos, entre muitos:
(i) as orientações de natureza clínica às matronas (parteiras das e nas tabancas) eram em crioulo e as próprias imagens ilustrativas tinham as designações nesta língua – o que, nestas circunstâncias, era correcto de forma que as mensagens passassem plenamente para as destinatárias;
(ii) nas sessões de formação que orientámos tivemos de usar muitas vezes o nosso fraco crioulo; num determinado momento, o então Secretário de Estado da Saúde, pessoa que domina perfeitamente o português e que eu estimo muito, referiu-me, a mim, Paulo Salgado, que deveria aprender o crioulo.
(iii) uma nota mais: existia o Centro Cultural de Portugal e existia, à data das nossas várias presenças na Guiné-Bissau, o Centro Cultural do Brasil – duas instituições interessantes, operacionais e interventivas; mas existia, em edifício, pujante e em crescendo de influência, o Centro Cultural Francês; decerto, acreditamos, que desde 2006 muitos factos concretos terão ocorrido em matéria de cultura e de ensino das línguas portuguesa e francesa.
b) Em Angola, nas cidades, fala-se o português, por vezes com um ligeiro sotaque, frequentemente em bom português; no interior (aldeias e comunas), que visitámos, não se falava o português ou falava-se mal. São as línguas nativas que servem de meio de comunicação.
b) Em Angola, nas cidades, fala-se o português, por vezes com um ligeiro sotaque, frequentemente em bom português; no interior (aldeias e comunas), que visitámos, não se falava o português ou falava-se mal. São as línguas nativas que servem de meio de comunicação.
No entanto, por exemplo, nos congressos das Ordens dos Médicos, dos Advogados e noutros eventos fala-se o português, embora houvesse situações, compreensíveis, de intervenções em inglês e espanhol. Uma nota: os brasileiros têm contribuído, de algum modo, para difusão da língua portuguesa.
Segundo: Nas tabancas da Guiné-Bissau ensina-se o árabe (ensino praticado pelos marabus), junto dos povos que seguem o Islão, e ali aprendem as crianças a língua árabe; recorda-se que a língua árabe tem mais falantes do que qualquer outro idioma e é falada por mais de 280 milhões que a usam como língua materna, seja no Norte de África e boa parte da África Subsariana, seja no Sudoeste Asiático e Médico Oriente. É a língua oficial de 26 países; o Corão, o livro sagrado islâmico, foi escrito nesta língua. Falada em 58 países, o árabe só é menos difundida no mundo do que o inglês
Terceiro: Na época da guerra colonial, que o escriba Paulo Salgado viveu durante 23 meses, Cabral procurou fomentar o português, que se ensinava nas matas, não obstante as dificuldades; há livros e cadernos interessantes desta atitude do grande pensador, político e lutador, e de outros seus companheiros de jornadas. Quem, militar que tenha sido na Guiné, não sabia que jovens professores ensinavam disciplinas, sobretudo aprender a ler e escrever e a contar, nas zonas libertadas, em português?
Quarto: Em Angola, com a presença de várias centenas de milhares portugueses da Metrópole durante os séculos XIX e XX, houve um processo de disseminação da língua, aliás uma forma de assimilação amplamente fomentada pelas autoridades coloniais, assimilação tão cara e defendida pelos europeus em África e noutras partes do Mundo.
Quinto: Portugal não tem sabido efectuar, em partilha saudável, de forma eficaz e efectiva, o desenvolvimento da língua. Não tecemos comentários sobre este fenómeno. Mas dizemos o seguinte: por que razões não se instalaram escolas de ensino do português nas cidades dos Países que adoptaram o Português? Por que razão não soubemos fazer como os ingleses e franceses que têm abundantes escolas nos países anglófonos e francófonos, respectivamente?
Segundo: Nas tabancas da Guiné-Bissau ensina-se o árabe (ensino praticado pelos marabus), junto dos povos que seguem o Islão, e ali aprendem as crianças a língua árabe; recorda-se que a língua árabe tem mais falantes do que qualquer outro idioma e é falada por mais de 280 milhões que a usam como língua materna, seja no Norte de África e boa parte da África Subsariana, seja no Sudoeste Asiático e Médico Oriente. É a língua oficial de 26 países; o Corão, o livro sagrado islâmico, foi escrito nesta língua. Falada em 58 países, o árabe só é menos difundida no mundo do que o inglês
Terceiro: Na época da guerra colonial, que o escriba Paulo Salgado viveu durante 23 meses, Cabral procurou fomentar o português, que se ensinava nas matas, não obstante as dificuldades; há livros e cadernos interessantes desta atitude do grande pensador, político e lutador, e de outros seus companheiros de jornadas. Quem, militar que tenha sido na Guiné, não sabia que jovens professores ensinavam disciplinas, sobretudo aprender a ler e escrever e a contar, nas zonas libertadas, em português?
Quarto: Em Angola, com a presença de várias centenas de milhares portugueses da Metrópole durante os séculos XIX e XX, houve um processo de disseminação da língua, aliás uma forma de assimilação amplamente fomentada pelas autoridades coloniais, assimilação tão cara e defendida pelos europeus em África e noutras partes do Mundo.
Quinto: Portugal não tem sabido efectuar, em partilha saudável, de forma eficaz e efectiva, o desenvolvimento da língua. Não tecemos comentários sobre este fenómeno. Mas dizemos o seguinte: por que razões não se instalaram escolas de ensino do português nas cidades dos Países que adoptaram o Português? Por que razão não soubemos fazer como os ingleses e franceses que têm abundantes escolas nos países anglófonos e francófonos, respectivamente?
Decerto que instalar uma escola em cada cidade e vila mais importantes destes países de expressão portuguesa, enviar professores portugueses e recrutar alguns locais, e formar outros em cada País seria dispendioso. Mas não valeria o sacrifício? Isto, não com a ideia de “colonizar”, mas de ajuda num registo de cooperação autêntica, fraterna, solidária, de acordo com o princípio da reciprocidade. Bem sabemos que são meritórias algumas iniciativas, quer institucionais, quer individuais, nestes dois países, interessantes, mas episódicas, não duradouras.
Sexto: Seria na educação e na saúde o grande exemplo de Portugal de cooperar com estes países. É, cremos nós, um imperativo ético e histórico.
Duas notas finais:
Primeira – Nós respeitamos o que alguns camaradas do blogue afirmam, ou que transmitem nas mensagens, como é óbvio; no entanto, se estamos no mundo da globalização, para o qual contribuímos de forma intensa no período das Descobertas (ou expansão), qual o nosso papel no Mundo? É o de deixar correr? É o de pôr a cabeça debaixo da areia?
Segunda – A nós interessa a História; passar ao lado da História é como desistir, e isso nós não queremos.
Os tabanqueiros,
Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)
Sexto: Seria na educação e na saúde o grande exemplo de Portugal de cooperar com estes países. É, cremos nós, um imperativo ético e histórico.
Duas notas finais:
Primeira – Nós respeitamos o que alguns camaradas do blogue afirmam, ou que transmitem nas mensagens, como é óbvio; no entanto, se estamos no mundo da globalização, para o qual contribuímos de forma intensa no período das Descobertas (ou expansão), qual o nosso papel no Mundo? É o de deixar correr? É o de pôr a cabeça debaixo da areia?
Segunda – A nós interessa a História; passar ao lado da História é como desistir, e isso nós não queremos.
Os tabanqueiros,
Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)
(**) Último poste de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Guiné 61/74 - P18113: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (3): Paulo Salgado (ex-alf mil op esp, CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)... "Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade /, Glória a Deus nas Alturas", citando o poeta António Gedeão
O Paulo e a Conceição Salgado na Guiné-Bissau, como cooperantes, em 1991.Foto de perfil, na página do Facebook, do nosso camarada Paulo Salgado-
1. Mensagem de boas festas do nosso amigo e camarada Paulo Cordeiro Salgado:
autor de "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor" (Moncorvo, Lema d' Origem, 2016);
casado com a economista Conceição Salgado, também nossa grã-tabanqueira, e que se associa a esta mensagem]
A todos - penso para mim: será que estarão todos incluídos? - de que guardo lembrança, por esta ou aquela razão marcante - desejo (a minha mulher acompanha-me) um Feliz Natal e um Ano de 2018 com harmonia e paz e solidariedade junto dos que vos são queridos.
Decerto que o poema que se segue é conhecido de vós. Mas não será demais lembrá-lo. De um poeta que tinha uma sensibilidade social muito profunda.
A minha mulher lia este poema aos nossos filhos quando eles começavam a compreender que o pensamento do "doce Jesus" não se coadunava com tanta coisa que ia e vai por aí.
Pedindo desculpa pelo BCC tão envolvente e facilitador (!) - aliás, temos de seguir o que a tecnologia, a dominadora tecnologia facilita - envio um abraço.
Paulo Salgado
Paulo Xavier Fernandes Cordeiro Salgado
Administrador Hospitalar - ENSP/UNL
Pós-graduado em Administração Pública - UMinho
Pós-graduado em Direito dos Contratos - UCP
Mestre em Gestão-Especialização em Gestão e Administração de Unidades de Saúde-UCP
2. Dia de Natal, poema de António Gedeão
[, pseudónimo literário de Rómulo de Carvalho (1906-1997);
o poema «Dia de Natal» é publicado em 1967 num jornal de estudantes do Liceu Camões que é apreendido pelo reitor]
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
[Fonte: com a devida vénia, extraído de:
http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/antonio_gedeao/dia_natal.html ]
__________________
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de dezembro de 2017 > Guiine 61/74 - P18111: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (2): Que pelo menos nesta quadra festiva não tenhamos a mente entanguida e pensemos um pouco no próximo (Ernestino Caniço, ex-al mil cav., Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissaui, 1970/71)
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Nota do editor:
Último poste da série > 20 de dezembro de 2017 > Guiine 61/74 - P18111: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (2): Que pelo menos nesta quadra festiva não tenhamos a mente entanguida e pensemos um pouco no próximo (Ernestino Caniço, ex-al mil cav., Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissaui, 1970/71)
domingo, 1 de janeiro de 2017
Guiné 61/74 - P16904: Facebook...ando (43): Brindando ao futuro (Paulo e Conceição Salgado)
Foto de perfil, na página do Facebook, do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp, CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), , que publicou em 2016 o livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor".
Vila Nova de Gaia > 1 de janeiro de 2017 > Paulo e São Salgado . Foto de perfil da página do Facebook do Paulo Salgado
Aos nossos familiares, amigos, colegas
e a todos que, de forma diversa, fomos encontrando
no nosso percurso de cumplicidades múltiplas feito,
desejamos um Ano de 2017 com saúde e prosperidade,
e exercendo uma cidadania activa
neste mundo conturbado
em que cada "um" tem um papel de dignificação face ao "outro".
Um abraço da Maria da Conceição e do Paulo Salgado.
Nota do editor:
Último poste da série > 12 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16829: Facebook...ando (42): Almoço de Natal do Bando... Em Crestuma e apresentação do livro "MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA" do Bandalho Zé Ferreira (Jorge Teixeira)
Último poste da série > 12 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16829: Facebook...ando (42): Almoço de Natal do Bando... Em Crestuma e apresentação do livro "MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA" do Bandalho Zé Ferreira (Jorge Teixeira)
terça-feira, 15 de novembro de 2016
Guiné 63/74 - P16723: Agenda cultural (515): No passado dia 10 de Outubro, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, foi apresentado o livro "Quatro Rios e Um Destino" do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (Carlos Vinhal)
No passado dia 10 de Outubro, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, foi apresentado o livro "Quatro Rios e Um Destino" do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71.
Foi uma jornada emotiva, não porque o nosso camarada precise de nós, mas antes porque ele próprio é uma força de vida e um exemplo. Somos nós que precisamos dele.
A força da amizade entre ele e o médico que o tratou em Bedanda enquanto não foi possível a evacuação, o ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, ficou bem patente e sabemos que perdurará. Um misto de sentimentos fez com que a assistência se mantivesse em religioso silêncio, com algumas lágrimas a fazer arder os já gastos olhos dos Combatentes, e não só, ali presentes.
Ficámos a conhecer melhor o Fernando, a sua força de viver, aquela que todos quereríamos ter para enfrentar os mesquinhos problemas que nos surgem e que julgamos serem os mais importantes do mundo.
Quem venceu a morte e suplantou a adversidade é digno do nosso respeito e admiração.
Obrigado Fernando.
Segue-se a reportagem.
Carlos Vinhal
A sala estava composta embora o autor do livro merecesse mais audiência.
Momentos antes do início dos trabalhos, ultimam-se os pormenores.
O Coronel Belchior deu início à sessão cumprimentando a Mesa e os presentes, dando a palavra ao apresentador do livro, Prof. Dr. Amaral Bernardo que foi Alferes Médico em Bedanda, nos anos de 1970 a 1972, onde se encontrava aquando do acidente que feriu gravemente o autor Fernando Sousa.
Falar do livro e dos momentos vividos em Bedanda, pelo Fernando, nas primeiras horas a seguir ao infeliz acontecimento, foi doloroso para o nosso camarada Amaral Bernardo, que visivelmente comovido, lembrou o seu papel de médico no mato, sem as condições mínimas necessárias para assegurar a sobrevivência do ferido grave que tinha entre mãos. Fez o que pôde até que a evacuação se efectivasse, para que no hospital, com outros meios, o Fernando fosse devidamente tratado. Disse ainda, que foi com a maior emoção e alegria que, passados mais de 30 anos, o encontrou a andar normalmente e a levar uma vida plena.
Salientou o facto de o infortúnio ter criado uma amizade especial entre o médico e o doente que os unirá até ao fim dos dias.
Amaral Bernardo fala do Fernando Sousa com a maior admiração pela sua coragem e força vontade em suplantar as dificuldades.
Chegou a vez do autor, que dedicou as suas primeiras palavras ao homem a quem deve a sua vida, ao seu Alferes Médico e amigo Amaral Bernardo. Disse que a princípio não lhe ficou reconhecido pelo esforço em lhe salvar a vida porque o que queria era terminar ali mesmo a sua existência, mas que depois de ultrapassadas todas aquelas horas, e foram muitas, difíceis e dolorosas, reconhece o quanto lhe deve.
Falou do seu livro, onde descreve as horas, mais más do que boas, enquanto militar e enquanto sobrevivente e lutador, tentando viver com a maior normalidade possível face à sua deficiência de guerra.
Falou de Bedanda, localidade onde conheceu os piores dias da sua vida, a que dedicou um poema intitulado "Bedanda terra de Magia", que começa assim: Bedanda. Terra de nada, repleta de tudo / Sem ruas de avenidas despida / Onde o Tuga espera quedo e mudo / Nas entranhas de África nascida.
Podem ler o resto na página 230 de "Quatro Rios e um Destino"
Falou dos seus versos, do seu último livro "Sussuros Meus", do qual também leu alguns poemas, um dos quais em homenagem à Mulher.
O autor, Combatente Fernando Sousa, diz aos presentes o que o levou a escrever este livro.
Dada a possibilidade de intervenção aos presentes, falou em primeiro lugar o Combatente Carlos Pinto Azevedo, contemporâneo do Fernando Sousa e do Dr. Amaral Bernardo na CCAÇ 6 - Bedanda. Recordou também os momentos dolorosos que todos viveram com o acidente do autor ali presente, contando que no primeiro convívio dos bedandenses, ainda a caminho, se lembraram do Fernando e até puseram a hipótese de ele não ter sobrevivido aos graves ferimentos infligidos. Se fosse vivo, deslocar-se ia com certeza com muita dificuldade, talvez apoiado em canadianas ou até em cadeira de rodas. Quando reunidos, perguntam pelo Sousa, se estava vivo. Aparece então aquele homem caminhado normalmente. "Sem uma perna e andas assim?" - "Sem uma não, sem duas".
Espanto geral, estava ali vivo e são, um verdadeiro Combatente, alguém digno da nossa admiração.
Aqui o editor pede desculpa, mas a foto com a intervenção do Carlos não estava em condições de ser publicada.
Falou seguidamente o Presidente da ADFA-Porto, o Combatente Abel Fortuna, também ele um mutilado pela guerra da Guiné - S. Domingos.
Falou da dificuldade que os Combatentes têm, especialmente os Deficientes para quem tudo são barreiras
O camarada Abel Fortuna, Presidente da ADFA-Porto no uso da palavra.
Levantou-se também da assistência o Dr. Paulo Salgado, nosso camarada tertuliano, para saudar o autor e dizer o quanto o marcou positivamente o seu exemplo
Paulo Salgado - Ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72
Na fila da frente estava o Superintendente Isaías Teles, Presidente da Direcção do Núcleo de Oeiras/Cascais da LC, que falou das Tertúlias do Fim do Império e do apoio que esta iniciativa tem dado na edição ou divulgação da bibliografia da Guerra Colonial.
O Superintendente Isaías Teles falando aos presentes.
Era inevitável que não se falasse das mulheres das nossas vidas, principalmente daquelas que a seu modo, na retaguarda, viveram a guerra e sofreram pelos filhos, irmãos, maridos, namorados, afilhados de guerra, etc.
Levantou-se uma senhora que agradeceu as palavras dirigidas às mulheres presentes, e ausentes, uma mulher que já visitou a Guiné inúmeras vezes e por lá cooperou mais o marido. Estamos a falar, como documenta a foto, de Conceição Salgado, esposa do Paulo Salgado, e mãe de Paula Salgado, todos eles com publicações no nosso Blogue.
Peço desculpa pela foto, não é das melhores.
Conceição Salgado falando em nome das mulheres que também sentiram a guerra
Habitual interveniente nas tertúlias da Messe da Batalha, o Coronel Manuel Ferreira da Silva, que foi Comandante o COP 5, Gadamael/Guileje, falou também da falta de respeito e consideração que algumas autarquias ainda têm pelos Combatentes, mantendo aquela distância fria, quase ignorando que existem, esperando que vão morrendo no anonimato. Ele que é um activo defensor de quem foi chamado para a guerra, que nunca se ganha pelas armas, até que o poder político a resolvesse, contou algumas peripécias, quase hilariantes, que vai ultrapassando com muita persistência.
O senhor Coronel Ferreira da Silva
Da assistência levantou-se alguém que só faltou a uma das muitas tertúlias Fim do Império que já se realizaram na Messe da Batalha, no Porto, e que nunca tinha pedido a palavra antes, o Presidente da Direcção do Núcleo de Ribeirão da LC, o Combatente José Ferreira dos Santos.
Disse que não se podia calar perante o exemplo de força de vida que era o Fernando Santos. Que ia levar um exemplar de "Quatro Rios e Um Destino" para a sua mulher ler. Que melhor homenagem lhe podia fazer?
O Combatente José Ferreira dos Santos, Presidente da Direcção do Núcleo de Ribeirão da LC.
Ainda estava reservada uma surpresa, porque quando o Coronel Belchior se levanta é para dar fim aos trabalhos e dar a palavra ao Presidente da Mesa. Mas desta feita, o Coronel Belchior levantou-se para intervir, fazendo o paralelo entre o Fernando Sousa e ele próprio, ferido duas vezes em combate. Claro que como militar profissional, tantos anos no campo de batalha, ser ferido é quase como inevitável, mas um jovem miliciano ficar mutilado é sempre uma tragédia.
O senhor Coronel Belchior falando de si e do Combatente Fernando Sousa
Como médico que é, e como Tenente Médico Miliciano em Angola que foi, o Dr. Reis Lima não podia ficar indiferente ao que ali se passou. Cumprimentou o Fernando pela coragem em ultrapassar as dificuldades que a sua deficiência lhe acarreta e pela sua escrita sentida, tanto em prosa como em verso.
Para encerrar a tertúlia da tarde, o Coronel Belchior deu a palavra ao senhor Coronel Sousa Machado, que aproveitou para dizer que também ele, apesar de não ser contemporâneo, enquanto militar, da Guerra de África, também a sua família sofreu as consequências mais funestas daqueles conturbados tempos.
O senhor Coronel Sousa Machado a encerrar os trabalhos da tarde.
Texto, fotos e legendas: Carlos Vinhal
____________
Nota do editor
Último poste da série de 11 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16709: Agenda cultural (508): Lançamento do livro "25 de Novembro, Reflexões", coordenação do Coronel Manuel Barão da Cunha, no próximo dia 15 de Novembro de 2016, pelas 15h00, na Livraria/Galeria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 92, em Oeiras
Marcadores:
ADFA,
agenda cultural,
Amaral Bernardo,
Bibliografia de uma guerra,
Carlos Azevedo,
CCAÇ 6,
Conceição Salgado,
Fernando de Jesus Sousa,
Liga dos Combatentes,
Paulo Salgado,
Porto
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Guiné 63/74 - P16639: Notas de leitura (895): "Guiné: crónicas de guerra e amor", de Paulo Salgado: texto da apresentação do livro, pelo poeta e jornalista Rogério Rodrigues
Lisboa > Associação 25 de Abril > 20 de outubro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: crónicas de guerra e amor", da autoria do Paulo Cordeiro Salgado (Lema d'Origem Editora, Carviçais, Torre de Moncorvo, 2016, 230 pp; coleção Palavra) > O autor autografando um dos exemplares do seu livro: à esquerda, os nossos grã-tabanqueiros. Hélder Sousa, Luís Graça e Alice Carneiro.
Fotos: © Conceição Salgado (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O Livro de Paulo Salgado
Capa do livro |
por Rogério Rodrigues,
poeta e jornalista
[Rogério Rodrigues nasceu em Peredo dos Castelhanos, concelho de Torre de Moncorvo; foi professor do Ensino Secundário; trabalhou como jornalista no Diário de Lisboa, no Jornal, na revista Sábado, no Público, Visão: foi co fundador do Semanário O Ribatejo e fundou e dirigiu o semanário Grand'Amadora; trabalhou em televisão; é autor de diversos livros (poesia, ficção, reportagem), bem como séries televisivas). [Fonte: Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, Vol. 3: 2003, 765 pp. Guimarães: Editora Cidade Berço, 2003]
Declaração de interesses: eu e o Paulo Salgado, autor destas Crónicas de Guerra e Amor somos amigos há mais de 50 anos. Pelo que, para mim, é um privilégio apresentar este livro. Ambos fomos marcados, embora de formas diferentes, pelo estigma da guerra.
O Paulo traz o corpo cheio de cicatrizes como milhares de jovens que passaram pelos caminhos duros das três colónias.
Alguns deles acharam que tinham de expor as suas cicatrizes, de explicar as suas feridas e sofrimento para memória futura. Como testemunho.
Talvez os primeiros textos em prosa que relatam o absurdo de gerações sacrificadas no altar de mito da existência de um Império, sejam A Lebre e Os Mastins de Álvaro Guerra, um dos poucos, senão o único, civil que teve contacto e conhecimento antecipado do 25 de Abril.
Proibido seria a o livro de poesia a cartas de José Bação Leal, morto em combate, e o célebre Cancioneiro do Niassa, poemas e canções críticas dos soldados de comissão em Moçambique.
O Canto e as Armas de Manuel Alegre é o grande manifesto poético contra a guerra. O meu compadre Fernando Assis Pacheco escreve a novela Walt, a história dos dias que precedem o embarque para a guerra. Teve como primeiro título, não utilizado, “Uns gajos parados à beira do Rio”. Socorrer-se-ia com frequência de nomes e geografia da guerra do Vietnam, só mais tarde convertidos para uma realidade colonial, em português. O Cau Kien: um resumo, transforma-se depois do 25 de Abril em Katalabanza, Kilolo e Volta.
António Lobo Antunes começa a sua saga obsessiva de encontrar razões para o absurdo da guerra com Os Cus de Judas e a Memória de Elefante.
Tanto Lobo Antunes como Assis Pacheco, ainda que em comissões diferentes, fizeram parte de companhias do sartriano capitão Melo Antunes.
Livro fundamental, também porque escrito por um militar de carreira, o Nó Cego de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo do coronel Matos Gomes, é o sinal de que algo, fosse uma febre militar, uma megalomania de velhos generais ou uma obstinação de políticos e ditadores em hora de despedida, se estava a passar no interior do Exército, sobretudo entre capitães.
Surgem e vão surgindo ainda testemunhos vibrantes sobre o que foi a guerra nas colónias, desde a Autópsia de um Mar em Ruinas de João de Melo até à Costa dos Murmúrio de Lídia Jorge.
Matos Gomes e Aniceto Afonso sistematizam as contradições, factos e conflitos da guerra com documentação vária, escrita e fotográfica, mais os trabalhos de Joaquim Vieira e a série televisiva fundamental da Joaquim Furtado, as crónicas, publicadas postumamente, de Salgueiro Maia, em comissões da Guiné e Moçambique e o livro de Vasco Lourenço, também respeitante à Guiné, No Regresso Vinham todos.
Último poste da série > 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16632: Notas de leitura (894): “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, pelo Brigadeiro-General Willem van der Waals; Casa das Letras, 2015 (Mário Beja Santos)
poeta e jornalista
[Rogério Rodrigues nasceu em Peredo dos Castelhanos, concelho de Torre de Moncorvo; foi professor do Ensino Secundário; trabalhou como jornalista no Diário de Lisboa, no Jornal, na revista Sábado, no Público, Visão: foi co fundador do Semanário O Ribatejo e fundou e dirigiu o semanário Grand'Amadora; trabalhou em televisão; é autor de diversos livros (poesia, ficção, reportagem), bem como séries televisivas). [Fonte: Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, Vol. 3: 2003, 765 pp. Guimarães: Editora Cidade Berço, 2003]
Declaração de interesses: eu e o Paulo Salgado, autor destas Crónicas de Guerra e Amor somos amigos há mais de 50 anos. Pelo que, para mim, é um privilégio apresentar este livro. Ambos fomos marcados, embora de formas diferentes, pelo estigma da guerra.
O Paulo traz o corpo cheio de cicatrizes como milhares de jovens que passaram pelos caminhos duros das três colónias.
Alguns deles acharam que tinham de expor as suas cicatrizes, de explicar as suas feridas e sofrimento para memória futura. Como testemunho.
Talvez os primeiros textos em prosa que relatam o absurdo de gerações sacrificadas no altar de mito da existência de um Império, sejam A Lebre e Os Mastins de Álvaro Guerra, um dos poucos, senão o único, civil que teve contacto e conhecimento antecipado do 25 de Abril.
Proibido seria a o livro de poesia a cartas de José Bação Leal, morto em combate, e o célebre Cancioneiro do Niassa, poemas e canções críticas dos soldados de comissão em Moçambique.
O Canto e as Armas de Manuel Alegre é o grande manifesto poético contra a guerra. O meu compadre Fernando Assis Pacheco escreve a novela Walt, a história dos dias que precedem o embarque para a guerra. Teve como primeiro título, não utilizado, “Uns gajos parados à beira do Rio”. Socorrer-se-ia com frequência de nomes e geografia da guerra do Vietnam, só mais tarde convertidos para uma realidade colonial, em português. O Cau Kien: um resumo, transforma-se depois do 25 de Abril em Katalabanza, Kilolo e Volta.
António Lobo Antunes começa a sua saga obsessiva de encontrar razões para o absurdo da guerra com Os Cus de Judas e a Memória de Elefante.
Tanto Lobo Antunes como Assis Pacheco, ainda que em comissões diferentes, fizeram parte de companhias do sartriano capitão Melo Antunes.
Livro fundamental, também porque escrito por um militar de carreira, o Nó Cego de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo do coronel Matos Gomes, é o sinal de que algo, fosse uma febre militar, uma megalomania de velhos generais ou uma obstinação de políticos e ditadores em hora de despedida, se estava a passar no interior do Exército, sobretudo entre capitães.
Surgem e vão surgindo ainda testemunhos vibrantes sobre o que foi a guerra nas colónias, desde a Autópsia de um Mar em Ruinas de João de Melo até à Costa dos Murmúrio de Lídia Jorge.
Matos Gomes e Aniceto Afonso sistematizam as contradições, factos e conflitos da guerra com documentação vária, escrita e fotográfica, mais os trabalhos de Joaquim Vieira e a série televisiva fundamental da Joaquim Furtado, as crónicas, publicadas postumamente, de Salgueiro Maia, em comissões da Guiné e Moçambique e o livro de Vasco Lourenço, também respeitante à Guiné, No Regresso Vinham todos.
Dessacralizaram o que durante muito tempo foi tema tabu e algo que tivéssemos que esconder. Nesta libertação do passado, sem que tenhamos vergonha de participar em algo de que discordámos, levou Paulo Salgado a escrever estas crónicas em sua memória, em lembrança dos seus soldados, na esperança de sobreviver suportada pelas cartas de amor, mas também na sedução da Guiné a que regressaria já como cooperante 20 anos depois, a Olossato (a Maconde de Paulo Salgado) onde não foi feliz, mas que o seduziu. Foi redescobrir os cheiros e a paisagem que lhe tatuaram o corpo e o espírito; o Poilão, a árvore centenária onde se reuniram os homens bons da tribo, os militares em descanso, como se fossem druidas transpostos para Guiné, absortos e convertidos ao animismo, num panteísmo tropical, sendo a árvore a sua referência de Deus.
Da guerra, Paulo Salgado desafia-nos com a leitura da condição humana dos seus soldados que o ruído das armas não silencia.
Chegado a Olossato, 20 anos depois, reencontra o Seidi que estivera ao serviço do Exército português e que hoje tem de sofrer as consequências do novo poder.
Recorda Bakar, milícia na tropa portuguesa, usado na despistagem de minas. Tantas despistou que ficou sem uma perna num rebentamento, num tempo em que recebera a promessa de que nada lhe aconteceria se regressasse ao PAIGC. Tinha que optar entre as agruras da guerrilha ou a comida para a família que a tropa portuguesa lhe garantia. Que opção Bakar tomaria?
Os soldados do pelotão, os camaradas alferes da companhia, são o objecto da sua escrita, essencial e substantiva, não necessitando da adjectivação para classificar as pessoas e os acontecimentos. Licenciado em Direito é mais o gestor de emoções que mestre da retórica.
Não esquece os seus. Nem as emboscadas, provavelmente a primeira, em que relata, e passo a citar, “dentro da bolsa, caído ao lado da espingarda, um passarinho morto. Para dar sorte. Naquele carreiro de morte, em Bissancage”. Fim de citação.
As suas crónicas têm a tensão de contos curtos. Só que aqui é a realidade que vence a ficção. Controla a palavra, administra de forma sábia a emoção até ao remate final, quase sempre surpreendente.
As figuras dos soldados conhecemo-las sobretudo aqueles que, como eu e o Paulo Salgado, têm vivências rurais. É a história do alentejano de alcunha o Toucinho, guardador de porcos que se quer vingar do Bezerra, filho do patrão que abusou da sua mãe. É a balanta Rosa por quem o alferes Pereira está perdido de desejo, enquanto se interroga, porquê a guerra?
Mas Rosa prefere o soldado de sentinela, com o qual faz amor fora do arame farpado do quartel. O alferes vê o enlace. E, passo a citar: “A bajuda Rosa acabava de o convencer que ele era um sonhador impenitente”. Fim de citação.
No amor não há hierarquias.
Kadi, capturada, consegue fugir. É enfermeira do Partido, com o marido guerrilheiro na Guiné -Conacri.
Mas Olossato é também um espaço concentracionário em que o álcool e a tensão erótica intensos são usados e abusados para amenizar o medo e a solidão.
Como registo de quem não morre com balas, mas morre pelo esquecimento, a história, angústia de um alferes cuja mulher há muito que lhe não escreve. Suicidou-se.
O soldado Moita é casado. Os aerogramas deixaram de chegar. E passo a citar:” pegou na G3 e meteu-se no mato. Nunca mais foi visto”. Uma repetição suavizada de um episódio da História Trágico- Marítima.
Julião, soldado, antes de a Guiné o ter sufocado, vivia com a mãe viúva, que o pai morrera entre Espanha e a França no drama ou epopeia do salto de um povo à procura de melhor vida.
Julião era um homem simples e generoso mas que os camaradas não levavam a sério. Julião é apanhado por uma granada. Fragmentos penetram nas costas. Está a morrer e diz as últimas palavras ao seu camarada Costeira: “Escreve à minha mãe e diz-lhe que estarei junto dela muito em breve”.
Nestas crónicas não há heróis nem anti-heróis, muito menos convicções de que a guerra é o caminho certo para a paz. O caminho certo para a paz é, e será sempre, a liberdade.
Com as longas noites de espera que nem o álcool e o jogo amenizam, na sua incapacidade de saída, ouvindo Ray Charles e José Feliciano, ou lendo O Vermelho e o Negro de Stendhal, há tempo para reflectir, transmitir ou debater ideologia, seja num jornal de caserna, se assim podemos dizer, O Tabanca, seja num texto escrito a tinta vermelha que surgiu no quartel e que é uma espécie de magna carta da recusa do status quo da condição do militar na Guiné e da colonização. Relata o papel ao rubro:
“Aqui onde permanecemos por obrigação, onde nos defendemos para continuarmos vivos; aqui, na terra das febres, onde o chão está por lavrar, o mato por desbravar, as muitas tabancas por reconstruir; aqui onde a camaradagem é arrimo da sobrevivência; aqui, onde cada palavra e cada gesto são medidos e apreciados até ao ínfimo pormenor; aqui—meu alferes—os homens sentem-se ‘filhos da puta’ ".
O texto terá o dedo do cabo Meireles, altamente politizado, como muitos jovens do PCP, que era contra a deserção, mas que aconselhava os seus filiados que em teatro de guerra tentassem politizar os camaradas. Quando o cabo Meireles acabou a sua comissão em Olossato e se prepara para regressar a Lisboa, uma rapariga oferece-lhe um colar, porque tinha sido sempre muito digno para com ela.
Vinte nos depois, o autor das Crónicas regressa a Olossato, com a mulher, num Fiat Uno. É cooperante na área da saúde, ele que é gestor hospitalar e tem levado e sua solidariedade e conhecimento de ofício à Guiné e a Angola.
Vai encontrar um branco caçador que ficou na Guiné depois de cumprida a comissão. Quando ficou ainda havia guerra. Além de caçador é também parteiro. Fala as línguas indígenas.
Vai encontrar um guerrilheiro que se tornou médico e que verte lágrimas perante uma criança que não consegue curar. E, com frequência, por falta de meios.
No meio da guerra ainda há finais felizes, como o do jovem alentejano que se insurge contra a escravatura e é largado sozinho nas matas da Guiné. Feito prisioneiro, é a preta Kali que o alimenta. Casam. Enriquece. E nunca mais voltou ao Crato.
Este regresso de Paulo Salgado à Guiné, mais do que um gesto de solidariedade, é o reconhecimento de uma identidade, a guineense. Estudou com profundidade a história daquele país, da sua descoberta e povoamento, desde a escravatura até à cristianização, na procura de especiarias sob a capa da demanda do Prestes João.
Durante séculos as várias etnias da Guiné combateram o opressor, fosse ele português, espanhol ou francês.
Para terminar, que a conversa já vai longa, para exemplo extremo do amor à liberdade, Paulo Salgado recorda o facto histórico da pilhagem de Antão Gonçalves aos povos da Guiné e vizinhança. Embarca para Lisboa com escravos guineenses que, no alto mar, se suicidam-se lançando-se às águas. Escolhem a liberdade à escravatura, mesmo que ela passe pela morte.
Rogério Rodrigues
Lisboa (Associação 25 de Abril), 20 Outubro 2016.
2. Informação do editor António Lopes,
Da guerra, Paulo Salgado desafia-nos com a leitura da condição humana dos seus soldados que o ruído das armas não silencia.
Chegado a Olossato, 20 anos depois, reencontra o Seidi que estivera ao serviço do Exército português e que hoje tem de sofrer as consequências do novo poder.
Recorda Bakar, milícia na tropa portuguesa, usado na despistagem de minas. Tantas despistou que ficou sem uma perna num rebentamento, num tempo em que recebera a promessa de que nada lhe aconteceria se regressasse ao PAIGC. Tinha que optar entre as agruras da guerrilha ou a comida para a família que a tropa portuguesa lhe garantia. Que opção Bakar tomaria?
Os soldados do pelotão, os camaradas alferes da companhia, são o objecto da sua escrita, essencial e substantiva, não necessitando da adjectivação para classificar as pessoas e os acontecimentos. Licenciado em Direito é mais o gestor de emoções que mestre da retórica.
Não esquece os seus. Nem as emboscadas, provavelmente a primeira, em que relata, e passo a citar, “dentro da bolsa, caído ao lado da espingarda, um passarinho morto. Para dar sorte. Naquele carreiro de morte, em Bissancage”. Fim de citação.
As suas crónicas têm a tensão de contos curtos. Só que aqui é a realidade que vence a ficção. Controla a palavra, administra de forma sábia a emoção até ao remate final, quase sempre surpreendente.
As figuras dos soldados conhecemo-las sobretudo aqueles que, como eu e o Paulo Salgado, têm vivências rurais. É a história do alentejano de alcunha o Toucinho, guardador de porcos que se quer vingar do Bezerra, filho do patrão que abusou da sua mãe. É a balanta Rosa por quem o alferes Pereira está perdido de desejo, enquanto se interroga, porquê a guerra?
Mas Rosa prefere o soldado de sentinela, com o qual faz amor fora do arame farpado do quartel. O alferes vê o enlace. E, passo a citar: “A bajuda Rosa acabava de o convencer que ele era um sonhador impenitente”. Fim de citação.
No amor não há hierarquias.
Kadi, capturada, consegue fugir. É enfermeira do Partido, com o marido guerrilheiro na Guiné -Conacri.
Mas Olossato é também um espaço concentracionário em que o álcool e a tensão erótica intensos são usados e abusados para amenizar o medo e a solidão.
Como registo de quem não morre com balas, mas morre pelo esquecimento, a história, angústia de um alferes cuja mulher há muito que lhe não escreve. Suicidou-se.
O soldado Moita é casado. Os aerogramas deixaram de chegar. E passo a citar:” pegou na G3 e meteu-se no mato. Nunca mais foi visto”. Uma repetição suavizada de um episódio da História Trágico- Marítima.
Julião, soldado, antes de a Guiné o ter sufocado, vivia com a mãe viúva, que o pai morrera entre Espanha e a França no drama ou epopeia do salto de um povo à procura de melhor vida.
Julião era um homem simples e generoso mas que os camaradas não levavam a sério. Julião é apanhado por uma granada. Fragmentos penetram nas costas. Está a morrer e diz as últimas palavras ao seu camarada Costeira: “Escreve à minha mãe e diz-lhe que estarei junto dela muito em breve”.
Nestas crónicas não há heróis nem anti-heróis, muito menos convicções de que a guerra é o caminho certo para a paz. O caminho certo para a paz é, e será sempre, a liberdade.
Com as longas noites de espera que nem o álcool e o jogo amenizam, na sua incapacidade de saída, ouvindo Ray Charles e José Feliciano, ou lendo O Vermelho e o Negro de Stendhal, há tempo para reflectir, transmitir ou debater ideologia, seja num jornal de caserna, se assim podemos dizer, O Tabanca, seja num texto escrito a tinta vermelha que surgiu no quartel e que é uma espécie de magna carta da recusa do status quo da condição do militar na Guiné e da colonização. Relata o papel ao rubro:
“Aqui onde permanecemos por obrigação, onde nos defendemos para continuarmos vivos; aqui, na terra das febres, onde o chão está por lavrar, o mato por desbravar, as muitas tabancas por reconstruir; aqui onde a camaradagem é arrimo da sobrevivência; aqui, onde cada palavra e cada gesto são medidos e apreciados até ao ínfimo pormenor; aqui—meu alferes—os homens sentem-se ‘filhos da puta’ ".
O texto terá o dedo do cabo Meireles, altamente politizado, como muitos jovens do PCP, que era contra a deserção, mas que aconselhava os seus filiados que em teatro de guerra tentassem politizar os camaradas. Quando o cabo Meireles acabou a sua comissão em Olossato e se prepara para regressar a Lisboa, uma rapariga oferece-lhe um colar, porque tinha sido sempre muito digno para com ela.
Vinte nos depois, o autor das Crónicas regressa a Olossato, com a mulher, num Fiat Uno. É cooperante na área da saúde, ele que é gestor hospitalar e tem levado e sua solidariedade e conhecimento de ofício à Guiné e a Angola.
Vai encontrar um branco caçador que ficou na Guiné depois de cumprida a comissão. Quando ficou ainda havia guerra. Além de caçador é também parteiro. Fala as línguas indígenas.
Vai encontrar um guerrilheiro que se tornou médico e que verte lágrimas perante uma criança que não consegue curar. E, com frequência, por falta de meios.
No meio da guerra ainda há finais felizes, como o do jovem alentejano que se insurge contra a escravatura e é largado sozinho nas matas da Guiné. Feito prisioneiro, é a preta Kali que o alimenta. Casam. Enriquece. E nunca mais voltou ao Crato.
Este regresso de Paulo Salgado à Guiné, mais do que um gesto de solidariedade, é o reconhecimento de uma identidade, a guineense. Estudou com profundidade a história daquele país, da sua descoberta e povoamento, desde a escravatura até à cristianização, na procura de especiarias sob a capa da demanda do Prestes João.
Durante séculos as várias etnias da Guiné combateram o opressor, fosse ele português, espanhol ou francês.
Para terminar, que a conversa já vai longa, para exemplo extremo do amor à liberdade, Paulo Salgado recorda o facto histórico da pilhagem de Antão Gonçalves aos povos da Guiné e vizinhança. Embarca para Lisboa com escravos guineenses que, no alto mar, se suicidam-se lançando-se às águas. Escolhem a liberdade à escravatura, mesmo que ela passe pela morte.
Rogério Rodrigues
Lisboa (Associação 25 de Abril), 20 Outubro 2016.
2. Informação do editor António Lopes,
com data de 24 do corrente:
Caro Luís,
Hoje telefonou-me o Paulo dizendo que necessitavas das condições de venda pelo correio. As condições são simples:
O custo é de 15 €. Os portes são por nossa conta. O pagamento por transferência bancária.
Contacto: editora@lemadorigem.pt
Abraço,
Lema d'Origem - Editora, Ldª
NIPC: 509 059 473
E/ editora@lemadorigem.pt
URL/ http://lemadorigem.pt
Facebook: https://www.facebook.com/LemadOrigem
________________
Caro Luís,
Hoje telefonou-me o Paulo dizendo que necessitavas das condições de venda pelo correio. As condições são simples:
O custo é de 15 €. Os portes são por nossa conta. O pagamento por transferência bancária.
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Abraço,
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Nota do editor:
Último poste da série > 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16632: Notas de leitura (894): “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, pelo Brigadeiro-General Willem van der Waals; Casa das Letras, 2015 (Mário Beja Santos)
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quinta-feira, 20 de outubro de 2016
Guiné 63/74 - P16622: Memória dos lugares (348): Olossato, com o Moura Marques, o Grão de Bico, a São... 35 anos depois (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016)
Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > Rio Farim > 2006 > Cambança do rio..."A bos portuguisis? Pai di nôs!"...
Fotos (e legendas); © Paulo & Conceição Salgado (2006), Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
[ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; administrador hospitalar reformado, transmontano, apaixonado pela África Lusófona, cooperante, autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016]
Quero falar-vos do Moura Marques [MM] – camarada de luta, companheiro de labutas, amigo de confidências. Nos idos meses de 1970-1972.
Foi no Olossato que se forjou uma solidariedade grande, mas já em Santa Margarida se notava ali a bondade e valentia do Moura Marques, para quem não havia heroísmos nem cobardias, para quem mais valia a verdade do que o servilismo. Se foi louvado, só o poderia ser pela coragem, pelo exemplo, pela calma que dele transparecia, que dele irradiava.
Ontem, dia 26 de fevereiro de 2006, 35 anos depois de a CCAV 2721 embarcar para Lisboa, fomos ao Olossato: ele, a Maria da Conceição e eu, no Prado. Devagar, para bebermos em conjunto as emoções, e rememorar momentos vividos com os outros camaradas.
Saída em direcção a Bula e dali para Bissorã: o largo, as fotos ao que resta de Os Bigodes, as casas coloniais envelhecidas pelo tempo inclemente, a picada, que outrora era picada por causa das minas, e, não sei por que razão, agora estava linda, avermelhada, e, ao lado, as pequenas bolanhas do alto do Maqué, onde está o mais belo poilão que conheço da Guiné [, foto nº 3], o que resta do aquartelamento do pontão do Maqué, não mais do que algumas paredes onde ainda se descobre uma fresta espreitando para a mata lá atrás (ai quantas sentinelas feitas pelos infernais, pelos vampiros). As fotos da praxe [Foto nº 2]. O marejar de lágrimas do MM.
– Vês, ali, Salgado, tantas horas de trabalho na construção do heliporto, quantas horas perdidas na solidão da mata, quanto de nós ali está ! – dizia ele, emocionado… E a Maria da Conceição tirando as fotos das mais bonitas que já vimos…
Na ligeira subida para o Olossato, alguém grita correndo:
– Bolea, patim, bolea!
Parámos. Uma mulher vinha correndo:
– Um mindjer prenhadu sta ali na caminhu!
E nós, os três, preparados para o que desse e viesse que as dores e contracções (percebiam-se) eram repetidas e já nos imaginávamos a fazer de parteiros na beira da estrada…Felizmente a mulher aguentou. E lá foi levada com mil cuidados ao centro de saúde. E nós, como sorrimos de satisfação e de alívio.
O reencontro com os amigos. Um deles anda se recordava do cabo Moura. E o Moura Marques mais uma vez emocionado:
– Bolas, um homem sofre, com este exorcismo... (palavras do MM).
Uma oferta aos amigos. Uma visita à campa muçulmana do Suleiman Seidi. Uma oração em silêncio, um silêncio de saudade, uma saudade enorme – o Suleiman era um irmão. Eu que o diga. O Moura Marques chorou, de pé, honrando a memória de soldado milícia português – um homem chora quando tem que chorar, bolas.
– Olha, ali era o PC, e ali o local dos morteiros; acolá o bar…
– E ali, bem visível a caserna, agora escola de marabu...
O sol já caía a pino. E os amigos, de volta: mantenhas, e o desejo manifesto do Grão-de-bico (homem agora com quatro filhos…menino era naquele tempo) [Foto nº 1]:
– Cabo Moura, leva-me para Lisboa.
Que carinho e que ternura e que vontade de ter outra vida o desejo destes homens, dos que estiveram connosco dos que combateram do outro lado.
– Salgado, isto é demais!
Lá fomos em direcção ao rio Olossato, sempre bonito e frondosas as margens, lodoso, embora. Mais fotos e sempre as crianças, as belas crianças. Umas bolachas que a Conceição distribuiu, fizeram-nas sorrir. Sorrir ainda mais, se é possível.
Depois a picada para Farim com passagem por Cansambo (só possível agora visitar, pois naquele tempo estava arrasada) e K3; a travessia de canoa a remos para a outra banda: Farim. Tarde quente de calor do sol e de calor humano. Uma cerveja meio quente junto da Fatu Turé e Mustika Turé, encarregadas do bar da festa carnavalística (assim lhe chamou o comandante da canoa! – um neologismo (?!) para o nosso vocabulário.
– Boa tarde! A bos portuguisis? Pai di nôs.
O que responder a tal fé antiga? Sem palavras.
De novo a cambança. No meio do rio [foto nº 5], gritou o comandante da canoa vizinha, a motor, sorrindo:
– Li, tene manga di lagartus [crocodilos]…
A corrida para Mansabá, umas fotos do jovem ferreiro e da forja… Depois, Mansoa. Um hospitalzinho novo, da cooperação francesa, e as ruínas do quartel com soldados sentados à sombra dos mangueiros…!
E a seguir, Uaque. O último olhar para uma viagem longa, mas emocionantemente bela, reconfortante. Estava (quase) feita a catarse… O Moura Marques:
– Meu Camaradão, meu amigo!...
PS - No dia anterior, estiveramos em Nhacra e no Cumeré {Foto nº 4)… exactamente no dia em que pela última vez o MM almoçara com o seu amigo Fernando (periquito) que viria a morrer em emboscada dois dias depois…
____________
Quero falar-vos do Moura Marques [MM] – camarada de luta, companheiro de labutas, amigo de confidências. Nos idos meses de 1970-1972.
Foi no Olossato que se forjou uma solidariedade grande, mas já em Santa Margarida se notava ali a bondade e valentia do Moura Marques, para quem não havia heroísmos nem cobardias, para quem mais valia a verdade do que o servilismo. Se foi louvado, só o poderia ser pela coragem, pelo exemplo, pela calma que dele transparecia, que dele irradiava.
Ontem, dia 26 de fevereiro de 2006, 35 anos depois de a CCAV 2721 embarcar para Lisboa, fomos ao Olossato: ele, a Maria da Conceição e eu, no Prado. Devagar, para bebermos em conjunto as emoções, e rememorar momentos vividos com os outros camaradas.
Saída em direcção a Bula e dali para Bissorã: o largo, as fotos ao que resta de Os Bigodes, as casas coloniais envelhecidas pelo tempo inclemente, a picada, que outrora era picada por causa das minas, e, não sei por que razão, agora estava linda, avermelhada, e, ao lado, as pequenas bolanhas do alto do Maqué, onde está o mais belo poilão que conheço da Guiné [, foto nº 3], o que resta do aquartelamento do pontão do Maqué, não mais do que algumas paredes onde ainda se descobre uma fresta espreitando para a mata lá atrás (ai quantas sentinelas feitas pelos infernais, pelos vampiros). As fotos da praxe [Foto nº 2]. O marejar de lágrimas do MM.
– Vês, ali, Salgado, tantas horas de trabalho na construção do heliporto, quantas horas perdidas na solidão da mata, quanto de nós ali está ! – dizia ele, emocionado… E a Maria da Conceição tirando as fotos das mais bonitas que já vimos…
Na ligeira subida para o Olossato, alguém grita correndo:
– Bolea, patim, bolea!
Parámos. Uma mulher vinha correndo:
– Um mindjer prenhadu sta ali na caminhu!
E nós, os três, preparados para o que desse e viesse que as dores e contracções (percebiam-se) eram repetidas e já nos imaginávamos a fazer de parteiros na beira da estrada…Felizmente a mulher aguentou. E lá foi levada com mil cuidados ao centro de saúde. E nós, como sorrimos de satisfação e de alívio.
O reencontro com os amigos. Um deles anda se recordava do cabo Moura. E o Moura Marques mais uma vez emocionado:
– Bolas, um homem sofre, com este exorcismo... (palavras do MM).
Uma oferta aos amigos. Uma visita à campa muçulmana do Suleiman Seidi. Uma oração em silêncio, um silêncio de saudade, uma saudade enorme – o Suleiman era um irmão. Eu que o diga. O Moura Marques chorou, de pé, honrando a memória de soldado milícia português – um homem chora quando tem que chorar, bolas.
– Olha, ali era o PC, e ali o local dos morteiros; acolá o bar…
– E ali, bem visível a caserna, agora escola de marabu...
O sol já caía a pino. E os amigos, de volta: mantenhas, e o desejo manifesto do Grão-de-bico (homem agora com quatro filhos…menino era naquele tempo) [Foto nº 1]:
– Cabo Moura, leva-me para Lisboa.
Que carinho e que ternura e que vontade de ter outra vida o desejo destes homens, dos que estiveram connosco dos que combateram do outro lado.
– Salgado, isto é demais!
Lá fomos em direcção ao rio Olossato, sempre bonito e frondosas as margens, lodoso, embora. Mais fotos e sempre as crianças, as belas crianças. Umas bolachas que a Conceição distribuiu, fizeram-nas sorrir. Sorrir ainda mais, se é possível.
Depois a picada para Farim com passagem por Cansambo (só possível agora visitar, pois naquele tempo estava arrasada) e K3; a travessia de canoa a remos para a outra banda: Farim. Tarde quente de calor do sol e de calor humano. Uma cerveja meio quente junto da Fatu Turé e Mustika Turé, encarregadas do bar da festa carnavalística (assim lhe chamou o comandante da canoa! – um neologismo (?!) para o nosso vocabulário.
– Boa tarde! A bos portuguisis? Pai di nôs.
O que responder a tal fé antiga? Sem palavras.
De novo a cambança. No meio do rio [foto nº 5], gritou o comandante da canoa vizinha, a motor, sorrindo:
– Li, tene manga di lagartus [crocodilos]…
A corrida para Mansabá, umas fotos do jovem ferreiro e da forja… Depois, Mansoa. Um hospitalzinho novo, da cooperação francesa, e as ruínas do quartel com soldados sentados à sombra dos mangueiros…!
E a seguir, Uaque. O último olhar para uma viagem longa, mas emocionantemente bela, reconfortante. Estava (quase) feita a catarse… O Moura Marques:
– Meu Camaradão, meu amigo!...
PS - No dia anterior, estiveramos em Nhacra e no Cumeré {Foto nº 4)… exactamente no dia em que pela última vez o MM almoçara com o seu amigo Fernando (periquito) que viria a morrer em emboscada dois dias depois…
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Notas do editor:
(*) Texto, revisto, a partir do poste de 2 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P584: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato
(*) Texto, revisto, a partir do poste de 2 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P584: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato
(**) Três últimos postes da série >
17 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16497: Memória dos lugares (346): Em abril de 1963, eu fui, com uma secção, de Taibatá (subsetor do Xime) até Satecuta (subsetor do Xitole), atravessando a mata do Fiofioli, e falei com o chefe e a população da tabanca de Satecuta, espantados por nos ver... Regressei pelo mesmo caminho, a tempo de almoçar a Taibatá... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)
14 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16489: Memória dos lugares (345): O destacamento e a jangada de João Landim, no Rio Mansoa (José Nascimento / Francisco Gamelas / Leonel Olhero / Alcídio Marinho)
14 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16489: Memória dos lugares (345): O destacamento e a jangada de João Landim, no Rio Mansoa (José Nascimento / Francisco Gamelas / Leonel Olhero / Alcídio Marinho)
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