No passado dia 10 de Outubro, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, foi apresentado o livro "Quatro Rios e Um Destino" do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71.
Foi uma jornada emotiva, não porque o nosso camarada precise de nós, mas antes porque ele próprio é uma força de vida e um exemplo. Somos nós que precisamos dele.
A força da amizade entre ele e o médico que o tratou em Bedanda enquanto não foi possível a evacuação, o ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, ficou bem patente e sabemos que perdurará. Um misto de sentimentos fez com que a assistência se mantivesse em religioso silêncio, com algumas lágrimas a fazer arder os já gastos olhos dos Combatentes, e não só, ali presentes.
Ficámos a conhecer melhor o Fernando, a sua força de viver, aquela que todos quereríamos ter para enfrentar os mesquinhos problemas que nos surgem e que julgamos serem os mais importantes do mundo.
Quem venceu a morte e suplantou a adversidade é digno do nosso respeito e admiração.
Obrigado Fernando.
Segue-se a reportagem.
Carlos Vinhal
A sala estava composta embora o autor do livro merecesse mais audiência.
Momentos antes do início dos trabalhos, ultimam-se os pormenores.
O Coronel Belchior deu início à sessão cumprimentando a Mesa e os presentes, dando a palavra ao apresentador do livro, Prof. Dr. Amaral Bernardo que foi Alferes Médico em Bedanda, nos anos de 1970 a 1972, onde se encontrava aquando do acidente que feriu gravemente o autor Fernando Sousa.
Falar do livro e dos momentos vividos em Bedanda, pelo Fernando, nas primeiras horas a seguir ao infeliz acontecimento, foi doloroso para o nosso camarada Amaral Bernardo, que visivelmente comovido, lembrou o seu papel de médico no mato, sem as condições mínimas necessárias para assegurar a sobrevivência do ferido grave que tinha entre mãos. Fez o que pôde até que a evacuação se efectivasse, para que no hospital, com outros meios, o Fernando fosse devidamente tratado. Disse ainda, que foi com a maior emoção e alegria que, passados mais de 30 anos, o encontrou a andar normalmente e a levar uma vida plena.
Salientou o facto de o infortúnio ter criado uma amizade especial entre o médico e o doente que os unirá até ao fim dos dias.
Amaral Bernardo fala do Fernando Sousa com a maior admiração pela sua coragem e força vontade em suplantar as dificuldades.
Chegou a vez do autor, que dedicou as suas primeiras palavras ao homem a quem deve a sua vida, ao seu Alferes Médico e amigo Amaral Bernardo. Disse que a princípio não lhe ficou reconhecido pelo esforço em lhe salvar a vida porque o que queria era terminar ali mesmo a sua existência, mas que depois de ultrapassadas todas aquelas horas, e foram muitas, difíceis e dolorosas, reconhece o quanto lhe deve.
Falou do seu livro, onde descreve as horas, mais más do que boas, enquanto militar e enquanto sobrevivente e lutador, tentando viver com a maior normalidade possível face à sua deficiência de guerra.
Falou de Bedanda, localidade onde conheceu os piores dias da sua vida, a que dedicou um poema intitulado "Bedanda terra de Magia", que começa assim: Bedanda. Terra de nada, repleta de tudo / Sem ruas de avenidas despida / Onde o Tuga espera quedo e mudo / Nas entranhas de África nascida.
Podem ler o resto na página 230 de "Quatro Rios e um Destino"
Falou dos seus versos, do seu último livro "Sussuros Meus", do qual também leu alguns poemas, um dos quais em homenagem à Mulher.
O autor, Combatente Fernando Sousa, diz aos presentes o que o levou a escrever este livro.
Dada a possibilidade de intervenção aos presentes, falou em primeiro lugar o Combatente Carlos Pinto Azevedo, contemporâneo do Fernando Sousa e do Dr. Amaral Bernardo na CCAÇ 6 - Bedanda. Recordou também os momentos dolorosos que todos viveram com o acidente do autor ali presente, contando que no primeiro convívio dos bedandenses, ainda a caminho, se lembraram do Fernando e até puseram a hipótese de ele não ter sobrevivido aos graves ferimentos infligidos. Se fosse vivo, deslocar-se ia com certeza com muita dificuldade, talvez apoiado em canadianas ou até em cadeira de rodas. Quando reunidos, perguntam pelo Sousa, se estava vivo. Aparece então aquele homem caminhado normalmente. "Sem uma perna e andas assim?" - "Sem uma não, sem duas".
Espanto geral, estava ali vivo e são, um verdadeiro Combatente, alguém digno da nossa admiração.
Aqui o editor pede desculpa, mas a foto com a intervenção do Carlos não estava em condições de ser publicada.
Falou seguidamente o Presidente da ADFA-Porto, o Combatente Abel Fortuna, também ele um mutilado pela guerra da Guiné - S. Domingos.
Falou da dificuldade que os Combatentes têm, especialmente os Deficientes para quem tudo são barreiras
O camarada Abel Fortuna, Presidente da ADFA-Porto no uso da palavra.
Levantou-se também da assistência o Dr. Paulo Salgado, nosso camarada tertuliano, para saudar o autor e dizer o quanto o marcou positivamente o seu exemplo
Paulo Salgado - Ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72
Na fila da frente estava o Superintendente Isaías Teles, Presidente da Direcção do Núcleo de Oeiras/Cascais da LC, que falou das Tertúlias do Fim do Império e do apoio que esta iniciativa tem dado na edição ou divulgação da bibliografia da Guerra Colonial.
O Superintendente Isaías Teles falando aos presentes.
Era inevitável que não se falasse das mulheres das nossas vidas, principalmente daquelas que a seu modo, na retaguarda, viveram a guerra e sofreram pelos filhos, irmãos, maridos, namorados, afilhados de guerra, etc.
Levantou-se uma senhora que agradeceu as palavras dirigidas às mulheres presentes, e ausentes, uma mulher que já visitou a Guiné inúmeras vezes e por lá cooperou mais o marido. Estamos a falar, como documenta a foto, de Conceição Salgado, esposa do Paulo Salgado, e mãe de Paula Salgado, todos eles com publicações no nosso Blogue.
Peço desculpa pela foto, não é das melhores.
Conceição Salgado falando em nome das mulheres que também sentiram a guerra
Habitual interveniente nas tertúlias da Messe da Batalha, o Coronel Manuel Ferreira da Silva, que foi Comandante o COP 5, Gadamael/Guileje, falou também da falta de respeito e consideração que algumas autarquias ainda têm pelos Combatentes, mantendo aquela distância fria, quase ignorando que existem, esperando que vão morrendo no anonimato. Ele que é um activo defensor de quem foi chamado para a guerra, que nunca se ganha pelas armas, até que o poder político a resolvesse, contou algumas peripécias, quase hilariantes, que vai ultrapassando com muita persistência.
O senhor Coronel Ferreira da Silva
Da assistência levantou-se alguém que só faltou a uma das muitas tertúlias Fim do Império que já se realizaram na Messe da Batalha, no Porto, e que nunca tinha pedido a palavra antes, o Presidente da Direcção do Núcleo de Ribeirão da LC, o Combatente José Ferreira dos Santos.
Disse que não se podia calar perante o exemplo de força de vida que era o Fernando Santos. Que ia levar um exemplar de "Quatro Rios e Um Destino" para a sua mulher ler. Que melhor homenagem lhe podia fazer?
O Combatente José Ferreira dos Santos, Presidente da Direcção do Núcleo de Ribeirão da LC.
Ainda estava reservada uma surpresa, porque quando o Coronel Belchior se levanta é para dar fim aos trabalhos e dar a palavra ao Presidente da Mesa. Mas desta feita, o Coronel Belchior levantou-se para intervir, fazendo o paralelo entre o Fernando Sousa e ele próprio, ferido duas vezes em combate. Claro que como militar profissional, tantos anos no campo de batalha, ser ferido é quase como inevitável, mas um jovem miliciano ficar mutilado é sempre uma tragédia.
O senhor Coronel Belchior falando de si e do Combatente Fernando Sousa
Como médico que é, e como Tenente Médico Miliciano em Angola que foi, o Dr. Reis Lima não podia ficar indiferente ao que ali se passou. Cumprimentou o Fernando pela coragem em ultrapassar as dificuldades que a sua deficiência lhe acarreta e pela sua escrita sentida, tanto em prosa como em verso.
Para encerrar a tertúlia da tarde, o Coronel Belchior deu a palavra ao senhor Coronel Sousa Machado, que aproveitou para dizer que também ele, apesar de não ser contemporâneo, enquanto militar, da Guerra de África, também a sua família sofreu as consequências mais funestas daqueles conturbados tempos.
O senhor Coronel Sousa Machado a encerrar os trabalhos da tarde.
Texto, fotos e legendas: Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16709: Agenda cultural (508): Lançamento do livro "25 de Novembro, Reflexões", coordenação do Coronel Manuel Barão da Cunha, no próximo dia 15 de Novembro de 2016, pelas 15h00, na Livraria/Galeria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 92, em Oeiras
3 comentários:
Momento marcante com sensações e sentimentos sublimes e profundos, vividos com muita emoção na vossa carinhosa companhia.
Obrigado Carlos
Abraço rijo
Amaral Bernardo
A camaradagem até aos limites! Obrigado pela reportagem, Carlos.
V Briote
O Fernando de Jesus Sousa é um herói!... Um exemplo para todos nós da incrível capacidade humana para enfrentar a adversidade, o sofrimento, o medo, a incerteza, o futuro... Mais uma vez, parabéns, Fernando!... E viva a camaradagem e a amizade da gente do Norte!
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