Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > "Guerrilheiro recebendo assistência médica" (Reprodução com a devida vénia...)
Citação:
(1963-1973), "Guerrilheiro recebendo assistência médica", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43678 (2016-11-8)
Guiné-Conacri > Boké > 1968 > Aspetos da assistência médico-cirúgica no hospital do PAIGC por onde passaram médicos cubanos como o dr. Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), mas também o português dr. Mário Pádua (que não era cirurgião mas patologista clínico)
1. INTRODUÇÃO
Depois de na narrativa anterior [P16662] termos efectuado uma análise histórica superficial (entre o real e a ficção) ao modo como Amílcar Cabral [1924-1973] abordou /utilizou a morte em combate do cmdt Domingos Ramos, um quadro superior da estrutura militar do PAIGC e que fizera a sua formação inicial no exército português, ao concluir o 1.º Curso de Sargentos Milicianos, realizado em Bissau no ano de 1959, retomamos a publicação do nosso projecto de investigação tendo por título «d(o) outro lado do combate». (*)
Este tem a sua génese na divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.
Com efeito, o presente texto corresponde ao terceiro fragmento do diálogo estabelecido com o médico militar Virgílio Camacho Duverger [1934-2003], sendo a terceira e última entrevista no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch. Trata-se de uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
[Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf ]
Uma vez que estamos perante uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurámos respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendemos não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net, em particular da Casa Comum, Fundação Mário Soares.
Por outro lado, e tendo em consideração as questões formuladas pelo entrevistador, estas permitiram-nos fazer a ligação com outros aspectos intrínsecos ao conflito, de que são exemplos concretos a falta de recursos básicos e as deserções militares.
2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [III]
Virgílio Camacho Duverger, cujo nome de guerra era “Vítor Córdoba Duque”, nasceu a 29 de novembro de 1934, em Guantánamo, chegando à Guiné-Conacri nos primeiros dias de junho de 1966, a seis meses de completar trinta e dois anos e sete anos após ter ingressado no Exército Rebelde como técnico de saúde.
Depois de ter assistido à morte do cmdt da Frente Leste, Domingos Ramos, ocorrida em Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, faz agora cinquenta anos, o dr. Virgílio Duverger é transferido com destino à Frente Sul, por troca com o dr. Rómulo Soler Vaillant, que entretanto adoecera. Porém, durante essa permuta, é nomeado chefe do Hospital Militar de Boké, aonde se manteve durante dois meses.
Seguem-se mais alguns desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo cirurgião cubano Virgílio Camacho Duverger.
- Entrevista com 22 questões [Parte 3 > da 13.ª à 15.ª] - “Testemunhos antes da morte”
[A nota introdutória é da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando, pelo desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da morte»].
O diálogo com o médico Virgílio Camacho Duverger [1934-2003] foi realizado pelo jornalista e historiador cubano Hedelberto Blanch numa tarde de janeiro de 2003, num pequeno gabinete do Hospital [Clínico Quirúrgico] Hermanos Ameijeiras, aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.
Viria a falecer dez meses depois vítima de enfarte do miocárdio.
Com efeito, o presente texto corresponde ao terceiro fragmento do diálogo estabelecido com o médico militar Virgílio Camacho Duverger [1934-2003], sendo a terceira e última entrevista no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch. Trata-se de uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
[Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf ]
Uma vez que estamos perante uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurámos respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendemos não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net, em particular da Casa Comum, Fundação Mário Soares.
Por outro lado, e tendo em consideração as questões formuladas pelo entrevistador, estas permitiram-nos fazer a ligação com outros aspectos intrínsecos ao conflito, de que são exemplos concretos a falta de recursos básicos e as deserções militares.
2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [III]
Virgílio Camacho Duverger, cujo nome de guerra era “Vítor Córdoba Duque”, nasceu a 29 de novembro de 1934, em Guantánamo, chegando à Guiné-Conacri nos primeiros dias de junho de 1966, a seis meses de completar trinta e dois anos e sete anos após ter ingressado no Exército Rebelde como técnico de saúde.
Depois de ter assistido à morte do cmdt da Frente Leste, Domingos Ramos, ocorrida em Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, faz agora cinquenta anos, o dr. Virgílio Duverger é transferido com destino à Frente Sul, por troca com o dr. Rómulo Soler Vaillant, que entretanto adoecera. Porém, durante essa permuta, é nomeado chefe do Hospital Militar de Boké, aonde se manteve durante dois meses.
Seguem-se mais alguns desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo cirurgião cubano Virgílio Camacho Duverger.
- Entrevista com 22 questões [Parte 3 > da 13.ª à 15.ª] - “Testemunhos antes da morte”
[A nota introdutória é da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando, pelo desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da morte»].
O diálogo com o médico Virgílio Camacho Duverger [1934-2003] foi realizado pelo jornalista e historiador cubano Hedelberto Blanch numa tarde de janeiro de 2003, num pequeno gabinete do Hospital [Clínico Quirúrgico] Hermanos Ameijeiras, aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.
Viria a falecer dez meses depois vítima de enfarte do miocárdio.
(xiii) Como era o trabalho em Boké?
Em Boké [em junho de 1967] já existia uma base hospitalar com quinze camas, com uma pequena sala de operações. Depois chegou o dr. Raúl Currás [Regalado] (morreu num acidente em Angola). Ele era médico interno e tinha de fazer em certas ocasiões de anestesista. Eu tinha que administrar todos os medicamentos e material de cirurgia aos dois hospitais [de mato] da Frente Sul, no interior da Guiné-Bissau. Nestes lugares começou-se a atender a população civil e os casos mais frequentes eram as hérnias.
Chegou o momento em que houve que limitar a entrega de materiais, sobretudo de cirurgia, pois corria-se o risco de poderem fazer falta para os combatentes feridos, por se terem esgotado. Recordo dois casos que operámos e tivemos que os coser com linha doméstica. Para as operações cirúrgicas utilizávamos a técnica intravenosa Pentotal sódico na veia quando era necessário, e se não, usava-se anestesia local.
Cerca de dois meses e depois passei a um dos hospitais [no mato] na Frente Sul, aonde as acções de combate eram em maior número dos que as na Frente Leste devido à quantidade de aquartelamentos portugueses.
Desde o local aonde ocorriam os combates até ao hospital, às vezes demorava-se três ou quatro dias para se transportar os feridos e estes chegavam em muito más condições. Decidiu-se, então, organizar uma pequena enfermaria aonde se podiam fazer algumas operações, embora tivéssemos muito pouco material como fio cirúrgico e soros.
Entretanto, este pequeno grupo de médicos cubanos, em Boké, recebe, também nesta data, em julho de 1967, um reforço inesperado para a sua equipa multidisciplinar com a chegada, agora, de um português - o dr. Mário Moutinho de Pádua – que seis anos antes, em 1961, ano zero da que se convencionou chamar de «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», decidira desertar da sua unidade militar [, BCaç 88] em Angola, optando por aderir aos objectivos dos movimentos africanos de oposição e resistência às colónias europeias, onde o PAIGC acabaria por contar com a sua colaboração.
Dos diferentes itinerários e das muitas experiências vividas ao longo de cada um deles, o dr. Mário Moutinho de Pádua decidiu publicar em livro as suas memórias a que deu o título de «No Percurso de Guerras Coloniais, 1961-1969», Edições Avante, 2011. Trata-se de um tema já abordado no Blogue da iniciativa do camarada Beja Santos que nos presenteou com as suas esclarecedoras «Notas de Leitura» [P10184].
Deste trabalho divulgado no poste supra, tomámos a liberdade de citar, com a devida vénia, alguns fragmentos, com destaque para os elementos sócio históricos que considerámos relevantes, justamente para enquadramento da presente narrativa.
Em primeiro lugar, é de referir que este cidadão português, natural de Coimbra, filho de um conhecido e respeitado advogado e notário com escritórios em Luanda nos anos cinquenta/sessenta do século passado, ficará na história da Guerra Colonial/Ultramar como sendo o primeiro oficial do exército português [alferes miliciano] a desertar em Angola, em outubro de 1961 [portanto, seis meses após o início do conflito], na companhia do [1.º] Cabo Alberto Pinto, para se juntar [em?] [não conseguimos confirmar a opção deste segundo militar] aos movimentos de libertação. [http://recordacoescasamarela.blogspot.pt/2012/07/o-passado-presente-agora-novo-jornal.html].
Para melhor entendimento do percurso narrado pelo autor sobre as suas experiências, eis uma Sinopse [https://www.wook.pt/livro/no-percurso-das-guerras-coloniais-1961-1969-mario-moutinho-de-padua/11518509]:
“O autor foi o primeiro oficial português a desertar em Angola, em 1961. Neste livro narra a sua impressionante experiência a seguir à deserção, nomeadamente as prisões e torturas de que foi alvo no Congo, a sua passagem pela [ex] Checoslováquia e o seu desencanto com vários aspectos do “socialismo real”, a sua participação na construção de uma Argélia recém-libertada do colonialismo, e por fim a sua contribuição como médico na luta travada pelo PAIGC na Guiné”.
Quanto à sua colaboração com o PAIGC, ela inicia-se com a sua chegada em 1967 a Conacri [um ano depois de ter ocorrido semelhante situação com o primeiro contingente de “internacionalistas” cubanos, do qual faziam parte nove médicos]. As suas primeiras actividades clínicas acontecem no Lar do Combatente, em Conacri, onde trata os guerrilheiros feridos e doentes.
Decorrido algum tempo [pouco] sente a necessidade de realizar outras tarefas mais consentâneas com as suas habilitações académicas, vindo a concretizar esse objectivo poucas semanas depois com a sua transferência para o Hospital de Boké [julho de 1967]. Aí trabalha em cooperação com a equipa de médicos e enfermeiros cubanos, aonde os recursos clínicos eram muito limitados.
Essas lacunas estavam já identificadas há algum tempo como prova o telegrama abaixo dirigido, em 11 de abril de 1967, ao «Comité de Solidariedade Afro-asiático Thallmann Platz, em Berlim», por Amílcar Cabral.
Com tradução do francês, eis a sua transcrição na íntegra:
Telegrama ao Comité de Solidariedade Afro-asiático Thallmann Platz 8/9 Berlim
“Face situação muito grave motivo falta total medicamentos colocando perigo vida vários combatentes feridos e elementos população vítimas bombardeamentos lançamos premente apelo envio urgente quantidades medicamentos possíveis nomeadamente álcool, mercurocromo, curativos, algodão, antibióticos, antipalúdicos (antimaláricos), antidiarreico, soro, leite STOP Confiante vossa solidariedade esperamos confirmação expedição endereço PAIGC BP [caixa postal] 298 Conacri STOP Fraternais agradecimentos
Amílcar Cabral
Secretário-geral do PAIGC
BP 298 Conacri, 11 abril 1967"
Citação: (1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34963 (2016-11-8)
No âmbito da sua missão, [certo dia?] o dr. Mário Pádua desloca-se a uma base guerrilheira no interior do território guineense [Frente Sul], aonde tem contacto com a enfermaria aí existente. Era uma base com uma dezena de cabanas enquadradas e camufladas pelas copas de grandes árvores, e aonde havia uma sala de operações. Ao observar o seu interior ficou surpreso com a extraordinária limpeza do solo, para além de existir uma enfermeira afugentando as moscas durante as intervenções cirúrgicas.
Passadas algumas semanas abandona Boké [agosto de 1967], sendo transferido para Ziguinchor, no Senegal, e colocado no Lar do Combatente, que havia sido criado há pouco tempo.
Os meios postos à disposição do PAIGC, como já foi referido anteriormente, eram rudimentares, onde nas suas bases os guerrilheiros passavam toda a casta de provações e muitas vezes subalimentados, e onde os combatentes feridos estavam em primeiro lugar. Refere que estes logo que desembarcavam assistia-se ao espectáculo de feridas enormes, abertas, que já não se podiam suturar, dado o intervalo de tempo que decorrera após a lesão [alguns dias].
(...) "Eu [Mário Pádua] e os enfermeiros guineenses, meus colaboradores, limpávamos os tecidos infectados com água oxigenada, cortávamos os tecidos mortos e terminada a limpeza cirúrgica tentávamos aproximar os bordos esticando a pele com adesivo. Sucedeu, em feridas fundas e com pequeno orifício de entrada, que quando retirava a sonda exploratória, me vinha ao nariz o cheiro inconfundível da gangrena gasosa.
"Um dia comecei a tratar um soldado que tinha o braço direito muito destroçado embora não sangrasse. Estas limpezas cirúrgicas em geral demoravam horas. Este doente não se queixava de dores. Quando terminei, pele, músculos, vasos e nervos de um dos membros superiores tinham praticamente desaparecido. Apenas restavam os ossos completamente descarnados. Nestas circunstâncias só restava a amputação." (...)
Refere ainda que os guerrilheiros passavam literalmente fome, para além de serem anémicos. No Lar de Ziguinchor momentos houve em que a alimentação estava reduzida a arroz. Por isso valoriza o excessivo sofrimento dos combatentes.
Acrescenta que “quando os feridos demoravam dias para chegar a Ziguinchor, as larvas fervilhavam nos tecidos expostos. O que fazia parte da rotina da guerra e me deixava estupefacto era o transporte dos feridos e doentes por zonas flageladas, vinham em macas fabricadas com troncos. O esforço físico exigido dificilmente se pode conceber”.
Entretanto, durante a sua presença em Ziguinchor, o dr. Mário Pádua contabiliza duas experiências únicas, estas relacionadas com dois militares portugueses que, quis o destino, ali foram parar, por motivos diferentes: um por deserção, estratégia, improvidência, fuga voluntária para a prisão ou outra razão difícil de provar [que só o próprio saberá qual foi], o outro para sobreviver aos ferimentos em combate depois de ter sido capturado por grupo de guerrilheiros, o que veio a verificar-se… e ainda bem!
O primeiro, de nome David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), que um dia [17 de maio de 1967] decidiu, consciente ou inconscientemente, pôr a sua vida em risco ao abandonar, pela calada da noite, o quartel de Mansoa, vindo a ser localizado na mata por elementos do PAIGC, que o convidaram a acompanhá-los depois de ele lhes ter dito de que tinha fugido do exército português. Dirigiu-se ao Morés, seguindo-se outras bases, talvez Maqué, Naga e Sambuia, até chegar a Ziguinchor, provavelmente algumas semanas depois.
Esta história foi contada pelo próprio e publicada em livro com o título «Desertor ou Patriota», Editora Ausência, 2004, e que constava já do espólio de memórias do Blogue, por iniciativa do camarada Virgínio Briote [P3371, de 2008], do camarada Beja Santos na sua tradicional e importante coluna «Notas de Leitura» [P6776, de 2010] e do camarada Jorge Lobo, companheiro do David Costa na CART 1660 [P7351, de 2010].
Este episódio, ao ser recentemente resgatado como tema em debate da nossa tertúlia “desertores” [P16686], originando novos comentários com diferentes perspectivas, levou-me a adiar a conclusão desta narrativa, alterando-a, inclusivamente, para não ser repetitivo.
Da investigação realizada na Casa Comum, Fundação Mário Soares, encontrei umas notas de Amílcar Cabral, escritas nos primeiros dias de janeiro de 1969, onde refere:
“Depois de sair daí [passagem de ano de 1968 na Frente Sul], tive más notícias que são as seguintes:
A priemrias relatuva a baixas do PAIGC, na sequência do ataque a Gantur+é, em 6/1/1969… [a desenvolver em próxima narrativa].
“A segunda má notícia é que o Daniel Alves [será que era o nome de guerra de Daniel Costa, ou estaremos perante outro desertor com o mesmo nome próprio?] conseguiu enganar a malta e fugiu em Dakar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos. Vamos ver como é que as coisas se passarão, mas é pena que nos tenhamos deixado enganar dessa maneira, tanto mais que sempre desconfiámos do Daniel [?] que a estas horas já deve estar com os tugas. […] Quanto ao Daniel [?] até pode-nos servir de propaganda, mas o diabo são os amigos que têm medo de tudo”. […]
Citação:
(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34366 (2016-11-8)
O segundo, de nome Manuel Fragata Francisco [ou Manuel Fragata], soldado da CART 1690 [1967/1969], sediada em Geba, ao participar na “Op Invisível”, realizada a 19 de dezembro de 1967, na mata do Óio, é gravemente ferido, sendo aprisionado e levado para a base de Sinchã Jobel. Desta base seguiu depois, certamente, por Sará, Morés, Maqué, Naga e Sambuia, em direcção ao Hospital de Ziguinchor, onde foi recebido e tratado pelo dr. Mário Pádua.
Sobre esta ocorrência, o camarada A. Lopes Marques refere nos [P45 + P15202} que o cmdt do PAIGC, Agostinho Cabral de Almada, com nome de guerra “Gazela”, lhe contou que o soldado Fragata foi atingido pelos estilhaços de uma granada de RPG2, tendo ficado “furado” e, por consequência, impossibilitado de caminhar. Ficou prisioneiro, e levado de maca [talvez de troncos onde, certamente, a sua dor e o sofrimento seriam constantes em cada batimento cardíaco] desde a mata do Óio até ao Hospital de Ziguinchor, em Casamansa, Senegal [aonde terá chegado muito perto do Natal de 1967].
Mapa da Guiné-Bissau > Indicam-se os prováveis itinerários utilizados pelo David Costa (a vermelho) e o Manuel Fragata (a azul) até Ziguinchor.
Aí permaneceu cerca de dois meses e meio em recuperação, sob os cuidados do dr. Mário Pádua, até que em 15 de março de 1968 foi entregue à Cruz Vermelha do Senegal e repatriado, por via aérea, para Portugal, onde ficou internado no anexo do Hospital Militar Principal, na Rua Artilharia Um, em Lisboa.
Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44075 (2016-11-8)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 05224.000.038Título: Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal
Assunto: Osvaldo Lopes da Silva durante a entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar [Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco].
Data: Sexta, 15 de Março de 1968
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias
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Chegou o momento em que houve que limitar a entrega de materiais, sobretudo de cirurgia, pois corria-se o risco de poderem fazer falta para os combatentes feridos, por se terem esgotado. Recordo dois casos que operámos e tivemos que os coser com linha doméstica. Para as operações cirúrgicas utilizávamos a técnica intravenosa Pentotal sódico na veia quando era necessário, e se não, usava-se anestesia local.
(xiv) Permaneceu muito tempo em Boké?
Cerca de dois meses e depois passei a um dos hospitais [no mato] na Frente Sul, aonde as acções de combate eram em maior número dos que as na Frente Leste devido à quantidade de aquartelamentos portugueses.
Desde o local aonde ocorriam os combates até ao hospital, às vezes demorava-se três ou quatro dias para se transportar os feridos e estes chegavam em muito más condições. Decidiu-se, então, organizar uma pequena enfermaria aonde se podiam fazer algumas operações, embora tivéssemos muito pouco material como fio cirúrgico e soros.
(xv) Recorda algum caso interessante?
A escassez era muita e por isso tínhamos de inventar. Em certa ocasião, recordo-me que a um paciente com uma ferida no abdómen, tive de lhe fazer uma pequena ressecção abdominal, e a recuperação foi com água de coco, pois não tínhamos soro para fazer venóclise [método para infundir líquidos dentro das veias], e plasma muito menos. Todos os casos evoluíram perfeitamente porque os africanos são virgens não só em relação aos antibióticos como também aos restantes medicamentos.
Outro caso que recordo e que tinha lido nos livros, foi um paciente que chegou com uma ferida torácica perto da região axilar [de axila]. Aí suspeitámos sobre o que havíamos lido, pois a explosão podia ter causado dano em algum vaso importante e estivemos vigilantes na crosta, produto da lesão produzida pela explosão do projéctil, pois se caísse poderia dar lugar a um sangramento agudo. Assim aconteceu, mas como estávamos atentos, o acudimos a tempo. Não tínhamos os instrumentos necessários, nem sangue nem plasma. Foi um dos momentos mais angustiantes por que passei, pois com a mão esquerda tinha o vaso agarrado, comprimindo-o, ou seja, eu tinha, praticamente, numa mão a vida desse combatente, e na outra o instrumental, que não era o adequado, tentando controlar a hemorragia.
Parei e depois esperei, pois o que estava descrito na literatura de consulta era que deveria esperar e observar por onde poderia gangrenar [morte local dos tecidos], uma vez que foi na artéria axilar que leva a nutrição fundamental ao membro superior.
Naquele caso, teve-se que amputar ao paciente, nada mais que uma parte da mão. Coisa rara, pois na maioria dos casos há que amputar o braço ou o antebraço. Era guineense, e fiz-lhe uma necrose distal da mão, ou seja, era uma evolução satisfatória naquele sentido.
Continua…
3. Nota de Jorge Araújo sobre o médico português Mário PáduaOutro caso que recordo e que tinha lido nos livros, foi um paciente que chegou com uma ferida torácica perto da região axilar [de axila]. Aí suspeitámos sobre o que havíamos lido, pois a explosão podia ter causado dano em algum vaso importante e estivemos vigilantes na crosta, produto da lesão produzida pela explosão do projéctil, pois se caísse poderia dar lugar a um sangramento agudo. Assim aconteceu, mas como estávamos atentos, o acudimos a tempo. Não tínhamos os instrumentos necessários, nem sangue nem plasma. Foi um dos momentos mais angustiantes por que passei, pois com a mão esquerda tinha o vaso agarrado, comprimindo-o, ou seja, eu tinha, praticamente, numa mão a vida desse combatente, e na outra o instrumental, que não era o adequado, tentando controlar a hemorragia.
Parei e depois esperei, pois o que estava descrito na literatura de consulta era que deveria esperar e observar por onde poderia gangrenar [morte local dos tecidos], uma vez que foi na artéria axilar que leva a nutrição fundamental ao membro superior.
Naquele caso, teve-se que amputar ao paciente, nada mais que uma parte da mão. Coisa rara, pois na maioria dos casos há que amputar o braço ou o antebraço. Era guineense, e fiz-lhe uma necrose distal da mão, ou seja, era uma evolução satisfatória naquele sentido.
Continua…
Entretanto, este pequeno grupo de médicos cubanos, em Boké, recebe, também nesta data, em julho de 1967, um reforço inesperado para a sua equipa multidisciplinar com a chegada, agora, de um português - o dr. Mário Moutinho de Pádua – que seis anos antes, em 1961, ano zero da que se convencionou chamar de «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», decidira desertar da sua unidade militar [, BCaç 88] em Angola, optando por aderir aos objectivos dos movimentos africanos de oposição e resistência às colónias europeias, onde o PAIGC acabaria por contar com a sua colaboração.
Dos diferentes itinerários e das muitas experiências vividas ao longo de cada um deles, o dr. Mário Moutinho de Pádua decidiu publicar em livro as suas memórias a que deu o título de «No Percurso de Guerras Coloniais, 1961-1969», Edições Avante, 2011. Trata-se de um tema já abordado no Blogue da iniciativa do camarada Beja Santos que nos presenteou com as suas esclarecedoras «Notas de Leitura» [P10184].
Deste trabalho divulgado no poste supra, tomámos a liberdade de citar, com a devida vénia, alguns fragmentos, com destaque para os elementos sócio históricos que considerámos relevantes, justamente para enquadramento da presente narrativa.
Em primeiro lugar, é de referir que este cidadão português, natural de Coimbra, filho de um conhecido e respeitado advogado e notário com escritórios em Luanda nos anos cinquenta/sessenta do século passado, ficará na história da Guerra Colonial/Ultramar como sendo o primeiro oficial do exército português [alferes miliciano] a desertar em Angola, em outubro de 1961 [portanto, seis meses após o início do conflito], na companhia do [1.º] Cabo Alberto Pinto, para se juntar [em?] [não conseguimos confirmar a opção deste segundo militar] aos movimentos de libertação. [http://recordacoescasamarela.blogspot.pt/2012/07/o-passado-presente-agora-novo-jornal.html].
Para melhor entendimento do percurso narrado pelo autor sobre as suas experiências, eis uma Sinopse [https://www.wook.pt/livro/no-percurso-das-guerras-coloniais-1961-1969-mario-moutinho-de-padua/11518509]:
“O autor foi o primeiro oficial português a desertar em Angola, em 1961. Neste livro narra a sua impressionante experiência a seguir à deserção, nomeadamente as prisões e torturas de que foi alvo no Congo, a sua passagem pela [ex] Checoslováquia e o seu desencanto com vários aspectos do “socialismo real”, a sua participação na construção de uma Argélia recém-libertada do colonialismo, e por fim a sua contribuição como médico na luta travada pelo PAIGC na Guiné”.
Quanto à sua colaboração com o PAIGC, ela inicia-se com a sua chegada em 1967 a Conacri [um ano depois de ter ocorrido semelhante situação com o primeiro contingente de “internacionalistas” cubanos, do qual faziam parte nove médicos]. As suas primeiras actividades clínicas acontecem no Lar do Combatente, em Conacri, onde trata os guerrilheiros feridos e doentes.
Decorrido algum tempo [pouco] sente a necessidade de realizar outras tarefas mais consentâneas com as suas habilitações académicas, vindo a concretizar esse objectivo poucas semanas depois com a sua transferência para o Hospital de Boké [julho de 1967]. Aí trabalha em cooperação com a equipa de médicos e enfermeiros cubanos, aonde os recursos clínicos eram muito limitados.
Essas lacunas estavam já identificadas há algum tempo como prova o telegrama abaixo dirigido, em 11 de abril de 1967, ao «Comité de Solidariedade Afro-asiático Thallmann Platz, em Berlim», por Amílcar Cabral.
Com tradução do francês, eis a sua transcrição na íntegra:
Telegrama ao Comité de Solidariedade Afro-asiático Thallmann Platz 8/9 Berlim
“Face situação muito grave motivo falta total medicamentos colocando perigo vida vários combatentes feridos e elementos população vítimas bombardeamentos lançamos premente apelo envio urgente quantidades medicamentos possíveis nomeadamente álcool, mercurocromo, curativos, algodão, antibióticos, antipalúdicos (antimaláricos), antidiarreico, soro, leite STOP Confiante vossa solidariedade esperamos confirmação expedição endereço PAIGC BP [caixa postal] 298 Conacri STOP Fraternais agradecimentos
Amílcar Cabral
Secretário-geral do PAIGC
BP 298 Conacri, 11 abril 1967"
Citação: (1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34963 (2016-11-8)
No âmbito da sua missão, [certo dia?] o dr. Mário Pádua desloca-se a uma base guerrilheira no interior do território guineense [Frente Sul], aonde tem contacto com a enfermaria aí existente. Era uma base com uma dezena de cabanas enquadradas e camufladas pelas copas de grandes árvores, e aonde havia uma sala de operações. Ao observar o seu interior ficou surpreso com a extraordinária limpeza do solo, para além de existir uma enfermeira afugentando as moscas durante as intervenções cirúrgicas.
Passadas algumas semanas abandona Boké [agosto de 1967], sendo transferido para Ziguinchor, no Senegal, e colocado no Lar do Combatente, que havia sido criado há pouco tempo.
Os meios postos à disposição do PAIGC, como já foi referido anteriormente, eram rudimentares, onde nas suas bases os guerrilheiros passavam toda a casta de provações e muitas vezes subalimentados, e onde os combatentes feridos estavam em primeiro lugar. Refere que estes logo que desembarcavam assistia-se ao espectáculo de feridas enormes, abertas, que já não se podiam suturar, dado o intervalo de tempo que decorrera após a lesão [alguns dias].
(...) "Eu [Mário Pádua] e os enfermeiros guineenses, meus colaboradores, limpávamos os tecidos infectados com água oxigenada, cortávamos os tecidos mortos e terminada a limpeza cirúrgica tentávamos aproximar os bordos esticando a pele com adesivo. Sucedeu, em feridas fundas e com pequeno orifício de entrada, que quando retirava a sonda exploratória, me vinha ao nariz o cheiro inconfundível da gangrena gasosa.
"Um dia comecei a tratar um soldado que tinha o braço direito muito destroçado embora não sangrasse. Estas limpezas cirúrgicas em geral demoravam horas. Este doente não se queixava de dores. Quando terminei, pele, músculos, vasos e nervos de um dos membros superiores tinham praticamente desaparecido. Apenas restavam os ossos completamente descarnados. Nestas circunstâncias só restava a amputação." (...)
Refere ainda que os guerrilheiros passavam literalmente fome, para além de serem anémicos. No Lar de Ziguinchor momentos houve em que a alimentação estava reduzida a arroz. Por isso valoriza o excessivo sofrimento dos combatentes.
Acrescenta que “quando os feridos demoravam dias para chegar a Ziguinchor, as larvas fervilhavam nos tecidos expostos. O que fazia parte da rotina da guerra e me deixava estupefacto era o transporte dos feridos e doentes por zonas flageladas, vinham em macas fabricadas com troncos. O esforço físico exigido dificilmente se pode conceber”.
Entretanto, durante a sua presença em Ziguinchor, o dr. Mário Pádua contabiliza duas experiências únicas, estas relacionadas com dois militares portugueses que, quis o destino, ali foram parar, por motivos diferentes: um por deserção, estratégia, improvidência, fuga voluntária para a prisão ou outra razão difícil de provar [que só o próprio saberá qual foi], o outro para sobreviver aos ferimentos em combate depois de ter sido capturado por grupo de guerrilheiros, o que veio a verificar-se… e ainda bem!
Capa do livro "Desertor ou patriota" |
Esta história foi contada pelo próprio e publicada em livro com o título «Desertor ou Patriota», Editora Ausência, 2004, e que constava já do espólio de memórias do Blogue, por iniciativa do camarada Virgínio Briote [P3371, de 2008], do camarada Beja Santos na sua tradicional e importante coluna «Notas de Leitura» [P6776, de 2010] e do camarada Jorge Lobo, companheiro do David Costa na CART 1660 [P7351, de 2010].
Este episódio, ao ser recentemente resgatado como tema em debate da nossa tertúlia “desertores” [P16686], originando novos comentários com diferentes perspectivas, levou-me a adiar a conclusão desta narrativa, alterando-a, inclusivamente, para não ser repetitivo.
Da investigação realizada na Casa Comum, Fundação Mário Soares, encontrei umas notas de Amílcar Cabral, escritas nos primeiros dias de janeiro de 1969, onde refere:
“Depois de sair daí [passagem de ano de 1968 na Frente Sul], tive más notícias que são as seguintes:
A priemrias relatuva a baixas do PAIGC, na sequência do ataque a Gantur+é, em 6/1/1969… [a desenvolver em próxima narrativa].
“A segunda má notícia é que o Daniel Alves [será que era o nome de guerra de Daniel Costa, ou estaremos perante outro desertor com o mesmo nome próprio?] conseguiu enganar a malta e fugiu em Dakar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos. Vamos ver como é que as coisas se passarão, mas é pena que nos tenhamos deixado enganar dessa maneira, tanto mais que sempre desconfiámos do Daniel [?] que a estas horas já deve estar com os tugas. […] Quanto ao Daniel [?] até pode-nos servir de propaganda, mas o diabo são os amigos que têm medo de tudo”. […]
Arquivo Amílcar Cabral > Documento, s/d, de Amílcar Cabral, em que dá a notícia do desaparecimento, em Dacar, do desertor português Daniel Costa...
Citação:
(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34366 (2016-11-8)
O segundo, de nome Manuel Fragata Francisco [ou Manuel Fragata], soldado da CART 1690 [1967/1969], sediada em Geba, ao participar na “Op Invisível”, realizada a 19 de dezembro de 1967, na mata do Óio, é gravemente ferido, sendo aprisionado e levado para a base de Sinchã Jobel. Desta base seguiu depois, certamente, por Sará, Morés, Maqué, Naga e Sambuia, em direcção ao Hospital de Ziguinchor, onde foi recebido e tratado pelo dr. Mário Pádua.
Sobre esta ocorrência, o camarada A. Lopes Marques refere nos [P45 + P15202} que o cmdt do PAIGC, Agostinho Cabral de Almada, com nome de guerra “Gazela”, lhe contou que o soldado Fragata foi atingido pelos estilhaços de uma granada de RPG2, tendo ficado “furado” e, por consequência, impossibilitado de caminhar. Ficou prisioneiro, e levado de maca [talvez de troncos onde, certamente, a sua dor e o sofrimento seriam constantes em cada batimento cardíaco] desde a mata do Óio até ao Hospital de Ziguinchor, em Casamansa, Senegal [aonde terá chegado muito perto do Natal de 1967].
Mapa da Guiné-Bissau > Indicam-se os prováveis itinerários utilizados pelo David Costa (a vermelho) e o Manuel Fragata (a azul) até Ziguinchor.
Aí permaneceu cerca de dois meses e meio em recuperação, sob os cuidados do dr. Mário Pádua, até que em 15 de março de 1968 foi entregue à Cruz Vermelha do Senegal e repatriado, por via aérea, para Portugal, onde ficou internado no anexo do Hospital Militar Principal, na Rua Artilharia Um, em Lisboa.
Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > 15 de março de 1968 > Entrega de prisioneiros portugueses à Cruz Vermelha do Senegal (Reprodução com a devida vénia...)
Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44075 (2016-11-8)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 05224.000.038Título: Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal
Assunto: Osvaldo Lopes da Silva durante a entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar [Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco].
Data: Sexta, 15 de Março de 1968
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias
_________________
Nota do editor:
(*) Vd. poste de 18 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo)
7 comentários:
Mas será que para a história da Guiné-Bissau ficar bem escrita, terá que ser construído um memorial ao mundo inteiro que generosamente ajudou aquele pequeno povo a livrar-se daqueles teimosos e monstruosos colonialistas "Tugas"?
Cubanos, suecos, senegaleses, guineenses, soviéticos, jugoslávos, vaticano...!
Ao menos que o autor desse monumento venha a ser um artista da Guiné, para ficar algo da sua lavra, exclusiva.
A fama dos médicos cubanos era descrita pelos guineenses nos primórdios da independência assim:
Se fores ao Simão Mendes e tiveres ferida na mão, não mostres que te "quitan la mano" se fôr no pé te "quitan la pierna".
No meio da maior miséria sobrava um pouquinho de humor ao povo guineense.
Jorge:
O alegado desertor que é apanhado, primeiro, pelo PAIGC, e que depois os finta todos (Amílcar Cabral, Lu+is Cabral, Mário Pádua...), fugindo de Dacar, será mesmo o David Costa ou será um outro caso ?...
O Amílcar Cabral chama-lhe DANIEL ALVES... Será que o David Costa lhes deu um nome falso ? Em princípio, é possível, ele deve ter fugido indocumentado, em 17 de maio de 1967...
Temos que confirmar as datas... Quando puderes...O documento que citas, em que o Amílcar Cabral dá aos seus camaradas duas más notícias deve ser de janeiro de 1969:
(i) uma é o massacre de Sagonhá (6/1/1969); e (ii) a outra é a "deserção" (desta vez das "fileiras" do PAIGC...) do tal "Daniel Alves" (sic)...
Cheira-me que são dois casos diferentes pelo "desfasamento" das datas... Ou será que o David Costa viveu em Dacar um ano e meio, beneficiando da "hospitalidade" do PAIGC (cama, mesa e roupa lavada ?)... Temos que esclarecer o(s) caso(s)...
De qualquer modo, este episódio do tal "Daniel Alves" só revela que éramos todos... "ingénuos", nós (as NT), o Amílcar Cabral, o Luís Cabral, o Mário Pádua... Uma trágica ingenuidade que nos levou, a todos, a um puta de uma guerra sem sentido, como todas as guerras...
Ab. Luis
PS - Confirma: a 1ª má notícia do AC terá a ver com o "massacre de Sangonhá" (, na sequência do ataque do PAIGC a Ganturé), em 6/1/1969, já abundantemente descrito no nosso blogue:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/02/guin-6374-p2574-estrias-de-guileje-9-o.html
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Sangonh%C3%A1
Não é de ontem nem de hoje a crítica popular (e a denúncia através do humor sarcástico) à experiência da negligência médica e do erro clínico ('efeitos adversos', como se diz hoje)... Ela está bem documentada através de ditos que ainda hoje da chamada "sabedoria popular" que nos chocam pela sua crueza;
"Com o que sara o fígado, enferma o braço";
"Erros médicos a terra os cobre" ou, noutra versão,
"O médico e o calceteiro cobrem os erros com terra";
"Guarde-nos Deus do físico esperimentador (sic) e de asno ornejador";
"O bom médico é o do terceiro dia";
"O melhor médico é o que se procura e se não encontra";
"Pior é ter mau médico que estar enfermo";
"Salamanca a uns sara e a outros manca";
"Se tens físico teu amigo manda-o a casa do teu inimigo".
Salamanca era famosa, no século XVI, pela sua escola médica, sendo muito procurada por estudantes portugueses. Nela se formaram (ou doutoraram) nada menos do que dois dos nossos três maiores médicos até ao século XVIII, todos aliás de origem hebraica e obrigados a refugiarem-se no estrangeiro por causa da Inquisição: referimo-nos a Amato Lusitano (1511-1568) e a Ribeiro Sanches (1699-1782).
Em todo o caso, era fraca a reputação da universidade, aos olhos da gente comum:
"Mais vale experiência que ciência";
"Mais vale um ano de tarimba do que dez de Coimbra";
"Mais vale um burro vivo do que um doutor morto";
"Médicos de Valência: grandes fraldas, pouca ciência"...
O que é que os pobres guineenses poderiam dizer, a seguir a independência, do Hospital Simão Mendes ?
Rosinhja, vens enriquecer a coleção de provérbios sobre a saúde, a doença e os praticantes da arte médica:
Se fores ao Simão Mendes e tiveres ferida na mão,
não mostres que te "quitan la mano":
se fôr no pé te "quitan la pierna".
Isto dito em crioulo, ainda deve ter mais graça!...
http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos74.html
Luís e restantes camaradas,
Antes de mais as minhas desculpas pelo enorme lapso que cometi e que só agora dei conta.
De facto, estamos perante dois casos distintos. Serão, certamente, dois desertores das NT, o 1.º é o David Costa, que depois de ter regressado a Bissau, foi preso e julgado em 1968 [segundo as minhas contas entre maio e junho].
O 2.º é o Daniel Alves [se o nome for verdadeiro!?] e que terá fugido de Dakar, a exemplo do David Costa, em finais de 1968.
Baralhei-me com os nomes: David vs Daniel.
Sobre a 1.ª má notícia de Amílcar Cabral referida na sua nota de "Ano Novo", ela refere-se justamente às baixas do PAIGC no ataque a Ganturé. Como tenho mais elementos extra, irei cruzá-los, dando-vos conta em nova narrativa.
Um abraço e muita saúde.
Jorge Araújo.
É uma pena os nossos médicos não terem tempo nem pac hora para ler estas notas de leitura... A resposta do dr. Duverger à questão XV ("casos interessantes", do ponto de vista clínico...) mereciam largas comentários...
Relativamente ao comentário que a nossa Tabanca Grande refere ao Jorge, eu gostaria de acrescentar algo ao que eu próprio já tinha cá escrito sobre a deserção do David Costa.
Ora bem, depois da cena da carta com a fotografia que alegadamente teria sido enviada pela namorada de um camarada do David, de nome, cabo Chantre, enfermeiro da Cart 1660, o David acabrunhado com a situação decidiu sair do quartel de Mansoa vagueando pelos arredores da vila até se perder no terreno. A sua saída do quartel aconteceu por volta das 15 horas logo após a distribuição do correio....Entretanto, anoiteceu e deduzo que o David se tenha desorientado seguindo a estrada na direção de Braia. Pelo que ele conta no seu livro, viu as luzes do (quartel de Braia ? ) mas decidiu não arriscar a entrar dentro do arame farpado. Sou de opinião que o pessoal das tabancas na saída de Mansoa-Braia, eles colaborariam com os guerrilheiros do PAIGC e ao ver aquele militar fardado, só e desarmado a sair da vila, provavelmente comunicaram isso ao PAIGC e, tê-lo-iam seguido durante a noite penso o local da captura não seria muito longe do quartel, talvez entre Mansoa e Braia. Os guerrilheiros do PAIGC teriam capturado o rapaz tendo-o levado para a zona de Morés e arredores nomeadamente para Iracunda perto da estrada que liga Bissorã a Mansabá. Recordo que o David esteve desaparecido cerca de 3 a 4 meses, período este em que viveu a sua terrivel odisseia atravessando a Guiné entre Morés, Zinguichor, etc, odisseia que só ele saberá contar em pormenor. Sei que depois do seu regresso a Manso, ele foi interrogado no quartel e parece-me que chegou mesmo a ter de sair do quartel com uma companhia do bat 1912 na tentativa de refazer o percurso que antes tinha efetuado na sua deserção. Segundo o rapaz contou na altura, o regresso dele foi feito através de Dacar, mas também já li por cá outras histórias diferentes em relação ao local onde a avioneta militar o foi buscar no senegal. Está correta a data da sua saída do quartel em 17/05/1997. O caso da fuga do Daniel Alves deve ter acontecido já depois do julgamento do David e ao qual eu assisti ao vivo o qual foi condenado a 2 anos um mês e um dia de prisão nos primeiros dias de Novembro de 1968, cerca de uma semana antes da CART 1660 ter regressado à metrópole. Cabo Lobo, atirador da cart 1660.
errata. Não é 17/05/1997 mas sim 17/05/1967. As minhas desculpas.
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