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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Julho de 2024 com mais um texto, desta feita alusivo aos Horizontes da Memória.

Horizontes da Memória

Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...

Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
N/M Benguela - Com a devida vénia a Dicionário de Navios Portugueses

Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…

A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…

Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.

O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.

As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…

O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.

Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.

As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!

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Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

sábado, 3 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)




Excerto da edição do "Diário de Lisboa", de 10 de setembro de 1974, com a notícia do reconhecimento (formal), pelo Governo Provisório Português, da indepemndência da Guiné-Bissau. Era presidente da República o general Spínola, aqui, na foto, no Palácio de Belém, com a delegação da Guiné-Bissau, chefiada pelo major Pedro Pires, e constituída pelo comissário para as Relações Exteriores, Vitor Saúde, e o comandante da Frente Leste Serafam Malém (?), e quem foi acompanhada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soarea.


Fonte:Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares | Pasta: 06820.170.26872 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18558 | Ano: 54 | Data: Terça, 10 de Setembro de 1974 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos 

(1974), "Diário de Lisboa", nº 18558, Ano 54, Terça, 10 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4792 (2022-12-2) (Com a devida vénia...)


1.  Chegamos ao  fim das nossas noats de leitura (*) do livro de João Céu e Silva . "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.).

Mais do que uma biografia lietrária de Vasco Pulido Valente (VPV) (1941-2020), trata-se  de uma longa (e apaixoante)  viagem pela história de Portugal, desde o início das invasões francesas e saída da corte para o Brasil em 1807 até à atualidade. O jornalista e escritor João Céu e Silva, com formação em história, realizou uma 
centena de horas de entrevistas gravadas, com VPV, ao longo de quase dois anos.

O livro acaba por ser também uma espécie de "testamento" do entervistado, um dos maiores (e mais polémicos) cronistas do seu tempo, e também um conceituado historiador, especialziado na nossa história dos últimos dois séculos.

Deste livro, achámos que podia interedsar aos nossos leitores tudo o que dizia respeito, direta ou indiretamemente,  à guerra colonial e às forças armadas, incluindo o 25 de Abril,o 25 de Novembro, Spínola, o MFA e a descolonização.

Para finbalizar, deixamos aqui,  com a devida vénia (ao autor e à editora(, mais uns tantos excertos : (i) o 25 de Abril, visto por VPV como um "pronunciamento militar"; (ii) o 25 de Abtril e a "técnica do golpe de Estado"; (iii) o "mistério" do 25 de Novembro que não teve "mistério nenhum"; e, por fim, (iv) a descolonização e a "culpabilização" do Mário Soares.

Seleção, revisão, fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, bem como notas complementares dentro de parêntes retos: LG) (**).


(i)  25 de Abril: pronunciamento militar

P- Refere que a revolução de Abril foi romântica e fraudulenta. Portugal nunca muda ?

R- É fraudulenta porque foi uma revolução inventada, pós-facto- Os capitães queriam sair de África e deram a volta. Não fizeram uma revolução, foi um pronunciamento, e depois, quando chegaram ao poder, precisavam de uma ideologia. 

Só após terem feito o pronunciamento é que perceberam a gravidade e o alcance do que tinham feito, e necessitavam de eliminar a sociedade portuguesa tradicional para não sofrerem nenhuma espécie de represálias. E eliminaram. 

Atrás disto veio um movimento de opinião a que se atribuiu essa eliminação da sociedade tradicional, que foi, aliás, bastante artificial, e feita pelo governo e não pelas massas. As nacionalizações não foram impostas pelas massas, a reforma agrária não foi de acordo com as massas, a revolução foi decretada e a reforma agrária foi realizada em atos militares e na maior parte dos casos sob proteção dos militares. E pelo PCP também. Sim, pelo PCP, pelos militantes do PCP, que eram muito poucos,, e pelos militares. Os militantes do PCP não teriam chegad.

E atrás disso um movimento romântico indefinido, que exortava as maravilhas do socialismo real,  o governo do povo ou o poder popular,  e, como não fazia sentido nenhum, acabou por cair” (pág. 42).


(ii) 25 de Abril: a técnica do golpe de Estado


(…) Um golpe militar não tem destino e este tem de ser procurado na vida civil, na Igreja, na maçonaria ou, no caso do 25 de Abril, no Partido Comunista Português ou no Partido Socialista. 

Os militares diziam “não queremos continuar com a guerra colonial (…) queremos dar autodeterminação aos nossos pretos (…) porque os nossos são diferentes dos pretos dos outros, são nossos amigos”. 

Dava-se a liberdade aos “nossos pretos” e depois, para onde se vai ? “Nós somos uma malta porreira, somos camaradas” – tratavam-se assim – “e isto aqui é uma igualdade do caraças. Rastejámos todos  pelo chão na recruta, pendurámo-nos todos em argolas e temos todos de andar  com farda”. 

A única coisa que os militares podiam fazer a seguir ao 25 de Abril era buscar qualquer coisa fora da instituição, uns foram buscar o PCP, outros o PS. (…) 

Quanto a Otelo, foi buscar coisas ao anarcossindicalismo, que ele nem percebeu o que era e chamou de poder popular

Ou seja, os militares não tem destino em si próprios; podem organizar muito bem uma operação como o 25 de Abril, mas basta seguir a cartilha. (…) (pp. 96/97).


(iii) 25 de novembro de 1975: 

não houve mistério nenhum

 

P . Temos o 25 de novembro de 1975. Continua a ser um dos grandres mistérios ?

R – Não acho que seja um grande mistério. O que aconteceu é que havia unidades  no Exército português que estavam contra o PCP, e aquele rumo da revolução, entre elas a dos Paraquedistas , a dos Comandos e algumas pessoas que tinham feito outro trajeto político. 

Entre essas, os que tinham sido contra os mercenários, que se tinham passado para o Estado-Maior de Spínola e ficado com um certo prestígio no movimento dos capitães,, porque tinham sido os primeiros a protestar: era o caso  de Eanes e, nos Comandos, o Jaime Neves. 

Foi simples e encontraram-se e fizeram o golpe do 25 de Novembro. O Eanes dirigiu e o Jaime Neves executou. Todos os seus colegas diziam que eles eram brilhantes operacionais (…), daí não me não tenha surpreendido que tivessem ganho. Não houve mistério nenhum nisso, até porque contaram com o apoio do Soares e tinham o respaldo político do PS (pág. 194) (…)

(…) Foi um golpe em que os operacionais do Copcon e do PCP não participaram. E o que aconteceu foi que o Eanes fomou conta do Exército e teve de imediato todo o seu apoio. Tinha sido um golpe um pouco contrarrevolucionário, um clássico. Eanes pôs todas as unidades fora de Lisboa, suspendeu uma quantidade de oficiais  duvidosos e ao fim de oito dias tinha o Exército na mão. A história terminou (pág. 197).

(…) Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é.  A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade (pág.  210)

(iv) Descolonização: 

por favor não culpem o Mário Soares 


(...) Um disparate que tantas vezes foi explicado à população [o quererem culpar o Mário Soares pela descolonização].

Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.

Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).

(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

29 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...

27 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)

24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...

17 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I . As colónias não valiam o preço...

Último poste da série:

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22599: Questões politicamente (in)correctas (55): Na hipótese de terem aceitado vir para Portugal os ex-comandos guineenses, pergunta-se: que tipo de país os iria receber ao aeroporto de Figo Maduro? (José Belo, jurista, Suécia)


O contexto é outro, completamente diferente... Como curiosidade aqui segue foto do Rei sueco a entregar um Guião ao regimento de tropas especiais sediado na Lapónia. Se o leitor se der ao trabalho de olhar um pouco mais atentamente, lá descobrirá a "minha rena" estampada no guião...


1. Texto e fotos enviados pelo Joseph Belo, régulo jubilado da Tabanca da Lapónia:


Data - segunda-feira, 4 out 2021, 12:26  

Assunto - O idealismo fácil fora dos contextos envolventes ou inda os Comandos Africanos como arma de arremesso para alguns

Ao procurar-se analisar a triste sorte dos Comandos Africanos da Guiné tem-se vindo a cair numa forma abstrata de análise que, artificialmente, acaba por quase isolar o sucedido de todo um contexto, tanto guinéu como... português!

A terem aceite a oferta apresentada de uma nova vida (militar!) em Portugal pergunta-se:

  • Que tipo de país os iria receber no aeroporto de Lisboa? 
  • Que jogadas político-militares se iriam desde logo suceder à volta destes militares altamente treinados e motivados? 
  • Para mais, num período em que grupos extremistas com boas economias de apoio exerciam uma influência muito acima das suas possibilidades reais, não menos junto de alguns militares?
  • Dentro das escolhas políticas que começavam a “extremar-se” dentro das Forças Armadas, e seus representantes de “cartaz”, quais seriam desde logo os debates, as acusações, os plenários, tudo numa procura de “instrumentalizar” estes militares no que significavam?
  • E, a não conseguirem usá-los para os seus fins políticos, lá viriam oportunas formas de os destruir.(**)

Neste caso, como em muitos outros, não se pode esquecer que o caos (!), mais ou menos navegado por alguns, era uma realidade subjacente a este período. A situação criada por este “desembarque” seria demasiado complicada para ser desejada por muitos.

Os com melhor memória recordarão o mais tarde(!) passado com outro contingente numerosos de tropas especiais, neste caso paraquedistas que, antes e desde o seu desembarque em Lisboa, foram de imediato envolvidos por manobras político-militares com vista à sua instrumentalização futura.

E este exemplo passou-se bem depois da independência da Guiné.

Um outro exemplo, este pontual, mas não menos representativo de toda uma “situação” envolvente, teve lugar no RALIS.

Ainda “a quente “ dos acontecimentos do 11 de Março,  o Comando Africano Marcelino da Mata, ao apresentar-se neste Regimento, acabou por aí ficar detido por um grupo de badamecos fardados.

Estes elementos agrediram e torturaram demoradamente Marcelino da Mata, figura para eles representativa de um criminoso da guerra colonial.

Não fora o facto de três Oficiais, ao terem conhecimento do que se estava a passar, de imediato se terem dirigido a este Regimento, e, depois de enormes dificuldades, terem conseguido que este Comando guineense fosse encaminhado para a autoridade competente de analisar o seu “caso”, as coisas poderiam ter terminado mal.

Voltando a salientar tratar-se de um caso pontual, mostra no entanto um “certo estado de espírito” em relação ao Comando Africano, existente no período em… alguns meios!

Um abraço do J.Belo
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



(**) Último poste da série > 23 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22568: Questões politicamente (in)correctas (54): Heróis... e heróis: um debate necessário, quando, numa guerra, estão em causa os direitos humanos (José Belo, jurista, Suécia)

domingo, 10 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 31 de Maio de 2018, trazendo-nos uma reflexão intitulada Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços.


Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas 
e da Descolonização e dos seus Destroços

I 

Pertencemos à geração, ora grisalha, que “FOI ATÉ ONDE A PÁTRIA FOI”, que fez o 25A74 e o 25N75, a destituir governos que não gostava e que reconstruiu Portugal dos destroços da Descolonização e do PREC.

Somos uma fonte da nossa história, depomos na primeira pessoa, como actores vivos dos seus factos acontecimentais. Ninguém é obrigado a condescender com o branqueamento da que vem sendo escrita “sob o manto diáfano da fantasia” ideológica, nem com a sua perversão por parte dos complexados “cientistas sociais” emergentes.

De facto, tudo o que nos séculos XV e XVI os Portugueses descobriram já existia – mas estava encoberto. A gesta dos Descobrimentos, em primeiro; a saga e a diáspora da Expansão, depois. E sempre. A guerra africana dos Portugueses tem designação matricial: do Ultramar para nós e de Libertação para quem combatíamos. A terceira designação de Guerra Colonial pertence a terceiros, é semântica, mesquinha, redutora, com carga depreciativa sobre o nosso país e a nossa própria cidadania. Aos discordantes: ao menos aceitem essa realidade como aceitam o Novo Acordo Ortográfico…

Os mesmos que montavam emboscadas e faziam cercos, assaltos, etc a grupos armados, portadores do armamento mais evoluído, que manobravam segundo as mais avançadas tácticas de guerra, arriscavam as vidas e integridade física a proteger as populações indefesas, as sementeiras e as colheitas da subsistência das suas comunidades, garantiam-lhe a mobilidade por terra, ar e água, construíam-lhes casas, infra-estruturas urbanas, postos médicos de serviços universais, escolas, estrada e em escoltas para salvar doentes e parturientes. Jamais os países da CPLP beneficiaram de cooperação tão eficiente, extensa, profunda e inclusiva – e a custo zero. Existia um Estado e obrigámo-nos a fazê-lo funcionar. Essa realidade era uma guerra colonial?

De personalidade complexa, Salazar (e a sua circunstância), para além de ditador suave (comparável a De Varela, da Irlanda, a grande distância da de Franco, da Espanha, Mussolini da Itália, Hitler, da Alemanha, Estaline da URSS ou da de Fidel Castro, de Cuba) foi um grande patriota. Pegou num Estado em falência total, consequência da nossa guerra na África e participação na Europa – a nossa derrota em La Lys aconteceu há 100 anos - e da irresponsabilidade dos “progressistas” da I República, lidou com a Guerra Civil da Espanha e com II Guerra Mundial.

Levantou o Estado Português “orgulhosamente só”, começando por mandar regressar de Genebra os diplomatas, que penosamente negociavam um empréstimo emperrado na Sociedade das Nações, obviamente à “custa dos mesmos” do costume; entrou da nossa história como estadista de primeira água, até mais até pela sua seriedade – não se apropriou do que pertencia a todos; o invés dos políticos poltrões e corruptos desta era “Pós Verdade”, desde deputado a presidente da câmara, (salvo muitas e honrosas excepções), que além de conduziram o país à falência, em época de paz e prosperidade, colocaram o Estado Português sob o protectorado do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, com a tarefa de levantarem de novo o Estado Português, também às “custas dos mesmos” do costume, obviamente.

Não me esqueço ter sentido arrepios ao ver do General Garcia Leandro, grande capitão da Guiné, do 25A74 e do 25N75, a dizer na televisão, ainda comovido, ter chorado na madrugada da chegada desse dia da chegada da “troika”!

Sem lhe desculpar o modo esdrúxulo como se auto-impôs Presidente do Conselho, no contexto do tufão Humberto Delgado, um dos seus ex-capitães, Salazar terá lidado com o caso da Índia e com o desencadear da guerra africana num estádio de acentuada senilidade.

(Lembremo-nos o desempenho político do notável Mário Soares, nos seus últimos tempos de vida).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18442: (In)citações (118): sociocoreografia de um batuque (Cherno Baldé / Valdemar Queiroz)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17335: Agenda cultural (559): Apresentação do livro "25 de Novembro - Reflexões", coordenação do Coronel Manuel Barão da Cunha, dia 11 de Maio de 2017, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha



 


O nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos notícia da apresentação de mais uma tertúlia Fim do Império, a levar a efeito na próxima quinta-feira, 11 de Maio de 2017, na Messe Militar do Porto.




17.º CICLO DE TERTÚLIAS, PORTO

174.ª TERTÚLIA

11 DE MAIO DE 2017 - 15 HORAS

MESSE MILITAR DO PORTO



Organização da Liga dos Combatentes, Núcleo do Porto, presidido pelo Coronel Comando José Manuel da Glória Belchior, coadjuvado pelo Capitão Delgado; em articulação com o coordenador do Programa; na Messe Militar, na Praça da Batalha, apresentação do 25.º livro Fim do Império, "25 de Novembro - Reflexões", coordenação do Coronel e Dr. Manuel Barão da Cunha.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17330: Agenda cultural (558): Sessão de lançamento do livro de Graça Fernandes, “Aparições em Fátima – 1917”, hoje. dia 8, 2ªf, às 17:30, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Um dos apresentadores é o cor inf ref e escritor Manuel Bernardo

sábado, 18 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17153: O ten cor cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (2): A. Marques Lopes, cor DAF ref, ex-alf mil, CCAç 3 (Barro, 1968)


Título de caixa alta do jornal Público, "O inferno de Guidje", 5 de Novembro de 1995. Texto de Francisco de Vasconcelos; fotos da  Lusa. (Acima, à esquerda, o cor cav ref António Valadares Correia de Campos, um dos bravos de Guidaje).


Coronel de cavalaria reformado António Valadares Correia de Campos, em 1995. Foto da Lusa. Aos 50 anos, era o comandante do COP 3 e foi um dos bravos de Guidage (maio/junho de 1973. Natural de Viseu (n. cerca 1923),  faleceu em Lisboa em 2006. Vai-lhe ser prestada homenagem, em documentário televisivo, assinado pelo realizador António Pedro de Vasconcelos, pelo seu papel no 25 de Abril.

O A. Marques Lopes, com um dos seus "jagudis", da CCAÇ 3.
Foto de arquivo.
Texto enviado em 22 de outubro de 2006, por A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alf mil, CART 1690, Geba,  e CCAÇ 3, Barro (1967/68), na altura  membro da direcção da delegação Norte da A25A - Associação 25 de Abril, e já publicado, no nosso blogue, há mais de 10 anos (*)

A propósito de Guidaje (...),  deixem-me aqui recordar um homem por quem fiquei com muita admiração desde a primeira vez que o conheci.

Eu conheci o tenente-coronel António Correia de Campos num dia de 1968, quando eu estava com a CCAÇ3,  de Barro, durante uma operação realizada no corredor de Sambuiá e por ele comandada (foi nessa altura também o comandante do COP 3).

No meio do fogachal de uma emboscada,  vi a sua figura insólita, para as circunstâncias, de pingalim de cavaleiro, pistola e coldre à cowboy, seguros com um fio à volta da coxa direita, sempre em pé e gritando: 
− O morteiro está à direita, uma bazucada para lá!... Fogo intenso para o lado esquerdo, é lá que está o RPG!...

Disseram-me, depois, que o Correia de Campos era mesmo assim, uma coragem e calma impressionantes. Numa outra operação na mesma zona [vd. carta de Bigene], já nos finais de 1968, também comandada por ele, o meu grupo, quando foi dada ordem de retirar, atrasou-se, porque levava um morto com o pescoço aberto por um estilhaço de rocket, e um guerrilheiro, ferido com uma rajada na barriga e deixado pelo IN, ia apoiado nos ombros de dois soldados meus (**)

Quando tivemos que atravessar uma bolanha com água muito alta (foi em plena época das chuvas) disse aos meus [soldados guineenses] para fazerem uma maca de ramos para o deitar e levá-la pela bolanha. Fizeram a maca, sim senhor, mas não quizeram pegar nela:
− É turra, deixa ficar, vem jagudi e come ele...

Pegámos nela, eu e um furriel branco. O nosso morto foi às costas de um do grupo. Só quando íamos a meio da bolanha, com água pelo peito, é que apareceram dois, muito enfiados, a oferecerem-se para levar a maca. Chegámos depois à base de operações, onde estava já o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira paraquedista. Mandei formar o grupo, mesmo em frente do tenente-coronel, e dei-lhes uma piçada, chamei-lhes todos os nomes... e que nem eram bons para os gajos da raça deles... e coisas que me vieram à cabeça por estar muito lixado. Diz-me o tenente-coronel Correia de Campos, que me ouvira serenamente: −EH, pá, não te chateies, as coisas são mesmo assim... manda-os pó caralho e paga-lhes umas cervejas... Mas,  olha, a enfermeira diz que o homem já morreu, não aguentou.

Era também comandante do COP 3 [, com sede em Bigene, ] durante o cerco de Guidaje, para onde foi assim que o cerco começou (esteve lá desde 10 de Maio). No Público Magazine, de 5 de Novembro de 1995, escreveu o jornalista Francisco de Vasconcelos:

(...) “Sobre a acção de Correia de Campos no cerco (que é também destacada por Ayala Boto), um dos oficiais das forças especiais ali enviadas foi peremptório: Guidage, no fundo, não há dúvida, aguentou-se devido a ele. Foi um esforço brutal pedido a um homem de 50 anos. Uma vez terminado o cerco, Correia de Campos  − hoje reformado em coronel − esteve alguns dias preso em Bissau, devido a uma infracção cometida em época anterior por um oficial sob o seu comando...

“No meio do inferno de Guidage, o governador Spínola foi ali de helicóptero para visitar a guarnição, dirigir um apelo à coragem e patriotismo dos oficiais e anunciar-lhes que iria enviar para a região o Batalhão de Comandos Africanos. Recorda Ayala Boto, que acompanhava Spínola como ajudante de campo: À chegada, a primeira imagem que surgiu foi a de uma povoação abandonada e com um único habitante que se dirigia para o heli como se estivesse a passear na Baixa de Lisboa. Era Correia de Campos.

"Após a partida do governador, gerou-se um movimento de abandono do quartel por parte de muitos militares, que queriam ir-se embora, tendo sido impedidos de o fazer por Correia de Campos, que, lembra o próprio, se postou de sentinela, à saída do aquartelamento" (...).


Lembro que ele foi um homem do 25 de Abril: às 10 horas do dia 25 foi ele que foi enviado pelo Comando da Pontinha para ali coordenar as operações. Foi ele, mais o Jaime Neves, que entrou, a seguir, no Ministério do Exército e aí prendeu diversos oficiais superiores, incluindo o coronel Álvaro Fontoura, chefe do gabinete do ministro do Exército (este já tinha fugido).

Após o 25 de Abril foi comandante do Regimento de Lanceiros 2 até ao 25 de Novembro de 1975.

Foi um bravo e nobre militar, injustiçado depois como muitos militares de Abril. (**)

A. Marques Lopes
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1235: Coronel Correia de Campos: um homem de grande coragem em Sambuiá e Guidaje (A. Marques Lopes)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16709: Agenda cultural (514): Lançamento do livro "25 de Novembro, Reflexões", coordenação do Coronel Manuel Barão da Cunha, no próximo dia 15 de Novembro de 2016, pelas 15h00, na Livraria/Galeria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 92, em Oeiras

 C O N V I T E 
 



Mensagem do nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, com data de 4 de Novembro de 2016:

Caríssimos,
Recordamos o lançamento do livro "25 de Novembro, Reflexões" no próximo dia 15, pelas 15h00, em Oeiras, na Livraria Municipal (ver anexo), compreendendo 30 autores, incluindo os Generais António Barrento, Vasco Rocha Vieira; Monteiro Pereira, Ramalho Eanes, Dr. José Manel Barroso.
Fiquem bem, quem puder ir será bem-vindo e também agradecemos divulgação,

Manuel Barão da Cunha
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16694: Agenda cultural (507): Apresentação do livro "Quatro Rios e um Destino", da autoria de Fernando de Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, dia 10 de Novembro de 2016, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16526: Notas de leitura (883): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 - Testemunho de Carlos de Matos Gomes (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Desconhecia inteiramente esta edição, e li de um só fôlego o testemunho do Coronel Carlos de Matos Gomes, o escritor Carlos Vale Ferraz, considero o seu romance "Nó Cego", a maior jóia da literatura da guerra colonial.
O escritor embarcou num projeto universitário que pretendia clarificar a emergência dos núcleos ultramarinos que derrubou o Estado Novo. Numa posição privilegiada, fazendo parte do núcleo fundador do MFA da Guiné, vai recebendo e passando as informações pertinentes sobre a contestação, pondo a nu a situação da Guiné onde a ausência de solução política estava em vias de comprometer a tão debilitada organização das Forças Armadas na colónia. Conta meticulosamente e vamos depois ouvi-lo sobre a situação político militar e as primeiras negociações com o PAIGC.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: testemunho de Carlos de Matos Gomes (1)

Beja Santos

A obra intitula-se “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins e os entrevistados dos três teatros de operações foram Carlos de Matos Gomes, José Villalobos Filipe e Nuno Lousada, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014. O objetivo da obra é de contribuir para o conhecimento sobre a descolonização portuguesa na sua fase final, e resulta de um projeto de investigação sobre a participação dos militares portugueses na descolonização. De forma preambular, os dois organizadores abordam a génese do MFA nas colónias portuguesas de África, pretendiam-se iluminar a emergência dos núcleos ultramarinos do MFA, conhecer-lhes as suas convicções e valores, a forma como sentiam a pressão político-militar dos movimentos de libertação. Historiam a sequência dominante de factos que incendiaram a consciencialização dos militares: o anúncio da realização do Congresso dos Combatentes, que se realizou em 1973, evento que não escondia a necessidade de continuar a legitimar a continuação da guerra; a contestação desencadeada em torno dos Decretos Leis 353/73, de 13 de Julho e 409/73, de 20 de Julho, destinados a suprir a carência de oficiais profissionais, através do acesso a uma rápida carreira proporcionada a milicianos com serviço de guerra; a rede do Movimento dos Capitães estava organizada em final de 1973; e a situação particular do MFA da Guiné que tinha inclusivamente montado um esquema revolucionário, caso falhasse o golpe militar na metrópole; segue-se o processo da institucionalização do MFA, a partir de 1974, que não cabe aqui analisar.

Primeiro a estatura militar do entrevistado. Fez uma primeira comissão no Norte de Moçambique, no Niassa, era alferes e tinha 20 anos; fez o curso de Comandos como Adjunto na 21ª Companhia de Comandos, Companhia que foi transferida de Angola para Moçambique, combateu na área do Cabo Delgado-Mueda; ofereceu-se como voluntário para os Comandos Africanos da Guiné; faz parte do núcleo fundador do MFA da Guiné e aí vive as primícias da descolonização. Reflete sobre o projeto político de Spínola, a preparação recebida na Academia Militar, o seu grau de preparação política, declara ter pertencido à esquerda da esquerda do COPCON, com o 25 de Novembro acabou aí a sua atividade política.

Segundo, Carlos de Matos Gomes descreve as impressões da Guiné à chegada e durante a sua comissão. Impressionou-o a manta de retalhos étnica, a ausência de coerência entre etnias, quando ali chegou a guerra tinha evoluído de tal modo que se sabia ter de encontrar com caráter de urgência uma resposta política na ausência de um dispositivo militar à altura das novas estratégias do PAIGC, designadamente as grandes operações destinadas a desarticular a quadrícula e reduzir o moral das tropas a fanicos. Fala das Operações onde interveio, realça a Ametista Real e Neve Gelada, para tirar Canquelifá do sufoco. E comenta:
“A partir dessa altura, quando o Batalhão de Comandos intervinha já era em situações de tal forma críticas, que normalmente levávamos o batalhão inteiro, e fazíamos como se faz por normal nestas situações, utilizávamos duas unidades em primeira linha, mantínhamos uma em reserva, e depois íamos manobrando estas três unidades. Isto representava, claramente, o agravamento da situação militar em dois anos, e passarmos de operações com 50 homens para operações com 400, 500”.

Terceiro, pronuncia-se sobre a génese e estruturação do MFA. A partir de um grupo de amigos como Jorge Golias, José Manuel Barroso, Jorge Alves e Duran Clemente pôde ter-se um desempenho importante na contestação ao Congresso dos Combatentes. Spínola e o seu círculo restrito criticaram profundamente a iniciativa do congresso, o Governador procurava estabelecer algum tipo de negociação com Amílcar Cabral, depois de uma iniciativa Marcello Caetano determinou o fim de quaisquer conversações com o chefe da guerrilha. É o período em que as relações entre Spínola e Marcello Caetano se azedam, impedido de negociar, Spínola pede o fim da sua comissão e regressa com praticamente todo o seu staff. Tudo isto coincide com a contestação da legislação que favorecia a chegada de milicianos ao posto de capitães, a contestação que se está a formar na Guiné já não conta com os spinolistas. O grupo expande-se, continua a reunir em lugares militares como a biblioteca do CTIG ou no Agrupamento de Transmissões. O grupo fazia uma leitura pessimista da situação militar:
“As unidades que estavam a chegar à Guiné eram cada vez piores. Havia uma degradação clara do potencial militar. Unidades pior treinadas, pior comandadas, desmoralizadas. Houve unidades que chegaram lá, foram colocadas nas suas zonas de ação e tiveram de ser retiradas para ser reinstruídas e reenquadradas, comandantes de batalhão a quem teve de ser retirado o comando. Nós sabíamos que o aparelho militar português estava a esboroar-se e não tinha capacidade de resposta”.
Nesta fase dá-se uma ligação natural entre o movimento da Guiné e o movimento de Portugal. Chegou a ser equacionado, na Guiné, a possibilidade de lançar um golpe mais cedo do que veio a acontecer, com a tomada dos aviões do aeroporto:
“Havia um dia – que era a quarta-feira – em que iam a Bissau o Boeing da TAP e o da Força Aérea e equacionámos que se um dia a situação se agravasse a tal ponto que nós não tivéssemos controlo, tínhamos aí o poder para evacuar os nossos, as mulheres e os mais frágeis, para Cabo Verde e depois a seguir iríamos negociar. Isto esteve montado numa reunião em casa do 2.º Comandante do Batalhão de Paraquedistas, o Major Mensurado”.
Dá conta da trama montada nos contactos com a metrópole, Angola e Moçambique, trocam-se informações e envolve-se cada vez mais gente. E assim se chega aos acontecimentos do 26 de Abril em Bissau, estão prontos para intervir o Batalhão de Comandos Africanos, o Batalhão de Paraquedistas, o conjunto de pilotos (havia um piloto de helicóptero que estava destinado a evacuar o Governador) e a Companhia da Polícia Militar. “Controlávamos todas as informações e todas as comunicações através do Agrupamento de Transmissões e controlávamos, também, uma rede muito importante de contacto através da rede de ligação da artilharia, porque a artilharia na Guiné estava espalhada pelo território. Nós tínhamos o aparelho militar na mão”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16517: Notas de leitura (882): “Cabo Verde e Guiné-Bissau, As Relações entre a Sociedade Civil e o Estado”, por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira, Editora UFPE, Recife, 2015 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15400: Agenda Cultural (438): Apresentação do livro "25 de Novembro de 1975; Os «Comandos» e o Combate pela Liberdade", da autoria de: Coronel Manuel Amaro Bernardo, Ten-Coronel Francisco Proença Garcia e Sargento-Mor Rui Domingues da Fonseca, dia 26 de Novembro de 2015, pelas 15 horas, no Palácio da Independência (Manuel Barão da Cunha)

Em mensagem do dia 21 de Novembro de 2015, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos conta da próxima tertúlia do Fim do Império, a levar a efeito já no próximo dia 26 no Palácio da Independência.

No próximo dia 26 de Novembro de 2015 (5.ª feira, 15h00), no Palácio da Independência/SHIP (perto do Metro/Rossio), vai realizar-se a 125.ª tertúlia com a apresentação de livro "25 de Novembro de 1975; Os «Comandos» e o Combate pela Liberdade", da autoria de: Coronel e Dr. Manuel Amaro Bernardo, Ten-Coronel e Dr. Francisco Proença Garcia e Sargento-Mor Rui Domingues da Fonseca, com prefácio do Ten-General Tomé Pinto e posfácio do General Ramalho Eanes.
Ed. Associação de Comandos, 2005.11.25


A venda do livro reverte a favor da Associação de Comandos
Com a presença dos autores.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15377: Agenda Cultural (437): "A Rua Suspensa dos Olhos", ternurenta coletânea de estórias e memórias, de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): sessão de lançamento, domingo, dia 22, às 16h, na Biblioteca Municipal de Ílhavo

sábado, 27 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7345: (Ex)citações (113): Para mim, os Páras são os Páras. Vou gostar de ler as histórias d' A Última Missão, de Moura Calheiros (Manuel Amaro)


1. Comentário,  com data de 24 do corrente,  do nosso camarada Manuel Amaro   ao poste P7323


Não vou estar na apresentação [do livro do Cor Pára Moura Calheiros], porque estarei a mais de 300 kms. do local. Tenho o maior respeito e admiração pela Família Pára-quedista.


(i) Em 1970, em Aldeia Formosa, fui chamado a dar uma ajuda às nossas Camaradas Enfermeiras, pois tinham um avião cheio de feridos resultantes de uma operação mal sucedida, no Corredor de Guileje.


(ii) Depois do 16 de Março de 1974 ia sendo informado por um Cap Pára, hoje Major General, sobre o andamento do Movimento e da sua missão quando chegasse o dia certo.


(iii) No dia 11 de Março de 1975, estava ali mesmo, no edificio do Aeroporto que fica mais perto do RALIS.

(iv) No 25 de Novembro de 1975, acompanhei [os acontecimentos] pela Imprensa, Rádio e TV.


Mas, conhecendo as instituições, como conheço, para mim, os PÁRAS são os PÁRAS. E vou gostar de ler as histórias d´A Última Missão.


Manuel Amaro
(ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892,
 Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala,
1969/1971) (*)

Foto: Manuel Amaro, de pé, ao centro,  em Monte Real, no V Encontro Nacional do Nosso Blogue, 26 de Junho de 2010,  ladeado conversando como o Paulo Santiago (à esquerda) e o Victor Tavares (à direita) (**)

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Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série > 22 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7319: (Ex)citações (112): O Simples e o Erudito (na Tabanca Grande) (José Brás)


(**) (2) Vd. postes do Victor Tavares onde se evocam os dias trágicos, para a CCP 121, de Guidaje (Op Mamute Doido, 23-29 de Maio de 1973):



 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7335: Kalashnikovmania (5): Passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3 (Mário Dias)



Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, João Parreira (comando da Guiné), Piedade (nfermeira pára), Miguel (pilav), Giselda (enfermeira pára), Mário Fitas (lassa) e Mário Dias (o comando e instrutor dos comandos da Guiné de 1964/66, que hoje nos dá... música, celestial!... Há 35 anos atrás, em 25 de Novembro de 1975, estava de sargento de dia, no Regimento de Comandos da Amadora... E a música era outra!).

 
Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS/BART 2917 (1970/72) > O Fur Mil Op Esp Benjamim Durães, do Pel Rec Inf, numa tabanca do regulado de Badora, com um milícia, junto  a uma  metralhadora ligeira Degtyarev


Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os  direitos reservados




Segundo o nosso especialista em balística e armamento, Luís Dias, trata-se de um Degtyarev DPM que teve origem no modelo DP (Degtyarev Pechotny/Degtyarev de Infantaria), desenhada na URSS depois de 1917 e que veio a ser adoptada como metralhadora ligeira  do Exército Vermelho, em 1927. Em 1943/44 veio a ser modernizada, passando a ser o modelo DPM (modernizirovannyj). Após o fim da IIª Guerra Mundial irá ser substituída, primeiro pela PK-46 e depois pela RPD. 

Estas armas (nomeadamente metralhadoras ligeiras e LGFog que eram apanhadas ao PAIGC) eram, muitas vezes, distribuídas às companhias de milícias... Já a Kalash, por ser considerada uma arma de elite, era muito disputada pela tropa especial, comandos africanos e oficiais de unidades de quadrícula...

Seria interessante pesquisar as razões desta... kalashnikov-mania que, de resto, chegou ao cinema: veja-se o filme  Lord of War / O Senhor da Guerra (2005)...


Kalashikovmania pode ser definido como uma forte atracção pelo armamento do... IN. No TO da Guiné, inclui kalash e outras armas.Trata-se de um neologismo, inventado pela Tabanca Grande, que paga direitos de autor; um dia irá figurar nos novos Dicionários da Língua Portuguesa, como muitos outros termos que usávamos na guerra: por exemplo, dila=dilagrama, LGFog=lança-granada foguete, ameixa=granada...

Curiosamente só hoje (!) dei conta que a bandeira de Moçambique [, imagem acima], na actual versão (que vem de 1983), contem uma estrela (que "representa a solidariedade entre os povos"), mas também a... AK-47 (símbolo da luta armada e da defesa do país), a par de outros símbolos sugerindo desenvolvimento (livro=educação; enxada= agricultura). É, ao que parece, a única bandeira no mundo  a ostentar uma espingarda moderna... Singularidades da lusofonia... Dessa, ao menos, livraram-se os nossos amigos guineenses. 


Lord of War, com Nicolas Cage, filme norte-americano de 2005, passou em Portugal com o título O Senhor da Guerra (no Brasil, O Senhor das Armas). Cage interpreta a personagem de Yuri Orlov, traficante de armas perseguido pela Interpol,  que no filme faz o elogio da AK 47 (confesso que não o vi):

"Of all the weapons in the vast soviet arsenal, nothing was more profitable than Avtomat Kalashnikova model of 1947. More commonly known as the AK-47, or Kalashnikov. It's the world's most popular assault rifle. A weapon all fighters love. An elegantly simple 9 pound amalgamation of forged steel and plywood. It doesn't break, jam, or overheat. It'll shoot whether it's covered in mud or filled with sand. It's so easy, even a child can use it; and they do. The Soviets put the gun on a coin. Mozambique put it on their flag. Since the end of the Cold War, the Kalashnikov has become the Russian people's greatest export. After that comes vodka, caviar, and suicidal novelists. One thing is for sure, no one was lining up to buy their cars"...

Traduzindo: "De todas as armas do vasto arsenal soviético, nada foi mais lucrativo do que o modelo Avtomat Kalashnikova de 1947, mais conhecido como AK-47 ou Kalashnikov. É a espingarda de assalto mais popular do mundo, uma arma que todos os combatentes amam. Um amálgama elegante de quatro quilos de aço e madeira prensada, que não quebra, emperra ou sobreaquece. Dispara sempre mesmo que esteja coberto de lama ou de areia. É tão fácil de usar que até uma criança é capaz de o fazer (e com frequência há crianças que o fazem). Os soviéticos cunharam uma moeda com a sua efígie; Moçambique colocou-a na sua bandeira. Desde o fim da Guerra Fria, a Kalashnikov tornou-se o maior produto de exportação dos russos. Só depois dela vem o vodka, o caviar e os romancistas suicidas. Uma coisa é certa: ninguém fazia bicha fila para comprar os carros soviéticos"...
 (LG).




1. Texto de Mário Dias, enviado em 15 de Janeiro de 2008, publicado dois a seguir sob o título Em louvor da G3. Face duelo AK 47 / G3 (e à onda de... kalashnikovmania que atingiou as NT), justifica-se a repescagem e republicação deste poste.  

O Mário Dias ou M. Roseira Dias é um Sargento Comando Reformado, membro do nosso blogue (desde a 1ª hora), e também um conceituado arranjador e compositor musical, a par de maestro de coros. No TO da Guiné, foi comando e instrutor dos primeiros comandos da Guiné (1964/66), entre os quais alguns dos nossos camaradas da Tabanca Grande, como o Virgínio Briote, o João Parreira, o Luís Raínha, o Júlio Abreu, etc.



2. Passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3

por Mário Dias [, foto à esquerda, com o Domingos Ramos, hoje herói nacional da Guiné-Bissau; foram camaradas e amigos, tendo frequentado o 1º Curso de Sargentos Milicianos, Bissau, 1959]

Foto © Mário Dias(2006). Todos os direitos reservados.


É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:

(i) Comprimento: G3 - 1020mm; AK47 - 870mm
(ii) Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg; AK 47 – 4,8Kg
(iii) Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos; AK47 – 30 cartuchos
(iv) Alcance máximo: G3 – 4.000m; AK47 – 1.000m
(v) Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido): G3 – 1.700m; AK47 – 600m
(vi) Alcance prático: G3 – 400m; AK 47 – 400m

Passemos então a comparar.(A) No comprimento e peso:
 A AK47 leva alguma vantagem. A capacidade dos carregadores, mais 10 cartuchos na AK47 que na G3, será realmente uma vantagem?

Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.

O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. 
Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). 
Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47.(B) Quanto ao poder balístico:
Também aqui a G3 leva vantagem pois, embora na guerra em matas e florestas seja difícil visar alvos para além dos 100/200 metros, tem maior potência de impacto e perfuração sendo a propagação da onda sonora da explosão do cartucho muito mais potente na G3, o que traz uma maior confiança a quem dispara e muito mais medo a quem é visado. 
A G3 a disparar impõe muito mais respeito.


Porém, os principais motivos que me levam a preferir a G3 à AK47 (creio que a fama desta última é mais uma questão de moda) são as que a seguir vou referir ilustradas, dentro das possibilidades, com gravuras:


(C) A importância do silêncio e da rapidez de reacção

Deixem-me, então, começar a vender o meu peixe em louvor da G3. Todos sabemos a importância do silêncio e da rapidez de reacção numa guerra de guerrilha e de como o primeiro a disparar leva vantagem.

Normalmente o combatente numa situação de contacto possível em qualquer lado e a qualquer momento leva geralmente a arma com um cartucho introduzido na câmara e em posição de segurança. Eu e o meu grupo tínhamos bala na câmara e arma em posição de fogo desde a saída à porta de armas do aquartelamento até ao regresso e nunca houve um único disparo acidental. Mas, partindo do princípio que nem todos teriam o treino necessário para assim procederem, a arma iria então com bala na câmara e na posição de segurança.

Quando dois combatentes se confrontam, o mais rápido e silencioso tem mais possibilidades de êxito e, nesse aspecto, a G3 tem uma enorme vantagem sobre a AK47. Talvez poucos se tivessem dado conta dos pequenos pormenores que muitas vezes são a diferença entre a vida e a morte.



Um caso concreto:

Vou por um trilho no meio do mato e surge-me de repente um guerrilheiro. Levo a arma em segurança e tenho rapidamente de a colocar em posição de fogo. Do outro lado o guerrilheiro terá de fazer o mesmo. Em qual das armas esta operação é mais rápida e fácil? Sem dúvida alguma na G3.

Se olharmos para as gravuras observamos que na G3, levando a arma em posição de combate, à altura da anca com a mão direita segurando o punho dedo no guarda mato pronto a deslizar para o gatilho, utilizando o polegar sem tirar a mão do punho com toda a facilidade e de forma silenciosa passo a patilha de segurança para a posição de fogo e disparo.

E o portador de AK47? Sendo a alavanca de comutação de tiro do lado direito da arma e longe do alcance da mão terá que, das duas uma: ou larga a mão do punho para assim alcançar a alavanca de segurança ou então tem que ir com a mão esquerda efectuar essa manobra. Em qualquer das soluções, quando a tiver concluído já o operador da G3 terá disparado sobre ele.

Suponhamos agora que o homem da G3 vê um guerrilheiro e não é por este detectado. A passagem da posição de segurança à posição de fogo, além de rápida, é silenciosa pois a patilha de segurança é leve a não faz qualquer ruído ao ser manobrada. O guerrilheiro não se apercebe de qualquer ruído suspeito e mais facilmente será surpreendido. Ao contrário, um guerrilheiro que me veja sem que eu o veja a ele e tenha que colocar a sua AK47 em posição de fogo para me atingir, de imediato me alerta para a sua presença pois a alavanca de segurança dá muitos estalidos ao ser accionada. Assim, não é tão fácil a um portador de AK47 surpreender alguém a curta distância.



Outro caso concreto:

Todos certamente estaremos recordados de quantos vezes era necessário combinar o fogo com o movimento nas manobras de reacção a emboscadas ou na passagem de pontos sensíveis. Nessas ocasiões, em que fazíamos pequenos lanços em corrida para rapidamente atingirmos um abrigo para o qual nos teríamos de lançar de forma a ficarmos automaticamente em posição de podermos fazer fogo (a chamada queda na máscara), a G3, devido à sua configuração era de grande ajuda,  pois, não tendo partes muito salientes em relação ao punho por onde a segurávamos, (o carregador está ao mesmo nível) permitia que de imediato disparássemos com relativa eficácia.

E a AK47? Reparem bem naquele carregador tão comprido e saliente do corpo da arma. Como fazer manobra idêntica? Impossível. Mesmo colocando a arma com o carregador paralelo ao solo para facilitar a “aterragem”, isso faz com que tenhamos que perder tempo a corrigir a posição de forma a estarmos aptos a disparar. E em combate cada segundo é a diferença entre a vida e a morte.





(D) Defeitos

Um defeito geralmente apontado à G3 é que encravava facilmente com areias e em condições adversas.

Quero aqui referir que ao longo dos muitos anos da minha vida militar, tanto em combate como em instrução ou nas carreiras de tiro, tive diversas armas G3 distribuídas e nunca nenhuma se encravou. A G3 possui de facto um ponto sensível que poderá impedir o seu funcionamento se não for tomado em conta. Trata-se da câmara de explosão, onde fica introduzido o cartucho para o disparo, que tem uns sulcos longitudinais (6 salvo erro)* destinados a facilitar a extracção do invólucro.

 Acontece que se esses sulcos não estiverem limpos e livres de terra ou resíduos de pólvora não se dá a extracção porque o invólucro fica como que colado às paredes da câmara. Se houver o cuidado em manter esses sulcos sempre livres de corpos estranhos nunca a G3 encravará. Outra coisa que poderá levar a um mau funcionamento é as munições estarem sujas ou com incrustações de calcário ou verdete.

Nós tínhamos por hábito, como forma de prevenir este inconveniente, untarmos as mãos com óleo de limpeza de armamento, para esfregarmos as munições na altura de as introduzirmos nos carregadores. E resultou sempre bem.

São pequenos pormenores que deveriam ter sido ensinados na recruta mas, pelos vistos, nem sempre havia essa preocupação bem como muitas outras que foram, a meu ver, causa de algumas (muitas) mortes desnecessárias.



CONCLUSÃO

Depois de passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3. Se voltasse ao passado e as situações se repetissem, novamente preferia a G3 à AK47.


Mário Dias


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Nota de L.G.: