Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Sangonhá. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sangonhá. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 18 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26594: As nossas geografias emocionais (49): Gadamael Porto, fotos do Pepito (1949-2012), de 2010 (era então diretor executivo da AD, Bissau), e do Carlos Afeitos, de 2011 (cooperante, 2008-12)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Antigas instalações do comando, centro de transmissões e residência de oficias


Foto nº 2 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > A antiga pista de aviação....


Foto nº 3  > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > O porto ou cais acostável, construído pelo exército português... (O rio que banhava Gadamael era um braço do Rio Cacine, náo tinha nome, mas havia quem, como o Daniel Matos, que  dizia era o Rio Sapo, afluente do Rio Cacine, ,mas que ficava mais a sul de Gadamael Porto).


Foto nº 4 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > A caminho do porto, situado no Rio Sapo, afluente  do  Rio Cacine...


Foto nº 5 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Restos do abrigo do morteiro 81  

Foto nº 6 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010  > O que restava  da base do pau da bandeira...



Foto nº 6 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Mari Dabó, antiga lavadeira do alferes Oliveira [talvez da CCAÇ  4152/73 ? ] que ficou em Gadamael depois da independência e que era de Moscavide


Fito nº 7 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outubro de 2010 > Mariama Mané, lavadeira do "major Manso" (... que só pode ser o maj cav Manuel Soares Monge, penúltimo cmdt do COP 5: entre jan 73 e ago 74, o COP 5 teve como cmdts o  maj art Alexandre Costa Coutinho e Lima; o ten-cor  pqdt  Sílvio Jorge Rendeiro de Araújo e Sá; o cap inf Manuel Ferreira da Silva; o maj cav Manuel Soares Monge; e o cap ten Heitor Prudêncio dos Santos Patrício; o COP 5 mudou de Guileje para Gadamael, depois da retirada de Guileje em 22 mai 73).
 


Foto nº 8 > Guiné-Bissau >  Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de outbro de 2010 > Arafá Turé, aluno do professor furriel Barros, do Porto, em 1971 (devia pertencer à CCAÇ 2796, na altura comandada pelo cap art Morais da Silva, que esteve em Gadamael, entre jan 1971 e fev 1972).

Fotos do álbum do Pepito (engº agrónomo, Carlos Schwarz da Silva, então diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento) (Bissau, 1949 - Lisboa, 2012). Na altura, em outubro de 2010, andava entusiasmado, ele e a população  local, com a ideia da criação do Núcleo Museológico de Gadamael, á semelhança do de Guileje. Este e outros foram projetos que ficaram por realizar, face à sua insperada morte, em Lisboa,  no início de 2012, aos 63 anos).

Fotos (e legendas):  © Pepito   (2010). Todos os direitos reservados  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]



Foto nº 9  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68). A subunidade a que pertenceu o nosso grão-tabanqueiro Mário Gaspar (1943-2025). Mas também o  Joaquim Fernandes Alves, ex-fur mil, grão-tabanqueiro nº 625 (mora em V. N. Gaia).


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 6252/72, "Os Indiferentes" (1972-74).

A CART 6252/72, com apenas meia dúzia de referências no blogue, não tem nenhum representante, registado. Há uma página do Facebook com o nome CART 6252/72 "Os Indiferentes", criada pelo Luís Francisco Gouveia, ex-fur mil trms: telem 964 153 392 | email: luisfsgouveia@gmail.com. Fica aqui o convite para ele se juntar à Tabanca Grande.





Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Bunker a seguir à pista, no início do aquartelamento" 




Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Bunker"...



Foto nº 13 _ Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Base do pau da bandeira" (vd. foto nº 6 do Pepito, 2010)


Foto nº 13 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Espaldão do obus"...  




Foto nº 14 e 14A > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Antiga enfermaria" (informação dada ao Carlos Afeitos pela população local).



Foto nº 15 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 >  "Sem legenda" (vd. foto  nº 1, do Pepito, 2010)




Foto nº 16 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Rio Sapo >  "Cais" (1)  (vd. foto nº  3, do Pepito, 2010)...



Foto nº 18 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Rio Sapo >  "Cais" (2)  (vd. foto nº  3, do Pepito, 2010)

Fotos do álbum do  Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com o nº 606.

Fotos (e legendas): © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 19A e 18 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 >"Antiga messe de oficiais e depois hospital",  legendou o Pepito... Descobrimos que este edifício abandonado, da época colonial,  ostentava duas informações intrigantes: na parte superior da parede lateral direita a sigla ou o acrónimo ASCO, com as letras ainda perfeitamente legíveis ; e na parte da frente o ano "1918"...   

Foto (e legenda):  © Pepito 2010). Todos os direitos reservados  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]




Foto nº 20 e 20A  > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 2410 (1968/69) > Messe e quarto de sargentos...  Foto do álbum de  Luís Guerreiro, ex-fur mil,  CART 2410 e Pel Caç Nat 65 (Guileje. Gadamael e Ganturé, 1968/70).

Neste edificio funcionou a filial da empresa ASCO - Aly Souleiman & Companhia...  A misteriosa sigla, A.S.C.O., já lá estava nessa época, e continuava  lá em 2010/2011. E nunca ninguém reparou nela nem na data da fachada (vd. fotos nº 14 e 19).

Foto (legenda): © Luís Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > 1956 > Um anúncio de um das casas comerciais mais importantes que existiam na Guiné em 1956. A empresa Aly Souleiman & Companhia (ASCO) dedicava-se à importação e exportação de produtos ultramarinos.  

Com sede em Bissau, tinha filiais em diversos pontos do território da Guiné, de norte a sul:  Bafatá, Farim, Mansoa, Pecixe, Bula, Sonaco, Mansabá, Contuboel, Bambadinca, Xime, Nova Lamego, Cacine, Campenae, Gadamael e  Catió,  "Aly Souleiman (apelido grafado à francesa...), e não "Ali Suleimane" (à portuguesa) era um próspero comerciante sírio-libanês.

O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos: NOSOCO, SCOA, CFAO... 

Ficou definitivamente explicado em  o mistério do acrónimo ASCO que aparece num edifício de Gadamael, que, no tempo da guerra, serviu de enfermaria. A data "1918" deve ser referente à sua construção.

Foto (e legenda): © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacoca (1960) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Gadamael Porto, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, Rio Cacine e fronteira com a Guiné-Conacri

Infografia: Blogue Luís Grºça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Estas fotos servem para nos recordar que o tempo também cura... Gadamael Porto não precisa de apresentação aqui no blogue. É um dos topóminos trágicos da nossa guerra, um dos 3 três G: Guidaje, Guileje, Gadamael... (Estamos sempre a esquecer Gandembel,  a batalha mais longa daquela guerra, com mais de 3 centenas de ataques e flagelações, em menos de 9 meses, de abril de  69 a janeiro de 1969: o aquartelamento, construído de raiz, seria depois mandado retirar por Spínola, à semelhança de outros aquartelamentos e destacamentos como Madina do Boé, Béli, Cacoca, Sangonhá, Ponta do Inglês, etc.).

Decifrámos o enigma das fotos nº 14 e 19 a partir de uma anúncio comercial de 1956...Um dos muitos anúncios de casas comerciais que existiam então na Guiné (*).  

O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos oi siglas: NOSOCO, SCOA, CFAO... Ficou, definitivamente, explicado no início de 2015 o mistério do acrónimo ASCO que aparece no edifício de Gadamael, e sobre o qual já especulámos durante meses e meses,

Estas fotos fazem parte das nossas geografias emocionais (**). Mais de um dúzia unidades de quadrícula guarneceram Gadamael.  Impressionante e comovente é o facto de haver gente da população que ainda se lembrava, 40 anos depois, de camaradas nossos (!) (fotos nºs  6, 7 e 8):

  • Mari Dabó, antiga lavadeira do alferes Oliveira [talvez da CCAÇ  4152/73 ?] que ficou em Gadamael depois da independência e que era  de Moscavide;
  • Mariama Mané, lavadeira do "major Manso" (... que só pode ser o maj cav Manuel Soares Monge, penúltimo cmdt do COP 5);
  • Arafã Turé, aluno do professor do posto escolar militar, furriel Barros, do Porto, em 1971 (devia pertencer à CCAÇ 2796, na altura comandada pelo cap art Morais da Silva, nosso grão-tabanqueiro, que esteve em Gadamael, entre jan 1971 e fev 1972).

______________

Notas do editor LG: 

sábado, 15 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26586: O melhor de... Mário Gaspar (1943-2025), ex-fur mil, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) - Parte I: "Estou cego, cego..., não vejo, nada, merda!"

1. Mário Vitorino Gaspar (1943-2025) vai hoje descer à terra da verdade, no cemitério de Camarate, Loures (*). 

Em sua homenagem vamos selecionar alguns dos seus melhores postes. Além de ter escrito o livro "O Corredor da mortes" (2014), foi autor, no nosso blogyue, da série "Recordações de um Zorba".

 Foi fur mil, MA, CART 1659, "Zorba (Gadamael e Ganturé, 1967/68) (divisa,: "Os Homens Não Morrem").


Excerto do capítulo 15 do livro de memórias do “O Corredor da Morte” (ed. autor, 2014):


Dia 15 de Janeiro de 1968 (…), tinha sido chamado na véspera ao capitão que considerou a utilidade de irmos buscar o correio a Sangonhá, assim patrulharíamos a zona. (…).

As tabancas alinhavam-se à direita. Aproximavam -se os Soldados Nativos e as Praças “U”.

Dei um nó no lenço que colocara ao pescoço. Um lenço de seda que me dera a minha namorada quando estivera de licença em Portugal. Era também “ronco”, como lhe chamavam os nativos.

O cabelo estava demasiado comprido. Gostava assim. Além disso, a barba. Há quantos dias que não a fazia.

O camuflado, uma miséria, parecia que velhice o engolia aos poucos. Tinha que me confundir com os negros no mato. Assemelhava-me, talvez.

Com o pessoal todo preparado, encaminhámos os nossos passos para a “porta de armas”, se é que poderíamos chamar àquilo tal nome. Seriam duas secções e os Caçadores Nativos e as Praças “U”. O total seria de uns quarenta homens. Não ia qualquer Oficial, seria eu a comandar.

Logo que passada a porta de armas, ficámos automaticamente com as distâncias controladas. Nunca íamos a monte, nem sequer era necessário dizer-se. As picas avançavam ao solo, massacrando-o com ato delicioso. Os arames rompiam pela terra. O trilho estava seco. A pica chocava no terreno, procurando um objecto que impedisse a perfuração. Eram as “carícias” daqueles arames de ferro, instrumentos improvisados. Eram sem dúvida nenhuma os melhores detetores de engenhos explosivos.

À frente ia o guia, logo a seguir, a uma distância de sete ou oito metros, um soldado. Separava-nos por volta dos sete metros da frente para trás. À esquerda e à direita. Todos a picar. Eu seguia o guia, Praça “U”, que picava, com uma certa minúcia. 

Tinha notado, já há algum tempo, que dois soldados que iam à minha frente depois de eu recuar, mais parecia quererem brincadeira. Algo de estranho se passava entre os dois. Saltei para a berma direita, colocando-me entre os dois, fiz sinal para terem cuidado. Mudei-me logo para de trás dos dois soldados e continuei a picar.

No meio daquele silêncio profundo, senti um frio percorrer-me o corpo. O cérebro, a espaços, estagnara oco. Nem o vento, as folhas ou viva força da natureza.

 Vamos a ter cuidado  – disse-lhe em voz baixa – é picar como deve ser.



Capa do livro, publicado em 2014, em edição de autor.
Prefácio do psiquiatra Afonso de Albiquerque.


Olharam-me, quase como envergonhados, sorrindo de seguida. Transportava, como todos, a G3 sobre o ombro esquerdo, enquanto a mão direita segurava a pica. As Praças “U” e os Caçadores Nativos batiam com a pica na terra que parecia ser acarinhada pelo arame. Continuei a avisar os dois soldados que me antecediam. Afastei-me para a berma contrária. O silêncio preocupava-me.

Olhei para trás. Estavam algo eufóricos. Desconhecia o motivo de tal. Seria a correspondência? Não sabia explicar. A verdade é que a alegria é contagiante. Estávamos na guerra, ali não havia espaço nem tempo para a nostalgia daquelas paragens sufocantes e doentias. O meu lenço de seda estava encharcado em suor. Coloquei o nó mais à frente. Notava a anormalidade de comportamento nos dois soldados da minha secção, colocados na berma do lado direito.

A uns vinte metros à frente, do mesmo lado, o guia parou por instantes, enquanto picava. Os dois soldados seguiam-no, ouvindo aquilo que a Praça “U”, transmitira baixo. O soldado que vai à minha frente espeta a pica, com raiva. Um estoiro. Um rebentamento forte. O guia foge para a frente. Apontei-lhe a G3, não sabendo explicar tal ato.

 Alto! – gritei-lhe. – Para aqui já!

O militar negro parou e aproximou-se de nós. Num ápice todos se lançaram para a berma. Era o conhecimento prático, os ensinamentos daquela guerra de guerrilha. O guia estava entre nós.

 
– Mina! – gritou o soldado que vinha na minha retaguarda, respirando fundo.

Eu era o único que continuava de pé. Rebentando mina, armadilho ou fornilho, acontecia haver uma forte probabilidade de emboscada. De pé e o coração rompia do peito martelando-o, mas como sempre, mais lúcido, uma lucidez difícil de explicar. Numa fracção de segundo. Mais calmo que anteriormente. Também não entendo. A serenidade fazia parte integrante do “eu”. Era talvez como se tivesse ingerido um calmante. O cérebro respondia na íntegra. Deixei de tremer. Transformara-me,  como por milagre, num ser diferente.

Ouvi gritos que penetravam não só nos ouvidos, mas também no corpo e no espírito. Excluindo eu e o guia,  todos tinham sido atingidos pela mina. 

A minha experiência como especialista de explosivos, minas e armadilhas dizia-me que era, mais uma vez, uma PMD 6, vulgarmente conhecida por “saboneteira”. Uma antipessoal, que possuía mais o efeito psicológico. O que parecia estar pior era o soldado que ia à minha frente, com o rosto de menino, coberto de sangue. Fechava os olhos. O camuflado estava repleto de estilhaços e também de sangue que haviam atingido também o rosto, na zona da vista. Sofria. Aquele sangue do corpo jovem molhava o trapo.

O outro que o seguia era quase o vivo espelho do primeiro, com mais estilhaços talvez. Continuava a não entender porque teria picado com tanta violência. Quereria matar a mina? 

Gritei para o radiotelegrafista, depois de pedir a um soldado que o chamasse:

– Aqui já! – fiz sinal ao condutor para virar a viatura.

–  Informe Gadamael Porto que temos evacuações para fazer, umas seis ou sete.

Disse ao radiotelegrafista com calma: 

 – Não é grave!

A GMC tinha já dado a volta. Havia que evacuar os feridos. O soldado que tinha sido atingido no rosto, desabafou, com dores:

– Estou cego, cego..., não vejo nada, merda. Estes filhos de uma puta nem nos deixam ir buscar o correio!

Não via as lágrimas, elas agarravam-se ao sangue que continuava a correr do seu rosto.

 
– Calma rapaz, vamos para Gadamael, não fazemos aqui nada, as evacuações não podem ser feitas daqui! – disse eu.

Aproximei-me dos feridos. Um gemia em tom demasiado baixo:

– É pá como vai isso? – perguntei-lhe, sorridente, pretendo incutir-lhe a calma e fé que necessitava, enquanto pedia ao telegrafista que pedisse as evacuações.

–  Sinto picadas nas pernas. São os mosquitos todos da Guiné que me chupam o sangue – respondeu.

O sangue manchava os camuflados. Julgava serem os três únicos que necessitavam de evacuação, muito embora outros tivessem sido atingidos. A mina era de fraca potência. Feita de madeira, com algum arame. Disse para o condutor:

 
– É a abrir sempre até Gadamael, não é necessário picar... – disse-lhe em altos berros.

Logo que arrumados na caixa da GMC, a mesma arrancou, com sete feridos e mais quatros homens. Uma secção de Ganturé, chegava com três viaturas. Subimos todos e com alguma velocidade, chegámos ao cruzamento. A secção de Ganturé saiu e continuámos até Gadamael Porto. Não era necessário picar. Gadamael estava à vista. Já se viam os militares da nossa companhia de calções e tronco nu. A GMC estava junto daquilo a que chamavam pista. Todos aqueles a evacuar estavam deitados em macas.

O furriel enfermeiro e o 1º cabo auxiliar enfermeiro encontravam-se junto dando o apoio, limpando os ferimentos e retirando os camuflados. O primeiro soldado atingido, e o que estava em situação mais grave, estava mais sereno. Aproximei-me, eram cinco corpos.

Um murmúrio aqui, outro acolá, nasciam das gargantas daqueles jovens, mas homens de verdade. Homens com um “H” grande.

Ouvia-se o roncar dos helicópteros. Eram dois.

O meu cabelo comprido foi sacudido pelo ar em movimento. Vento.

O capitão estava junto do primeiro helicóptero. Desceu a enfermeira paraquedista de calça camuflada e camisola de um branco lavado. Sobressaíam uns seios rígidos. A enfermeira era de cor branca. A única branca naquele local afastado da civilização. Uma mulher branca, era impensável. Bem torneada!
Aproximou-se das macas, balanceando as ancas.

 
– Como está? – perguntou ao soldado que tinha sido atingido na vista. – Está bem?

- É muito boa! – respondeu rapidamente o soldado.


Via-se um sorriso naquele homem. Já havia ganho esse estatuto há algum tempo. O capitão, referiu:

– Não ligue, ele não sabe aquilo que diz!

– Já estou habituada! – respondeu a enfermeira com um sorriso.

Os helicópteros levantaram dos torrões da pista e desapareceram no horizonte.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)


________________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 15 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26585: In Memoriam (539): Mário Vitorino Gaspar (1943-2025), ex-fur mil art, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68)... O funeral é hoje, às 15h45, no Cemitério de Camarate, Loures

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26387: História de vida (53): Mário Gaspar ex-fur mil art, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado... mas começou por ser um "rapaz de Alhandra"



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > ... "É preciso ser doido para vir para aqui a 4 mil quilómetros da minha Alhandra", parece dizer o nosso Mário Gaspar, em 1968, "apanhado do clima".



Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Gadael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  "Uma foto importante para os tempos de hoje. Sempre no mato na Guiné. De vez em quando, ou me vestia à civil ou então era um Militar vestido a rigor. À direita nota-se movimentação de naturais. Abandonado o aquartelamento de Sangonhá, sucede a distribuição da população. É a instalação da população e o princípio de muitas asneiras militares, (...) Foi em 1968. Outra curiosidade, essa bem mais forte:  Estou sobre um paiol construído pela CART 1659, Gadamael Porto, com cimento e ferro, material que sobrou da construção do cais, Na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, onde frequentei o XX Curso de Minas e Armadilhas, os Paióis eram - e de certeza que ainda são - em tijolo. É obrigatório que um paiol seja um cofre forte."



Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Gadamael, 1968


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Gadamael, s/d, sem legenda...



 
Foto nº 5 > Guiné > Bissau > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > "Eu com alguns Bravos Militares que comandei na Guiné, no regresso a Bissau no fim da comissão... Estou em cima, ao centro, de pé".


Foto nº 6 > Guiné > Bissau > 1968 > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Despedida: foto do Mário Gaspar tirada junto á estátua do cap Teixeira Pinto (ou "capitão-diabo", para os guineenses)

Fotos do álbum foto gráfico do Mário Gaspar, disponíveis no seu Facebook.

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Mário Vitorino Gaspar, ex-fur mil art,  minas e armadilhas, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), está connosco desde  8/12/2013 (*). Tem mais de 140 referências no blogue.


(i) nasceu na freguesia de Santa Maria, em Sintra, e foi no antigo edifício dos Bombeiros Voluntários de Sintra que foi à Inspecção, embora desde os três anos morasse em Alhandra: 

(ii) Alhandra; "vila industrial, foi aí que aprendi a ser Homem, embora tenha estudado no então famoso Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira";

(iii) "desde os meus treze anos namorei com uma sueca, linda boneca, Ingrid Margaretha Gustavsom: Alhandra foi a minha Universidade, tive como Professores Sábios Avieiros e os Operários";

(iv) à vila de Alhandra, no concelho de Vila Franca de Xira, estão ligados os nomes de grandes portugueses como Afonso de Albuquerque (Alhandra, 1452 -Goa, 1515), o médico Sousa Martins (Alhandra, 1843- Alhandra, 1897) (que o povo transformou em santo) ou o escritor Soeiro Pereira Gomes (Baião, 1909 - Lisboa, 1949), autor de "Esteiros" (1941) (obra ilustrada por Álvaro Cunhal, e dedicada aos "filhos dos homens que nunca foram meninos");

(iv) durante a pandemia de Covid-19, o Mário foi  também um dos nossos bons e fiéis companheiros, mandando-nos quase todos os dias emails, alimentando o nosso blogue com imenso material, desde poemas a vídeos, mesmo que muito desse material  não fosse publicável, por razões editoriais (por exemplo, tudo o que era referente à atualidade política, social e cultural);

(v) é também um exemplo, corajoso, de um camarada nosso que, apesar dos seus diversos problemas de saúde nos últimos anos, tem sabido remar contra a maré da infelicidade, e ensinar-nos a maneira como podemos envelhecer, ativa, proativa, produtiva e saudável:  escrita, no nosso blogue ou em boletins como  "O Olhar do Mocho", é apenas um dos muitos meios que ele aponta; 

(vi) é DFA.



Foto nº 7 > Vila Franca de Xira > Alhandra > O Mário, na escola primária


Foto nº 8 > Vila Franca de Xira > Alhandra >  A sua querida mãe



Foto nº 9 > Lisboa > Sede da Dialap– Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA (posteriormente foi edifício da Expo 98 e atualmente da RTP). Peça emblemática da arquitetura fabril de Lisboa na década de 60 (arquitectos: Carlos Manuel Ramos e António Teixeira Guerra) (LG).


 "Trabalhei lá perto de 30 anos. Éramos, nós Portugueses, os Melhores Lapidadores de Diamantes do Mundo, e a Dialap talvez a maior Empresa de Portugal. 

"Alterámos e criámos novas ferramentas e ultrapassámos tudo e todos. Após o 25 de Abril houve uma troca de galhardetes entre os dois Estados. Portugal nacionaliza o capital angolano na Dialap e Angola nacionaliza o capital Português da Diamang. Nada se fez para se encontrar uma solução. A Empresa de quase 700 trabalhadores, a pouco e pouco sumiu-se. Os trabalhadores foram simplesmente títeres, robertos e palhaços. A Administração deixou de administrar e passou a ter quotas em tudo que era da Dialap. Abrem uma Empresa em Viseu (Porcut) ficando o Estado com 49% e eram nossos adversários e concorrentes. A Dialap é feita de pedaços. Qual a razão de não terem ficado com 51%? 

"E trabalhámos pedras que ninguém queria lapidar. Foram as administrações e o Estado que mataram a Dialap. Fui dos últimos a ser despedido. Falou-se sempre em reestruturar. Existiam hipóteses da Dialap ser maior. Verdade que houve trabalhadores que tiveram culpas no desmanchar da Empresa. A Dialap pagou tudo para a Expo 98 se instalar e a Secção de Pessoal desta chegou a abrir a minha correspondência. Queixei-me ao senhor administrador Sá Pires que nada fez. Fui à Judiciária queixar-me e responderam-me que a Expo 98 era forte e com poder e perdia tempo. Acrescentou que a Empresa era para acabar. Este um muito pequeno resumo da extinção de uma Grande Empresa."






Foto nº 10 > Lisboa > Dialap– Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA > Cartão profissional do Mário Gaspar, lapidador qualificado, secção de facetagem.

Fotos do álbum fotográfico do Mário Gaspar, disponíveis no seu Facebook.,,, (Com a devida vénia.)

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Mensagem do Mário Gaspar, que fomos recuperar, e onde podemos saber algo mais sobre a sua singular história de vida (**), em complemento de outros postes dele já aqui publicados (***):

Data: 29 de janeiro de 2017 às 04:16
Assunto: Dois Poemas de José Gomes Ferreira

Conheci muita boa gente. Além dos meus Pais, fixo a minha "padeira de Aljubarrota", a Mãe. E a "Tia Quitéria".

Que tal a figura de Soeiro Pereira Gomes, o "Gineto" ? Esse rapaz, de Alhandra e que nasceu numa bateira no rio que amo – o meu Tejo – "meninos que nunca foram meninos" e tinham de suportar o calor do tijolo e telha queimada sobre as costas. Os telhais existiram mesmo.

Estive lá. Pois o "Gineto", do livro "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes, tornou-se no maior atleta da época, o nadador que venceu as ondas do Canal da Mancha, Joaquim Baptista Pereira foi meu amigo. Ainda é um grande Amigo.

E os avieiros? Aprendi com homens e mulheres muito pobres que vieram de Vieira de Leiria para o Tejo.

E os operários das fábricas de Alhandra, onde cresci?

Tanto que aprendi... Conheci um Senhor da Nossa Literatura, Alves Redol. Reunia com ele, nem sequer inicialmente pensei estar com aquele Homem que também me ensinou a crescer. Sonhava. Nunca ser rico, milionário, antes operário. 

A primeira profissão depois de deixar de estudar, foi de "Ajudante de Padeiro", com Carteira Profissional. Portanto Operário, trabalhava todos os 7 dias – visto ter de suportar de sexta para sábado o dobro de horas. Tinha uma pequena Venda de Pão, deslocava-me à casa do cliente. 

Fui Operário e continuo a ser um mero Operário. Lapidador, palavra nem sequer é reconhecida. Sou Lapidador de Diamantes na situação de Reformado. Fui Sindicalista. Cooperativista (fiz parte de um Grupo que fundou uma estrutura – pensou-se ser Nacional), existem uns restos em algumas terras – a"COOP Lisboa".

Na Dialap – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA, foi onde passei toda a minha vida de trabalho, após cumprir o Serviço Militar – nem fui voluntário, e obrigaram-me a passar por Comandos, essa tropa de elites. Também passei pelos Rangers, em Lamego. 

Acabei por novamente ser obrigado a tirar um Curso de Minas e Armadilhas, após julgar estar a terminar essa vida militar. 

Fui para a Guiné, como Furriel Miliciano, Atirador e de Minas e Armadilhas. Sou Deficiente das Forças Armadas. 

Na Dialap fui eleito e fiz parte da Comissão Negociadora após Greve, antes do 25 de Abril, nos princípios de 1974. Se não acontecesse o Abril,  bem arranjados estávamos. Fui eleito para o Grupo de Reestruturação da Empresa, era um dos três executivos. Colocaram a hipótese de representarmos os Trabalhadores como Administradores. 

Conheci muito escritor da nossa praça. Fui fundador de Comissões de Moradores e fui Autarca. Mais tarde, em 1996 fui fundador da Associação Apoiar – Associação de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra. Onze anos Dirigente, os últimos seis como Presidente. Fundador e Director do Jornal Apoiar.

Conseguimos vencer todos os objetivos que se pretendia. Percorri o país. Reuni com Ministros, Deputados, Presidentes e de tudo um pouco. Após muitos dias sem dormir – por tal venci – caí como um passarinho que voa alto.

Operado ao coração e em coma. Acordei, voltei e assinei Protocolos. Fui para uma Academia Sénior e ainda fui fundador e primeiro diretor do jornal "Olhar do Mocho"

A vida ofereceu-me tudo. Recusei. Sonhava, um sonho que se evaporou. Foi uma onda que molhou areias e se afundou nelas. Se ainda sonho? Espero sonhar sempre – até acordado – vejo-me pequeno, tão minúsculo no meio de uma multidão.

Estive num debate e o tema era o "Dia da Liberdade", ou o "Dia Mundial da Liberdade". Desconhecia essa homenagem a esse "dia de liberdade", anunciada.

Liberdade,  onde estás tu ?!... Encontrei-me com o Jornalista José Luís Fernandes que foi director do "Diário de Notícias". Conheci-o, nunca mais nos vimos. Foi ele que me reconheceu.

Neste momento, o meu computador também teve uma síncope, não tem cura e ficou em coma.

Reconheceram que não temos essa Liberdade, tal como a Liberdade de Imprensa. Quem domina é o dinheiro. Os portugueses andam nas penumbras do medo.

Mas dá gosto termos estes poemas. Portugal é pobre, mas rico na Literatura. Grandes Senhores e Esquecidos. Cada dia mais um. José Gomes Ferreira foi outro que conheci.

Mário Vitorino Gaspar

PS -  O Mário mandou-nos em anexo dois poemas do José Gomes Ferreira ("Viver Sempre Também Cansa!"  e "Devia Morrer-se de Outra Maneira"): um deles talvez venha a ser escolhido para figurar oportunamente na série "A Nossa Poemateca". Obrigado, Mário. E força para ti!

_________________
 
Notas do editor:

(*) Vd. poste de;


10 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12426: Tabanca Grande (414): Ainda o "zorba" Mário Gaspar (ex-fur mil, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), natural de Sintra, residente em Lisboa, e lapidador de diamantes reformado

 (***) Vd. postes de:



13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14356: A minha mãe, Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar, a minha Padeira de Aljubarrota (Mário Vitorino Gaspar)

sábado, 6 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25347: Reordenamentos (5): Nalus para Cacine e biafadas para Gadamael, na sequência da retração dos aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca, em 29 de julho de 1968


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá, a sul de Gadamael-Porto > c. 1967/69  > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação, de terra batida (como em todo o lado), na altura em que estava a chegar uma coluna militar [visível no lado esquerdo]. Foto tirada de uma aeronave DO 27 (nº 3490 ?). (*)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d > Tabanca, reordenada pelas NT.

Fotos: Autor desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual.

Fotos:  © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007).  Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.L.G.).


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana >  Título da foto: Morreu Salifo Camará, Rei dos Nalus; Data de Publicação: 30 de Janeiro de 2011; Data da foto: 22 de Janeiro de 2011; Legenda:

"Salifo Camará, rei dos Nalus, sábio, filósofo e combatente da independência da Guiné-Bissau, despediu-se desta vida no dia 21 de Janeiro de 2011, em Cadique, onde sempre viveu" (...) . (****)

Foto (e legenda): Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2011) (com a devida vénia...)


1. Mal tomou posse, em finais de maio de 1968, o novo governador e com-hefe da Guiné, o brig António Spínola,  prodeceu ao "reajustamento do dispositivo", com destaque para a região de Tombali, no sul,  e com implicações em muitas das suas guarnições (Aldeia Formosa, Sangonhá, Cacoca, Gadamael, Cacine, Ilha do Como, Empada, Ualada, Gubia, Cabedú, Guile, Mejo, Gandembel,  etc.)

Pode ler-se no livro 2 da CECA, relativo à atividdae operacional no CTIG (de 1967 a 1970) (pp. 170/171);

(...) Pela Directiva n° 3/68 (sem data) é imposto ao CTIG, ouvido o Comando local, que proceda a um estudo sobre a possibilidade de reajustamento a curto prazo do dispositivo das NT, no 'corredor' do Guileje, à luz do princípio da concentração de meios.

Em continuação da alteração do dispositivo, é difundida a Directiva nº 4/68 (sem data) - reajustamento do dispositivo nas áreas de Sangonhá - Cacoca e do Cantanhez, a qual fixa ao CTIG o estudo, emcolaboração com o Comando local, da possibilidade de recuperar a Companhia implantada na área de Sangonhá - Cacoca e idêntico procedimento à Companhia implantada na área de Cabedú.

Igualmente em sequência do tema da Directiva n° 4/68 e no que diz respeito ao reajustamento do dispositivo na área de Sangonhá- Cacoca e reordenamento das populações prescreve a Directiva n° 14/68, de 25jun,  que:

 "Os aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca serão abandonados em Jul/Ago próximo quando da rendição da CCaç 1621.(*)

"As populações de Sangonhá e Cacoca devem ser deslocadas desde já, por forma a que possam ainda cultivar as terras das regiões de Cacine e Gadamael.

"Em princípio, as populações de Sangonhá devem recolher à área de Gadamael, e as de Cacoca à área de Cacine, procurando-se paralelamente aproveitar este reagrupamento das populações para resolver o litígio da sucessão em Sangonhá, transferindo os Nalús para Cacine e os Beafadas para Gadamael. [... ]"

Os reordenamentos de Gadamael e Cacibe, ara realogar as popukações de Sangonha e Cacoa, respetivamente, deve, ter começado logo no 2º semestre de 1968. 

Segundo informçõ do nosso amigo e camarada cor art ref António J. Pereira fa Costa, "em Maio/Junho de 1968, o brig Spínola determinou o abandono dos quartéis de Sangonhá e Cacoca. Houve que transportar, para Gadamael e Cacine, a população que ali residia e que, em Cacine, ficou instalada na antiga Missão do Sono que agora já não existia, visto que a doença estava erradicada.

"Foram feitas mais de 30 colunas em pouco mais de 15 dias. À chegada foi necessário construir as casas com o auxílio do pessoal da CART 1692. Pela sequência das fotos é possível ver que se podem construir casas a partir do telhado. A qualidade das fotos não será a melhor, mas este poderá ter sido o primeiro Reordenamento da Guiné" (**).

Em 13 de julho de 1968, a CCAÇ 1621 ainda estava em Sangonhá, com um pelotrão destacado em Cacoca, a sul de Gadamael- Porto, junto à fronteira com a República da Guiné.


Guiné > Mapa geral da província ( 1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Sangonhá e Cacoca,  a sul de Gadamael e a leste de Cacine. na estrada fronteiriça Aldeia Formosa-Cacine...  

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

 Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 2 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, 604 pp.)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos: LG)
__________


(**) Vd, poste de 2 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3013: Reordenamentos Populacionais (1): Gadamael, o primeiro, na sequência da retirada de Sangonhá e Cacoca em meados de 1968 (António J. Pereira da Costa)

(***) Último poste da série > 6 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25344: Reordenamentos Populacionais (4): Uma perspetiva mais "securitária", no final do mandato de Arnaldo Schulz: em março e abril de 1968, foram deslocadas e reagrupadas cerca de 3 mil pessoas do "chão balanta"

(****) Vd. 22 de fevereiro e 2011 Guiné 63/74 - P7836: (In)citações (26): A morte de Salifo Camará, rei dos nalus, e pai espiritual adoptivo do nosso amigo Pepito (Luís Graça)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25341: Reordenamentos Populacionais (3): Na construção de casas usa-se, como vigas, as rachas de palmeira (de cibe, mas também de dendém) (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné-Bissau > Borassus aethiopum, conhecida vulgarmente por cibe, é uma palmeira de grande importância na construção civil:  do seu espique se extraem as rachas de cibe, vigas para a construção das moranças


Guiné-Bissau > Elaeis guineensis, a palmeira dendém: o seu espique tem idêntica utilidade ao cibefornecendo ainda óleo alimentar, palmito, folhas para fabrico de vedações e seiva como bebida refrescante ou matéria prima para bebida alcoólica.

Fonte: Maria Adélia Diniz - Gestão tradicional dos recursos naturais da Guiné-Bissau.  Atas do Colóquio Internacional Cabo Verde e Guiné-Bissau: percursos do saber  e da ciência. Lisboa, 21-23 de junho de 2012. (Com a devida vénia...)



Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > 1968 > A construção de uma casa, que em vez de vigas de cimento leva "rachas de cibe"... Foto do álbum do cor art ref António J. Pereira da Costa (na sua opinião, este, em Gadamael, em 1968, terá sido o  primeiro reordenamento do CTIG, alojando população deslocada de Sangonhá e Cacoca.

Foto (e legenda) : © António José Pereira da Costa (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]



O dr. Cherno Baldé (Bissau),
nosso colaborador permanente,
com o pelouro das questões
etno-linguísticas
1. Comentário de Cherno Baldé (Bissau), ao poste P25336 (*)

É preciso esclarecer que para a estrutura das coberturas utilizavam-se, e ainda se utilizam, tanto rachas de cibes propriamente ditos (uma espécie muito resistente e diferente da palmeira vulgar das bolanhas da Guiné e que só se encontravam nas zonas costeiras) e rachas de palmeiras vulgares que, também, são boas quando bem maduras.

Acho que em algumas zonas, caso do nordeste, exceptuando os zincos, cimento e pregos que eram importados e saíam de Bissau, os restantes materiais utilizados eram locais e como não tinham cibes utilizavam-se as rachas das palmeiras locais que eram de qualidade inferior, mas também serviam para o efeito, permitindo uma economia de recursos raros. 

A grande diferença é que os cibes maduros eram duros como o ferro e quase "eternos" porque não tinham medo da chuva e dos omnipresentes e teimosos baga-bagas vermelhos que são  os grandes "destruidores" e regeneradores da natureza nos solos  das regiões tropicais.

Encontrei em muitas localidades estas casas feitas nos anos 70 que ainda resistem ao desgaste do tempo e que, para os padrões de hoje, parecem muito pequenas e baixinhas, mas que ainda continuam a prestar bom serviço. 

Em alguns casos os zincos originais que eram de melhor qualidade,  já tinham sido trocados, mas muitos ainda continuam a fazer o serviço mesmo estando velhinhos e cobertos de ferrugem.

Pelos meus cálculos, uma casa de 4 quartos (4 x 4), como era a maioria na altura,  podia precisar, em média, entre 60 a 80 rachas de palmeiras ou de cibes, supondo que a asna e as ripas são feitas de barrotes e tábuas de madeira.

Hoje em dia, a estrutura da cobertura completa é feita de cibes e precisa entre 100 a 150 rachas de cibes, mínimo.

Cherno Baldé



2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Cherno, pelas tuas "achegas" a este assunto dos reordenamentos (**), e em especial sobre as rachas de palmeira que eram (e continuam a ser) utilizadas na construção de casas. 

A palmeira de cibe (nome científico, Borassus aethiopum var. senegalense), pelo que tive oportunidade de ler, é de facto um "monumento da natureza" (***)... Os materiais (as rachas) que se obtêm do seu espique são verdadeiras "vigas de aço" que resistem à ação do tempo e das térmitas... Daí o seu uso tradicional na construção civil. Mas, confesso, ao fim destes anos todos, eu não sabia distinguir bem uma palameira de cibe de uma palmeira de dendém...

Sabendo agora que a palmeira de cibe poderá atingir 20-30 metros de altura com um diâmetro variável (que pode chegar a um metro), tenho que reconsiderar o número de árvores abatidas, para o programa dos reordenamentos da época colonial (aponta-se para qualquer coisa como 110 o número de reordenamentos no final da guerra, e 15 mil as casas construídas com a ajuda das Forças Armadas, umas com cobertura de colmo e outras de chapa de zinco) ...

Eu apontaria então para um abate, não de 180 mil palmeiras, mas de um terço (c. 60 mil). Um tronco de palmeira tinha que dar, não 4 rachas de cibe, mas pelo menos 12 ou até 16 (ou até mais), dependendo da altura e do diâmetro. Mesmo assim foram muitas palmeiras...
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25336: A nossa guerra em números (25): Reordenamentos populacionais: materiais (das rachas de cibe às chapas de zinco) e custos

(**) Último poste da série > 5 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25340: Reordenamentos Populacionais (2): Em louvor do BENG 447 e do PTE - Pelotão de Transportes Especiais (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt do PTE / BENG 447, Brá, 1967/1971)

(***) Também conhecida como Palmeira-Leque Africana... Vd. aqui descrição:

A forma típica de Borassus aethiopum é uma palmeira solitária de 25 metros de altura e 1 metro  de diâmetro na base. 

Nos fundos dos rios (planícies aluviais), em muitos dos  rios da África Oriental (o Rufiji na Tanzânia e o Tana no Quénia, entre outros), uma forma intimamente relacionada pode ter até 2,1 metros de espessura a cerca de 1,2 metros acima do solo,  e a mesma espessura na ventricosidade superior. 

Esta palmeira Pode chegar a ter  30 metros de altura.

As folhas em forma de leque têm 3 metros  de largura (as maiores, até 3,7 metros).  com pecíolos de 2 metros de comprimento. As pontas  estão guarnecidas com espinhos. 

Nas plantas masculinas, as flores pequenas ficam em grande parte escondidas nos amentilhos escamosos; as flores femininas,  muito maiores. atingem 2 centímetros de largura e produzem frutos de cor amarelo e castanha.  Cada fruta contém de 1 a 3 sementes, cada uma encerrada num endocarpo lenhoso. A variedade que cresce nas zonas aluviais é quase certamente a mais imponente  de todas as palmeiras, comparável à Jubaea chilensis, a palmeira vinífera chilena.

(...) A árvore tem muitos usos: os frutos são comestíveis, assim como as tenras raízes produzidas pela planta jovem; fibras podem ser obtidas das folhas; e a madeira (que tem fama de ser à prova de térmitas) é usada na construção.

(Adapt. de íNaturalist, e Wikipedia, com a devida vénia)