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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25152: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (105): Na Morte do Coronel Nuno Rubim (Alfredo Pinheiro Marques / Centro de Estudos do Mar)

Cor Nuno Rubim (1938-2023). Foto de Luís Graça (2006)

1. Ainda a propósito do falecimento do Coronel Nuno Rubim, recebemos a seguinte mensagem com data de 31 de Janeiro de 2024, enviada pelo Director do CEMAR, Doutor Alfredo Pinheiro Marques:
De: CEMAR
Date: quarta, 31/01/2024 à(s) 11:17
Subject: Na Morte do Coronel Nuno Varela Rubim

Prezado Doutor Luís Graça, e demais responsáveis do Blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné":
Nesta mensagem e na seguinte remetemos um reencaminhamento das mensagens que enviámos para a lista de "mailing" do CEMAR acerca do falecimento do nosso Ex.º Amigo Coronel Nuno Varela Rubim, e em que nos socorremos de, e citámos, muita da informação que, pela V. parte, disponibilizam no vosso Blog (uma vossa iniciativa meritória, e merecedora dos maiores elogios, e pela qual felicitamos, e desejamos os melhores votos de continuidade do bom trabalho)


Com as melhores e mais cordiais saudações, e votos de tudo de bom neste novo ano 2024
Alfredo Pinheiro Marques
Director do Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque - CEMAR
(Figueira da Foz do Mondego - Praia de Mira)


************************************************

2. Início da mensagem reencaminhada:

De: INFORMAR
Assunto: Na Morte do Coronel Nuno Varela Rubim
Data: 30 de janeiro de 2024, 01:01:12 WET
Para: mail@cemar.pt

NA MORTE DO CORONEL NUNO VARELA RUBIM

Só agora tomámos conhecimento, através de notícias publicadas no Blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (o principal fórum de informação e discussão sobre a história da Guerra portuguesa no teatro de operações da Guiné-Bissau), na "Revista de Artilharia", e em outras fontes, da triste notícia do falecimento do nosso Ex.º Amigo, Coronel de Artilharia, Comando, na situação de reforma, Nuno José Varela Rubim (1938-2023), historiador militar que tivemos a honra de contar no número dos membros do Conselho Consultivo e Científico do CEMAR - Centro de Estudos do Mar, e pelo qual sentimos, e manifestámos, sempre, uma extraordinária admiração e um profundo respeito, em termos científicos e em termos humanos.

Nuno José Varela Rubim - a que as populações africanas chamaram o "Capitão Fula" (e cuja morte ocorreu, agora, no passado dia de Natal… em 25.12.2023) - foi um homem extraordinário, e com uma vida invulgar, e extraordinária, de heroísmo, de coragem, de lucidez e de inteireza.
Uma vida apontada, ao mesmo tempo, quer para o serviço militar quer para a compreensão do mundo e do seu país: para a História e para a investigação histórica. Provindo de uma tradição familiar apontada para o serviço do Exército Português, e mais concretamente para a Artilharia, ele veio a ser um militar de grande coragem, detentor de uma folha de serviços invulgar, e um historiador de grande lucidez e criticismo, o mais competente nas matérias específicas de História Militar a que se dedicou. De grande coragem científica, para além da coragem pessoal e humana.

Em nove anos em África, com quatro comissões de serviço, foi um dos militares mais condecorados do Exército Português no terrível teatro de operações da Guiné-Bissau, o mais duro e difícil para os Portugueses, na segunda metade do século XX. Comandou, lá, em comissões de serviço sucessivas, como Capitão, duas Companhias de Caçadores (CCaç 726, e CCaç 1424), e uma Companhia de Artilharia (CArt 644), e foi o criador, formador, e comandante, lá, dos "Comandos da Guiné" do Exército Português, entre 1964 e 1966.

As Companhias que comandou estiveram localizadas no aquartelamento de Guileje (Guiledje), na parte desse território que foi a mais problemática para os Portugueses, nas regiões do "Corredor da Morte" de Guileje, Gadamael e Guidaje, e das Matas do Cantanhez, e de Madina do Boé (onde, por fim, em 1973, o PAIGC acabou por proclamar unilateralmente a sua independência). Nessas regiões tiveram lugar alguns dos momentos mais penosos para o Exército Português. Nomeadamente quando, em Maio de 1973 (alguns anos depois de Rubim já lá não ser comandante), esse aquartelamento de Guileje chegou a ser abandonado pelas tropas portuguesas, e ocupado temporariamente pelas tropas do PAIGC (o único caso desse tipo, nas guerras africanas portuguesas da segunda metade do século XX).

Depois disso, entre 1972 e 1974, Nuno Varela Rubim ainda desempenhou também funções no Quartel-General português em Bissau, em serviços secretos de informações, transmissões e criptografia (CHERET), e já então promovido ao posto de Major (e, nessas funções, os serviços portugueses conseguiram decifrar os códigos das comunicações militares dos países vizinhos).
Esteve presente, desde o primeiro momento, lá, na Guiné, na conspiração do "Movimento dos Capitães" que levou ao 25 de Abril de 1974.

Depois, em Portugal, nas convulsões políticas do pós-25 de Abril, esteve envolvido nas difíceis situações que confluíram no 25 de Novembro (1975), no seguimento do qual viu a sua carreira militar ser bloqueada, e esteve preso em Custóias e em Caxias. Alguns anos depois, reconstituída essa carreira, e concedida a mais do que merecida promoção a Coronel (sem ter tido que ser, como então disse, "a título póstumo"…), foi passado à reserva e veio a dedicar-se sobretudo à sua paixão pela História e pela investigação de temas militares, sobretudo de História da Artilharia.

Foi Director de Investigação no Museu Militar de Lisboa, exerceu funções de docência na Academia Militar, na Universidade de Lisboa, etc. (de facto, exerceu-as em toda a espécie de escolas, desde escolas universitárias até humildes escolas primárias e profissionais). Publicou na "Revista de Artilharia" e em outras revistas militares. Organizou exposições e instalações museológicas de grande significado e qualidade (Museu da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas, Artilharia da Fragata Dom Fernando II e Glória, Artilharia do Forte de Oitavos em Cascais, etc.). Deu-nos a honra de, na Figueira da Foz, ter sido um dos membros do Conselho Consultivo e Científico do nosso Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque (CEMAR), desde Novembro de 2012.

Teve, sobretudo, um interesse muito especial, e competente dedicação, à história do "Príncipe Perfeito", o Príncipe e Rei Dom João II "próprio e verdadeiro coração da República" (nomeadamente à sua invenção do tiro naval rasante), à arquitectura naval, e às fortificações marítimas costeiras (Torre de Belém, etc.).

Na primeira década do século XX (em 2006-2008) — em parceria com a organização de cooperação AD-Acção para o Desenvolvimento, com o supracitado Blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné" dedicado aos combatentes portugueses e guineenses da guerra da Guiné-Bissau, e com entidades oficiais desse país independente de Língua Oficial Portuguesa —, Nuno Rubim esteve presente na celebração no Projecto Guiledje, de reencontro entre Portugueses e Guineeenses, nas suas várias vertentes ("triunfo da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, da memória colectiva sobre o esquecimento e o branqueamento da historia"...).
Esteve presente, nomeadamente, no Simpósio Internacional de Guiledje, em Março de 2008, em Bissau (onde foi um dos oradores), e na criação de um Núcleo Museológico de Guiledje (Guileje), para o qual construiu carinhosamente, pelas suas próprias mãos, e levou consigo, para oferecer, um precioso diorama constituído por um modelo à escala 1/72, de grandes dimensões, do aquartelamento português de Guileje tal como ele era na década de 60 do século XX (1966), quando ele próprio, e muitos dos combatentes de ambos os lados dessa guerra, lá haviam estado, e lá haviam combatido.

O Coronel Nuno José Varela Rubim teve um carinho muito especial pela Guiné, e pelas suas gentes, onde havia vivido durante uma década. E teve como esposa uma Ex.ª Senhora africana, de lá originária, que agora deixou viúva, e à qual devemos apresentar as mais sentidas condolências.

Quando, em 2008, voltou à Guiné, e regressou a Guileje e Mejo, foi reconhecido e acarinhado por muita gente que ainda se lembrava dele de há 41 anos atrás (!), e se lembrava da sua sensibilidade e proximidade com as populações locais, que logo então haviam dado origem ao seu cognome de então, de "Capitão Fula".

E, em Bissau, visitou o cemitério, onde estão sepultados centenas de militares do Exército Português, e alguns desconhecidos, e alguns pertencentes a Companhias que por ele haviam sido comandadas.

Muita informação sobre este notável militar e historiador português, e homem de grande carácter, pode ser encontrada em muitas das páginas do tão meritório Blog na Internet, criado por Luís Graça, que já aqui citámos "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (em https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com).


Filmes com parte da sessão do Simpósio Internacional de Guilege, em Março de 2008, em Bissau, com Nuno Varela Rubim e Carlos Matos Gomes, ambos Coronéis, Comandos, do Exército Português, em que o primeiro explica o isolamento em que foi deixado cair o quartel português de Guileje e o aparecimento no teatro de operações da Guiné dos mísseis terra-ar Strela que iriam mudar o curso da guerra, e o segundo explica o agravamento da situação militar no ano de 1973 para as tropas portuguesas, nas vésperas do 25 de Abril de 1974:

https://www.youtube.com/watch?v=rd8O523REL4
https://www.youtube.com/watch?v=CceUuqHQCc4


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"HISTÓRIA, MEMÓRIA E EXEMPLO DO PASSADO, PARA LIBERTAÇÃO DO FUTURO"

"(…) Ser ignorante do Passado é como ser uma criança para sempre (…)”… [ Marco Túlio Cícero, 106 a.C - 43 a.C]

"(…) Que os homens não aprendem muito com as lições da História é a mais importante de todas as lições que a História tem para ensinar (…)”… [ Aldous Huxley, 1959 ]

https://www.youtube.com/user/CentroEstudosDoMar


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Centro de Estudos do Mar - CEMAR
Rua Mestre Augusto Fragata, 8 - Buarcos
3080-900 - FIGUEIRA DA FOZ - PORTUGAL
e-mail: cemar@cemar.pt
tel.: (351) 969070009
(telemóvel)
tel.: (351) 233434450
(chamada para a rede fixa nacional)

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Nota do editor

Vd. post anterior de 8 de Fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25149: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (104): O Coronel Nuno Varela Rubim e o CEMAR (Centro de Estudos do Mar)

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24825: Casos: a verdade sobre...(35): Op Revistar, programada no ar condicionado de Bissau, uma operação das grandes, destinada ao assalto e ocupação de Salancaura, e que acabou por abortar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at inf MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68 / José Brás, ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68),


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) e 7º Pel Art / BAC > O obús 8.8. Foto do álbum do nosso saudoso cap SGE ref  José Neto (1929-2007), na altura o 2º sargento da CART 1613, que chefiava a secretaria.

Foto: © José Neto (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (entrou para a Tabanca Grande em 8/12/2013; tem 135 referências no nosso blogue; por razões de saúde não tem prestado maior colaboração ao blogue nos últimos tempos; alegramo-nos com
o seu reaparecimento).

Data - 4/11/2023 04:39  
Assunto - Operação Revistar  
Caros Camaradas, Luís e Carlos

Capa do livro
de José Brás, "Lugares de passagem",
Lisboa, Chiado, Editora, 2011


Dia 5 deste mês faz precisamente 55 anos que regressou da Guiné a CART 1659. Desembarcámos só na manhã de 6, passando mais de 12 horas ao largo de Lisboa.

Cheguei com muitas dúvidas, tendo a sorte de desvendar todas,  com uma falha: a "Operação Revistar”.

No Blogue não surgiu ninguém que tivesse conhecimento da mesma. Passei horas no Arquivo Histórico-Militar, esclarecendo muitas dúvidas. Sabia que só era possível levar-se a efeito tal Operação, com objectivos tão ambiciosos, direi inclusive estúpidos. Pretendiam esses senhores de gabinete acabar com a guerra, inclusive matar os líderes ('Nino' Vieira) e apanharem toda a documentação confidencial.

Chegara de licença e em Bissau não se falava de outro assunto. (*)

Um Abraço a todos os Camaradas
Mário Vitorino Gaspar

PS - Podem publicar no Blogue. Continuo bastante doente, mas acrescentar a informação de José Brás à minha, a tudo que assisti, deixou-me melhor. Até parece que tenho menos dores.

2. Operação Revistar (não consta do livro da CECA, 2015, relativo à atividade operacional no CTIG, de 1967 a 1970)(**)



José Brás, (ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, 
Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68),

Do livro de José Brás “Lugares de Passagem” (texto que me enviou, a mim, Mário Gaspar, o amigo José Brás; conheço-o desde o início dos anos 60; estudei no Colégio Sousa Martins, em Vila Franca de Xira): 

(..) Mas nada disto de que venho a falar-vos tem importância e a importância dou-lha eu no
 engano de vos fazer compreender melhor a encomenda do Santinhos no episódio burlesco que desde o início vos quero relatar. 

Comecemos pelo princípio! Em certo tempo, que como vocês sabem não é o mesmo que em tempo certo… em certo mau tempo, direi, foi programada no ar condicionado de Bissau uma operação das grandes, destinada ao assalto e ocupação de Salancaur (...). Salancaur, imaginem…  

Tal operação envolvia várias Companhias que passaram a noite deitadas pelo chão do acanhado quartel de Medjo e incluía bombardeamentos prévios nos dias precedentes pela aviação, Fiats, T6’s (...), e DO-27 no ar a horas que deveriam ser as do assalto, e bojardas dos tais obuses do Santos a partir de Medjo, tudo antes da planeada entrada da tropa apeada. 

As quatro peças de artilharia foram deslocadas dos seus espaldares para o exterior da paliçada, alinhadas lado a lado e apontadas em paralelo ao objetivo como dedos de deuses vingativos. A regulação do tiro seria feita, e foi, a partir do voo de um DO-27, Major de operações mais que duvidoso a mandar vir, tantos graus à esquerda, alongar o tiro mais cem metros…

Diz-se que o homem põe e Deus dispõe. Dizia Fernando Pessoa que Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Que Deus quisesse tal coisa, quer dizer, o assalto a Salancaur, é duvidoso, ainda que num mundo como este nem em deuses se possa confiar, e esta parte digo eu que tanta desgraça vi naquelas terras. O sonho, neste caso, o sonho seria do mastronço que ocupava a cadeira do poder de Bissau, ou de alguns dos seus bengalinhas querendo mostrar serviço, movendo pioneses coloridos no amplo mapa que ornamentava paredes nas competentes salas do QG (...) e do palácio do Governador. 

Pesadelo se deveria dizer, em vez de sonho, já que sonho é palavra mais adequada a gente que luta e morre por liberdade de sua terra e povos, e por justiça, o que ali, claramente, não era o caso, mas bem o seu contrário. Pesadelo, portanto, também querendo justificar-se a coisa torta e deformada, causadora de sofrimento e dores, talvez mortes a somar a mortes nos dois lados da contenda. 

A operação que deveria ser de um dia, naquela mata quase virgem, avançando nos poucos quilómetros à força de catana para evitar sinais de picada antiga, chegou à antecâmara do destino apenas na terceira madrugada. Sete quilómetros, a bem dizer, se medidos em linha reta, acho que era a leitura dos generais em Bissau. Fomes, sedes, exaustão, desidratação, medos, esfrangalharam corpos e convicções. As evacuações começaram em catadupa, umas de necessidade absolutamente comprovada e outras aproveitadas no ressalto, todas, vi eu, mais que justificadas no limite de cada um, nas caras torcidas de esgar, nos olhos febris. Na frente da tropa que se aprestava para o ataque, havia agora um enorme espaço de bolanha nua e rasa que era necessário passar para chegar ao objetivo.

Ordem para iniciar procedimentos de tiro de obus em Mejdo. Tudo a postos, cada peça com seu apontador e municiador. Em PRC-10 (...) ouvia eu as ordens do DO ao Santinhos, e em wallkie talk, a comunicação entre o Santinhos e o apontador de cada obus, conversa esta, em especial, para a qual peço a vossa inesgotável imaginação, recriando a manhã naquele lugar, quente e húmida, mais abafada ainda pelo stress da espera de meia dúzia de soldados que haviam ficado a garantir a segurança das peças, encarrapitados na bancada da paliçada; o DO esvoaçando e dando indicações, não tão longe dali que não se pudesse enxergar-lhe a evolução a olho nu; a voz do Santinhos nas perguntas ao avião, nas ordens às peças, pastosa, embrulhada na língua, augurando tensões.

− Primeira bateria?

− Pronto,  meu Alferes!

− Segunda bateria?

− Pronto.  meu Alferes!

− Terceira bateria?

− Pronto. meu Alferes!

− Quarta bateria?

− Quarta bateria?!

− Quarta bateria?!!!

− Foooooda-se!

BUUUUUUUUUUUUUUUUUM!!! Quatro buuuns num só, ecoaram inesperados nos meus ouvidos e no susto dos ocupantes do DO que voava em frente, não muito acima da linha de tiro!

− Tirem-me daqui!!!  − esganiçou o Alferes.  − Tirem-me daquiiiii!

Um médico de fora que por ali ficara para a possibilidade de ter de servir na operação, diagnosticou sintomatologia histeriforme e solicitou evacuação para o Alferes. O helicóptero que o veio buscar,  carregou já para Medjo o seu substituto, outro Alferes, açoriano, diferente do Santinhos no talhe físico e na atitude. Para aquele dia nem valia a pena a pressa da substituição. 

Os obuses não teriam mais serventia naquela operação acabada por ordem superior, como superior havia sido a do seu início. Do DO para a tropa na orla da mata a ordem foi de recuar porque do outro lado daquele largo espaço aberto, eram muitos os morteiros, canhões sem recuo, possíveis foguetões terra-terra dissimulados e outros materiais eficazes na função de matar, prontos para bater a bolanha nua e rasa.

Não havia tropas helitransportadas. E que houvesse! A morte de dezenas estaria assim mais que certa, ainda por cima, para nada, segundo concluíram os chefes. Sensatamente, desta vez.

Não morreu ninguém, portanto, do nosso lado, pelo menos.

Só fomes.

Só sedes.

Só medos.

Só pragas.

Só raivas!

E do Santinhos, Alferes e civil, engenheiro brilhante, segundo se dizia, e contestatário, nunca mais ouvi fosse o que fosse, por palavras escritas, ou ditas… ou (des)ditas.


In "Lugares de Passagem" (com a devida vénia...)

Nota do editor: nesta altura devia estar em Mejo o 6º Pel Art / BCAC (8,8 cm). OU o 7º, que depois foi para Guileje.
 



Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas,
CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68)
  

3. Sobre a  “Operação Revistar” ver o texto que publiquei no blogue, Poste P14302 (***).

(...) A CCAÇ 1622 viria a ser a maior vítima da “Operação Revistar”, que tinha por objectivo a Acção ofensiva em diversos acampamentos do PAIGC e o aprisionamento do chefe Nino Vieira. Participaram na “Operação Revistar”, a CCAÇ 1622; CCAÇ 1591; CCAÇ 1624 e CART 1613.

No dia 3 (de dezembro de 1967), teve a Companhia, 3 feridos (um Oficial, um Sargento e um Soldado; 18 evacuados por esgotamento físico e dois por doença).

No dia 6, repete-se a Operação, e para além das Companhias que tinham estado na 1.ª Acção no terreno, foram reforçados com a minha CART 1659 e CCAÇ 1620.

Na História da Unidade da CCAÇ 1620, nem uma linha sobre a “Operação Revistar”, entretanto esteve lá.

Na História da Unidade da CART 1659 consta:

“De 1 a 3 e de 6 e 7 de Dezembro de 1967, feita a Operação Revistar, uma Acção ofensiva na Península de Salancaur, tendo as forças da CART 1659 colaborado numa primeira fase, montando segurança ao aquartelamento de Mejo. Numa segunda fase, participaram da operação juntamente com as forças da CART 1613 e CCAÇ 1591, 1622 e 1624. Os objectivos previstos não foram atingidos devido ao esgotamento físico das nossas tropas”.

Na História da Unidade da CCAÇ 1591, repetem-se as dificuldades que a NT teve ao percorrer matas fechadas, calor intenso o que provocou o agravamento do estado físico das NT. Termina dizendo que a Companhia acusou, notoriamente, as 5 noites ao relento, dormindo no chão e a falta de alimentação capaz, antes de iniciar a Operação.

Na História da Unidade da CCAÇ 1624, repete-se o mesmo, só com mais 15 evacuações (1 Oficial e 1 Sargento), não existindo condições para se concluir a Operação. (...)

(...) Sobre a actividade da Força Aérea nada é focado, mas que a aviação esteve lá não me podem negar. Dias antes já actuava, e em força, bombardeando constantemente a Península de Salancaur.

Em relação aos motivos que levaram que a Operação não fosse concluída, todos falam em desgastes nas NT. Estavam Paraquedistas, Fuzileiros e Comandos do lado contrário da Bolanha? E a aviação?

Uma Grande Operação falhada. Quem foram os culpados?

Estes também foram para mim dias horríveis, 7 dias consecutivos que não esqueço. (,,,)


4. E agora acrescento eu, para se percebeu o meu reencontro como Zé Brás:

No início dos anos 60 um grupo de 9 estudantes do Externato Sousa Martins fundaram o Jornal “Eco Académico”, entre eles estava eu. A Direcção do Externato pensou ser um Jornal tipo “quadro de honra”. Através do Padre, Professor de Moral, conseguiu-se que fosse composto e impresso na Tipografia do Centro de Apoio Social Infantil (CASI).

Conseguimos assinantes e publicidade, após cada um de nós entrar, penso com 50$00.

Começámos por inserir artigos que foram contestados pelo Externato e o CASI deixou de nos apoiar. Falou-se em desistirmos mas continuámos. Foi complicado visto termos de pagar a uma Tipografia.

Entretanto já tínhamos sido convidados para colaborar na Criação da Secção Cultural do União Desportivo Vilafranquense (UDV).

Quem nos coordena é o escritor Alves Redol em reuniões semanais (?).

Já deixara de estudar mas continuei a frequentar esses encontros. Nasci em Sintra e desde os meus 3 anos que vivia em Alhandra – rival nº 1 do União. Os meus Amigos chamaram-me traidor por colaborar com o clube de Vila Franca. Trabalhava mas continuei a frequentar o Restaurante Maioral, local onde anteriormente nos juntávamos diariamente e que continuava por ser o “local de encontro”. Vítor Manuel Caetano Dias, meu primo, é um dos obreiros.

A Secção Cultural nasce, já com o amigo José Brás que a compõe. Outras figuras surgem. O Cineclube do UDV faz história.

A 3 de Maio de 1965 sou obrigado a iniciar o Serviço Militar no RI 5, nas Caldas da Rainha o Curso de Sargentos Milicianos. José Brás encontra-se na mesma unidade. Finda a Recruta vou para Tavira em Agosto, e o Amigo José Brás também.

O meu Comandante de Pelotão é o Alferes de Infantaria Luís Carlos Loureiro Cadete.

Devido a ter sido hospitalizado no Hospital Militar de Évora, perco a Especialidade – Armas Pesadas – e vou de Licença Registada para casa. Em Janeiro mandam-me apresentar na Escola Prática de Artilharia (EPA), em Vendas Novas e termino a Especialidade e sou promovido após ter sido forçado contra vontade a prestar Provas para os Comandos – recusei, tive a sorte de me safar – e após Licença sou colocado no RI 14, Viseu. Monitor em várias Recrutas, com sucesso. Imagine-se. 

Quando penso estar prestes em terminar o Serviço Militar vou, contra vontade, Prestar Provas para os Rangeres. Após concluir todas as provas, foram 9 dias, e uma caminhada de 40 quilómetros, regresso a Viseu, onde integro a Equipa de Natação no Campeonato da Região Militar. Sou o único elemento da equipa a apurar-se para os Campeonatos das Regiões Militares Nacionais. Volto a ter esperança, mas sou destacado para o RAC, em Oeiras. Dai sigo para a Escola Prática de Engenharia, Tancos para frequentar o Curso de Minas e Armadilhas. Acontecem aqui umas histórias curiosas, mas noto ter sido deveras enganado. Preferível ter ido para os Comandos ou Rangeres. Passei o Curso com 14,8 (?), recebi um diploma e fui mobilizado para a Guiné.

Chego a Bissau em Janeiro de 1967 – não desembarcamos na cidade – e seguimos de LDM para o desconhecido. Defronte de Cacine dizem irmos para Gadamael Porto. Visto um Pelotão e uma Secção ter de ir para o Destacamento de Ganturé, toca-me esse destino.

Vários Furriéis Milicianos, Amigos e conhecidos que estavam já destacados na zona falam-me que o meu amigo – já Capitão Cadete – se encontrava em Mejo, entre eles o Amigo José Brás. Sempre que era destacado para Operações nesse aquartelamento, tentava que ele não me visse. Em Dezembro de 1967 dou de caras com o Capitão na falada “Operação Revistar”.

Devido a um Rebentamento, no dia 4 de Julho, quando morrem (dizem) 10 nativos e mais de 20 feridos graves,  vou para Gadamael. Entretanto já tenho o doutoramento de Minas e Armadilhas.

Não li o livro de José Brásm  “Lugares de Passagem”, só por mero acaso há poucos dias, tomei conhecimento. É notório que a Operação é a mesma – uma mancha tremenda na História que se recusam em falar – História da Guerra Colonial.


5. Lisboa > 
Hospital Júlio de Matos >  25 de Setembro de 1998 > Colóquio "Amor em Tempo de Guerra"

Volto a encontrar-me com José Brás, Aqui fica uma resumo,

O Amor em Tempo de Guerra

 por Mário Vitorino Gaspar

No dia 25 de Setembro de 1998 houve um Colóquio com o tema “Amor em Tempo de Guerra – A Guerra Colonial Portuguesa”, no Anfiteatro do Hospital Júlio de Matos. Para além do Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque e da Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes, esteve presente um convidado surpresa, José Brás, ex-combatente que publicou o livro “Vindimas do Capim”, Prémio Revelação do Ano de 1986,  que começou por afirmar: 

– Na Guerra Colonial não existiram, quanto sei, orgias, como as vistas nos filmes americanos da Guerra do Vietname. (…). Que soldados portugueses eram estes? Alguns fizeram-se homens com as prostitutas das feiras anuais da província. E vão para a guerra. Guiné, onde cumpri o serviço militar, é um território pequeno… mas a solidão era maior. O soldado, na maioria carente de bens materiais, e muitas vezes de sexo, vai para a guerra e sente-se mais livre em combate que no quartel. 

Continua: 
– A masturbação, essa, sim, existia, até pela descoberta do corpo.

O Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque, que cumpriu o serviço militar como Médico em Moçambique, referiu: 
– A sexualidade em tempo de guerra tem a ver com a experiência havida em tempo de paz. Quando parti para Moçambique chorei … limpei as lágrimas e lancei o lenço ao mar… Chegado à zona onde se instalou a minha Companhia, as prostitutas quando souberam que estavam nas imediações novos militares instalados, surgiram logo. Existia uma mulher branca, por cada dez europeus. Os perigos das relações sexuais com as nativas eram as doenças venéreas. Não havia preservativo, mas bisnagas de sulfamida. Os soldados afirmavam que aquilo tirava a potência. Sucedeu que um número de militares analfabetos, e não só, acabaram por ter experiências sexuais com animais.

Falou-se da homossexualidade existente na Guerra Colonial.

A Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes, disse: 

– Era natural que a namorada ou noiva fosse virgem. Casos houve que antes da partida para a guerra deixava de o ser. Decerto que algum pacto foi feito por mulheres de ex-combatentes, visto esses casamentos durarem ainda hoje.

Mário Vitorino Gaspar, fez notar:

– Importante referir, pela minha experiência, que o amor em tempo de guerra, estava aqui e não no sul da Guiné em 1967/1968. Lá existia guerra e não amor. Em Ganturé, destacamento de Gadamael Porto, o Régulo da zona, o beafada Abibo Injasso, Tenente de 2ª Linha, e elo de ligação entre o Exército Português e os “informadores” – que jogavam com um “pau de dois bicos” – e pago com uma viagem anual a Meca pelo Estado Português, proibia que as mulheres, e principalmente as bajudas (raparigas novas e em princípio virgens) de terem relações sexuais com os militares, sendo castigadas se o fizessem. Quando confrontadas com a tropa para terem relações sexuais, as mulheres ou bajudas recusavam com uma frase: - “Mim cá nega!”

Amor era o amor de pais, família, da noiva ou namorada.

Mas até se fazia sexo por correio – por carta ou aerograma – sexo por escrita, com noiva, namorada ou madrinha de guerra, por vezes até havia masturbação! Os militares na zona onde me encontrava só podiam ter relações sexuais, quando evacuados por ferimentos ou doença para Bissau, onde existiam prostitutas

Muitas vezes ficava imensamente triste por receber tanta correspondência e soldados nem um simples aerograma terem. Estes quando me falavam choravam e queixavam-se que as namoradas andavam com outros, por vezes até familiares, principalmente primos.

O Dr. Santinho Martins completou: 
– Necessário fazermos a distinção entre oficiais, sargentos e praças. É que estes últimos não tinham dinheiro. As prostitutas eram mulheres na decadência, já com uma certa idade.

Foi levantada a questão:
– Até que ponto o amor pode ser uma boa terapia para o Ex-Combatente que sofre de Perturbações do Stress Pós Traumático de Guerra?

A Doutora Fani Lopes, ao terminar afirmou: 
– Um ou outro regressa da guerra e posteriormente isola-se de tudo e de todos. O isolamento consigo próprio é uma situação de risco. A vida não é aquilo que queremos, mas aquilo que ela é!

Discutiu-se o “Amor em Tempo de Guerra – o Sexo em Tempo de Guerra”

NOTA: Este texto foi publicado no Jornal APOIAR, fui um dos seus fundadores e 1º Director.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24447: Casos: a verdade sobre... (34): A CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72), comandada pelo cap inf Augusto José Monteiro Valente (1944-2012), e depois maj gen ref, que embarcou para o CTIG sem três alferes (que terão desertado) e durante a IAO ficou sem o último, por motivos disciplinares...

(**) Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015).

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24308: Noites de Mejo (1): O mistério do Extractor perdido (Cor Inf Ref Luís Cadete, ex Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591, 1966/68)

Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O Fur Mil José Carlos Lopes posando ao lado da temível Browning, 12.7, uma metralhadora pesada.
Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto e com um alcance, à superfície, de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados



O Mistério do Extractor Perdido

Luís Cadete

Um patusco qualquer, com veia para o romance de terror, alcunhou-o de ANTECÂMARA DO INFERNO. E sempre que alguém fazia menção ao sítio, o pessoal a ele destinado arrepiava-se; depois de lá estar uns tempos, esquecia-se do facto e até fazia gala em dizer que por ali estanciava. Estar naquele sítio, muito para lá do sol-posto, que nem sequer Judas parecia ter pisado para ali perder as botas, era um posto, um penduricalho que mais ninguém tinha hipótese de alcançar.

De facto, o sítio ficava a meio de uma extensa e infecta picada, que parecia nunca estar reparada por mais que o pessoal, no intervalo das operações, se esforçasse por tal conseguir, a despeito dos 45º à sombra e da chuva diluviana, que convidavam ao ripanço, mas que o Capitão K*****, nado lá para o Alentejo profundo, além-Guadiana, não permitia. Quer se fosse para Leste ou para Oeste, as bolanhas a transpor, qual delas a mais larga, eram seis para um lado e doze para o outro, segundo o jornal-da-caserna. Uma havia, para Oeste, cuja travessia obrigava a manobras complicadas, demoradas e esgotantes, aquando dos reabastecimentos. De facto, para além de implicar a descarga dos abastecimentos dos Unimog 411 e seu transporte, a braço, para a margem oriental, para de novo serem carregados nas viaturas, necessário se fazia passar estas para a citada margem, sem descurar a segurança das operações de transposição da bolanha, o que era um bico-de-obra de todo o tamanho, que requeria engenho e arte. Graças a Deus, era coisa que não faltava ao pessoal daquela Companhia de Caçadores cuja experiência destas e doutras manobras já levava mais de ano e dia. E então, era assim.

À ordem do Comandante da coluna, avançava o Unimog com guincho cujo cabo era puxado para a margem oriental e abraçado a um frondoso e robusto poilão, que ali estava, quiçá, desde o tempo em que Deus ainda andava pelo mundo; logo que confirmado que a manobra estava executada a preceito, o condutor punha o guincho em marcha e a viatura lá avançava com todos os vagares, atasca aqui, desatasca acolá, auto-rebocada e empurrada, quando necessário, pelo pessoal. Seguidamente, fazendo inversão de marcha, fixava-se o Unimog com um cabo sobressalente ao poilão pelo engate da retaguarda e passava-se o cabo do guincho para a margem oposta da bolanha para rebocar as restantes viaturas, descarregadas, que o pessoal se apressava a recarregar para seguir viagem até à dita ANTECÂMARA DO INFERNO.

Claro que na estação do cacimbo, logo que as bolanhas secavam, a operação estava simplificada, salvo algum atascanso inesperado, que o solo da bolanha não era de confiança. Se não fora o «trabalho de estrada», como o Capitão baptizara as operações de reparação dos troços de estrada entre bolanhas e as operações propriamente ditas contra os quadrilheiros do PAIGC, que se intensificavam, a estação do cacimbo seria o descanso do guerreiro. Malfadadamente, estava longe de o ser. Como era norma, os ditos aquartelamentos não possuíam pontos de água no seu interior, um poço, um furo que debitasse água potável em abundância sem esforço. Assim, com chuva diluviana e calor tórrido ou temperaturas amenas e céu azul, havia que realizar, quotidianamente, a «operação da água», que é como quem diz, era necessário ir com os dois atrelados-tanque de água e respectiva escolta até uma nascente situada a distância imprópria da ANTECÂMARA DO INFERNO para garantir o abastecimento do precioso líquido à Companhia. E o mesmo se passava para a lenha necessária ao funcionamento da cozinha onde pontificava o «chef» 1.º cabo cozinheiro M***** e seus ajudantes.

Todavia, a grande dor de cabeça do Capitão era o abastecimento de água, não só à tropa, mas também à população que com ela vivia numa simbiose perfeita. Segundo ele explicava aos seus oficiais, um poçozinho no interior da tabanca-aquartelamento que debitasse água potável com fartura e pouco trabalho era coisa muito mais importante para a contra-subversão do que uma dúzia ou duas de emboscadas e outros tantos assaltos às posições dos quadrilheiros do PAIGC.

Nesta convicção, quiçá pouco canónica, algum tempo depois de ali chegar e verificar a situação do abastecimento de água, como era homem dado a engenhoquices, imaginou canalizar a água da nascente para o interior da posição por intermédio de tubagem que vira ser utilizada para o efeito lá para os lados da sua terra natal. Segundo ele, abria-se uma trincheira entre a nascente e um dado ponto da tabanca para colocar a tubagem ao abrigo de eventuais acções do IN e estava a coisa feita; era só aterrar a trincheira e pronto, a água jorraria onde era necessária. Então, dirigiu-se aos seus superiores hierárquicos, expondo a questão e a sua importância, solicitando que a Engenharia fornecesse à Companhia os elementos da tubagem julgados necessários à obra. Os meses passaram-se, abateram-se dois quadrilheiros numa emboscada montada na nascente, levantaram-se mais umas quantas minas TM-46, que o pessoal era cuidadoso e eficaz nas picagens, e atacaram-se as organizações do inimigo existentes no sector, mas de Bissau nem novas nem mandadas.

O Capitão, que nunca ninguém vira sair do sério, mudou de estratégia: decidiu solicitar que a Engenharia ali abrisse um furo ou poço, explicando, novamente, a importância de tal melhoramento. Na volta do correio, coisa que o surpreendeu pela positiva, recebe a Companhia um avantajado envelope do Batalhão de Engenharia da Guiné dentro do qual um significativo número de folhas de papel explicavam, com bonecos e tudo, como a Companhia devia abrir um poço a pá e picareta! Quanto à deslocação da Engenharia e do equipamento adequado para a obra pretendida, era coisa fora de cogitação por inadequado. De facto, a distância era grande, as viagens de batelão incómodas, as minas um bico-de-obra e os mosquitos e a outra bicharada que inçavam o destino pouco convidativas eram para quem estanciava por Bissau com tudo do bom e do melhor.

O Capitão leu e releu a resposta, enfiou as manápulas cabeludas pela farta cabeleira castanha na qual já brilhavam alguns fios brancos, a despeito da idade, e começou a bufar. Levantou-se daquela coisa que lhe servia de secretária com as negregadas folhas na mão direita e saiu do edifício que lhe servia de gabinete e de secretaria à Companhia onde pontificava o 1.º sargento D*****, homem competente, honesto e ponderado, com vários anos de tarimba a responder por companhias. A bufar como bicho enjaulado, pôs-se a andar para cá e para lá e a falar sozinho. De repente, parou e num ataque de fúria que nunca ninguém lhe vira, com os olhos injectados, rasgou toda aquela papelada e lançou-a num dos tambores de recolha de lixo, que mandara instalar para não haver desculpas quanto à limpeza. Mais calmo, e como quem fala consigo, berrou:
- Como é que estes filhos-da-puta de Bissau se atrevem a sugerir-me que mande abrir um poço a pá e picareta se nem sequer tenho quem o saiba fazer nem material para o entivar e garantir a segurança do pessoal dentro do buraco? Estão a mangar com a tropa ou comem trampa?

A largas passadas entrou no gabinete, sentou-se à secretária e começou a redigir uma nota, daquelas de caixão à cova, que passou ao 1.º sargento D***** para que a mandasse dactilografar.

O 1.º sargento, que assistira à fúria do seu comandante, leu, pausadamente, o texto e, tirando-se dos seus cuidados, foi ao gabinete do Capitão. Este estava recostado na cadeira, calmo, com ar satisfeito com o que escrevera.
- O meu comandante dá-me licença? - disse o 1.º sargento.
- Entre, ó D*****, e já agora diga-me aí à ordenança que me traga uma bazuca fresquinha que me deu uma sede desgraçada!

Vinda a bazuca fresquinha e um copo, o D***** entrou de rascunho em punho e plantou-se em frente da secretária.
- O meu comandante vai-me perdoar o atrevimento, mas a minha consciência e a estima que tenho por Vossa Senhoria não me permitem mandar dactilografar este texto -, começou o 1.º sargento. - Se Vossa Senhoria me permite, passo a explicar.
O Capitão sorriu-se.
- Então explique lá, mas explicadinho, explicadinho para militar perceber -, respondeu o Capitão de boa catadura.
- Como Vossa Senhoria sabe tão bem ou melhor do que eu, a despeito da razão que assiste ao meu comandante, este texto é excessivamente violento, foi escrito com a cabeça quente. Vossa Senhoria, meu comandante, sabe que se isto seguir assim vai dar origem a um processo disciplinar que não vai resolver problema nenhum, mas vai prejudicar a vida de Vossa Senhoria, meu comandante, e, por tabela, a nossa companhia.

O Capitão debruçara-se sobre a secretária a escutar, atentamente, o que o seu 1.º sargento lhe ia dizendo, sem o interromper.

- Vossa Senhoria, meu comandante, sabe melhor do que eu que há aqui expressões ofensivas da hierarquia e que o RDM não admite - continuou o D***** a suar em bica. - Se Vossa Senhoria, meu comandante me permite, eu tomo a liberdade de pedir a Vossa Senhoria que reveja este texto. Vossa Senhoria é oficial do QP, sabe que eu tenho razão e que não lucra nada em insultar, embora eu não duvide da razão que assiste ao meu comandante, quem teve o topete de enviar à nossa companhia aquela papelada toda. Obviamente, se Vossa Senhoria reiterar a ordem, far-se-á como está escrito neste rascunho, mas quero que o meu comandante saiba que ninguém aqui está interessado em que Vossa Senhoria deixe a companhia e ainda por cima com uma porrada às costas.

O Capitão sorriu-se, um sorriso pleno de tristeza e profunda e insanável desilusão.
- Agradeço-lhe a frontalidade. Dê cá essa merda! - disse o Capitão estendendo a mão por sobre a secretária. - Responder-lhes assim ou assado é dar-lhes uma confiança que não merecem. Portanto, vamos fazer de conta que zurrou um burro. Espero contar sempre com essa sua frontalidade.

Como para a hierarquia era indiferente a construção do poço, melhoramento importante para a guarnição e para a população da tabanca, nem lá iria para ver a obra, o Capitão arrumou o assunto no cesto dos papéis.

Entretanto, para espanto do pessoal e desgosto da população que se afeiçoara àquela tropa, a hierarquia congeminou a rotação da Companhia para uma posição lá para o norte da Zona de Acção Sul próxima da fronteira com a La Guinée. Segundo constava, era sítio relativamente sossegado, com três ou quatro cantinas de libaneses que vendiam de tudo e mais alguma coisa, e instalações para a tropa de boa qualidade, cedidas por uma empresa com sede em Bissau e que ali exercera a sua actividade até ao início dos confuson, expressão que a população usava para designar a guerra. A preocupação do Capitão passou a ser o planeamento da rotação, que implicava entrega de todo o tipo de materiais da Companhia à que a iria substituir na famigerada ANTECÂMARA DO INFERNO.

Entre o material de guerra a entregar, cuja manutenção estivera a cargo do furriel de Armas Pesadas V*****, homem do Norte, rigoroso, competente, dedicado ao serviço e afeiçoado ao Capitão, estava uma metralhadora pesada Browning 12,7 mm m/951, que sempre cumprira a sua função sem falha alguma. A Browning fora sempre, tal como o restante armamento pesado de defesa do “aquartelamento”, uma máquina a debitar lume. Apenas os quadrilheiros do PAIGC, que teimavam em meter-se-lhe no sector de tiro, tinham razão de queixa.

Trocadas as Secções de Quartéis para a recepção do material e dois grupos de combate, a entrega e recepção dos materiais decorreu sem incidentes e, consequentemente, as Guias de Entrega foram assinadas por ambas as partes em rotação sem qualquer observação. E assim se completou a transferência das companhias, transferência essa que não agradou à nova Companhia da ANTECÂMARA DO INFERNO que, na realidade, passava de cavalo a burro. Coisas… Ora, o capitão de Artilharia A*****, comandante da Companhia de Artilharia***** recém-transferida mais para o sul, decidiu que se desmontasse completamente a metralhadora para ser devidamente limpa, pois não confiava em quem lha passara, embora a tivesse visto a funcionar como um relógio e não tivesse tido dúvidas em assinar a respectiva Guia de Entrega após assistir à conferência do respectivo completo, prova de que tudo estava em ordem.

E descansou.

Descansou ele e a guarnição da metralhadora, dada ao ripanço, ao que parecia. E pelas três da madrugada do dia seguinte, sem se fazerem anunciar, os quadrilheiros do PAIGC flagelaram à grande e à francesa a nova companhia que, surpreendida com a novidade, tardou em responder com eficácia, permitindo que o inimigo fizesse estragos, nomeadamente na tabanca, o que caiu muito mal à população. Montada a toda a pressa no meio da escuridão, a já mais do que citada Browning não correspondeu ao que dela se esperava; ficou em silêncio, um silêncio inexplicável, porquanto toda a gente a ouvira cantar aquando da entrega.

Mal a aurora despontou lá para Oriente, verificou-se que faltava uma peça naquela máquina de cuspir ferro e fogo: nada mais nada menos que o extractor, segundo informação da ignara guarnição da metralhadora! E no relatório da flagelação, que fez seguir até ao topo da hierarquia, à falta de melhor justificação da ineficácia da resposta, o capitão A***** não hesitou em culpar a Companhia de Caçadores**** que lhe passara uma arma inoperacional, embora não tivesse tido dúvidas em assinar a respectiva Guia de Entrega sem observações que pudessem vir a justificar alguma falha posterior. E sem ter tido a hombridade de colocar a questão ao seu homólogo para que este, eventualmente, a resolvesse. Bem vistas as coisas, a falta de um extractor é questão de lana-caprina, que qualquer capitão sabe como resolver sem estardalhaço.

Ora, no Comando Militar, onde tudo parecia indicar que se percebia tanto de metralhadoras Browning 12,7 mm como de lagares de azeite, ninguém duvidou da narrativa do capitão A*****, manifestamente ressabiado com a rotação que lhe calhara em rifa. E vai daí, remete-se uma nota, confidencial-pessoal, ao capitão K***** para que respondesse à funesta questão do extractor, logo ali transformada em casus belli, à falta de melhor que demonstrasse o empenho do topo da hierarquia na satisfação das necessidades das companhias em sector. Claro que o assunto era um não-assunto, porquanto se havia uma peça em falta, ainda por cima coisa tão corriqueira como um extractor, bastava oficiar o capitão A***** para que o requisitasse ao Serviço de Material em Bissau e elaborasse o competente auto de extravio ou incapacidade do especioso extractor para apreciação superior ou, mais eficaz ainda, ordenar ao dito que enviasse um extractor à companhia que dele carecia. Mas não. A nota confidencial-pessoal pareceu ser a coisa mais eficiente e eficaz para resolver aquele caso bicudo do extractor alegadamente em falta e devolver, num abrir e fechar de olhos, a total operacionalidade à companhia do capitão A***** na defesa do “aquartelamento”.

Enquanto o pau ia e vinha, a companhia do capitão K***** estava entretida a reconstruir um abrigo que herdara derruído e a restaurar o espaldão do morteiro 8 cm que fora invadido pelo baga-baga e se encontrava inoperacional por herança, tudo isto e mais não sei o quê sem espalhafato nem relatórios lamurientos.

Face ao conteúdo da confidencial-pessoal, o capitão K***** rascunhou uma resposta cordata, que se resumia a explicar que, segundo o Manual de Funcionamento da Metralhadora Pesada Browning 12,7 mm m/951, esta arma não possuía extractor amovível que pudesse, consequentemente, extraviar-se ou danificar-se; de resto, a Companhia de Caçadores ***** possuía o duplicado da Guia de Entrega devidamente assinado sem observações, mas mais do que isso, a citada arma sempre funcionara durante a permanência da Companhia na anterior posição e voltara a fazê-lo durante a entrega do material na presença do capitão A*****. E ponto final.

Ao chegar ao Quartel-general do Comando Militar, a resposta à confidêncial-pessoal desencadeou uma verdadeira tempestade de comentários, qual deles o mais inadequado. O conteúdo daquele pedaço de papel, mais ou menos rectangular, era um escândalo! E por tal razão foi levado, com urgência, ao gabinete do Chefe da Repartição de Logística onde se encontrava o capitão G*****, recém-chegado à Guiné no comando da *****.ª Companhia de Comandos, a tratar de assuntos relacionados com a sua companhia aquartelada em Brá, uma pequena cidade militar entre Bissau e o aeroporto de Bissalanca. Para aumentar a confusão e dar opiniões do estilo «Eu acho que…», o chefe da Secção que recebera a resposta do capitão K***** fazia-se acompanhar de três ou quatro majores do CEM.

Posto o tenente-coronel do CEM chefe da repartição ao corrente da resposta e dos antecedentes, houve logo quem adiantasse que o subscritor além de «intratável» era fulano que «tinha a mania de que sabia mais do que o capitão A*****». Para aquela oficialidade altamente qualificada, era inconcebível que o capitão A ***** não soubesse o que dizia e, portanto, a malfadada Browning tinha mesmo extractor amovível que o capitão K***** sonegara na transferência do material! A resposta deste capitão não passava de um disparate, de uma heresia, de uma espécie de desculpa de cabo quarteleiro apanhado em falta, a necessitar de acção adequada ao despautério!
O capitão G*****, aluno brilhante da Academia Militar e não menos brilhante oficial da Arma de Cavalaria e dos Comandos, que fora apanhado no meio daquela tempestade sem nada ter a ver com a questão, era velho conhecido e amigo do capitão K***** e não deixou de se irritar com aquela vozearia que nada adiantava, porquanto não passava de um conjunto de opiniões pessoais não fundamentadas, logo subjectivas, arbitrárias e gratuitas, de achismos, que nada valiam perante o que constava do Manual, ou seja, sem qualquer suporte na chamada Doutrina. E resolveu entrar na dança.

- Vossa Excelência, meu tenente-coronel, vai perdoar-me, mas não pude deixar de ouvir a conversa. E conhecendo eu o capitão K***** como conheço, não tenho a mais pequena dúvida de que se ele diz que a metralhadora pesada Browning 12,7 mm m/951 não tem extractor amovível é porque não tem. De resto, o capitão K***** foi durante três anos instrutor de armas pesadas dos Cursos de Sargentos Milicianos. De qualquer forma, se me é permitido o atrevimento, esta questão não carece de discussão, não é uma questão de opinião, porquanto basta consultar o Manual a que ele se refere. E o que lá está é lei, salvo melhor, mais douta e abalizada opinião.

Um silêncio incómodo inundou o amplo gabinete do Chefe da Repartição e ficou a pairar, por alguns instantes, deixando ouvir o zunir do ar condicionado.

- Bem… - disse, finalmente, o Chefe da Repartição um tanto ou quanto contrafeito - Ó M*****, faça-me o favor de dizer à ordenança para ir à biblioteca e trazer o manual da Browning.

E toda aquela oficialidade aguardou em silêncio expectante a chegada do tira-teimas.

E foi a desilusão. Preto no branco, sem qualquer margem para dúvida, não se falava naquele caderninho de capa parda de qualquer extractor, amovível ou outro que fosse; a maldita metralhadora do descontentamento daquela oficialidade, ainda há pouco pronta a lapidar, se necessário fosse, o atrevido capitão K***** e a sua heresia, não tinha extractor amovível!
E de fininho, sem mesmo pedirem a licença regulamentar ao Chefe da Repartição, foram saindo de orelha murcha e rabo entre as pernas, deixando o capitão G***** tratar do que ali o levara.

Afinal, o execrado e execrável capitão K***** sabia mesmo o que dizia.

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sexta-feira, 31 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24182: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte IV)




Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (FulacundaMejoAldeia Formosa e Buba, 1966/68), autor do livro "Noites de Mejo - Histórias Singulares da Guerra na Guiné". Parte III.


Foto 20 > Vista exterior de Mejo, 1967 - Novos celeiros para uma safra histórica
Foto 21 > Chegada da Artilharia a Mejo, 1967 - Um dos três obuses de 8,8 posicionados em Mejo
Foto 22 > Mejo, 1967 > Entrada para o paiol subterrâneo e casernas construídos pela Companhia
Foto 23 > Mejo, 1967 > Vista exterior da Porta D'Armas

© Fotos gentilmente disponibilizadas pelo senhor Superintendente Ferreira Teles, ex-alferes da CCaç 1591
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24051: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte III)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24051: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte III)




Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (FulacundaMejoAldeia Formosa e Buba, 1966/68), autor do livro "Noites de Mejo - Histórias Singulares da Guerra na Guiné". Parte III.

Foto 13 > Duas balzaquianas de Mejo provocando o fotógrafo (1966)
Foto 14 > Oração do final do Ramadão. Repare-se no perfil do homem Fula ao centro. (15JAN67)
Foto 15 > Abrigo da Porta D'Armas, com algeroz para recolha da água das chuvas. (1967)
Foto 16 > A sempre bem disposta lavadeira da Companhia. (1967)
Foto 17 > Carne fresca para o rancho. Um "munto" apanhado na armadilha. O Fula de gorro é o caçador. Por vezes era uma onça que caía nela.
Foto 18 > Vista exterior de Mejo no cacimbo.
Foto 19 > Pilões de Mejo. Ao fundo, os novos celeiros para uma safra histórica
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24032: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte II)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24032: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte II)




Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (FulacundaMejoAldeia Formosa e Buba, 1966/68), autor do livro "Noites de Mejo - Histórias Singulares da Guerra na Guiné", obra recenseada pelo nosso camarada Mário Beja Santos.

Foto 7 > Aspecto da Tabanca do Mejo. À esquerda, o espaldão do morteiro 8 cm (1966)
Foto 8 > Aspecto da Tabanca do Mejo (1966)
Foto 9 > Aspecto da Tabanca do Mejo (1966)
Foto 10 > Abrindo o poço no leito seco do "rio" de Mejo para abastecimento da Companhia. A água barrenta é de um vermelho vivo (1966)
Foto 11 > Vista parcial da Porta D'armas de Mejo e da Enfermaria (1966/67)
Foto 12 > Vista parcial do aquartelamento do Mejo. À esquerda, uma caserna (1966)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24013: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte I)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24013: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte I)




Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68), autor do livro "Noites de Mejo - Histórias Singulares da Guerra na Guiné", obra recenseada pelo nosso camarada Mário Beja Santos.[*]


Foto 1 > Mejo > Mulher Fula
Foto 2 > Fulacunca, 18AGO66 > A LDG Montante preparada para abicar no "Porto de Fulacunda" com a CCAÇ 1591 e respectiva carga regulamentar
Foto 3 > Descarga em Gadamael Porto, 20OUT66 > Os batelões estão em seco à entrada do aquartelamento
Foto 4 > Mussa Colubali,  Fula de Mejo com traje de cerimónia. Guia da Companhia, exímio caçador e de uma dedicação extrema (15JAN67)
Foto 5 > Mejo > Oração colectiva do final do Ramadão. À frente, o Chefe da Tabanca, Sori Sufa, Fula-Forro (1967)
Foto 6 > Uma bajuda de Mejo (1966)
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Notas do editor

[*] Vd. postes de:

26 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)
e
9 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23965: Notas de leitura (1541): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de Janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23964: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte VII: Tabanca e destacamento de Braia, na estrada Mansoa-Bissorã

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23965: Notas de leitura (1541): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a estas histórias e memórias com que Luís Cadete nos mimoseou, tudo decorreu naqueles vastos pontos da região Sul por onde ele terá andarilhado, diz ter passado 8 meses e meio em Mejo, todo o aliciante desta narrativa passa pelo rigor com que ele apresenta os diferentes locais, o modo como entremeia risos e lágrimas, dores e alegrias, felizes acasos e momentos funestos. Excelente contador, lamentarei se este livro não vier a conhecer uma reedição e divulgação que permita, a quem gosta de boa leitura que a literatura de guerra permite, esta oferenda de memórias que vêm enriquecer o que há de melhor na literatura memorial da Guiné.

Um abraço do
Mário



Muita atenção, há aqui páginas que passarão à posteridade, temos Mejo na literatura! (3)

Mário Beja Santos

Coronel Luís Carlos Loureiro Cadete, ontem e hoje

A obra intitula-se "Noites de Mejo", o autor assina Luís Cadete, viremos a saber que de seu nome completo é Luís Carlos Loureiro Cadete, foi comandante da CCAÇ 1591, a quem também dedicou o livro, conjuntamente com os seus soldados guineenses. Escreveu estas histórias em 2016 e publicou-as em 2022, edição de autor com produção da Âncora Editora. Deu algum trabalho chegar ao livro, que não está no circuito comercial, o que é profundamente de lamentar, há aqui páginas admiráveis, não faltam tiradas bem urdidas de tragicomédia, revelando ternuras da aculturação, a vida dura num dos pontos mais ásperos que a guerra da Guiné ofereceu aos militares portugueses. Como já se referiu, Luís Cadete dá-nos quadros muito precisos sobre a situação dos destacamentos, fala dos militares e dos civis, veja-se o que diz de Gadamael Porto, poderá estar relacionado este episódio com a ida da sua Companhia para Mejo. Fala na implantação de Gadamael Porto à beira de um dos braços do rio Cacine, tão à beira estava que, quando a maré subia as águas entravam, pacifica e parcialmente pelo destacamento adentro, de tal modo que as barcaças encalhavam dentro do recinto. Foram muito bem recebidos, houve direito a almoço, e lá se conta a história de que apareceu um novo comandante de Companhia que pouco tempo depois de ter chegado verificou um dado insólito: faltavam 177 capacetes de aço modelo 940, rebuscou-se a papelada, ficou-se a saber que era um artigo que fazia parte da carga da primeira Companhia que ali assentara arraiais nos idos de 1963. Consultou-se Bissau, não havia dúvidas, a Companhia tinha os capacetes em carga e por eles teria de responder quando terminasse a comissão. Andou-se à procura da melhor solução, talvez um auto de ruína prematura alegando que tinham sido roídos pelo baga-baga. Assim se procedeu, o comandante militar despachou: “Concordo com o proposto. A Companhia elabora o respetivo auto de abate.”

Mudemos de localidade, vamos agora às colunas de reabastecimento a Madina de Boé, do Gabu até à transposição do Corubal eram 60 quilómetros de mais estrada, a transposição do rio era um quebra-cabeças. “A cerca de 5 quilómetros do Ché-Ché a estrada bifurca-se: para a esquerda segue a picada para Béli, cerca de 40 quilómetros de poeira e buracos; para a direita, segue a estrada para Madina a mais de 25 quilómetros de distância. Madina de Boé era nessa altura uma tabanca reduzida à sua expressão mais simples, dominada a norte, Leste e Oeste – a não mais de 300/400 metros da tabanca – por duas linhas de alturas com cerca de 112 metros de altitude e cerca de 1500 de comprimento no sentido dos meridianos. A Sul, afastada mais ou menos 1000 metros, fica uma outra linha de alturas com cerca de 171 metros de altitude e cerca de 2600 metros de extensão, correndo no sentido Leste-Oeste e 1300 no sentido Norte-Sul que, qual triângulo isósceles, dá pelo pomposo nome de Dongol Dandum, de topo plano, careca, amplo e juncado de gravilha. Com a fronteira a pouco mais de 8 quilómetros, em linha reta, Madina passou a ser flagelada e atacada quase diariamente – quando não sucedia sê-lo várias vezes por dia – e, do alto das colinas que a enquadravam, o inimigo fazia tiro ao alvo, segundo se dizia".

Também não esquece de contar aqueles achados ditados pela boa sorte, caso daquela operação lá para os lados de Empada, um soldado ao aliviar a bexiga, reparou em algo que brilhava por baixo da cobertura. Meteu a mão àquilo que brilhava, apareceu-lhe uma espingarda AK, chamou os camaradas, tinha sido descoberto um depósito de armamento, dali saíram espingardas, metralhadoras, pistolas, minas e granadas de mão. Não esconde que terá sido um erro não se ter ocupado Salancaur, decisão tomada por Arnaldo Schulz, depois da ocupação de Mejo, aquele ponto era uma pedra no sapato das nossas tropas, e ele explica o porquê:
“Com cerca 400 metros no sentido Este-Oeste e o topo careca em forma de tampo de mesa, ligeiramente inclinado para Leste, Salancaur dominava uma vasta área em redor, nomeadamente o corredor de Guileje. É óbvio que a ocupação de Salancaur não impediria, em definitivo, as infiltrações do PAIGC, mas permitiria um melhor controlo da zona e forçaria o Inimigo a diligenciar itinerário alternativo. De encostas íngremes, exceto na ponta Leste, inçadas de matagal e de enormes poilões de tronco pregueado que davam proteção a ambos os contendores, Salancaur obrigava a nossas tropas a atacar a subir, coisa pouco agradável e que conferia vantagem manifesta às gentes do PAIGC.”

Tenho vindo a desenvolver estas pequenas histórias de Luís Cadete por as considerar muitíssimo bem elaboradas, por iluminarem a atividade militar desenvolvida nesta região Sul entre 1966 e 1968, tempos de Mejo, de Sangonhá e de Cameconde, posições que Spínola deliberou abandonar. Histórias de afetos, de dramas de guerra onde não falta a mina bailarina, o fornecimento de peixe e carne por expeditos nativos na pesca e na caça, as penosidades do abastecimento, havia que comer sem remissão o pãozinho com gorgulho; é manifestamente crítico com o abandono de certas posições, descreve a importância de Contabane, que depois de um ataque devastador, foi abandonada. As histórias multiplicam-se, andaremos entre Fulacunda-Buba-Catió, Aldeia Formosa, de Guileje a Gadamael, tudo enroupado com apreciações nem sempre positivas à burocracia militar, há notas soltas sobre obsessões de gente que só bebia água engarrafada, infidelidades conjugais, porventura com caráter autobiográfico será mencionada a aventura do cultivo de abacaxis que não surtiu efeito porque as cabras encontraram ali alimento. Sempre dentro desta linha que houve abandono de posições que se tornaram verdadeiras vitórias militares do PAIGC, volta-se a falar em Madina do Boé, e conta-se a história que havia para lá um corneteiro destemido que se punha em campo aberto a executar o toque de silêncio.

A última história que nos presenteia Luís Cadete é seguramente fidedigna, passou-se em Mejo e em 1966. Ouviu-se roncar motor de helicóptero, voava a Sul da estrada Guileje-Bedanda, notificou-se superiormente, e meses depois apareceu um outro helicóptero e ali aterrou, o piloto desfez-se em desculpas, confundira aquela pista com a de Boke. “Comunicado o facto superiormente, com o grau de prioridade máxima que a situação aconselhava, foi a Companhia informada de que a FAP iria tomar conta da situação. E cerca de quinze minutos depois havia dois T-6 sobre a pista e pouco depois um helicóptero.” Era um Antonov An-2, soviético. O aparelho levantou voo escoltado pelos T-6 e terá seguido para Bissalanca. Lá na Companhia não se soube mais nada, abateu-se um manto de silêncio. “Uma aeronave estrangeira, oriunda de um país apoiantes ostensivo do PAIGC, sobrevoara parte considerável do território português em guerra e dera-se ao desplante de nele aterrar sem que ninguém o referenciasse nem a FAP o intercetasse. E isto em pleno dia, com excelentes condições atmosféricas e não menos excelentes e extensa visibilidade!”

Insista-se que se trata de leitura imperdível.

Guileje, 1973
Numa vala no quartel de Guileje, CCAV 8350 ‘Os Piratas de Guileje’, imagem retirado do Correio da Manhã, com a devida vénia
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Notas do editor:

Postes anteriores de:

26 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)