"Romanceamentos"
Os antigos combatentes continuam,e continuarão,a sentir profundo orgulho no seu serviço prestado na Guiné.
Existem dificuldades, mais do que compreensíveis, em esquecer que algumas das ajudas humanitárias e económicas dadas por outros países aos movimentos de libertação que nos combatiam, acabavam por, indirectamente, aumentar as suas capacidades militares e o número de mortos e feridos que nos iam causando.
Independentemente das ideias políticas de cada um, não o reconhecer seria mais do que falacioso na injustiça para com os camaradas que directamente vieram a sofrer as consequências destes auxílios.
Uma política nacional de apoio económico e social aos movimentos de libertação em África, América Central e do Sul, assim como ao Vietname, foi a dominante sueca nos anos sessenta e inícios de setenta.
Mas terá alguma vez havido "amizades" entre as políticas nacionais dos diversos países europeus, independentemente de o facto aparentamente poder "chocar" alguns militares com altos postos?
Assim como o governo português, no que julgava ser uma política colonial de defesa dos interesses nacionais, näo foi pedir sugestões aos suecos, não se pode estranhar que estes também o não tenham feito quanto aos seus interesses.
A Força Aérea de que todos nos devemos orgulhar
O sr. general José Nico apresentou de forma interessante, e profissional, a actuação da nossa Forçaa Aérea aquando das operações em Sangonhá [ou Sanconhá, para os guineenses, antes e depois da independência].
Mais uma vez se pode verificar com profundo orgulho a coragem, voluntarismo, eficácia e dedicação demonstradas pelos profissionais que faziam os possíveis, e os "impossíveis", para obterem o melhor rendimento e resultados do material de que dispunham, arriscando muitas vezes a vida ao procurar contornar muitas das limitações enfrentadas diariamente.
O mesmo näo o posso fazer quando o sr. general começa a divagar em análises político-sociais que de tudo um pouco envolvem no respeitante à Suécia, suas gentes, realidades económicas. Não menos, por leituras aparentemente fáceis sobre o luteranismo e suas influências histórico-actuais.
O sr. general terá, obviamente, todo o direito de ter as opiniöes que achar por boas.
Ao ponderar sobre assuntos técnico-operacionais da sua Arma e Especialidade há que humildemente saber ouvir.
No entanto, ao entrar por divagações políticas, alguns de nós, com a mesma humildade e respeito anteriormente referido, pdoerão... discordar.
Toda a divagação pós-operacional se situa na hipótese de que o nosso sucesso em Sangonhá [ou Sanconhá] se tornou possível pelo facto de os guerrilheiros do PAIGC estarem a participar ,como figurantes, em filme sueco de propaganda quanto às suas capacidades militares.
Tal conclusão é unicamente baseada num relatório apresentado pela polícia política da ditadura, que o sr. general cita de memória, pois acaba por admitir não ter até à data podido provar a [sua] existência por... [ter] desaparecido.
Basear täo "nuanceadas" conclusões em relatório único da polícia política, envolvida na guerra de propaganda e contra-propaganda, será, pelo menos, um pouco limitado nas fontes.
Muitas e díspares opiniões se poderão ter sobre a Direção Geral de Seguranca [, DGS],mas será pouco admissível acreditar-se serem os mesmos ingénuos e incompetentes na contra-propaganda da zona de guerra na Guiné.
Nem a nível oficial, nem a níveis pessoais, existe qualquer referência a tal filme entre as gentes do PAIGC,
Sabendo-se o gosto pelo "ronco" por parte da maioria dos locais, ou mesmo a lógica utilização de tão grande desastre militar como arma de arremesso (então ou posterior) entre as inúmeras facções políticas guineenses, este não documentado desastre é, pelo menos, estranho.
As [escrutinadíssimas] fontes suecas
Decidi então procurar na Suécia respostas.
Primeiro junto do Partido do Governo na data da ocorrência (socialistas), não encontrando nos arquivos qualquer referência a filmagens em Sangonhá [ou Sanconhá].
Forneceram-me contactos quanto aos arquivos do Departamento Estatal que trata dos assuntos relacionados com os apoios aos países em desenvolvimento e, tanto referido à Guiné como ao PAIGC em particular, nada está referenciado quanto a tal ocorrência.
Para acalmar o nosso gosto mórbido quanto a possíveis "conspirações do silêncio" acabei por também contactar os sindicatos dos cineastas, fotógrafos e jornalistas na busca de participantes vivos, mortos ou feridos nas pessoas dos profissionais neles registados.
Nada quanto ao filme, participações, e muito menos quanto a mortos ou feridos.
Quanto aos últimos, numa sociedade totalmente aberta ao escrutínio dos cidadãos como é a sueca, mortos e feridos em África sem terem surgido nos jornais,TV, rádio, ou em discussões inter-parlamentares, é algo de impossível.
Temos portanto até hoje o tal relatório da Direção Geral de Segurança misteriosamente desaparecido em Portugal.
A não ter uma das tais suecas de olhos azuis ido aí para o destruir, restam-nos sentimentos de fé, certamente muito válidos quanto aos Arquivos do Vaticano mas...quanto à política da ditadura e seus agentes?
Não tendo qualquer procuração jurídica, necessidade ideológica ou desejo pessoal de defender as políticas do reino da Suécia ( e quem sou eu para o fazer?), ficamos à espera que alguém encontre referências documentadas sobre o assunto, e deste modo, evitando intrepretações subjectivas, passíveis de debates mais ou menos... romanceados.
Um grande abraço, desde Estocolmo,
do José Belo.
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(...) Segunda parte do trabalho da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74) em 22 de Agosto de 2015.