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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25912: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte IX: Testemunho 4: "Assumi a minha filha!" (Manuel Barros Castro,ex-fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/64, e Cabo Verde, 196465)

 


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.(...)  A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África. (*)

O Zé Saúde, alentejano de Aldeia Nova de São Bento, "ranger", jornalista  e escritor, foi o primeiro a levantar aqui, entre nós, a dolorosa e delicada questão dos "filhos do vento"... Temos uma centena de referências a esta temãtica ("filhos do vento" e "fidju di tuga").



SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhos e depoimentos recolhidos pelo autor (pp. 67/82).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 


Parte IX:  Testemumho 4: "Assumi a minha filha!" (Manuel Barros Caastro,ex-fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/64, e Cabo Vderde, 1964/65) (pp. 75/77)





Testemunho 4


No seu relacionamento com a população nativa, quem deixou por lá os chamados “ filhos do vento” ou assumiu os filhos, perfilhando-os e trazendo-os consigo para a Metrópole?


Já perto do final da sessão, levantei esta questão pertinente, dirigindo-me aos presentes: "Quantos de nós deixaram por lá os, hoje, designados 'filhos do vento' 
 e não assumiram?"

Manuel Barros Castro,
ex-fur mil enf, CCAC 414,
 Catió, 1963/64,
e Cabo Verde, 1964/65)

Ato contínuo, o ex-furriel Castro, presente na sala, levanta imediatamente o braço e diz: "Eu assumi".

O Manuel Barros Castro /foto à direita, c. 1963) fez o favor de me relatar esta sua história de vida no 28 de novembro de 2013. É natural de Fafe, e deu-me autorização para publicar este texto, lido por si, previamente.

Esteve na Guiné e pertenceu a uma companhia operacional ndependente (atiradores) , CCAÇ  414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona. Tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965.

Formou Companhia em Chaves e, esta, esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse, eu, a determinada altura: "Até por que havia algumas facilidades de relacionamento pelo facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras"

- Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci, disse, emocionado. Emociono-me, sempre, que falo neste período da minha vida.

A gravidez foi problemática e a jovem, apesar de ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau, por falta de condições.

Em Bissau, para onde a companhia (CCAÇ 414) se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e, numa das vezes qua a visitou, perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que só queria que ela fosse branca. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica, concordou em batizar a filha.

Após 18 meses no mato, a Companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde, alterando os planos do Furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da Companhia” e protegida da esposa do Comandante da Companhia.

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A Companhia esteve nove meses em Cabo Verde e durante esse tempo a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do Bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois (1969) de ter terminado a Comissão, a madrinha da Mimi veio a Portugal trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu o Curso de Professores do 1.º ciclo e casou com um colega professor. 

Infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009 de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, Maceira da Lixa, deixando uma filha de 11 anos.

Disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e conheceu alguns casos, alguns de oficiais, tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense a residir nos Estados Unidos, filha de uma situação ocorrida na sua Companhia e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer:  "Eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!"

Na última vez em que nos encontrámos, comentámos a mentalidade daquela época, dos preconceitos sociais em relação à “cor” da pele e à rejeição social, sobretudo nas aldeias do Norte e interior do país, em aceitar casos destes. 

Diz que sentiu bem os “olhares” quando a filha chegou. Aliás, quando se referiam à filha, perguntavam-lhe: "Então como vai a sua filha adotiva?"... E o Manuel Castro respondia, perentório: “Eu não a adotei. A menina é mesmo minha filha”.

Disse-me, ainda, que no dia do funeral da filha, a madrinha (de quem já falei) estava em Portugal e esteve presente. Acrescentou que as pessoas, ainda hoje “cochichavam ao ouvido” e perguntaram-lhe se ela não seria a mãe. Teve que esclarecer que a mãe já tinha falecido e que aquela senhora era a madrinha da Mimi.

Contou-me, também, que num dos encontros da Companhia, alguém (que ele identificou) lhe perguntou: "Trouxe a miúda, porquê?”.

Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida.

A história do Manuel Castro está contada, por sua autorização, no blogue sobre a Guerra Colonial, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, onde pode ser consultada. Uma história exemplar. (**)

Agradeço-lhe publicamente o seu testemunho. Muito obrigado.

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense, e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23741: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte V: 4º e último episódio, "Laços de Sangue", hoje, 5ª feira, dia 27, às 20h00, na SIC Notícias, Jornal da Noite


Série documental "Despojos de guerra", 4ª episódio: "Laços de sangue", Fotograma do "trailer" (3' 58''). Um dos entrevistados é o José Maria Indequi, secretário da direção da Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (FIDJU DI TUGA).

1. Sinopse, com a devida vénia, SIC Notícias > 25 out 2022, 12h17;

Chamam “filhos de tuga” aos mestiços nascidos das relações entre militares portugueses e mulheres africanas que foram deixados para trás. Entre a revolta e a esperança, ainda hoje tentam encontrar um nome de pai e descobrir a outra metade da sua identidade, como sucede aos irmãos Elva e José Maria Indequi.

"Despojos de Guerra" revela histórias extraordinárias de espionagem, patriotismo, sobrevivência e romance, tendo como pano de fundo a guerra colonial portuguesa em África (1961 a 1974).

Com recurso a imagens de arquivo extraordinárias e pela primeira vez submetidas a um processo de colorização inédito em Portugal, esta série documental, com assinatura de Sofia Pinto Coelho, vem dar voz a heróis anónimos que relatam agora, na primeira pessoa, as encruzilhadas que enfrentaram em tempo de guerra e de descolonização.

"Despojos de Guerra" é uma coprodução da Blablabla Media com a SIC, com o apoio à inovação audiovisual do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual.

Esta quinta-feira é apresentado o último episódio da série documental "Despojos de Guerra", disponível na plataforma Opto.

Sobre este tema, e sob o descritor "filhos do vento", temos mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue. ]

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite



1. Press release da produtora Blablabla Media, com data de 3 do corrente:



Despojos de Guerra estreia esta quinta-feira 
no Jornal da Noite da SIC


É já esta quinta-feira, dia 6, que a SIC promete mostrar a guerra colonial portuguesa como nunca a viu: a cores. 

A estreia do primeiro dos quatro episódios da série documental DESPOJOS DE GUERRA terá lugar no Jornal da Noite. 

Assinada por Sofia Pinto Coelho, a mais recente coprodução documental da Blablabla Media revela histórias extraordinárias de espionagem, patriotismo, sobrevivência e romance, dando voz às encruzilhadas que inesperados protagonistas enfrentaram em tempos de guerra e de descolonização. 

Figuras como a de Sebastiana, a informadora — uma anónima comerciante portuguesa que, no auge do conflito em Angola, se viu tornar agente dupla e influenciar o curso da guerra naquele país. 

Disponível na Opto desde o dia 19 de fevereiro, DESPOJOS DE GUERRA destaca-se pelo recurso a imagens de arquivo inéditas e pela primeira vez sujeitas a um processo de colorização.



Cada semana, um novo capítulo (40' ):

A INFORMADORA (Ep. 1 - 6 out) |

 No auge da guerra colonial em Angola, uma comerciante e o marido avisavam a PIDE quando os guerrilheiros iam à sua loja abastecer-se de mantimentos. Sebastiana Valadas revela qual era o seu nome de código, quanto recebiam pelas informações e como prendiam os “turras”. Depois da descolonização, um deles ajustou contas e mandou prendê-la.

Disponível na Opto, em versão alargada

COMBATENTE AFRICANO (Ep. 2 - 13 out) | 

Milhares de africanos combateram ao lado dos portugueses na guerra colonial. Com a descolonização, foram deixados à sua sorte. Alguns foram fuzilados ou perseguidos pelos novos poderes e mesmo para receber tratamentos médicos é-lhes dificultada a vinda a Portugal. Como é possível que não se faça justiça perante estes homens que estiveram na dianteira da guerra, como é o caso do antigo Cabo Luís Silva?

Disponível na Opto, em versão alargada

CORREDOR DA MORTE (Ep. 3 - 20 out) | 

O que significará dar a vida pela pátria? Contrariados ou voluntariosos, foi o que fizeram 800.000 jovens a partir de 1961. A Guiné estava transformada no mais duro e mortífero campo de batalha e foi para lá que foram enviados o piloto-aviador Miguel Pessoa e a enfermeira paraquedista Giselda Antunes.

Disponível na Opto, em versão alargada

LAÇOS DE SANGUE (Ep. 4 - 27 out) | 

Chamam “filhos de tuga” aos mestiços nascidos das relações entre militares portugueses e mulheres africanas que foram deixados para trás. Entre a revolta e a esperança, ainda hoje tentam encontrar um nome de pai e descobrir a outra metade da sua identidade, como sucede aos irmãos Elva e José Maria Indequi.

Disponível na Opto, em versão alargada


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Nota do editor:

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 – P23675: Agenda cultural (816): "Despojos de Guerra", mini-série da SIC, a ir para o ar nos próximos dias 6; 13; 20 e 27 de Outubro, no fim do Jornal de Noite. No dia 20, o episódio é dedicado aos nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa, "o casal mais strelado do mundo"




Guiné > Bissalanca > BA12 > 1974 > 26 de março de 1973 > O então ten pilav Miguel Pessoa na pista do aeroporto, em maca, ... À esquerda, a 2.ª srgt enfermeira paraquedista Giselda Antunes (mais tarde, Pessoa).

 No dia anterior, domingo, 25, e em pleno dia, o aquartelamento de Guileje fora duramente atacado durante cerca de hora e meia. Foram usados foguetões 122 mm. A parelha de Fiat G-91 (Miguel Pessoa e António Martins de Matos) que estava de alerta em Bissalanca, nesse dia e hora, veio em apoio de fogo. A aeronave do Miguel Pessoa, que vinha à frente, foi atingida por um Strela, sob os céus de Guileje... Foi o primeiro Fiat G-91, na história da guerra da Guiné, a ser abatido pela nova arma, fornecida pelos soviéticos ao PAIGC, o míssil terra-ar SAM-7 Strela (de resto, já usada e testada na guerra do Vietname)... 

O ten pilav  Miguel Pessoa conseguiu, felizmente, ejectar-se. E a sua posição foi sinalizada pelo seu asa... Vinte quatro horas depois, era resgatado, são e salvo, pelo grupo de operações especiais do Marcelino da Mata e por forças da CCP 123, comandadas pelo malogrado cap paraquedista João Cordeiro).

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2009). Todos os direitos reservados, (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Com a devida vénia ao nosso camarada Miguel Pessoa (Coronel PilAv Ref, ex-Capitão PilAv da BA 12 - Bissalanca, 1972/74) e ao Blogue da Tabanca do Centro, reproduzimos o Poste 1343, ali publicado, que dá conta da emissão de uma mini-série na SIC, intitulada "Despojos de Guerra", com um episódio no dia 20 dedicado ao casal mais strelado do mundo:


“DESPOJOS DE GUERRA” , NA SIC

Meus caros:

Há já mais de um ano a SIC, através do trabalho da jornalista Sofia Pinto Coelho, preparou a apresentação de uma mini-série a que chamou "Despojos de Guerra", com 4 episódios, já prontos há bastantes meses, mas que as vicissitudes do conflito na Ucrânia levaram a adiar a sua exibição até agora.

Referiu-me agora a Sofia Pinto Coelho que esta mini-série vai finalmente ser apresentada, prevendo-se a sua exibição na SIC numa rubrica “Grande Reportagem” integrada no final do Jornal da Noite da SIC (cerca das oito e picos da noite) nas datas abaixo indicadas:

6OUT - Episódio sobre uma informadora da PIDE

13OUT - Episódio sobre um combatente africano DFA (Deficiente das Forças Armadas)

20OUT - Episódio que acharam suficientemente curioso para abordar uma conversa com a Giselda e Miguel Pessoa…

27OUT - Episódio sobre os Filhos do Vento - crianças que nasceram fruto das ligações de militares nossos a mulheres africanas.

Segundo a jornalista, esta apresentação será antecedida de uma promoção prévia no canal SIC - de que não me dei ainda conta; mas, pelos vistos, tendo estado em banho-maria há largos meses, este projecto encontrou finalmente pernas para andar... E, como o primeiro episódio está previsto já para 5.ª feira 6 de Outubro, aqui fica o aviso para quem possa estar interessado em ver.

Abraço
Miguel Pessoa

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Outubro de 2022 > Guiné 61/74 – P23673: Agenda cultural (815): Apresentação do meu 11.º livro "Bola de Trapos - Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo, 1904 a 2022", Edições Colibri, no próximo dia 11 de Outubro, pelas 19h00, na Bibiloteca Municipal José Saramago, em Beja (José Saúde)

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)




Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Vigeas", "filho do vento" e "mascote da companhia" (*): (i) com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha; (ii) vivia praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele; (iii) como os carimbos da secretaria da CART 1613, na testa e no braço; dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai; morreu por volta de 2009,  com cerca de 45 anos; era casado e pai de duas filhas; a família vivia em Bissau (**)

(...) Como escreveu o nosso saudoso capitão SGE Zé Neto (1929 - 2007), "eram todos de etnia fula, de raça negra a população de Guiléle], com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine [CCÇ 799, 1965/67]. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas [Silva Viegas]. Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros. (...) (*)

O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (entretanto falecido havia  pouco tempo), em Bissau

Fotos (e legendas): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo:


Data - 15 jun 2022, 13h45
Assunto - Discutir o Lusotropicalismo

Caro Luís

Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira  (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!

Um abraço, J. Belo

[José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 224 referências no nosso blogue.]
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O Lusotropicalismo visto "por dentro", analisado "desde fora": debate com cidadãos brasileiros de origem africana (****)


O termo Lusotropicalismo criado por Gilberto Freyre refere os elementos factuais, ideais, outros quase mitológicos, quanto a uma igualdade racial (quanto a ele procurada) pela cultura lusitana nos trópicos.

Uma política de miscigenação rácica, mais ou menos acentuada, tendo em conta variações locais de origem cultural, económica e social.

Nas colónias portuguesas esta política de miscigenação terá tido flutuações temporais em paralelo com flutuações políticas.

Todas estas condições, a somarem-se às demográficas, criaram disparidades bem representadas pelos exemplos de Goa, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné.

Em muitos dos textos publicados neste blogue surge uma “fresca brisa“ de Lusotropicalismo.
Rico em detalhes de atentas observações, permeadas por sentimentalismos românticos, raiando os inatingíveis ideais da... poesia trovadoresca medieval!

Textos cuja importância surge de observações “in loco”.

O que emana destas descrições é o que se poderia referir como… Lusotropicalismo de dentro!
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.

Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .

Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!

Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.

Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.

A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.

Mais tarde, no próprio Brasil, voltei a ter a oportunidade de debater o Lusotropicalismo, agora não só com jovens estudantes, mas com a participação de indivíduos que representavam de forma abrangente os mais diversos níveis culturais, sociais e políticos.

Tanto no Recife como em Manaus, São Salvador da Baía e Rio de Janeiro, as intervenções dos brasileiros de origem africana tinham em comum o facto de não aceitarem como verdadeiro o mito do mulato/mulata como um resultado de um relacionamento romântico, consentido, não violento na sua essência, entre o colonizador e a mulher africana escravizada.

Concordavam quanto a terem existido casos pontuais de tais romances mas, pelo seu número real em relação às violências exercidas pelo colono, não eram de modo algum justificativos de todo um mito criado por intelectuais privilegiados nas suas raízes europeias.

Como tantos de nós, recebi nos bancos escolares a tal ideia lusotropical a raiar o utópico.
Foi-me muito difícil, no início destes debates, aceitar no seu significado profundo estas descrições brasileiras em contraste total com tudo o que me fora “ensinado” nos verdes anos. 
Para mais, ensinado na forma paternalista tão normal nos tempos da ditadura.
Algumas das opiniões, e razões, apresentadas por estes brasileiros ainda hoje me provocam conflitos valorativos.

De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.

Um abraço do JBelo

2. Comentário do editor LG:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define assim o luso-tropicalismo:

luso-tropicalismo | n. m.

lu·so·tro·pi·ca·lis·mo
(luso- + tropicalismo)

nome masculino

[Sociologia] Ideia, desenvolvida por Gilberto Freyre (1900-1987, antropólogo, sociólogo e escritor brasileiro), que defende que a colonização portuguesa foi diferente das restantes colonizações europeias nos trópicos e que essa diferença se manifestou na miscigenação e na interpenetração cultural.

"luso-tropicalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/luso-tropicalismo [consultado em 16-06-2022].

Sobre o tema vd. também artigo da investigadora da UL/ICS, Cláudia Castelo (*****). Vd também no nosso blogue os postes P15468 e  P21297  (******)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de janeiro de  2006  Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



(****) 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)

(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais )  > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio

(******) Vd. postes de:

9 de dezembro de  2015> Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22545: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (90): Documentário para a RTP: procuram-se pais/irmãos de filhos da guerra (Catarina Gomes, argumentista)

1. Mensagem da Catarina Gomes, jornalista e escritora, com 30 referências no nosso blogue

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(Foto à esquerda, cortesia de Tinta da China):


Catarina Gomes nasceu em Lisboa, em 1975. É autora de dois livros sobre a Guerra Colonial.


Em Furriel não é Nome de Pai (Tinta-da-china, 2018) quebrou um tabu, contando a história dos filhos que os militares tiveram com mulheres africanas e que deixaram para trás.

Em Pai, Tiveste Medo? (Matéria-Prima, 2014) aborda a forma como a experiência do conflito chegou à geração dos portugueses filhos de ex-combatentes.

As duas obras foram incluídas no Plano Nacional de Leitura.

Foi co-argumentista do documentário (RTP2) Natália, a Diva Tragicómica, baseado num artigo que escreveu sobre uma mulher que viveu sob a ilusão de que era uma diva da ópera. Jornalista do Público durante quase 20 anos, as suas reportagens receberam alguns dos prémios mais importantes da área, como o Prémio Gazeta (multimédia).

Foi duas vezes finalista do Prémio de Jornalismo Gabriel García Márquez e recebeu o Prémio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha. Os seus trabalhos de jornalismo narrativo mais significativos encontram-se no site Vidas Particulares. (Fonte: Wook)
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Data - 14 set 2021 12:11
Assunto - Filhos de tuga-Parte 2



Bom dia, caro professor Luís Graça, Espero encontrá-lo bem.

Escrevo porque, ao contrário do que era minha intenção, vou voltar ao tema dos «filhos de tuga». Fui contactada por uma produtora para fazer um documentário para a RTP sobre o assunto.

Assim sendo, estou de novo à procura de histórias: de pais que reconheceram os filhos, de irmãos portugueses que encontraram/ descobriram os seus irmãos africanos. Vamos à Guiné, Angola e Moçambique.

Aqui fica o apelo:

Procura-se Pais/Irmãos de filhos da guerra Estamos a preparar um documentário para a RTP sobre a realidade dos filhos que alguns militares portugueses deixaram em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau durante a Guerra Colonial/ do Ultramar, fruto de relações que tiveram com mulheres africanas durante o conflito.

Procuramos quem queira partilhar a sua história do lado da família portuguesa do militar, nomeadamente os próprios militares (pais destes filhos africanos) ou irmãos portugueses que tenham tentado encontrar ou desejem encontrar os irmãos africanos que os seus pais deixaram na guerra.



O nosso contacto é: docfilhosdaguerra@gmail.com

Muito obrigada.
Abraço, Catarina

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22535: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (89): No quadro dos 60 anos do início da Guerra Colonial, o RC 6 (Braga), em parceria com o Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, está a organizar um Colóquio e uma Exposição com enfoque no património histórico do RC6 como unidade mobilizadora, entre 1964 e 1974, de Pelotões de Reconhecimento Daimler

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20631: A minha máquina fotográfica (20): carta de amor à minha querida Olympus Pen, comprada em Nova Lamego, em 1973, numa loja de libaneses (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS/ BART 6523, 1973/74)



Olympus Pen  [EE, 1959 ?]

(...) "Máquina fotográfica analógica produzida pela Olympus no formato half-frame que apenas ocupa metade de um negativo de 35mm e portanto duplica o total de exposições nos respetivos rolos (24exp=48exp, 36exp=72exp).

A primeira pen foi produzida em 1959 e tornou-se uma das mais pequenas máquinas fotográficas a usar rolo de 35mm, pensava-se que era tão portátil quanto uma esferográfica, daí o nome Pen. (...) A versão EE-S foi produzida nos anos 60 e vem substituir a anterior EE com uma lente mais luminosa." (...)


O modelo EE-S (1962-8) custa hoje cerca de 75 euros [o equivalente em 1973 a 355 escudos da metrópole; c. 320 pesos]


Foto nº 1 >  Nova Lamego: c. 1973/74: a "menina do Gabu", uma "filha do vento"... Morreria, mais tarde, de doença,  aos 12 anos.


Foto nº 2 > Nova Lamego, c. 1973/74 > O "ranger" no seu quarto, no quartel de Nova Lamego


Foto nº 3 >  Nova Lamego, c. 1973//4 : o rádio de pilhas e a decoração erótica que "humanizava" e "climatizava" o universo concentracionário dos aquartelamentos 


Foto nº 4 > Gabu, c. 1973/74 : numa tabanca fula, o "ranger" e a menina com irmão ás costas


Foto nº 5 > Bafatá, c. 1973/74: a rua principal, o rio Geba ao fundo


Foto nº 6 > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > 1973 > O cais fluvial do Xime, na margem esquerda do Geba Estreito


Foto nº 7  > Gabu, c. 1973/74 > Uma aldeia fula, crianças em tempo de guerra


Foto nº 8 > Nova Lamego: 14 de março de 1974 > Dia de juramento de bandeira de uma companhia de milícias, com a presença do alferes graduado cmd Marcelino da Mata > "Dia de ronco", com um grupo de músicos que tocavam música afro-mandinga (com os tradicionais instrumenos: kora, à esquerda, e balafon, à direita) > Os militares, de pé, na terceira fila (o Zé Saúde, de óculos escuros) e as mulheres grandes, sentadas, na segunda fila.


Foto nº 9 > Nova Lamego > s/d > Vista aérea do quartel novo e da pista de aviação, Foto do fur mil Amílcar Ramos, que pertencia à BAA (Bateria Anti-Aérea)


Foto nº 10 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis": 


Foto nº 11 > Nova Lamego > c. julho / agosto  de 1974 > Antes do regresso a casa (em 9/9/1974), a "limpeza dos paióis":  o fur mil minas e armadilhas Santos mais um soldado


Foto nº  12 > Gabu, c. 1973/74 > O "ranger" José Saúde


Foto nº 13 >  Gabu, c. 1973/74 > No mato


Foto nº 14 > 2/8/1973 > Aquando da chegada a Bissau, nos barracões do QG/CTIG, destinados aos sargentos, com o Ramos, fur mil ranger que há de desertar, mais tarde, para o PAIGC


Foto nº  15  > Nova Lamego, c. 1973/74: Uma equipa de futebol (reduzida): de pé, Santos, Dias, "Maia" e Fonseca. Em primeiro plano, Zé Saúde e Rui


Foto nº 16 >  Gabu, c. 1973/74  algures numa tabanca > Encontro com o velho do cachimbo


Foto nº 17  > Nova Lamego, c. 1973/74  > Lavadeiras, "duquesas do quartel"


Foto nº 18 > Nova Lameg, c. 1973/74 > No quarto, lendo "Um Deus na Palma da Mão", romance de Josúé da Silva (Edições Plexo, 1973, 368 pp.)


Foto nº  19 >  Nova Lamego, c. 1973/74 > Cozinha da messe de sragentos > O Zé Saúde, parodiando o  "sermão aos peixes" do Padre António Vieira...


Foto nº   20 > Bafatá > Pós-25 de Abril de 1974 >  Delegação do PAIGC

Fotos (e legendas): © José Saúde  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Carta de amor à minha  querida máquina fotográfica Olympus Pen: obrigado pelas tuas imagens  (*)

por José Saúde

Olho, hoje, para ti e relembro os momentos em que foste, para mim, uma insofismável companheira!

Comprei-te numa loja de libaneses, em Nova Lamego. A aquisição baseou-se, essencialmente, sobre uma carência pressupostamente sentida quando ostentava, ainda, a alcunha de "piriquito". 

Optei, no ato da compra, pela marca que já conhecia e fiz menção que o seu manuseamento fosse o mais simples possível. Vislumbrava no horizonte que poderias, em momentos cruciais, debitares imagens capitais para mais tarde recordar.

Seguias viagem no bolso do camuflado e a tua humilde ação apresentou-se, a espaços, importante para a reposição de reproduções que nos leva a viajar nas asas do vento e trazer à memória pedaços de indeléveis recordações. 

O teu aspeto simples, e de mecânica sumária, jamais me deu o mínimo de problemas ou/e de preocupações. Ou seja, tu, a minha Olympus,  eras uma máquina divinal. Não recordo o teu custo exato. Talvez uns quinhentos ou setecentos e cinquenta pesos [equivalente, a preços de hoje a 105 € e 158 €, respetivamente].

Afirmo, por outro lado, que a generalidade dos documentos visualizados nesta obra, tiveram como base tu, meu pequeno brinquedo que teimosamente acostou junto a este antigo combatente - sem nome - que prestou serviço militar em território da Guiné.

O clique não obedecia a cuidados antecipados. A visualização do objetivo não apresentava dificuldades pré-concebidas. Colocava-te na posição de automática e saía, normalmente, uma imagem de se lhe tirar o chapéu. Contigo, minha querida Olympus, recolhi pormenores de gentes que viviam no meio de duas frentes de guerra que impunham leis horrendas no terreno.

Recolhi imagens de crianças que muito cedo se habituaram a ouvir os sons horripilantes das armas de fogo que serviam simplesmente para matar outros homens considerados inimigos. Imagens de homens e de mulheres grandes que serviam, por vezes, de fúteis objetos. Em prol da sobrevivência tudo se aceitavam.

A guerra, a tal maldita guerra, traçava horizontes deveras débeis. Melhor, medonhos. Gentes que caminhavam para o campo com uma aparente ligeireza. Pareciam conhecer, e bem, os trilhos do medo. E tudo se conjugava numa irreverente certeza: a população era um alvo apetecível para as duas frentes de guerra. E o povo sabia que eram seres importantes num xadrez de incertezas.

Tu,  minha Olympus, ias acumulando, pausadamente, registos que hoje me fazem recuar no tempo e trazer à estampa nacos de memórias inesquecíveis. Fomos combatentes na Guiné. Convivemos, ambos, , com a guerra e a paz. Conhecemos o odor da desgraça.

Vimos companheiros perderem a vida em plena juventude em defesa de interesses alheios. Estropiados que sempre reclamaram uma maior justiça social. Outros que ainda coabitam com traumas psíquicos de um conflito que lhes quebrou uma vida saudável. Outros que tentam passar imunes a problemas mentais que sistematicamente lhes causam problemas no seio familiar ou na comunidade.

Enfim, um rol de aromas nauseabundas de um tempo sem tempo que desafiou gerações transversais e que nos obrigou a combater num conflito sem rumo.

Para ti,  minha querida Olympus, que continuo a guardar devotamente no baú da saudade, vai o meu muito obrigado.

Zé Saúde (**)

[daptação, revisão, fixação de texto: LG]
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Nota do  editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

5 de janeiro de 2015> Guiné 63/74 - P14121: A minha máquina fotográfica (19): Quando embarquei no T/T Índia, em julho de 1964, já levava uma Kodak... Ficou-me no rio de Canjambari... (António Bastos,ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)

3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14113: A minha máquina fotográfica (18): A minha máquina foi comigo da Metrópole mas já conhecia os cantos da guerra. Tinha feito uma comissão de serviço, para os lados de Bissum, com um irmão meu, entre 1970 e 1972 (Albano Costa)

31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

21 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14061: A minha máquina fotográfica (16): Comprei uma Olympus 35 SP e um projetor de "slides" na casa Pintozinho, em Bissau (César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14047: A minha máquina fotográfica (15): Comprei-a em 73, em Bissau por 5.000 pesos, que utilizei durante muitos anos na vida civil e fez algumas viagens ao estrangeiro na década de 80 (Agostinho Gaspar)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14046: A minha máquina fotográdfica (14): Comprei-a logo nos primeiros dias em Bissau, numa loja de material fotográfico ao lado do forte da Amura, em Julho de 1968, com dois colegas do curso de Mafra, o Rego e o Amorim. Eram todas iguais, marca “Fujica” (Fernando Gouveia)

18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14045: A minha máquina fotográdfica (13): Tive, desse tempo, uma Kowa SE T que depois vendi; e tenho ainda uma Minolta SR T 101... Se um dia quiserem fazer um museu com as "máquinas de guerra", contem com a minha... Não a vendo, tem um grande valor sentimental... (Manuel Resende, ex-alf mil, CCaç 2585, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)

15 de dezembro de2014 > Guiné 63/74 - P14030: A minha máquina fotográfica (12): Ainda tenho, operacional, a minha Fujica Compact S, comprada em finais de 1972, em Bissau (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)


13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14018: A minha máquina fotográfica (9): a minha "arma de recordações" era uma Chinon M-1... E também tenho uma Olympus Pen D3, à espera, há 40 anos, de ser entregue ao seu dono: o ex-fur mil Guerreiro, da CCAÇ 13, algarvio de Boliqueime, tanto quanto sei... Ele por favor que me contacte... Foi o libanês Alfredo Kali que me encarregou da encomenda... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, e CCAÇ 13, Bissorã, 1972/74)

12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14012: A Minha Máquina Fotográfica (8): A minha era uma AGFA Silette I que comprei em Bissau antes de me ir cobrir de glória na região de Cacine, corria o auspicioso ano de 1968 (António J. Pereira da Costa, cor art ref, ex-alf art, CART 1692, Cacine, 1968/69; ex-cap art, CART 3494, Xime, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)

11 de dezembro de 2014 > Guiné 63774 - P14007: A minha máquina fotográfica (6): (i) levei da metrópole um "caixote" Kodak; e (ii) em Bafatá comprei uma Franka Solida Record, alemã (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14006: A minha máquina fotográfica (5): (i) comprei a minha Yashica Linx 5000 em Bissau por 3 contos; (ii) e que tal criar-se um museu de máquinas fotográficas de guerra? (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)

9 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13990: A minha máquina fotográfica (3): (i) A Kodak Brownie Fiesta foi, depois da G3, a minha segunda companheira do mato (Vitor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71); (ii) tive uma Olympus Trip 35 (António Murta, ex-allf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13989: A minha máquina fotográfica (2): (i) a minha velhina Yashica, comprada no T/T Uíge: e (ii) os calotes dos trabalhos fotográficos em Empada (Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 / BCAÇ 1932, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68)

8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13987: A minha máquina fotográfica (1): (i) da velhíssima Kodak do meu pai à minha Canonet; (ii) da Filmarte (Lisboa) à Foto Íris (Bissau); e (iii) das minhas fotos importantes, a preto e branco (Mário Gaspar, ex-fur mil at art minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

(**) Vd. poste de 4 de dezembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens