
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Saltinho >O crachá da CCAÇ 2701, "Os 3 SSS" (Saltinho, 1970/72)., comandada pelo cap inf Carlos T. Clemente. Cortesia de Paulo Santiago.
1. Mensagem do Paulo Santiago, ex-alf mil inf, cmdt Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1971/73) (é um histórico da nossa Tabanca Grande, tem já cercad 2 centenas de referências desde 22/6/2006).
Data - quarta, 2 de julho de 2025, 18:22
Assunto - Recordação que me incomoda de tempos a tempos
Luis,
Estes últimos textos sobre os "filhos do vento" vieram acordar uma mágoa com 54 anos.
Foi em julho de 1971, viria de férias em agosto,encontrava-me no bar após o jantar quando o meu soldado Mamadú Baldé entra transtornado.
- Alferes, o nosso cabo Manuel C... tentou abusar da minha mulher, agrediu-a.
Fiquei de cabeça perdida, ficaria sempre aqui com a agravante de o Manuel C... ser meu conterrâneo, da mesma freguesia.
Procurei o abusador e, quando o encontrei, dei-lhe uma carga de pancada.
Escapou-se para o abrigo onde foi buscar a G3. Teve azar,entretanto vieram outros elementos do Pel Caç Nat 53, detiraram-lhe a arma e levou mais uns murros.
O Manuel C... desapareceu nessa noite em direcção desconhecida. Apareceu passados três dias.
O Cap inf Carlos T. Clemente, cmdt da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72), mandou formar a companhia e disse ao cabo Manuel C... para dizer onde tinha andado e qual fora a intenção ao fugir.
Fugira com intenção de ir para a República da Guiné mas tivera receio de cair nalguma armadilha ou mina, e não se tinha afastado muito do quartel e do rio Corubal. Comera umas folhas e bebera água do rio.
Este cabo, da CCAÇ 2701, tinha a especialidade de atirador mas não saía para o mato,estava na arrecadação de material de guerra com um 2º sargento.
Quando chegou ao fim da explicação dos três dias de ausência,diz o Clemente:
- O alferes Santiago vai decidir qual a punição a dar-te.
Fiquei lixado. Eu, conterrâneo do abusador, que também estava para vir de férias, é que ia decidir a punição.
Claro que o Manuel C... ficou sem o castigo merecido.
Apesar da ausência de punição, fiquei, à data, com a fama de ter agredido um conterrâneo para defender uma preta.
Acrescento: o tipo está num país da América do Sul, e os familiares "rezam" para que ele não venha a Portugal porque da única vez que veio, houve graves problemas.
O Manuel C... devia ter levado uma "porrada", não levou, e ainda hoje, quando me lembro, fico incomodado.
Paulo Santiago
PS - Luís, fica ao teu critério, publicar ou não.
2. Comentário do editor LG:
Paulo, obrigado pela confiança que depositas no blogue, na pessoa do seu editor, e teu velho amigo e camarada. Decidi partilhar o teu "segredo", por uma mão cheia de razões:
(i) não éramos meninos de coro;
(ii) este caso e o seu desfecho são exemplares e merecem ser conhecidos;
(iii) que fique claro: houve casos de violação (ou de tentativa de violação) de mulheres da população civil (e também de prisioneiras) no TO da Guiné; muitos ou poucos, não sabemos, não há estatísticas; houve casos, como em todas as guerras;
(iv) na guerra não vale tudo, e o exército português tinha princípios e valores;
(iv) este caso envolveu um graduado (1º cabo) d CCAÇ 2701, " branco" (e por sinal teu conterrâneo) e a mulher de um teu soldado, do recrutamento local, do Pel Caç Nat 53;
(v) houve violência (física), não chegou a haver violação; o que não atenua a gravidade do comportamento do teu subordinado;
(vi) tu eras comandante operacional de um subunidade, adida ao CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72);
(vii) com estrito respeito pela hierarquia, o cap inf Carlos T. Clemente (hoje cor ref), não quis fazer o "by pass", isto é, quebrar a unidade comando-controlo;
(viii) não podias deixar de agir, sob pena de perderes a autoridade e o respeito dos teus homens;
(ix) e agiste à boa maneira da malta de cavalaria e dos paraquedistas: uns bons murros valiam mais, naquele contexto, do que uma "porrada" averbada na caderneta militar (não faço juízos de valor nem discuto se, face ao RDM, tinhas outras alternativas);
(x) podia ter ficado cara a tua atitude lúcida e corajosa: o cabo "abusador" foi buscar a G3 com intenções malévolas (talvez de "vingança"); foi felizmente desarmado e, em desespero de causa, decidiu desertar; cobardolas e arrependido, voltou para o quartel ao 3º dia;
(xi) a lição que tu lhe deste, não sabemos se ficou para a vida; mas 1º cabo Manuel C... deveria ter-te ficado agradecido por não quereres vê-lo embrulhado numa folha de papel selado; se o caso chegasse ao com-chefe, o gen Spínola, o teu homem nem saberia de que terra era;
(xii) o caso foi público e notório (agressão a um elemento civil, insucordinação e tentativa de deserção), mas mesmo assim omiste o seu apelido, como de resto mandam as nossas regras editoriais;
(xiii) espero que ele, algures, na América Latina, ainda te possa ler, e mostrar, memso que tardiamente, arrependimento e gratidão (neste caso, pelo teu sentido de justiça);
(xiv) e, por fim e não menos importante, deves sentir orgulho, mesmo ao fim destes 54 anos (!), de não teres cedido à tentação do "nacional-porreirismo" e teres sabido defender a honra de uma mulher (para mais, mulher de um soldado teu), de acordo com o nosso código de ética como militares;
(xv) mais do que "oficial e cavalheiro", soubeste respeitar a tua consciência e honrar a tua farda!
Luis,
Estes últimos textos sobre os "filhos do vento" vieram acordar uma mágoa com 54 anos.
Foi em julho de 1971, viria de férias em agosto,encontrava-me no bar após o jantar quando o meu soldado Mamadú Baldé entra transtornado.
- Alferes, o nosso cabo Manuel C... tentou abusar da minha mulher, agrediu-a.
Fiquei de cabeça perdida, ficaria sempre aqui com a agravante de o Manuel C... ser meu conterrâneo, da mesma freguesia.
Procurei o abusador e, quando o encontrei, dei-lhe uma carga de pancada.
Escapou-se para o abrigo onde foi buscar a G3. Teve azar,entretanto vieram outros elementos do Pel Caç Nat 53, detiraram-lhe a arma e levou mais uns murros.
O Manuel C... desapareceu nessa noite em direcção desconhecida. Apareceu passados três dias.
O Cap inf Carlos T. Clemente, cmdt da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72), mandou formar a companhia e disse ao cabo Manuel C... para dizer onde tinha andado e qual fora a intenção ao fugir.
Fugira com intenção de ir para a República da Guiné mas tivera receio de cair nalguma armadilha ou mina, e não se tinha afastado muito do quartel e do rio Corubal. Comera umas folhas e bebera água do rio.
Este cabo, da CCAÇ 2701, tinha a especialidade de atirador mas não saía para o mato,estava na arrecadação de material de guerra com um 2º sargento.
Quando chegou ao fim da explicação dos três dias de ausência,diz o Clemente:
- O alferes Santiago vai decidir qual a punição a dar-te.
Fiquei lixado. Eu, conterrâneo do abusador, que também estava para vir de férias, é que ia decidir a punição.
Claro que o Manuel C... ficou sem o castigo merecido.
Apesar da ausência de punição, fiquei, à data, com a fama de ter agredido um conterrâneo para defender uma preta.
Acrescento: o tipo está num país da América do Sul, e os familiares "rezam" para que ele não venha a Portugal porque da única vez que veio, houve graves problemas.
O Manuel C... devia ter levado uma "porrada", não levou, e ainda hoje, quando me lembro, fico incomodado.
Paulo Santiago
PS - Luís, fica ao teu critério, publicar ou não.
2. Comentário do editor LG:
Paulo, obrigado pela confiança que depositas no blogue, na pessoa do seu editor, e teu velho amigo e camarada. Decidi partilhar o teu "segredo", por uma mão cheia de razões:
(i) não éramos meninos de coro;
(ii) este caso e o seu desfecho são exemplares e merecem ser conhecidos;
(iii) que fique claro: houve casos de violação (ou de tentativa de violação) de mulheres da população civil (e também de prisioneiras) no TO da Guiné; muitos ou poucos, não sabemos, não há estatísticas; houve casos, como em todas as guerras;
(iv) na guerra não vale tudo, e o exército português tinha princípios e valores;
(iv) este caso envolveu um graduado (1º cabo) d CCAÇ 2701, " branco" (e por sinal teu conterrâneo) e a mulher de um teu soldado, do recrutamento local, do Pel Caç Nat 53;
(v) houve violência (física), não chegou a haver violação; o que não atenua a gravidade do comportamento do teu subordinado;
(vi) tu eras comandante operacional de um subunidade, adida ao CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72);
(vii) com estrito respeito pela hierarquia, o cap inf Carlos T. Clemente (hoje cor ref), não quis fazer o "by pass", isto é, quebrar a unidade comando-controlo;
(viii) não podias deixar de agir, sob pena de perderes a autoridade e o respeito dos teus homens;
(ix) e agiste à boa maneira da malta de cavalaria e dos paraquedistas: uns bons murros valiam mais, naquele contexto, do que uma "porrada" averbada na caderneta militar (não faço juízos de valor nem discuto se, face ao RDM, tinhas outras alternativas);
(x) podia ter ficado cara a tua atitude lúcida e corajosa: o cabo "abusador" foi buscar a G3 com intenções malévolas (talvez de "vingança"); foi felizmente desarmado e, em desespero de causa, decidiu desertar; cobardolas e arrependido, voltou para o quartel ao 3º dia;
(xi) a lição que tu lhe deste, não sabemos se ficou para a vida; mas 1º cabo Manuel C... deveria ter-te ficado agradecido por não quereres vê-lo embrulhado numa folha de papel selado; se o caso chegasse ao com-chefe, o gen Spínola, o teu homem nem saberia de que terra era;
(xii) o caso foi público e notório (agressão a um elemento civil, insucordinação e tentativa de deserção), mas mesmo assim omiste o seu apelido, como de resto mandam as nossas regras editoriais;
(xiii) espero que ele, algures, na América Latina, ainda te possa ler, e mostrar, memso que tardiamente, arrependimento e gratidão (neste caso, pelo teu sentido de justiça);
(xiv) e, por fim e não menos importante, deves sentir orgulho, mesmo ao fim destes 54 anos (!), de não teres cedido à tentação do "nacional-porreirismo" e teres sabido defender a honra de uma mulher (para mais, mulher de um soldado teu), de acordo com o nosso código de ética como militares;
(xv) mais do que "oficial e cavalheiro", soubeste respeitar a tua consciência e honrar a tua farda!
...De qualquer modo, Paulo, e como já aqui temos dito, nesta série "O segredo de...", há vítimas nem lugar para a vitimização, não há heróis nem vilóes... Em contrapartida, também não consentimos que camaradas insultem outros camaradas, seja a que pretexto for (e, muito menos, na sequência da revelação de um "segredo", seja qual for o seu conteúdo).
Uns e outros teremos de ser razoáveis e tolerantes, dois exercícios (o da razoabilidade e o da tolerância) que nem sempre não fáceis... Esta série funciona como um verdadeiro... "confessionário". E ir ao "confessionário" é, antes de mais, "desabafar" sem receio de ser criticado (e muito menos crucificado na praça pública). Vir aqui dar a cara e contar um "segredo" também é um ato de coragem.
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26430: O segredo de... (49): António Medina (1939-2025) - Parte V: Comentários (2014): (I) Vasco Pires / Luís Graça / Manuel Carvalho / António Graça de Abreu / Joaquim Luís Fernandes / Júlio Costa Abreu / Manuel Luís Lomba / António Rosinha / António Medina / César Dias / Carlos Pinheiro / João Lemos
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26430: O segredo de... (49): António Medina (1939-2025) - Parte V: Comentários (2014): (I) Vasco Pires / Luís Graça / Manuel Carvalho / António Graça de Abreu / Joaquim Luís Fernandes / Júlio Costa Abreu / Manuel Luís Lomba / António Rosinha / António Medina / César Dias / Carlos Pinheiro / João Lemos
3 comentários:
Luís
O 1º Cabo não pertencia ao Pel 53 era da 2701.Penso ser impossível tal acontecer com um elemento do meu pelotão dado o espirito que existia entre nós
Abraço
O cabo Manuel C... pertencia á companhia do cap Clemente, esclarece o Paulo.
Assim sendo, o caso muda um pouco de figura: devia o cap Clemente a punir o seu subordinado!... Passou-te o odioso, na base da lei de Talião...
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