Foto nº 1 e 1A
No Estádio da Várzea, atrás de mim, de pé, com auscultadores, o Zeca Martins, o operador de som que gravou toda a cerimónia da Proclamação da Independência em 5 de Julho. A equipa de reportagem da Rádio Difusão da Guiné – RDN incluía, além do Zeca Martins, o António Óscar Barbosa, "Cancan", e eu, Carlos Filipe Gonçalves,"Kalú".
Nas fotos 1 e 2, ao canto superior direito, vê-se o 1º ministro de Cabo Verde, Pedro Pires, e o 1º ministro de Portugal, Vasco Gonçalves (1921-2005), chefe do IV Governo Provisório (28 de março - 8 de agosto de 1975).
Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo... (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"
Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - III (e última) Parte
por Carlos Filipe Gonçalves (*)
Eis, mais um extrato do meu livro Memórias da Rádio Barlavento, no qual dou a seguinte descrição de como vivemos o dia 5 de Julho de 1975 e do nosso trabalho de repórteres da rádio.
No dia 5 de julho, sábado, acordámos cedo de uma noite mal dormida. Sem transporte, fizemos a pé com todo o equipamento às costas, o percurso desde o nosso alojamento no bairro da Fazenda ao platô, pela subida íngreme até o local do «mata-bicho».
O sol já estava quente, chegamos exaustos, molhados em suor. Logo depois, fizemos o percurso, outra vez a pé, até ao Estádio da Várzea, onde chegámos pouco antes das 8 h e 30. Eu estava integrado na equipa da reportagem da RDN - Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau, onde era Chefe de Programação, desde setembro de 1974.
Logo depois da nossa chegada ao Estádio da Várzea, instalámos o equipamento: um gravador profissional Nagra (que pesa 12 kg!), dois microfones e respectivos tripés, cabos, várias caixas de fita magnética, algumas caixas de pilhas; tínhamos ainda outro gravador portátil da marca Uher.
Imaginem a malta do cinema com câmaras de filmar, tripés, gravadores Nagra e caixas de filme, tudo muito mais pesado!
Encontrámos no palanque dos discursos uma floresta de microfones! Enquanto eu e Cancan, fazíamos pequenas entrevistas aos deputados, o Zeca Martins subia e descia ao palanque para encontrar uma melhorar colocação dos nossos microfones. É que vinha um jornalista, tirava o nosso do lugar e metia o dele, depois vinha, outro fazia o mesmo e assim foi uma luta constante.
Não havia água para se beber (não lembrámos de levar), o sol aquecia cada vez mais, o ar estava irrespirável de tanto calor… Começou o cerimonial, desfiles de Tabanka, organizações de massas etc. etc. Eu e o Cancan, sempre a falar e a descrever, o Zeca ia gravando…
Começam então discursos e mais discursos! Está um sol de rachar, muitas pessoas não aguentam, há desmaios… Enfim, a troca de bandeiras! Momento de muita emoção, palmas, fracas, é que toda a gente está cansada e exausta. De novo mais discursos!
A cerimónia durou longas horas e quando tudo termina no Estádio da Várzea já depois da uma da tarde, dizem-nos que há uma cerimónia no Palácio no platô. Protestámos, estamos cansados, não vamos conseguir subir a pé ao platô com tanto equipamento! Conseguimos então uma boleia num carro da organização…
Chegamos ao Palácio, mais discursos e nós a gravar tudo. E finalmente, fomos almoçar, depois das 15 horas, de novo andando a pé com o equipamento!
6 de julho, domingo, havia uma feira/quermesse no Parque Infantil frente ao Palácio do platô.
Segunda-feira, 7 de julho, todos os políticos e muitos convidados foram a S. Vicente onde continuam as comemorações da Independência.
Como não havia lugar nos voos, acabei por ficar na Praia. Parti para Bissau, na terça, dia 8. O material gravado que levámos, a maioria discursos, estava desactualizado, o Tony Tcheca fez então um programa em directo com os nossos testemunhos, daquilo que aconteceu.
Cerca de mês e meio depois, segui em nova viagem para Cabo Verde. Missão: ajudar na organização da rádio na Praia. Faço contactos, decido ficar e sou admitido na Rádio Voz di Povo, onde passei a trabalhar.
Trouxe comigo de Bissau uma cópia completa de todas as gravações realizadas no 5 de julho de 1975, que vieram a ser a base de vários programas emitidos ao longo dos anos aquando das diversas comemorações, nomeadamente para o 20.º aniversário e o meu programa radiofónico evocativo desse aniversário, seria editado em CD pelo Parlamento, por ocasião do 30.º aniversário.
Pouco depois da minha chegada à Praia, foi criada no final de setembro de 1975 a Emissora Oficial, onde inicio a carreira e passo a integrar o quadro pessoal.
50 anos depois, estou aposentado. Casado, tenho três filhas (49, 47 e 41 anos de idade), quatro netos (26, 18, 3 anos, neta recém nascida com um mês de meio). Vivi a grande aventura do depois da «Independência»… no que me concerne, já escrevi como vivi e o que se passou na história recente da rádio (livro ainda não publicado) e também já escrevi sobre a história da rádio no antes da Indepedência (um dos livros já publicado, o 2.º à espera de ser editado).
E para completar, já escrevi o que vi e vivi na Guiné de 1973 a 1975, porque memórias de cabo-verdiano de ambos os lados, na Guiné, antes de depois das Independências, também precisam ser conhecidas.
Temos o dever apresentar uma visão para muitos dos mais velhos (que lá não estiveram) do que realmente se passou e deixar um legado às novas gerações.
(Revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)
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Nota do editor:
3 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26979: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte II (Carlos Filipe Gonçalves)
3 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)
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