



Cabo Verde > Ilha do Sal > Aeroporto > 28 de junho de 1975 > Há 50 anos eu fazia a reportagem das eleições em Cabo Verde, em 30 de junho de 1975. Na foto a chegada da equipa da comunicação social da Guiné-Bissau à Ilha do Sal, no sábado 28 de junho de 1975. Da esquerda para direita:
- Flora Gomes e Sana Nahada (operadores-câmara filmar);
- António Óscar Barbosa (Cancan) (#) e Carlos F. Gonçalves (jornalistas);
- Agostinho (fotógrafo).
Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves 2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)".
1. Postagem publicada na página dp Facebook de Carlos Filipe Gonçalves | segunda, 30 de junho de 2025, 12: 32, bem como na página da Tabanca Grande
Eis um extracto do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):
(...) Em Junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Radio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)
Eis um extracto do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):
(...) Em Junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Radio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)
Viajei integrado na equipa de reportagem que acompanhou a delegação da Guiné que era chefiada pelo Comandante Nino. À chegada ao Sal, a malta da rádio, jornal e cinema foram para a Praia. Fui indicado para ir primeiro a S. Vicente, para cobrir as eleições para a Assembleia Nacional Popular que decorreram na segunda-feira, 30 de junho. Pouco depois de chegar a Mindelo, fui às instalações da rádio, agora Rádio Voz de S. Vicente, nas instalações do Grémio e da antiga Rádio Barlavento.
(….) Na segunda-feira 30 de junho de 1975 faço a reportagem das eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular. Depois de uma volta pelos bairros, onde vi filas enormes de votantes, acabo por entrar na assembleia de voto da Escola Nova. Fui recenseado na hora, inscrito na lista eleitoral, recebi um boletim de voto e votei!
Escrevo à pressa uma crónica dos acontecimentos que presenciei. Tento depois um contacto com Bissau, para enviar as notícias, mas isso torna-se uma tarefa impossível. Não há facilidades nos CTT, aliás todo o mundo aqui fica espantado com o meu pedido! Enviar reportagem? Isso é uma novidade, perguntam logo, como se faz? Lá expliquei, mas, a nega continuou.
Quem paga, podia ser o problema, mas não me dizem... Alguém, querendo ajudar, sugeriu e levou-me a um radioamador! Todo solícito e sentindo-se importante, ele disponibiliza-se logo, leva-me ao seu «estúdio» e vai-me dizendo, que ele tem um amigo radioamador em Bissau. Fiquei surpreso! Através da aparelhagem, chama, chama, enunciando o indicativo e siglas próprias… Mas não obtém resposta! Passei lá mais de uma hora… Nada! Desisti.
Na terça-feira, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos. A missão agora é a reportagem do dia 5 de Julho, no próximo sábado. (…) (**)
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Notas do autor (CFG):
(#) António Óscar Barbosa, conhecido jornalista, passou pelo Emissor Regional da Emissora Nacional em Bissau, Rádio Libertação e Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau. Foi assessor para a comunicação de Luís Cabral e Nino Vieira. Na política, a partir dos anos 1990, desempenhou cargos ministeriais.
(##) O PAIGC sempre teve, desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.
(##) O PAIGC sempre teve, desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.
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Notas do editor LG:
(**) A 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular, realizadas em 30 de junho, e que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência.
(...) Cidade da Praia, 21 Mai (Inforpress) - Os primeiros deputados cabo-verdianos reuniram-se em sessão plenária em 04 de Julho de 1975, véspera da Independência Nacional, no salão da Câmara Municipal da Praia, para constituírem a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP), com Isaura Gomes única deputada.
A acta da primeira sessão legislativa da primeira legislatura, consultada pela Inforpress, revela que os 56 deputados eleitos por todos os círculos eleitorais do país reuniram-se pelas 16:30 nos Paços do Concelho da Praia.
Nas listas únicas constavam nomes de dois sacerdotes (...).
A Comissão Eleitoral de então, presidida pelo jurista Raul Querido Varela, funcionou no edifício do Palácio da Justiça.(...)
Foi esta Comissão que, a 03 de Julho de 1975, procedeu ao apuramento geral do resultado das eleições dos deputados à Assembleia Nacional de Cabo Verde.
Este apuramento aconteceu nos termos do disposto nos artigos 102 a 105 da lei eleitoral de Cabo Verde, aprovada pelo decreto-lei 203/A 75, de 15 de Abril de 1975, do Governo provisório da República Portuguesa. (...)
O falecido Abílio Duarte, que a 05 de Julho proclamou a independência de Cabo Verde, no Estádio da Várzea, foi o primeiro presidente do parlamento cabo-verdiano. (...)
Após a instalação da mesa definitiva, Abílio Duarte declarara aberta a primeira sessão da Assembleia Nacional Popular.
De seguida, convidou os deputados a porem-se de pé, procedendo-se à leitura do texto de juramento colectivo, por uma questão de economia e tempo.
“Juro por minha honra dedicar a minha inteligência e energias ao serviço do Povo de Cabo Verde, cumprindo com fidelidade total os deveres da alta função de Deputado à Assembleia Nacional Popular”, foi assim que os eleitos de então juraram para servirem o país.
Feito o juramento, segundo consta da acta, a sessão foi suspensa por uns instantes e, de seguida, o presidente convidou os jornalistas a abandonarem a sala de sessão. (...)
Nessa mesma sessão, além do texto da proclamação da República de Cabo Verde, foi aprovada, por unanimidade, a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), e foi, ainda, adoptada a lei que atribui a Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade.
De acordo com o documento de 42 páginas dactilografadas, na época, a eleição do Presidente da República e do primeiro-ministro foi por aclamação.
“Povo de Cabo Verde, hoje, 05 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana (...)”, lê-se no texto apresentado pelo presidente da ANP.
Abílio Duarte concluiu a leitura do texto de proclamação da independência dizendo que “a República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados independentes, organizações e organismos internacionais, para que reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais”.
Foi ainda nesta sessão legislativa que Aristides Pereira fora eleito primeiro Presidente da República de Cabo Verde e Pedro Pires como primeiro-ministro.
Em 1975, houve quem considerasse que Cabo Verde era um país “inviável” e com a independência ia desaparecer do mapa.
No livro do jornalista José Vicente Lopes “Aristides Pereira: Minha vida, nossa história”, o primeiro Presidente de Cabo Verde relata episódios sobre a situação financeira herdada da então potência colonial.
“Portugal deixou-nos praticamente com uma mão à frente e outra atrás (…), porque também estava com sérios problemas de sobrevivência devido ao caos financeiro e económico que nele se instalou com o 25 de Abril”, disse Aristides Pereira, para quem o que mais os governantes de então temiam era a seca.
Mas, segundo ele, graças à campanha de sensibilização feita junto de alguns países africanos e de Portugal, conseguiram colmatar as carências que havia para arrancar.
Para assinalar o 50º aniversário da independência nacional, a Assembleia Nacional vai reunir-se no dia 05 de Julho, em sessão solene, sob a presidência de Austelino Correia, com um parlamento constituído por três partidos políticos: o Movimento para a Democracia (MpD, poder), o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), ambos da oposição. LC/AA.
(Revisão / fixação de texto: LG)
2 comentários:
Parece que fica claro que quem assinou e proclamou a independência de Cabo Verde não foi um partido, um movimento, um grupo ou um indivíduo mas sim a Assembleia Nacional de Cabo Verde:
"Povo de Cabo Verde, hoje, 5 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como nação independente e soberana".
Mas não podemos ignorar que o PAIGC, em Cabo Verde, fez "batota"...Saiu de uma ditadura (de direita, a do Estado Novo) para impor um outra, de sinal contrário, sem se sujeitar ao veredicto da vontade popular ...
Em nome da "legitimidade revolucionária" (um embuste, uma vez que nem sequer houve luta armada no arquipélago), acaparou-se do poder (e da soberania popular), passando a governar durante 15 anos em regime de partido único (técnica e legalmente, em ditadura)... Os factos não o desmentem:
(i) as primeiras eleições, para a assembelia constituinte, em 30 de junho de 1975, foram organizadas apenas com candidatos do PAIGC;
(ii) não houve liberdade de expressão e de organização política de outros movimentos (incluindo os que se opunham à independência imediata):
(iii) o PAIGC impôs o seu discurso hegemónico, nacionalista e revolucionário, legitimando o monopólio do poder como necessário à consolidação da independência e ao reforço da unidade Guiné-Bissau / Cabo Verde...
Felizmente, em 1990, os cabo-verdianos acabaram por trilhar os caminhos da democracria pluralista...Pode ter muitos defeitos, a democracia, mas entre o céu e o inferno a história diz-nos que não há outra escolha para os seres humanos...
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