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terça-feira, 1 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)







Cabo Verde > Ilha do Sal > Aeroporto > 28 de junho de 1975 > Há 50 anos eu fazia a reportagem das eleições em Cabo Verde,  em 30 de junho de 1975. Na foto a chegada da equipa da comunicação social da Guiné-Bissau à Ilha do Sal, no sábado 28 de junho de 1975. Da esquerda para direita: 

  • Flora Gomes e Sana Nahada (operadores-câmara filmar); 
  • António Óscar Barbosa (Cancan) (#)  e Carlos F. Gonçalves (jornalistas);
  • Agostinho (fotógrafo).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves 2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
.




O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)".

 


1. Postagem publicada na página do Facebook de  Carlos Filipe Gonçalves | segunda, 30 de junho de 2025, 12: 32, bem como na página da Tabanca Grande:



Eis um extrato do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):

(...) Em junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Rádio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)

Viajei integrado na equipa de reportagem que acompanhou a delegação da Guiné que era chefiada pelo comandante Nino. À chegada ao Sal, a malta da rádio,  jornal e cinema foram para a Praia. Fui indicado para ir primeiro a S. Vicente, para cobrir as eleições para a Assembleia Nacional Popular que decorreram na segunda-feira,  30 de junho. Pouco depois de chegar a Mindelo, fui às instalações da rádio, agora Rádio Voz de S. Vicente, nas instalações do Grémio e da antiga Rádio Barlavento.

(….) Na segunda-feira 30 de junho de 1975 faço a reportagem das eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular. Depois de uma volta pelos bairros, onde vi filas enormes de votantes, acabo por entrar na assembleia de voto da Escola Nova. Fui recenseado na hora, inscrito na lista eleitoral, recebi um boletim de voto e votei! 

Escrevo à pressa uma crónica dos acontecimentos que presenciei. Tento depois um contacto com Bissau, para enviar as notícias, mas isso torna-se uma tarefa impossível. Não há facilidades nos CTT, aliás todo o mundo aqui fica espantado com o meu pedido! Enviar reportagem? Isso é uma novidade, perguntam logo, como se faz? Lá expliquei, mas, a nega continuou. 

Quem paga, podia ser o problema, mas não me dizem... Alguém, querendo ajudar, sugeriu e levou-me a um radioamador! Todo solícito e sentindo-se importante, ele disponibiliza-se logo, leva-me ao seu «estúdio» e vai-me dizendo, que ele tem um amigo radioamador em Bissau. Fiquei surpreso! Através da aparelhagem, chama, chama, enunciando o indicativo e siglas próprias… Mas não obtém resposta! Passei lá mais de uma hora… Nada! Desisti.

Na terça-feira, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos. A missão agora é a reportagem do dia 5 de Julho, no próximo sábado. (…) (**)

_____________

Notas do autor (CFG):

(#) António Óscar Barbosa, conhecido jornalista, passou pelo Emissor Regional da Emissora Nacional em Bissau, Rádio Libertação e Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau. Foi assessor para a comunicação de Luís Cabral e Nino Vieira. Na política, a partir dos anos 1990, desempenhou cargos ministeriais.


(##) O
PAIGC sempre teve,  desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.

______________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26964: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (4): Cemitério Central do Mindelo: Talhão dos combatentes portugueses (Nelson Herbert / Luís Graça) - II (e útima) Parte

(**) A 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular, realizadas em 30 de junho, e  que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência.

Cite-se uma peça recente da agência Inforpress (excertos, com a devida vénia):


(...) Cidade da Praia, 21 Mai (Inforpress) - Os primeiros deputados cabo-verdianos reuniram-se em sessão plenária em 04 de Julho de 1975, véspera da Independência Nacional, no salão da Câmara Municipal da Praia, para constituírem a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP), com Isaura Gomes única deputada.

A acta da primeira sessão legislativa da primeira legislatura, consultada pela Inforpress, revela que os 56 deputados eleitos por todos os círculos eleitorais do país reuniram-se pelas 16:30 nos Paços do Concelho da Praia.

Nas listas únicas constavam nomes de dois sacerdotes (...).

A Comissão Eleitoral de então, presidida pelo jurista Raul Querido Varela, funcionou no edifício do Palácio da Justiça.(...)

Foi esta Comissão que, a 03 de Julho de 1975, procedeu ao apuramento geral do resultado das eleições dos deputados à Assembleia Nacional de Cabo Verde.

Este apuramento aconteceu nos termos do disposto nos artigos 102 a 105 da lei eleitoral de Cabo Verde, aprovada pelo decreto-lei 203/A 75, de 15 de Abril de 1975, do Governo provisório da República Portuguesa. (...)

O falecido Abílio Duarte, que a 05 de Julho proclamou a independência de Cabo Verde, no Estádio da Várzea, foi o primeiro presidente do parlamento cabo-verdiano. (...)

Após a instalação da mesa definitiva, Abílio Duarte declarara aberta a primeira sessão da Assembleia Nacional Popular.

De seguida, convidou os deputados a porem-se de pé, procedendo-se à leitura do texto de juramento colectivo, por uma questão de economia e tempo.

“Juro por minha honra dedicar a minha inteligência e energias ao serviço do Povo de Cabo Verde, cumprindo com fidelidade total os deveres da alta função de Deputado à Assembleia Nacional Popular”, foi assim que os eleitos de então juraram para servirem o país.

Feito o juramento, segundo consta da acta, a sessão foi suspensa por uns instantes e, de seguida, o presidente convidou os jornalistas a abandonarem a sala de sessão. (...)

Nessa mesma sessão, além do texto da proclamação da República de Cabo Verde, foi aprovada, por unanimidade, a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), e foi, ainda, adoptada a lei que atribui a Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade.

De acordo com o documento de 42 páginas dactilografadas, na época, a eleição do Presidente da República e do primeiro-ministro foi por aclamação.

“Povo de Cabo Verde, hoje, 05 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana (...)”, lê-se no texto apresentado pelo presidente da ANP.

Abílio Duarte concluiu a leitura do texto de proclamação da independência dizendo que “a República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados independentes, organizações e organismos internacionais, para que reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais”.

Foi ainda nesta sessão legislativa que Aristides Pereira fora eleito primeiro Presidente da República de Cabo Verde e Pedro Pires como primeiro-ministro.

Em 1975, houve quem considerasse que Cabo Verde era um país “inviável” e com a independência ia desaparecer do mapa.

No livro do jornalista José Vicente Lopes “Aristides Pereira: Minha vida, nossa história”, o primeiro Presidente de Cabo Verde relata episódios sobre a situação financeira herdada da então potência colonial.

“Portugal deixou-nos praticamente com uma mão à frente e outra atrás (…), porque também estava com sérios problemas de sobrevivência devido ao caos financeiro e económico que nele se instalou com o 25 de Abril”, disse Aristides Pereira, para quem o que mais os governantes de então temiam era a seca.

Mas, segundo ele, graças à campanha de sensibilização feita junto de alguns países africanos e de Portugal, conseguiram colmatar as carências que havia para arrancar.

Para assinalar o 50º aniversário da independência nacional, a Assembleia Nacional vai reunir-se no dia 05 de julho, em sessão solene, sob a presidência de Austelino Correia, com um parlamento constituído por três partidos políticos: o Movimento para a Democracia (MpD, poder), o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), ambos da oposição. LC/AA.


(Revisão / fixação de texto: LG)

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Parece que fica claro que quem assinou e proclamou a independência de Cabo Verde não foi um partido, um movimento, um grupo ou um indivíduo mas sim a Assembleia Nacional de Cabo Verde:

"Povo de Cabo Verde, hoje, 5 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como nação independente e soberana".

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mas não podemos ignorar que o PAIGC, em Cabo Verde, fez "batota"...Saiu de uma ditadura (de direita, a do Estado Novo) para impor um outra, de sinal contrário, sem se sujeitar ao veredicto da vontade popular ...

Em nome da "legitimidade revolucionária" (um embuste, uma vez que nem sequer houve luta armada no arquipélago), acaparou-se do poder (e da soberania popular), passando a governar durante 15 anos em regime de partido único (técnica e legalmente, em ditadura)... Os factos não o desmentem:

(i) as primeiras eleições, para a assembelia constituinte, em 30 de junho de 1975, foram organizadas apenas com candidatos do PAIGC;

(ii) não houve liberdade de expressão e de organização política de outros movimentos (incluindo os que se opunham à independência imediata):

(iii) o PAIGC impôs o seu discurso hegemónico, nacionalista e revolucionário, legitimando o monopólio do poder como necessário à consolidação da independência e ao reforço da unidade Guiné-Bissau / Cabo Verde...

Felizmente, em 1990, os cabo-verdianos acabaram por trilhar os caminhos da democracria pluralista...Pode ter muitos defeitos, a democracia, mas entre o céu e o inferno a história diz-nos que não há outra escolha para os seres humanos...

Anónimo disse...

Caro amigo Luis, plenamente de acordo, o que aconteceu em Cabo Verde foi uma replica da independencia da Guine-Bissau, a decisao e a vontade de um partido que se via como o legitimo representante do povo, acho que levados pelo oportunismo ou pela euforia revolucionaria do momento, perderam uma grande oportunidade de se legitimarem perante os dois povos e perante a historia, (que nao volta atras), realizando uma consulta popular (referendo) em relacao ao qual tinha grandes chances de ganharem, sobretudo na Guine em 1974, onde o exercito portugues, infiltrado pelo MFA em forca, estava quase de joelhos perante o PAIGC.

Quanto a viabilidade ou nao dos 2 paises, sou de opiniao que se a Guine-Bissau, apos mais de 50 anos, continua a ter problemas de boa governacao, no caso Caboverdiano, tendo quase vencido a batalha dos recursos humanos e da melhor administracao, o problema dos recursos materiais e financeiros continua a ser o calcanhar de aquiles e bico de obra que ainda e sempre trara de volta a questao da sua viabilidade como nacao soberana, politica e economicamente falando, sem ter de se vergar a vontades alheias. Tenho dito.

Cordialmente,

Cherno AB

Anónimo disse...

Não há réplica em Caboverde do que se passou na Guiné. nem na guerra nem na paz.

Em Caboverde ainda tiveram um ano para pensar, embora com o tarrafal com a porta de ENTRADA aberta, e pronta a receber inquilinos.

De joelhos Cherno? ou abandono com pressa de fugir daquela terra?

Hoje anda-se a perguntar em Portugal, se Portugal deve pedir perdão pela "colonização", (500anos) e porque não pedir perdão pela "descolonização" (24 horas)?

Cabo verde também teve os posteriores fuzilamentos?

Pois a Guiné teve, e com a presença repleta de caboverdeanos, soviéticos e cubanos, e muitos europeus desde italianos a suecos e portugueses, tudo a bater palmas àquele PAIGC glorioso, e que ficou a marcar a memória de um povo por imensos anos.

Era repugnante toda a colaboração internacional ao PAIGC, a assistir a um povo não receber os benefícios da

É que se o PAICV perseguisse os seus cidadãos que lutaram assiduamente e com afinco nos os diversos campos de batalha colonial,

Antº Rosinha disse...

Não há réplica, de uma maneira ou outra Caboverde durou um ano até mentalizar o povo a aceitar de boa vontade.
Embora com o tarrafal de porta de entrada em posição de receber inquilinos.
Não houve fuzilamentos em Caboverde, ao contrário na Guiné, ocupada por caboverdeanos, cubanos soviéticos e cooperantes de toda a Europa desde italianos e suecos e portugueses, o que fica a marcar por muitos anos a colaboração com o PAIGC e o povo nitidamente ao abandono.
Curioso que na Guiné, os jovens guinenses da JAAC não gostavam das grandes festas do 25 de Abril português.
Não sei se em Caboverde houve a mesma reação, o que não creio.
Explicação, dos jovens, os portugueses deviam convidar o PAIGC (os guineenses) para a festa.
Cherno, de joelhos? fiquemos por aqui, porque em Angola e Moçambique outros ficaram com memórias piores.
Anda na moda em Portugal perguntar se devemos pedir desculpa pela colonização (500 anos), e não se lembram de perguntar se devemos pedir perdão pelo abandono (decolonização em 24 horas)




Anónimo disse...

PS: Com pleno conhecimento e consciencia clara da realidade intrinseca dos dois territorios, na altura, nao admira, por isso, que a questao da unidade Guiné e Cabo Verde tenha sido um, quase, Tabu que ninguem ousada questionar diante de Cabral, para o lider do PAIGC, era fundamental a unidade dos dois povos e territorios para uma independencia completa, soberana e menos dependente do aleas geo-politico e, sobretudo, climatico que tantas vitimas tinha feito ao longo dos anos 40/50, testemunhado por ele e seus contemporaneos. Se nao veio a acontecer depois, nao foi por falta de vontade dos 2 povos, mas por causa das contradicoes e ambicoes das elites que sobressairam e protagonizaram esta fase historica decisiva, especialmente da parte guineense.

Cherno AB

Carlos Vinhal disse...

Amigo e irmão Cherno,
Não me vou arvorar em conhecedor da justa luta dos guineenses e cabo-verdianos pelas suas independências, mas sempre tive a ideia de que a Guiné, desde há muitos séculos, foi colonizada pelos portugueses com a ajuda dos cabo-verdianos, já mais europeizados, acho até que acabaram por fazer na Guiné o que os portugueses não conseguiam, incluindo o "trabalho sujo" de subjugar/dominar os povos mais resistentes à nossa presença no vosso território.
Para mim, posso estar errado, juntar na mesma luta os guineenses e os cabo-verdianos, foi uma estratégia de Amílcar Cabral, já que em Cabo-Verde era impossível levar a cabo uma guerrilha eficaz. Também tenho a ideia de que os guineenses foram os mais sacrificados na guerra de libertação, porque eram mais os cabo-verdianos que na Guiné lutavam pelo nosso lado, do que os que estavam ao serviço do PAIGC.
Porque na Guiné se lutava duramente, o reconhecimento da independência foi precipitado, não agradando a nenhum dos lados, ainda menos à Guiné, cujos "políticos" não estavam preparados para governar em paz, tirando Amílcar Cabral, os demais só conheciam a lei da bala. Os tempos que se seguiram foram a prova disso.
Em Cabo Verde, onde a contestação era menos visível, ou pelo menos era menos violenta, a independência foi reconhecida em 1975, e daí para cá se tornou num país exemplar em termos de paz e progresso. Estes dias Cabo Verde foi reconhecido como país de rendimento médio-alto, estatuto que infelizmente está muito longe de ser atribuído à Guiné-Bissau.
Para mim, Amílcar Cabral, guineense de origem cabo-verdiana, foi assassinado por isso mesmo.
Claro que tu, amigo e irmão Cherno, como profundo conhecedor da história "antiga" e "moderna" do teu país, podes achar esta minha análise descabida.
Podes comentar à vontade.
Abraço
Carlos Vinhal

Anónimo disse...

Caro amigo Carlos Vinhal, eu concordo com a tua análise, claro que os guineenses não tinham esquecido o papel dos Caboverdianos no processo da colonização, mesmo se Cabral e seus colaboradores mais próximos tudo faziam para branquear o passado dos Caboverdianos e enfatizar o dos fulas que, na realidade exerciam funções de serviçais ao serviço do regime.
Um abraço amigo,

Cherno AB