Notícia, que o Luís Graça elaborou (tinha então 18 anos...) sobre o funeral do sold apont morteiro José António Canoa Nogueira, de resto seu primo em 3º grau. Foi o primeiro lourinhanense a morrer,, em combate, no TO da Guiné, em Cufar, na madrugada de 23 de janeiro de 1965..
Fonte: Alvorada. (Lourinhã). 23 de Maio de 1965
I. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia, alguns excertos livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 165/167
(...) 4. Notas à margem do processo: notícias e testemunhos
(...) “Quanto ao teu primo José António Canoa Nogueira, natural de Lourinhã, soldado do pelotão de morteiros 942, CCAÇ 619, com sede em Catió, que tinha por alcunha o 'Bombarral' e que era muito amigo de um soldado do meu pelotão, o João Fernandes Almeida, de alcunha o 'Lourinhã', não morreu em Ganjola, mas sim, em combate, numa das operações para instalar as NT em Cufar, da qual também fiz parte (CCAÇ 617) numa altura em que, estando a municiar um morteiro, saiu do abrigo para ir buscar granadas, foi atingido, na cabeça, por estilhaços de granada do IN. Ainda foi evacuado por helicóptero, mas infelizmente, não sobreviveu aos ferimentos”. (...)
Na verdade, este testemunho do alferes Sacôto coincide com o teor da participação do comandante de companhia (a CCAÇ 619) sobre o local e causas da morte do soldado Canoa.
(...) “Depois de transportados da Guiné para a metrópole a expensas dos seus companheiros de companhia que lhe votavam particular estima e amizade, os restos mortais do soldado José António Canôa Nogueira repousam finalmente no cemitério da sua Terra Natal.
O funeral, realizado no segundo domingo do corrente, constituiu uma homenagem pública à memória daquele de cuja presença e convívio a morte irremediavelmente nos separou, e um testemunho de apreço pelo sacrifício da sua vida. Nele se incorporaram, além da multidão anónima e inumerável, o senhor Presidente do Concelho, outras autoridades civis e militares e os bombeiros voluntários.
À chegada do autofúnebre militar, com a urna, os clarins dos Soldados da Paz tocaram a silêncio. E o préstito atravessou a Vila, sob uma impressionante atmosfera de recolhimento e dor.
Antes da urna ser depositada no jazigo, os Bombeiros tocaram em continência, num último adeus e derradeiro tributo de homenagem ao soldado e Jovem Lourinhanense”. (Poste P6509, de 1 de junho de 2010).
Luís Graça, no seu blogue, a propósito da notícia da morte deste soldado, escreve o seu testemunho acerca do ambiente de dor, de luto, emoção, medo e estupefação por si experienciados:
“(…) o funeral de Nogueira, 4 meses depois (em maio de 1965), foi uma impressionante manifestação de dor. Lembro-me da urna, selada, em chumbo. Dos soldados fardados e aprumados, vindos de Mafra, da Escola Prática de Infantaria. Da salva de tiros. Do luto carregado. Da emoção no ar. De uma família destroçada. De uma comunidade comovida. Dos boatos. “Se calhar o caixão vem cheio de pedras”. Da estupefação e do medo dos mancebos que estavam na lista para a tropa, como eu. Lembro-me sobretudo do silêncio do cemitério. Do calor, abrasador, do dia.” (...)
Também sobre a questão da solidariedade dos camaradas de companhia, que se cotivavam para enviar os restos mortais dos colegas para a metrópole, num tempo em que o Estado não assegurava a trasladação dos corpos, Luís Graça escreve:
(...) “Um facto desconhecido e insólito para mim, mas ao tempo revelador da grande solidariedade entre os camaradas de guerra, na época os restos mortais dos nossos soldados não eram embarcados para a Metrópole a expensas do Estado. No caso do Nogueira, foram os seus camaradas (do pelotão de morteiros e possivelmente também do batalhão) que se cotizaram para pagar, do seu bolso, o transporte via marítima da urna… (E, se calhar, a própria urna).
Creio que custava, o transporte por via marítima, qualquer coisa como 11 contos (equivalente hoje a mais de 5 mil euros…) o que era muito dinheiro para a época. " (...)
“(…) não sei se foi depois disso (da notícia do funeral e dos meus comentários) que o diretor, padre António Escudeiro, recebeu um ofício do Ministério do Interior a perguntar porque é que o jornal já não ia à censura há mais de um ano. Duas linhas, secas, burocráticas, impessoais. Em baixo, ocupando mais de metade da folha, a assinatura, em letra garrafal, mas arrogante e intimidatória que eu jamais vi em toda a minha vida. (Se o fascismo alguma vez existiu na minha Terra, na nossa Terra, então essa assinatura do censor-mor, ou de alguém dos seus esbirros era fascismo, puro e duro)”. (...)
2. Um domingo do mato | por José António Canoa Nogueira
Aqui, Ganjolá, Guiné, 10-1-1965
Mesmo no sul da Guiné, pequeno destacamento militar presta continência à Bandeira Verde-Rubra que sobre o mastro fica brilhando ao sol. E que linda que é a nossa bandeira; e é tão alegre, tão garrida, só olhá-la nos faz sentir alegria e também emoção; alegria de sermos portugueses e emoção por estarmos cá longe para a defender. Embora assim perdida no mato, a bandeira, brilhando, afirma que aqui também é Portugal.
Em volta, meia dúzia de barracas verdes, o nosso aquartelamento, a única nota de civilização nesta imensa planície.
Aqui não há escolas e as igrejas não têm paredes; o teto é o céu. Em toda a parte se reza e tudo nos incita à oração. Deus está em toda a parte e ouve-nos.
Hoje é domingo, dia de descanso, não se trabalha, mas distracções também não há. Alguns vão à pesca ou à caça; outros, deitados debaixo das enormes árvores, dormem e pensam nas suas terras e famílias distantes, mas pertinho do coração.
Dois soldados vão todos os dias à caça; por isso, fome não há. Temos carne com abundância, mas falta tanta coisa!...
Todos se servem. A refeição é pouco variada: apenas carne assada e pão. O vinho também é pouco, mas dividido irmãmente dá para todos; que bem que sabe uma pinguita com este almoço!...
Bebi-se mais mas não há, paciência… O improvisado cozinheiro faz enormes quantidades de café. Todos enchemos os copos de alumínio e bebemos alegremente. Acaba a refeição; por fim, alguns macacos, meio domesticados, que por aqui andam, aproximam-se e reclamam a sua parte.
É assim um domingo no mato. Depois de explanar esta ideia, termino. Despeço-me com o mais ardente desejo de a todos vós abraçar brevemente, fazendo preces ao Senhor para que tenhais saúde e boa sorte.
José António Canoa Nogueira.
Soldado nº 2955/63
SPM 2058.
Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de2012 > Lápide funerária referente ao José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro militar lourinhanense a morrer em terras da Guiné, em 23/1/1965... Era sold ap mort Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66).
Os seus restos mortais estão em jazigo de família, não no novo talhão criado para os antigos comabtentes (I Guerra Mnudial e Guerra Colonial).
Fotos (e legenda) : © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Nota do editor LG:
(*) Postes anteriores da série > 26 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26957: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte I
30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965
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