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sexta-feira, 4 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26983: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte III: notícia do funeral no jornal da terra, "Alvorada" (de 23/5/1965)




Recorte de imprensa: notícia, que o Luís Graça  elaborou (tinha então  18 anos...) sobre  o funeral do sold apont morteiro José António Canoa Nogueira, de resto seu primo em 3º grau. Foi o primeiro lourinhanense a morrer,, em combate, no TO da Guiné, em Cufar, na madrugada de 23 de janeiro de 1965 (e não em Ganjola, como foi publicado  há 60 anos).

Fonte: Alvorada. (Lourinhã). 23 de maio de 1965


Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 165/167


(...) 4. Notas à margem do processo:   notícias e testemunhos


Transcrevo um testemunho acerca da morte do soldado José António Canoa Nogueira, do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (Poste P14858, de 10 de juho de 2015). O testemunho é de João Sacôto, ex-alf mil inf CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, ilha do Como e Cachil, 1964/66, que em correspondência com Luís Graça escreve:

(...) “Quanto ao teu primo José António Canoa Nogueira, natural de Lourinhã, soldado do pelotão de morteiros 942, CCAÇ 619, com sede em Catió, que tinha por alcunha o 'Bombarral' e que era muito amigo de um soldado do meu pelotão, o João Fernandes Almeida, de alcunha o 'Lourinhã', não morreu em Ganjola, mas sim, em combate, numa das operações para instalar as NT em Cufar,  da qual também fiz parte (CCAÇ 617) numa altura em que, estando a municiar um morteiro, saiu do abrigo para ir buscar granadas, foi atingido, na cabeça, por estilhaços de granada do IN. Ainda foi evacuado por helicóptero, mas infelizmente, não sobreviveu aos ferimentos”. (...)

Na verdade, este testemunho do alferes Sacôto coincide com o teor da participação do comandante de companhia (a CCAÇ 619) sobre o local e causas da morte do soldado Canoa.

Transcrevo, também, a notícia local no jornal "Alvorada" de 23/05/1965, da autoria de Luís Graça (...), aquando do funeral do soldado José António Canoa Nogueira, intitulado, “Os restos mortais de José António jazem finalmente na sua Terra Natal”:

(...) “Depois de transportados da Guiné para a metrópole a expensas dos seus companheiros de companhia que lhe votavam particular estima e amizade, os restos mortais do soldado José António Canoa Nogueira repousam finalmente no cemitério da sua Terra Natal.

O funeral, realizado no segundo domingo do corrente, constituiu uma homenagem pública à memória daquele de cuja presença e convívio a morte irremediavelmente nos separou, e um testemunho de apreço pelo sacrifício da sua vida. Nele se incorporaram, além da multidão anónima e inumerável, o senhor Presidente do Concelho, outras autoridades civis e militares e os bombeiros voluntários.

À chegada do autofúnebre militar, com a urna, os clarins dos Soldados da Paz tocaram a silêncio. E o préstito atravessou a Vila, sob uma impressionante atmosfera de recolhimento e dor.

Antes da urna ser depositada no jazigo, os Bombeiros tocaram em continência, num último adeus e derradeiro tributo de homenagem ao soldado e Jovem Lourinhanense”. (Poste P6509, de 1 de junho de 2010).

Luís Graça, no seu blogue, a propósito da notícia da morte deste soldado, escreve o seu testemunho acerca do ambiente de dor, de luto, emoção, medo e estupefação por si experienciados:

“(…) o funeral de Nogueira, 4 meses depois (em maio de 1965), foi uma impressionante manifestação de dor. Lembro-me da urna, selada, em chumbo. Dos soldados fardados e aprumados, vindos de Mafra, da Escola Prática de Infantaria. Da salva de tiros. Do luto carregado. Da emoção no ar. De uma família destroçada. De uma comunidade comovida. Dos boatos. “Se calhar o caixão vem cheio de pedras”. Da estupefação e do medo dos mancebos que estavam na lista para a tropa, como eu. Lembro-me sobretudo do silêncio do cemitério. Do calor, abrasador, do dia.” (...)

Também sobre a questão da solidariedade dos camaradas de companhia, que se cotisavam para enviar os restos mortais dos colegas para a metrópole, num tempo em que o Estado não assegurava a trasladação dos corpos, Luís Graça escreve:


(...) “Um facto desconhecido e insólito para mim, mas ao tempo revelador da grande solidariedade entre os camaradas de guerra, na época os restos mortais dos nossos soldados não eram embarcados para a Metrópole a expensas do Estado. No caso do Nogueira, foram os seus camaradas (do pelotão de morteiros e possivelmente também do batalhão) que se cotizaram para pagar, do seu bolso, o transporte via marítima da urna… (E, se calhar, a própria urna).


Creio que custava, o transporte por via marítima, qualquer coisa como 11 contos (equivalente hoje a mais de 5 mil  euros…) o que era muito dinheiro para a época. " (...)
 
 Luís Graça refere, ainda, a propósito da notícia e comentários acerca do funeral do Canoa e da publicação da sua carta endereçado ao diretor, escrita 13 dias antes de morrer (...), lembra que a Censura  escreveu ao Diretor do "Alvorada" interrogando-o acerca do motivo pelo qual o jornal não continuava a ir à censura:

“(…) não sei se foi depois disso (da notícia do funeral e dos meus comentários) que o diretor, padre António Escudeiro, recebeu um ofício do Ministério do Interior a perguntar porque é que o jornal já não ia à censura há mais de um ano. Duas linhas, secas, burocráticas, impessoais. Em baixo, ocupando mais de metade da folha, a assinatura, em letra garrafal, mas arrogante e intimidatória que eu jamais vi em toda a minha vida. (Se o fascismo alguma vez existiu na minha Terra, na nossa Terra, então essa assinatura do censor-mor, ou de alguém dos seus esbirros era fascismo, puro e duro)”. (...)

  

O jornal publicava também, a seguir à notícia, uma carta, datada de 10 de Janeiro, endereçada ao director, e que fazia parte do  espólio do malogrado José António  (o jornal não chegara a recebê-la, fora entregue ao Luís Graça pelo pai).(A carta voltará a ser transcrita no livro "Não esqueceremos"..., na pág, 119). 
 

2. Um domingo do mato | por José António Canoa Nogueira

Aqui, Ganjolá, Guiné, 10-1-1965

Mesmo no sul da Guiné, pequeno destacamento militar presta continência à Bandeira Verde-Rubra que sobre o mastro fica brilhando ao sol. E que linda que é a nossa bandeira; e é tão alegre, tão garrida, só olhá-la nos faz sentir alegria e também emoção; alegria de sermos portugueses e emoção por estarmos cá longe para a defender. Embora assim perdida no mato, a bandeira, brilhando, afirma que aqui também é Portugal.

Em volta, meia dúzia de barracas verdes, o nosso aquartelamento, a única nota de civilização nesta imensa planície. 

Muito ao longe, quase perdidas no mato e no capim, algumas palhotas indígenas; de resto, tudo é solidão. Somos soldados de Infantaria e por isso o nosso trabalho é fazer operações em qualquer parte do mato.

Aqui não há escolas e as igrejas não têm paredes; o teto é o céu. Em toda a parte se reza e tudo nos incita à oração. Deus está em toda a parte e ouve-nos.

Hoje é domingo, dia de descanso, não se trabalha, mas distracções também não há. Alguns vão à pesca ou à caça; outros, deitados debaixo das enormes árvores, dormem e pensam nas suas terras e famílias distantes, mas pertinho do coração. 

Como são diferentes aqui os divertimentos nos domingos.

Dois soldados vão todos os dias à caça; por isso, fome não há. Temos carne com abundância, mas falta tanta coisa!... 

Ei-los que chegam com tenros cabritos e gazelas e logo enorme fogueira crepita alegremente. Esfolam-se os animais e lava-se a carne; a água não falta, embora para se beber seja preciso enorme cuidado. Prepara-se um espeto para se assar a carne. Espalha-se então o cheiro da carne assada pelo pequeno acampamento. Está a refeição preparada; troncos de árvores, caixotes vazios, servem de mesa e de cadeiras.

Todos se servem. A refeição é pouco variada: apenas carne assada e pão. O vinho também é pouco, mas dividido irmãmente dá para todos; que bem que sabe uma pinguita com este almoço!...

Bebi-se mais mas não há, paciência… O improvisado cozinheiro faz enormes quantidades de café. Todos enchemos os copos de alumínio e bebemos alegremente. Acaba a refeição; por fim, alguns macacos, meio domesticados, que por aqui andam, aproximam-se e reclamam a sua parte.

É assim um domingo no mato. Depois de explanar esta ideia, termino. Despeço-me com o mais ardente desejo de a todos vós abraçar brevemente, fazendo preces ao Senhor para que tenhais saúde e boa sorte. 

Vosso amigo que respeitosamente se subscreve, todo vosso.

José António Canoa Nogueira.
Soldado nº 2955/63
SPM 2058
.

(Revisão / fixação de trexfo: LG)







Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de 2012 > Lápide funerária referente ao José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro militar lourinhanense a morrer em terras da Guiné, em 23/1/1965... Era sold ap mort Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). 

 Os seus restos mortais estão em jazigo de família, não no  talhão criado entretanto para os antigos combatentes (I Guerra Mnudial e Guerra Colonial). 

Fotos (e legenda) : © Luís Graça  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965

11 comentários:

Eduardo Estrela disse...

Os seus restos mortais estão em jazigo da família mas não a expensas da pátria pela qual lutou, a sua , onde nasceu, aquela que o ensinaram a amar e que o esqueceu e ignorou.
Abraço doloroso.
Eduardo Estrela

Anónimo disse...

Que Pátria é esta?
Vt

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Canoa Nogueira contra todas as probabilidades não ficou inumado no cemitério de Bissau... Beneficiou da solidariedade dos seus camaradas de Catió, que se cotizaram e pagaram a despesa da transladação, por via marítima, dos seus restos mortais. (Não sei pormenores, não sei se a família também contribuiu: em maio de 1965, a informação que o pai me deu, quando eu estava no jornal "Alvorada", é que tinham sido os seus camaradas de armas a pagar os custos do transporte, qualquer coisa como 10 a 12 contos, cerca de 5 a 5,5 mil euros a preços de hoje.)

Há, no cemitário de Bissau, no talhão da Liga do Combatentes, cerca de 400 camaradas nossos, mortos entre o início da guerra e meados de 1968 (já vi, aqui no blogue, lápides de agosto de 1968).

A informação é da página oficial da Presidência da República Portuguesa:

Homenagem aos Antigos Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau
18 de maio de 2021


O Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas depositou uma coroa de flores, no Cemitério Municipal de Bissau, em homenagem aos Antigos Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau.

Após a deposição da coroa de flores junto ao Monumento aos Combatentes e a Cerimónia de homenagem aos mortos, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa visitou a Capela da Liga dos Combatentes.

No cemitério de Bissau encontram-se sepultados perto de 400 militares portugueses mortos na Guiné-Bissau.


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Infoermação do assistente de IA Gemini / Google:

(...) De acordo com a documentação da época, as despesas de trasladação eram variáveis consoante o local onde o militar falecia. Por exemplo, estimava-se que:

Trasladações de Angola rondavam os 10 000$00 escudos.

Trasladações da Guiné rondavam os 7 500$00 escudos.

É importante notar que estes valores eram apenas para o transporte. As famílias também tinham de suportar outros encargos adicionais, tais como:

Caixão de chumbo: necessário para o transporte de restos mortais, especialmente em longas distâncias e dadas as condições da época.

Embalagem da urna.

Alvará de trasladação e certidão de cópia integral do registo de óbito: documentos necessários passados pela Autoridade da Província onde ocorreu o falecimento, e o transporte desses documentos até ao embarque.

Transporte da capela do Hospital Militar Principal para o cemitério de destino em Portugal.

Para contextualizar, os 10 000$00 escudos da época eram uma quantia significativa para a maioria das famílias portuguesas, representando um peso financeiro considerável, especialmente para as mais pobres. O custo de vida em Portugal era muito mais baixo do que hoje, e os salários médios eram consideravelmente inferiores.
(...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pergunta ao ChtaPGT:

No início da guerra colonial (1961) e até meados de 1968, o Estado Português não assumia o encargo da transladação dos restos mortais dos seus soldados. Ou ficavam inumados nos cemitérios locais (Angola, Guiné, Moçambique) ou eram transladados a expensas das famílias. Tens ideia de quanto importava, em escudos portugueses (a moeda anterior ao euro), a transladaçáo para a terra natal nessa época (1961/68) ?

Resposta do ChatGPT (citando várias fontes, incluindo oo nosso blogue):

No início da Guerra Colonial (1961–1967/68), o Estado português não pagava a transladação dos mortos no Ultramar. Se a família o desejasse, teria de suportar integralmente os custos do transporte da urna desde a província até à Metrópole

Quanto custava, em escudos?
1. Valor médio citado: cerca de 11 000 escudos. Segundo uma fonte especializada, cada transladação custava "média de onze mil escudos" nesta fase inicial

Um telegrama de 1962 exigia “dez contos” (10 000 escudos) como caução para iniciar o processo.

2. Estimativas por colónia (até meados da década de 1960)
Custos entre 10 a 15 contos (10 000–15 000 escudos), variando consoante a localidade (Angola, Guiné ou Moçambique)

3. Diferenças por província (antes de 1967)
Moçambique – o mais caro (≈15 000 escudos)
Angola – por volta de 10–12 000 escudos
Guiné – ligeiramente mais barato (próximo dos 10 000 escudos) (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre esta questão, consultar o livro "A Última Missão", de José de Moura Calheiros (Porto, Caminhos Romanos, 2010, 638 pp, 1ª ed.)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não quero desmentir o meu amigo e camarada João Sacôto, que estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965... Mas não me parece crível que o Canoa Nogueira ainda tenha sido levado de heli para o HM 241... Ele teve morte, quase imediata, nessa madrugada, âs 2h30: morreu 15 minutos depois de entrar no posto de socorros, segundo o relatório médico citado pelo Jaime...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Por que é que o Estado Português não se encarregava, na época, da transladação dos mortos para a sua terra natal ?

Haverá várias razões, começar pela complexidade logística (de Cufar à Lourinhá eram mais de 4 km de distância)... Sem falar nos custos financeiros... E sobretudo o receio de "alarme social"... Com 18 anos assisti ao funeral do meu primo: nunca presenciei nada parecido naquela vilória da Estremadura... Isto tinha custos políticos...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Verifico agora que a carta do Zé António que eu publiquei no jornal quinzenário "Alvorada", em 23/5/1965, tinha sido escrita na véspera (domingo, 10 de janeiro de 1965) do seu 23º aniversário... EWstava ele destacado em Ganjola, perto de Catió. 13 dias, sábado, 23, às 2h30, morria em combate na "batalha de Cufar Nalu" (que demorou 65 dias, segundo o nosso Manuel Luís Lomba).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Dos 9 lourinhanenses que morreram em Angola, 6 foi no período de 1961 a 1964...Dois foram inumados em cemitérios locais (Luanda e Gago Coutinho)...Os restantes 4 repousam na sua terra (presume-se que a transladação dos seus restos mortais tenha sido custeada pelas famílias).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na Guiné houve 1 desaparecido no Rio Tompar, no decurso de uma operação... O mesmo aconteceu com outro lourinhanense, na ilha de Moçambique (queda ao mar)...Os corpos não foram recuperados.