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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26211: S(C)em Comentários (53): O drama dos felupes, que estão a perder o seu chão e a sua identidade, afetados pelas alterações climáticas (Cherno Baldé)... E que agora perderam uma grande amiga, a antropólogia Lúcia Bayan , falecida no passado dia 26

1. A propósito do drama dos felupes, os primeiros refugiados ecológicos da Guiné-Bissau, vítimas das alterações climáticas, e da morte,  inesperada, da sua amiga portuguesa, a antropóloga Lúcia Bayan (*), vamos repescar este comentário do nosso Cherno Baldé (**):

A minha primeira visita ao Chão Felupe foi em maio de 1997, por ocasião do dia internacional dos trabalhadores, tendo feito o percurso de Bissau - Varela, passando por S. Domingos. 

Nessa ocasião constatei que, contrariamente ao que acontece no Chão Fula (Zona Leste), os Felupes e seus irmãos Baiotes, não tinham aldeias plantadas junto da estrada principal que atravessava o seu Chão,  indo de S. Domingos para Varela, preferindo ficar afastados, em zonas escondidas e de difícil acesso,  facto que, também, tinha verificado no Chão Balanta,  logo após o fim da guerra colonial e em Biombo nos anos 80 quando trabalhei como professor nesta região do litoral guineense.

A conclusão lógica a que cheguei, na altura,  é que, sendo povos indígenas de longa data,tendo sofrido várias invasões e agressões de povos conquistadores vindos do interior do continente, como nos explica o Amílcar  Cabral no livro sobre a história da Guiné e as Ilhas de Cabo-Verde (PAIGC 1974), estes povos foram obrigados, cada vez mais, a se refugiar e adaptar-se em zonas muito inóspitas e de difícil acesso como foi o caso dos Nalus que foram habitar as ilhas e zonas baixas de Cubucaré e Quitáfine, ou o caso extremo dos Bijagós que vivem no arquipélado de mesmo nome. 

No caso dos Felupes e Baiotes esta localização geográfica teria sido muito importante durante o periodo da ocupação colonial, já que lhes permitia oferecer uma notável resistência e prática da guerrilha num espaço reduzido mas semeado de obstáculos naturais.

Mas, vivendo o pais hoje num contexto de completa liberdade, onde se desenvolve pouco a pouco uma interação e concorrência apertada com as outras regiões e grupos étnicos em diferentes domínios da vida social e económica, estes povos fazem a constatação lógica e normal das dificuldades e desvantagens da sua inadequada situação habitacional, para a qual procuram encontrar uma saída razoável para viver e expandir-se como os outros povos,  seus vizinhos. 

As mudanças climáticas vêm juntar-se e complicar ainda mais esta situação que já em si era insustentável há muito tempo, pelo menos desde que a monocultura de caju se tornou no principal produto de renda e de subsistência social e económica. 

De resto, os conflitos sobre a posse da terra são extensivos ao resto do país e nos diferentes Chãos tradicionais sem deixar de lado outros problemas transversais como o género e os direitos humanos, hoje muito em voga nos países do terceiro mundo.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

2020 jan 16 12:17 (***)

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(***) Último poste da série > 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26127: S(C)em Comentários (52): General António Spínola 'versus' general Bettencourt Rodrigues (Morais da Silva, cor art ref, e 'capitão de Abril')

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26089: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (14): assim nasceram os Jagudis, nome de guerra do meu grupo de combate, na CCAÇ 3 (Barro, 1968/69)


O A. Marques Lopes e o seu guarda-costas









Os meus "Jagudis"

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em maio de 1968, o alf mil  at inf A. Marques Lopes está de regresso à Guiné para completar o resto da sua comissão de serviço, depois de nove meses no HMP, em Lisboa (*).

Em junho de 1968 está em Barro, na região do Cacheu, na fronteira com o Senegal, comandando 3º Gr Com da CCAÇ 3.  À frente do COP 4 está o major Correia de Campos.  E da CCAÇ 3, o  cap art Carlos Alberto Marques de Abreu.

Na altura, e de visita a a Barro, o gen Spínola "deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles)"... 

Vamos ver como foi feita essa "partilha" étnica, conforme a "ordem" do Spínola (**).


2. Do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), reproduzimos as pp.  496 e 500/503) (que também constam  parcialmente da sua página do Facebook, em postagem de 16 de abril de 2022).


Como nasceram os "Jagudis", o nome de guerra do meu grupo de combate, 
na CCAÇ 3 (Barro,1968/69)

por A. Marques Lopes (1944-2024)



 (...) Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:

– Quero os balantas – disse eu.

E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...

Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.

 – Mata!  – foi a reacção.

 – Não  –  disse eu.

Mas foi complicado.

Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:

–  Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...

– Não!

Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:

– 
Alfero, a gente pega.

Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira paraquedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.

Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.

Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas. (...).  (**)

(...) Gostava mais dos balantas. Eram pão pão, queijo queijo. Se gostavam, gostavam, se não gostavam, mostravam logo que não gostavam. Os fulas, está bem,  estavam abertamente com a tropa, mas as suas falinhas mansas e de submissão deixavam-me muitas interrogaçóes sobre o que estaria no interior,

Desconfianças minhas,  talvez, mas era facto que gostava mais da natural frontalidade dos balantas. No grupo de combate anterior tinha uns e outros e ficara com essa sensação. (pág. 496).

(...) A seguir houve ordem para destroçar. Disse aos meus para ficarem.  Já tinha magicado umas coisas. Havia um ou outro mais maduro  mas a maioria era  muito jovem,  tinha que lhes incutir motivação.

– Eu quero que vocês sejam o melhor grupo de combate da companhia. Que todos vos admirem e respeitem.  Vou mandar fazer uma boina camuflada e um lenço preto para cada um. Será o nosso distintivo.

Deu resultado, já sabia. Ficaram contentes e cochiraram entre eles. (....)

Vi que estavam satisfeitos e avancei com outra,

– Além disso o nosso grupo de combate tem de ter um nome paar que todos npos conheçam bem, mesmo os turras no mato quando nós aparecermos. Quem dá uma ideia ?

Fiquei a olhá-los por um momento.

–  Jagudis! – disse um deles.

– Ficam com esse nome, é ? – perguntei alto.

Ficaram. Assim nasceram os "Djagudis". Tá bem, fossem abutres. A minha intenção era ganhar a confiança e a simpatia deles. Não propriamente para fazer a guerra, porque já não acreditava nela, mas sim porque tinha que estar ali e queria ter influência sobre aquela gente que desconhecia. Já me apercebera que, no fundo, eram soldados como aqueles que tivera antes, os da metrópole. Tinham sido recrutados como estes e estavam na companhia por isso. Procurei conhecê-los um a um.

O Watna, o Sumba, o Bidinté, o Abna, o N’dafá, o Kuluté, e outros, eram normais, sem nada de especial. Mas havia uns que se distinguiam. Por exemplo:

  • o Falcão, o que avançara com o nome para o grupo de combate e que era o apontador da metralhadora ligeira; apresentava um rosto sempre com ar de dureza e usava umas botas de borracha, chovesse ou fizesse sol; tinha voz seca mas não era conflituoso;
  • o André Gomes, a quem chamavam “o professor”,  porque estudara no Liceu Honório Barreto antes de ser recrutado, que era de etnia balanta mas cristão, sempre impecável com uma camisola branca limpinha por baixo do camuflado;
  • o Blétche Intéte, aquele a quem eu dera um murro por ter abandonado o posto, pequeno de altura mas entroncado, ficara seu amigo, talvez por isso; não lhe dissera que o preterira como guarda-costas mas ele andava sempre por perto com ar protector;
  • e o Otcha, fula no meio de balantas, distinto só por isso, porque, sempre sereno e com voz calma, ia ganhando a simpatia de todos.
Mas o caso deveras singular era o de dois irmãos, o Etudja e o Moba. O Moba, apontador do morteiro 60, era um matulão com cerca de um metro e oitenta e o Etudja não devia ter mais que um metro e sessenta e cinco. Além disso, este era mais novo, um rapazinho meigo e de boas falas enquanto o Moba era um brutamontes sempre sério e pouco atreito a amizades.

Achara tanta piada a esta situação que tentei tirar-lhes uma fotografia em conjunto mas o Moba não deixou. Disse que o Diancong, uma espécie de entidade dos animistas balantas, não permitia porque ele era Ngahy, uma categoria social deles, e o Etudja era Fuur, outra categoria social entre os 17 e os 20 anos., podia fazer com que ele não arranjasse mulher.

Não entendi bem, tal como me custara antes a entender muitas coisas e costumes daquela gente da Guiné. O Moba também não explicou, porque não tinha explicação, era só crença.

Encarreguei o André Gomes de dar aulas de português aos que quisessem, não obriguei ninguém. Nunca foram muitos os alunos porque aquilo era voluntário e a maior parte estava-se borrifando para o português.

O Blétche, se bem que já soubesse o que queria dizer “um murro no focinho”, foi um dos que quis ir, talvez por, tendo sido antes guarda-costas do Rodolfo, ter visto que era bom saber mais português.

Assisti algumas vezes às aulas e fora interessante ver “o professor” explicar palavras em português ao Otcha. Como o André era balanta e não sabia fula, a base da explicação tinha de ser em crioulo.

Com este contacto os três até se tornaram bons amigos. Mas esta amizade teve outra razão mais profunda. É que eu, informalmente mas na prática, tornei os três meus adjuntos. O Otcha por ser o meu guarda-costas, é claro, o André por ser ponderado e ter influência sobre os outros e o Blétche porque, desde o episódio do murro, se tornara um fiel admirador meu.

Mas houve também outro factor de peso nesta escolha. Na primeira noite que saíra com eles para uma emboscada num dos carreiros de infiltração, ficara admirado por vê-los todos a ir munidos de cantil. Não ia ser preciso assim tanta água, mas tava bem, não liguei.

Ao fim de uma hora depois de se instalarem fui dar uma vista de olhos pelos locais onde estavam distribuídos. Espanto. Grande parte deles estava a dormir e os que não dormiam estavam quase bêbedos. Vi logo que o que tinham levado nos cantis era aguardente de cana.

Só o Otcha não, estava ao pé de mim, além de que era fula e não bebia. O André também não, estava atento, só bebia às vezes e pouco, não era por hábito. O Blétche estava bem desperto. Sabia que bebia, mas ele mostrou-me que não tinha levado aguardente de cana. Mas os outros estavam todos mais ou menos apanhados pela cana. Dei um raspanete aos furriéis e ficou assente que, de futuro, ninguém saía à noite com o cantil.

E foi assim em todas as noites que saímos aos corredores para emboscadas (pp. 500/503)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)

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Notas do editor:




domingo, 20 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26062: Humor de caserna (78): o velho, a "bajuda fugidona" e a justiça salomónica do alferes Mota (Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71)


Guiné > Região do Oio > Carta de Bula  (1953) > Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Manga... e ainda Bula, Binar,  Choquemone (a vermelho, base do PAIGC), Nhamate, Changue, Unche, Ponta Cuboi  e João Landim...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Carlos Fortunato, em Bissau, 2006.   
Foto: Arquivo do Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné

Humor de caserna > o velho, a "bajuda fugidona" e a justiça salomónica do alferes Mota  
A construção dos aldeamentos e aquartelamentos que realizámos, acabou por nos trazer outro tipo de problemas, além dos de índole militar, pois à falta de outra autoridade ou apoio, a população recorria aos militares pedindo ajuda.  Assim além de sermos os construtores de aldeias e aquartelamentos, éramos muitas vezes professores nas escolas primárias, médicos, policias, juízes, etc.

Um dos casos caricatos passou-se com o alferes Matos sedeado em Manga, quando lhe apareceu um velhote a pedir ajuda porque tinha comprado uma bajuda, e ela agora andava a fugir-lhe, mas tinha-a encontrado ali, e ela recusava-se a voltar com ele.

O velhote falava convicto de que os militares o iriam ajudar, pois isso fazia parte dos seus usos e costumes há muitos anos, e nem sequer imaginava que houvesse outros lugares em que as coisas não fossem assim.

Uma visita à tabanca onde estava a bajuda, confirmou a decisão desta em não regressar com o "marido" para o "harém".


Guiné > Região do Oio > Binar >
Manga > 1970 > A bajuda balanta

O alferes Matos tomou então uma decisão ao estilo de Salomão, que tinha dado uma espada a duas mulheres para cortarem ao meio um bebé, pois ambas diziam ser seu, e que acabou por dá-lo à que preferiu que a outra ficasse com ele a fazer tal coisa... 

Assim deu uma catana ao velhote, e disse-lhe que podia levar a bajuda, depois de cortar uma enorme árvore que ali existia com aquela catana.

O velhote ainda experimentou tentar cortar a árvore, mas logo se convenceu que os anos de vida que tinha não eram suficientes para a obra, e foi-se embora a resmungar contra a tropa, perante a alegria da bajuda.


Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fonte: Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Binar > 1970 > A bajuda fugidona
[ página que foi descontinuada, por estar alojada no "Sapo", tendo sido "capturada" e "salva" pelo Arquivo.pt; era administrada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 2591 / CCAÇ 13 (Bissorã, 1969/71). Texto publicado originalmente
publicado em 15/04/2006, e revisto em 21/07/2006 por Carlos Fortunato. ]

(Seleção, revisão/ foxação de texto, título: LG)

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quarta-feira, 17 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25753: Para a história do Pel Caç Nat 57 (Mansoa, Bindoro, Mansabá, Cutia, 1967/74) - Parte I: O seu primeiro comandante, o ex-alf mil Fernando Paiva, hoje produtor de vinho verde biológico, na Quinta da Palmirinha



Fernando Paiva, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 57 (Mansoa e Bindoro, abr 67 / jul 68). É hoje produtor de vinho verde, biológico, na Quinta da Palmirinha, Lixa, Felgueiras. 



1. Sobre o Pel Caç Nat 57 só temos 5 referências no nosso blogue... É difícil, pois, acompanhar a sua evolução desde a sua criação, em abril de 1967 até à sua extinção em agosto de 1974. 

Um dos poucos tesemunhos que temos é  de um dos seus fundadores, e primeiro comandante, o ex-alf mil Fernando Paiva, que. na Lixa, Felgueiras,  se e dedica à agricultura "biodinâmica" (...), "sobretudo à produção de vinhos certificados pela Demeter, a mais importante certificadora mundial ao nível de agricultura biodinâmica".

Contactos: Quinta da Palmirinha | Lixa, Felgueiras |Email: sumbi@sapo.pt | Telem: 351 962 785 717 | Página do Facebook: Quinta da Palmirinha

(...) Fui, em rendição individual, para criar o Pel Caç Nat 57, em Mansoa. A pá e pica, construímos o destacamento de Bindoro, onde permaneci, até julho de 68, quando fui transferido para Bolama.

Vivi, diariamente, quase ombro a ombro, com aqueles fantásticos Balantas, gente muito boa e corajosa, que aprendeu, às suas custas, a melhor maneira de coexistir com a tropa e o PAIGC, num “jogo de cintura” que eu julgo ser muito comum, em períodos de guerra civil, como foi aquele em que se viveu, na Guiné.

Gostava de ter alguma informação, quer da gente do Bindoro, quer dos militares, de cá e de lá, com quem partilhei alguns dos momentos mais emocionantes da minha vida. (...)

Apesar do convite que mandei ao Fernando Paiva, por eil e pessoalmnet, ao telefone, ele nunca quis juntar.se à nossa Tabanca Grande.


2. Pelo Carlos Vinhal sabemos que o  Pel Caç Nat 57:

(i)  foi para Mansabá em fevereiro de 1970, ficando adido à CCAÇ 2403;

(ii) a partir de abril de 1970 ficou adido à CART 2732 até maio de 1971;

(iii) nessa altura em que foi deslocado para o destacamento de Cutia, ficou  desde então adido ao Batalhão de Mansoa, o BCAÇ 3832.

3. Pelos livros da CECA sobre a atividade operacional no CTIG (a partir de 1967), sabemos que o Pel Caç 
[Nat]  57 estava:

(i) em Bindoro, em 1/7/1967 (e o Pel Caç  [Nat] 54, em Porto Gole);

(ii) idem em 13/7/1968;

(iii) em Mansabá, em 1/7/1970, tal como a CART 2732;

(iv) em Cutia, em 1/7/1971, junbtamente cm o Pel Caç  [Nat] 61;

(v) ambas as subunidades participaram juntamente com outras forças,nas operações "Empresa Titânica" (entre 27fev a 1mar73); e "Gente Valorosa" (entre 5 e 7mar73);

 (vi)  a 3mai73, pelas 9h30, os Pel Caç 57 e 61, em acção de patrulhamento conjugado com montagem de emboscada nas regiões de Cutia-Momboncó (Norte
de Mansoa), Secor 04, contactaram com um grupo inimigo ao qual provocaram 2
mortos . (Foi-lhes apreendido 1 metralhadora ligeira "Degtyarev", 1 espingarda
"Mosin-Nagant" e material diverso.);
 
(vii) em 21mai73, na região de Mamboncó (itinerário Mansabá-Mansoa), SEctor 04, 2 GComb/ CArt 3567 numa missão de escolta a coluna auto, foram emboscados por um
grupo inimigo que causou às NT 4 mortos, 9 feridos graves, 6 feridos ligeiros
e danos em 3 viaturas; na mesma região, o Pel Caç 57 (Cutia) que saiu em socorro foi também
emboscado e sofreu I ferido grave; o inimigo sofreu 2 mortos não confirmados; foi capturada 1 ranada de RPG-2 e 1 de RPG-7.

(viii) a 17jul73,  pelas 14h30, na região de Momboncó (estrada Mansoa-Mansabá),
Sector 04, quando o Pel Caç 57 executava um patrulhamento no referido itinerário, foi emboscado por um grupo inimigo que armadilhara previamente as duas margens da estrada na zona da emboscada; as NT sofreram 3 mortos, 4 feridos graves e 2 ligeiros; foram extraviadas 6 espingardas automáticas G-3, 1 viatura destruída e 2 danificadas; as NT levantaram, no local, 4 minas antipessoal.

(ix) em 1/7/1973, o Pel Caç 57 estava em Cutia, juntamente com o Pel Caç 61  ( a CCAÇ 15 em Mansoa; e o Pel Caç 58 em Infandre).

(Nos livros da CECA não se usa a designação Pel Caç Nat mas apenas Pel Caç)

Guiné 61/74 - P25751: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XVII: Tabanca e destacamento de Infandre


Foto nº 1 > O capelão e a pequena gazela (1)


Foto nº 2 > O capelão e a pequena gazela (2)


Foto nº  3> O capelão e a pequena gazela (3)

Foto nº 4 > A "psicossocial": um 1º cabo da CCÇ 2589 ajudando uma mulher a pilar (o arroz)


Foto nº 5 > Um balanta construindo uma tulha de barro para guardar os cereais (e em especial o arroz)

Foto nº 6 >   O "casino"...


Foto nº 7 >  Dois unimog  404 (1)


Foto nº 7A >  Dois unimog  404 (2)


Foto nº 7 > Coluna Infandre - Braia, de manhã cedo, e no tempo da chuva


Foto nº 8A> Coluna Infandre - Braia: aspeto da segurança (a cargo, presunivelmente, do Pel Caç Nat 58... Emprimeiro plano, do lado esquerdo, o tubo do morteiro 60.



Foto nº 9 >  Infandre, de manhã e na estação das chuvas: foto tirada do "tanque" (fonte ?)

Guiné > Zona Oeste > Sector o4 (Mansoa) > Infandre > CCAÇ 2589 (Mansoa, Infandre, Braia e Cutia, 1969/71) + Pel Caça Nta 58 > Fotos do álbum do Padre José Torres Neves. 


Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuamos a publicar fotos do álbum da Guiné  do nosso camarada José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (*)... 

Membro da nossa Tabanca Grande, nº 859, desde 2 de março de 2022, é missionário da Consolata, temdo sido  um dos 113 padres católicos que prestaram serviço no TO da Guiné como capelães. No seu caso, desde o dia 7 de maio de 1969 a 3 de março de 1971. 

Quanto ao BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (divisa: "Nós Somos Capazes"), tinha como subunidades de quadrícula: 

  • CCAÇ 2587 (Mansoa, Uaque, Rossum e Bindoro, Jugudul, Porto Gole e Bissá);
  • CCAÇ 2588 (Mansoa, Jugudul, Uaque, Rossum e Bindoro);
  • CCAÇ 2589 (Mansoa, Infandre, Braia e Cutia).
Destacado em Infandre estava também o Pel Caç Nat 58. (Sobre Infrandre temos 24 referênciad.)

O nosso camarada e amigo Ernestino Caniço (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fez 1971, hoje médico, a residir em Tomar) fez amizade com o Zé Neves. E este confiou-lhe o seu álbum fotográfico da Guiné, que temos vindo a publicar desde março de 2022. São cerca de duas centenas de imagens, provenientes dos seus "slides", digitalizados.

Temos vindo a publicar fotos das suas visitas como capelão aos diversos aquartelamentos e destacamentos do Sector Oeste, O4 e outros: Mansoa, Bindoro, Bissá, Braia, Infandre,Cutia, Encheia, Dugal, Enxalé...

De  Infandre, o Ernestino Caniço mandou-nos, com data de 30 de junho último, mais umas tantas fotos que pubicamos, devidamente editadas e, tanto quanto possível, com legendas. Ainda tem lá mais dez...  Obrigado a ambos. Saúde e longa vida ao padre José Torres Neves. 

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25460: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XVI: Infandre, de trágica memória

sábado, 6 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25344: Reordenamentos Populacionais (4): Uma perspetiva mais "securitária", no final do mandato de Arnaldo Schulz: em março e abril de 1968, foram deslocadas e reagrupadas cerca de 3 mil pessoas do "chão balanta"

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá  > Geba > CART 1690 (1967/69) >  Cartazes da propaganda das NT, s/d. Imagem da coleção do Alfredo Reis, ex-alf mil, hoje  veterinário, reformado, vivendo em Santarém.  Nesta imagem, retrata-se o com-chefe e governador-geral gen Arnaldo Schulz (o militar em primeiro plano, do lado esquerdo, ladeado pelo comandante militar, que era brigadeiro). A "nova tabanca" , reordenada, ainda tem casas com cobertura de colmo...

Foto: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Zona Oeste > Região do Óio > Sector 03(A) (Mansoa) > Porto Gole > Fevereiro de 1967 >  À despedida: em segundo plano, o  gen Arnaldo Schulz ao lado do piloto do helicóptero;  no banco de trás, duas caixas de cerveja, Sagres e Cristal; em primeiro plano, à esquerda, um cabo especialista da FAP e, à direita, o fur mil Viegas, do Pel Caç Nat 54,  com camuflado paraquedista trocado com um camarada numa operação no Morés em outubro de 1966.

Foto (e legenda) : © José António Viegas (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Já aqui dissemos que nos 3 livros da CECA (Comissão para o  Estudo da Campanhas de África), sobre a atividade operacional no CTIG (de 1963 a 1974), não há qualquer referência a reordenamentos no primeiro (que vai até ao final de 1966, ou seja até meados do mandato do gen Arnaldo Schulz, como Com-Chefe e Governador do território) (*). 

É já só no final do mandato (1.º semestre de 1968), que aparecem as primeiras referências a reordenanentos, mas sempre associados a deslocamentos de populações, realojamentos, controlo, segurança, autodefesa... Ainda não é suficientemente explícito o binómio reordenamento populacional/desenvolvimento socioeconómico (que é uma marca spinolista). 

 Já no  livro 2 (1967-1970) há  cerca de 70 referências ao descritor "reordenamentos". No 3º (último) livro da CECA sobre a atividade operacional na Guiné (1971/74) são 63 as referências.

O brig Spínola assumirá funções, como Com-Chefe e Governador da Guinél, em 24 de maio de 1968, e logo em 3 de junho, na sequência de uma reunião no QG/CTIG, é publicada a Directiva n.° 2/68, que "ordena o estudo imediato da remodelação do dispositivo na área de Aldeia Formosa por forma a obter o rápido reordenamento e instalação das tabancas em autodefesa, respeitando o princípio da concentração de meios", a ser concretizada "antes da época das chuvas".

Em 30 de setembro, sai outra importante diretiva,   Directiva n.º 43/68 ("Porque o reordenamento das populações e a sequente organização das tabancas em autodefesa é um problema complexo e que requer técnica especializada, é determinado o seu estudo num dos departamentos do Gabinete Militar do Comando-Chefe "(...). E em 16 de outubro, a Directiva n.° 49/68 (Relações da Divisão de Organização e Defesa das Populações  com o CTIG e Autoridades Administrativas).

 No essencial, a doutrina do novo Com-chefe sobre sobre o assunto ("Reordenamento das populações e organização da autodefesa") é definida nesta época (1968/70).

Nesse 2.º semestre de 1968 saem dezenas de diretivas Directivas do Comandante-Chefe. Eis algumas das mais relevantes, por tema e número:

- Dispositivo (zona sul): números 1 a 6, 9, 10, 14, 15 e 40

- Defesa de Bissau - números 8, 16 e 21

- Operações - números 24, 25 e 35

- Contrapenetração: números 7, 22, 26 a 29, 32, 37, 52 e 54

- Remodelação do dispositivo: números 17, 20, 36, 42, 51 e 56

- Defesa das populações e autodefesa: números 39, 41, 43, 47 e 53

- Assuntos diversos: números 30, 45, 48, 57 a 59

- Reordenamento e defesa das populações: números 43 e 49

- Operações Psicológicas: "Alfa" e número 60


II. Nos últimos meses do mandato de Schulz, ainda em época seca (março e abril de 1968),  parece ter havido um incremento das deslocações e realojamentos de populações sobre controlo do IN ou sob duplo controlo, nomeadamente no "chão balanta", no Sector Oeste 3(A), Mansoa, e Sector Oeste 01, Bula.

Terão sido da ordem das 3 mil as pessoas deslocadas e regrupadas nos primeiros reordenamentos em construção na Zona Oeste (Enxalé, Bissá, Infandre, Braia, Rossum, Bindoro, Biambe).

Aqui fica um excerto do livro 2 da CECA (pág. 160): 

(...) "Para controlo e segurança das populações, estas foram reordenadas, segundo missões atribuídas aos Comandos de Sector.

Especialmente nos meses de março e abril de 1968, foram efectuadas operações para instalar as populações em reordenamentos. Em NEP, foram dadas instruções para que se organizassem as tabancas em autodefesa.

Com a finalidade de garantir a segurança das populações nos deslocamentos para núcleos reordenados, as NT executaram as operações:

  • "Fruta de Outono" (10 e 11Mar), na região de Calicunda, Sector 03(A), 247 elementos da população para Enxalé.
  • "Fruta de Outono II" (13 a 19Mar), na região de Calicunda, Sector 03(A), população das tabancas da área para Porto Gole e de Seé e Funcor (60 elementos) para Bissá.
  • "Baloiço Nocturno" (26Mar), recolhida a população (224) de Ponta de S. Vicente, Sector 01.
  •  "Espenda" (29Mar), recolhidos 14 elementos da população de Cã Cumba, Sector 03.
  •  "Uvas Douradas" (10 a 12Abr), das tabancas de Uanquelim, Claqueiala, Inquida e Nhaé, Secto 03(A) foram deslocadas para local de reordenamento 510 elementos da população.
  • "Mudança Volumosa" (15 a 18Abr), das tabancas de Nimane, Enchanque, Encorne, Contubó e Nhenque, Sector 03(A), foram evacuados 150 elementos da população para Infandre e Braia.
  •  "Romã Amarga" (22 a 24Abr), 500 elementos da população de Ansonhe, Sector 03(A), foram deslocados para o núcleo reordenado de Bissá.
  • "Mudança a Varrer" (22 a 24Abr), da região entre Polibaque e Bindoro, Sector 03(A), foram evacuados 330 elementos da população para Bindoro.
  •  "Ananás ao Jantar" (26 a 29Abr), das regiões de Enchugal e Bissorã para Rossum, Sector 03(A), foram evacuados 600 elementos da população.
  •  "Grande Pera" (29 e 30Abr), a população de Gambia e Birribaque, Sector 03(A), recolhida para Rossum.
  •  "Barrar" (24Abr), retirados da região de Claque, Sector 01, 190 elementos da população para Biambe. "(...)

III. A preocupação era então predominantemente "securirária", a avaliar pelo teor da Nota n° 2310,  de 29 de abril de 1968,  da 3ª Rep/QG/CTIG), que se reproduz  a seguir (Anexo nº 2,  Capítulo II - Ano de 1968)

Cap II - Ano de 1968 / Anexo n° 2 - Autodefesa das Populações

"Sobre o assunto acima referido encarrega-me Sua Ex", o Brigadeiro Comandante Militar de transmitir a V. Ex". o seguinte:

1. Ao lN é indispensável o apoio da população na obtenção de alimentos e informações e no recrutamento de novos combatentes.

Torna-se assim necessário e urgente isolar o lN das populações, continuando activa e persistentemente os trabalhos de reordenamento das populações da Guiné, já encetados por algumas unidades.

Antecipemo-nos em relação às populações que não colaboram com o lN. Disputemos-lhe as populações sob duplo controlo. Retiremos-lhe as que vivem sob o seu controlo.

2. O reordenamento pode fazer-se por agrupamento ou por dispersão. O agrupamento facilita o controle das populações duvidosas ou anteriormente afectas ao ln, mas tem como limite a capacidade de protecção das guarnições militares e as possibilidades de exploração local dos meios de vida.

A dispersão das populações fiéis facilita a cobertura do território com uma malha de tabancas capazes de detectarem a presença e os movimentos do ln, mas tem como limite a capacidade deautodefesa dessas tabancas.

Os Srs. Comandantes ajuizarão para cada caso a solução local mais conveniente, considerando aqueles limites, o grau de confiança das populações e a conveniência de reduzir as suas transferências.

3. O reordenamento das populações tem como finalidade o controlo e a segurança das mesmas.

O controlo obtém-se pelo enquadramento das populações pelas autoridades locais, militares, administrativas e policiais. Estas autoridades coordenam a sua acção nos problemas de influência recíproca através do CADMIL (Conselho Administrativo Militar).

Aquele enquadramento é reforçado e completado até aos maisn pequenos núcleos populacionais pelas autoridades gentílicas (régulos, chefes de povo, de tabanca e de morança).

As autoridades gentílicas devem ser escolhidas respeitando embora as tradições indígenas mas atendendo sobretudo ao seu prestígio, capacidade de chefia e lealdade à causa nacional.

Além do recenseamento, o controlo exerce-se sobre as actividades da população, os abastecimentos, os meios de transmissão e de informação, o armamento, etc.

Os Srs Comandantes promoverão que sejam adoptadas, em colaboração directa com as AA ou através do CADMIL, todas as medidas necessárias ao cerrado controle das populações.

4. O reordenamento tem de completar-se com a segurança das populações. Só a população defendida pode resistir às acções de intimidação e de força do lN. Não é possível, porém, destacar tropas para a protecção de todas as tabancas, nem concentrar todas as populações junto das guarnições existentes. Daí a necessidade de organizar em autodefesa as tabancas afastadas das guarnições militares.

5. Para sobreviverem, as tabancas têm de possuir a capacidade de resistência suficiente até ao seu socorro pelas NT ou por grupos móveis de tabancas vizinhas.

Para tanto, convém que estejam localizadas em zonas com condições de defesa, junto de um itinerário de socorro, picado e vigiado pela própria população, e que a sua organização do terreno e o seu armamento sejam tanto mais fortes quanto mais demorada for a chegada das forças do socorro.

Apesar disso, para uma resistência eficaz, não é indispensável que a autodefesa tenha armas idênticas às do lN (mort, mp, lgfog, etc.). A defesa usa-se para economizar meios e, por mais armas que tenhamos, o lN pode sempre reunir mais porque escolhe a tabanca e o momento de a atacar.

Contra os fogos lN, incluindo os de mort e lgfog, basta construir um espaldão à volta da tabanca e abrigos protegidos para o pessoal da defesa e população não válida.

Contra o assalto lN, é necessária uma cintura de rede de arame farpado com avisadores sonoros (garrafas e latas com pedras), batida eficazmente de posições de tiro de espingarda bem distribuida a toda à volta, granadas de mão e alguns dilagramas.

Contra a surpresa, uma vigilância permanente, noite e dia, com as sentinelas suficientes e a população laborando protegida pelos nhomens válidos com as armas à mão.

Contra a reunião de meios lN, há que responder com o socorro oportuno pelas NT ou por grupos móveis das tabancas vizinhas. Com efeito, quando o número de elementos válidos o permitir, poderá constituir-se, com o excedente da autodefesa, grupos móveis, de reacção ou de socorro, que procurarão envolver e cortar a retirada ao ln.

6. Tal como para o reordenamento, as populações têm de ser micialmente compelidas e depois insistentemente mentalizadas para a organização em autodefesa, até à sua adesão voluntária e colaborante pelo reconhecimento da eficácia do sistema, aliviando-se então progressiva e gradualmente a protecção directa pelas NT. Compelir, fazer e demonstrar depois.

7. Uma acção social bem orientada pode facilitar extraordinariamente o trabalho de mentalização das populações para a autodefesa, ganhando a sua confiança e tomando-as receptivas e colaborantes.

Assim, as tabancas em organização ou já organizadas em autodefesa devem ter a prioridade na assistência sanitária, educativa e económica a prestar pelas NT.

8. A autodefesa tem de acompanhar o reordenamento e começar desde já pelas populações mais colaborantes.

Para o efeito, cada Companhia poderá destacar uma força para junto de uma das tabancas fiéis e já reordenadas a fim de:

  • seleccionar o pessoal válido para a defesa;
  • distribuir armas e instruí-lo no tiro e na conduta da defesa;
  • de entre os mais aptos e de maior confiança, seleccionar os chefes de grupo e o responsável geral da defesa;
  • definir claramente as responsabilidades de cada um;
  • estimular a colaboração de todos e o prestígio dos elementos activos da defesa, em particular dos chefes com atribuição de poderes especiais, de armas melhores, etc.
  • instituir um sistema eficaz e, se possível secreto, de aviso e socorro;
  • mentalizar a população para a autodefesa e prestar-lhe toda a assistência sanitária, educativa e económica possível;
  • obrigar toda a população, com aptidões para tal, a participar nos trabalhos de organização do terreno, repartindo contudo as tarefas por forma a não afectar sensivelmente as suas condições de vida;
  • treinar com toda a população, até completa eficiência e automatismo, as medidas de vigilância, de alarme e de defesa.

A operação será depois repetida até à organização em autodefesa de todas as tabancas reordenadas.

9. Só às populações de confiança ou psicologicamente recuperadas se pode distribuir armas e munições sem o risco das mesmas serem entregues ao ln.

A protecção das populações duvidosas tem de ser feita pela guarnição militar mais próxima.

Em caso algum, as populações serão incluídas no perímetro defensivo das unidades. Poderão quanto muito, ser incluídas no seu perímetro exterior de vigilância, garantidos os campos de tiro do reduto da defesa e a saída fácil das forças de reacção.

10. Os Srs. Comandantes informarão o QG das tabancas em trabalhos de autodefesa, com a organização concluída e dos resultados obtidos.

11. A presente Circular adita as NEP-OP/CAP IV-l da 3a Rep/QG.

(Nota n° 2310 de 29 de Abril de 1968 da 3a Rep/QG/CTIG) (CECA; 2015, pp 260/263)

Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 2 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014, 604 pp.)

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25341: Reordenamentos Populacionais (3): Na construção de casas usa-se, como vigas, as rachas de palmeira (de cibe, mas também de dendém) (Cherno Baldé, Bissau)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24951: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte IX: A sorte naquele dia esteve do nosso lado

 

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > c. 1966 > Mulheres do mato, oirundas dos arredores de Bedanda, muito provavelmente Cobumba, na altura sob controlo do PAIGX. Ao centro está o alferes Oliveira, da 4ª CCAÇ. 

Fonte: livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67]

 
1. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).

O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, por volta de 2013 ou 2014.




Parte IX -   A sorte esteve do nosso lado naquele dia


(...) Certo dia um grupo de elementos da nossa companhia foi a Cufar, como acontecia algumas vezes, tendo usado o nosso sintex.

 Nesse dia eu estava de serviço de condutor, ao fim da tarde fui com a viatura e mais três ou quatro camaradas para o cais, junto ao rio Cumbijã, onde estivemos durante algum tempo à espera que eles chegassem para os trazer de volta ao destacamento.

Enquanto esperávamos, os Fiat iam bombardeando não muito longe de nós. Naquele tempo, ao contrário do que acontecia antes dos Strela por lá terem chegado, altura a que eles faziam os bombardeamentos era bastante mais afastada do solo o que nos permitia vê-los. 

Durante o tempo que lá estivemos à espera, a conversa não parou, durante a qual alguém afirmou que a "Maria Turra" tinha dito que breve nos iam atacar. Era coisa tão normal ela dizer isso,  que nós não demos importância, dizia muitas coisas que não eram verdade. 

Quando em Mansambo fomos atacados, a primeira e única vez enquanto lá estivemos, no outro dia ela apareceu na rádio a dizer que nos tinham feito grandes estragos, entre os quais a destruição de um abrigo, o que era mentira, dentro do destacamento, nesse dia, apenas caíram duas granadas.

Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda, Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)



Entretanto os Fiat terminaram o seu trabalho e foram embora. Passados poucos minutos de terem partido começamos a ouvir alguns rebentamentos, e a nossa primeira reação foi pensar que eles tivessem voltado, pensamento que durou apenas breves instantes, rapidamente nos apercebemos que afinal éramos nós que estávamos a ser atacados. Ataque continuado e diversificado no armamento por eles utilizado, tendo sido o que demorou mais tempo dos vários com que fomos flagelados enquanto por lá permanecemos. 

A sorte naquele dia esteve do nosso lado, mas o susto motivado pela impotência com que nós fomos confrontados junto ao rio, foi terrível, nada podíamos fazer. 

Com uma das armas utilizada, o morteiro 82, eles conseguiram colocar uma granada de cada lado da picada com uma distância de cerca de quarenta ou cinquenta metros, uma da outra, desde o início das primeiras tabancas até a poucas dezenas de metros do local onde nós nos encontrávamos, que era a uma distância de cerca de quinhentos metros. 

Restava-nos ir para dentro do rio, naquela altura com a maré muito baixa. Foi o que fizemos, recordo-me de com as mãos tirar o lodo para os lados e me ter deitado nesse espaço, um disparate mas naquele momento tudo nos ocorria ao pensamento.

O armamento por eles utilizado estava distribuído por quatro locais: 

  • os RPG 7, um do lado de Pericuto, outro do lado oposto, início da mata de Cabolol; 
  • o canhão s/r deles, era daqueles que quando se ouvia a saída, a granada já estava a cair; 
  • o morteiro 82, dada a precisão com que eles colocaram as granadas junto à picada, só podia estar na direção da mesma, penso eu.

 Porque a sorte esteve do nosso lado, apenas tivemos um ferido leve, o apontador de um dos nossos canhões sem recúo, o que fez com que ele tivesse feito apenas um disparo.



Crachá do BART 3873 (Bambadinca, 197274). Divisa: "Na Guerra Construindo a Paz.



Passados largos minutos passamos a contar com a ajuda dos obuses de Catió

Se os camaradas que tinham ido a Cufar, têm chegado alguns minutos antes, tudo nos podia ter acontecido, dado o trajeto que nós tínhamos de fazer para regressar ao destacamento, atendendo à precisão com que eles colocaram as granadas junto à picada.

Quando os camaradas chegaram no Sintex, junto de nós, o ataque já tinha terminado, ainda bem que eles demoraram, assim safamo-nos de ter vivido aquela situação na picada no regresso… onde não havia sítios para nos abrigar, se tal fosse necessário.

Entre a população houve uma vítima mortal, uma senhora. No outro dia efetuaram o seu funeral, tendo sido enterrada junto à tabanca onde morava. Nesse dia apareceram por ali algumas pessoas vindas de outros locais. 

Ao fim do dia havia alguns com pedaços daquilo que nos parecia ser carne de porco, não chamuscado, gostava de saber se seria alguma tradição. Haverá alguém que saiba? (...)  (**)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)

2. Comentário do editor:

Embora tardiamente, aqui vai a resposta à pergunta que o nosso camarada Ferreira nos colocou (em comentarioa um poste que ora não identifico)... 

Mesmo em contexto de guerra, o enterro da senhora que morreu em Cobumba, seguramente de etnia balanta, nesse ataque do PAIGC (portanto, vítima do "fogo amigo") (***), tem de ser entendido no quadro da cultura da sua etnia, e do indispensável "choro" (o mesmo é dizer o velório e o enterro) .. 

Aqui vai um excerto do artigo "Toca Tchur, uma celebração da vida", de Jamila Pereira (Bantumen, 17 de abrilde 2023) (com a devida vénia...)

(...) Tomemos, por exemplo, as etnias Balanta e Pepel na Guiné-Bissau, duas tribos com actos fúnebres similares mas, no entanto, distintos. (...)

Para ambas as tribos, sendo animistas, a compreensão de que o curso da vida é cíclico e não linear, como uma experiência contínua, permite que a morte seja percebida como um deslocamento para outro espaço habitacional. Consequentemente, existe a noção de que o “enterro perfeito” garante que o espírito do antepassado não fique entre os vivos para assombrá-los ou controlá-los, mas sim para protegê-los enquanto descansa pacificamente. Destacando então a narrativa de que aqueles que estão no reino dos mortos possuem poderes sobrenaturais, podendo amaldiçoar, curar ou abençoar e tirar ou dar vida. Entretanto, a pessoa também pode reencarnar em várias pessoas, como renascidos, ou habitar o mundo espiritual através da sua forma terrena como antepassados, posição muito valorizada nas crenças Africanas. Tornar-se um antepassado é, portanto, uma meta valiosa para muitos. 

E não enterrar o corpo “adequadamente” implica a possibilidade de a pessoa tornar-se num espírito vagante, incapaz de prosseguir convenientemente após a morte, constituindo um prejuízo para os que ainda estão vivos. Aliás, após uma morte, geralmente são procuradas respostas divinas para atribuir uma causa ao ocorrido: inveja, bruxaria, ofensa aos antepassados ou aos deuses. Então, aqueles que podem ter sido rotulados de indignos ou feiticeiros, indivíduos que morreram “muito cedo” ou não levaram uma vida “significativa” e “honrada”, talvez lhes seja recusado um “enterro perfeito” também, negando-lhes assim que se tornem antepassados.

Após um falecimento, família e amigos reúnem-se para celebrar a vida do indivíduo, denominado Toca Tchur, nome comum entre todas as etnias. Na etnia Balanta, caso seja um homem que tenha cumprido o fanado (conhecido por circuncisão), é lavado pelos anciãos e enrolado num fundinho, um tecido tradicional. Os vizinhos são então informados da morte através dum bombolom (tambor grande). No entanto, se o falecido for alguém mais jovem, por exemplo, como mencionado previamente, a celebração não ocorreria, pois a sua morte seria considerada ultrajante ou talvez uma maldição.

Eventualmente, após a mensagem ser enviada, o falecido será coberto mais adiante por mais panos doados por entes queridos como vizinhos, família e amigos. Ao longo da cerimónia os anciãos, em conjunto, retiram então os tecidos e entregam-nos à família para que os guardem carinhosamente depois de serem lavados, sendo assim uma lembrança permanente. Além disso, caso a família não possa cobrir o montante duma caixa (caixão) para o enterro, eles podem enterrá-lo numa esteira de palha. Assim têm a possibilidade de finalizar a primeira parte da cerimónia, depois de atravessarem por cima do porco sacrificado, abençoando o animal e a futura alimentação dos participantes.

Do álcool à fartura de comida, a celebração evidencia o orgulho que as pessoas carregam por estarem presentes e como vêem como uma bênção o poder duma vida plena e encerrada pela velhice. A celebração tem um impacto significativo no bem-estar dos entes queridos, mesmo que já tenham aceite o falecimento em questão. 

Ao longo do Toca Tchur, também são utilizados um bombolom e um tambor para que se estabeleça a comunicação com o espírito, conduzindo-o diretamente ao mundo dos mortos. Para finalizar a cerimónia, danças e rituais são feitos com os símbolos dos povos ganha pão, dependendo de cada profissão. E a maioria das cerimónias são realizadas entre abril e junho, pois representa a época de colheitas. (...)
____________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 10 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22361: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (15): A religião, a fé e o medo

Utilizámos  também pequenos  excertos do blogue do autor, Molianos, viajando no tempo.

(***) Vd, também poste de 23de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9642: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (12): Os infelizes que estão em Cobumba...