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quarta-feira, 30 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26746: Historiografia da presença portuguesa em África (479): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1915 e 1916 (33) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Sai o governador Josué de Oliveira Duque, entra o governador José António Andrade Sequeira, é um regresso à Guiné, em breve irão sentir-se as consequências da Primeira Guerra Mundial, tudo se agrava com a declaração de guerra da Alemanha a Portugal. O Boletim Official tem que ser passado a pente fino para encontrar matérias de algum suco no meio de tanto tédio administrativo. É assim que ficamos a saber que é recusada ao capitão Teixeira Pinto uma verba que em princípio ele teria direito, os acusados de terem incitado a insurreição dos Papéis e Grumetes da ilha de Bissau são amnistiados, bem queriam ser julgados para contar a verdade dos acontecimentos, todos eles ligado à Liga Guineense, que foi dissolvida, chamaram um advogado de prestígio, Loff de Vasconcelos, que irá escrever uma catilinária a arrasar os depoimentos de Teixeira Pinto, revelando as barbaridades e pilhagens feitas pelos irregulares do chefe de guerra Abdul Indjai. E há um belo documento emanado pelo comando militar dos Manjacos, tenente António Maria, vem publicado no Boletim Official n.º 30, de 22 de julho de 1916, belíssima peça.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1915 e 1916 (33)


Mário Beja Santos

Após as campanhas de Teixeira Pinto, o governador Josué de Oliveira Duque tem por fim do seu mandato, fica como encarregado do Governo o secretário-geral Sebastião José Barbosa, isto a 24 de agosto, dois dias depois toma posse alguém que regressa ao Governo, José de Andrade Sequeira, consta no Boletim Oficial n.º 35, de 28 de agosto. Nesse mesmo Boletim Official vem publicado o termo de posse dado ao Sr. Dr. José António de Andrade Sequeira, estão presentes as figuras gradas, o secretário-geral e Encarregado do Governo, a Comissão Municipal, magistrados judiciais, funcionários civis militares, corpo consular, corpo comercial e os mirones do costume.

No Boletim Oficial n.º 40, de 2 de outubro, vem publicada uma decisão da Direção-Geral da Fazenda das Colónias que envolve Teixeira Pinto, tinha sido pedida autorização para o abonar com a percentagem que lhe cabia sobre o imposto de palhota referente a 1914, na importância de 19.950$50, isto por ocasião em que batera os Manjacos e Balantas que se tinham sublevado. Ora o Ministro das Colónias indeferiu não haver portaria que desse ao Capitão Teixeira Pinto as atribuições dos direitos de administrador de circunscrição: “O mencionado capitão Teixeira Pinto não tem direito ao abono da referida percentagem, e que é por meio de recompensa honorífica que se devem galardoar, caso não tenham ainda sido premiados, os bons serviços que durante as operações o referido oficial haja prestado.”

Ficamos a saber através do Boletim Oficial n.º 41, de 9 de outubro, que tinham sido aprovados os estatutos do clube de Bolama, destinado a promover a convivência dos seus associados, proporcionando-lhes todas as distrações e divertimentos compatíveis com os seus recursos, como jogos lícitos, desportivos, leituras, palestras, música, soirées e récitas.

Voltamos a saber que há tensões, sublevações e insubmissões no Boletim Oficial n.º 44, de 30 de outubro, reza o seguinte que manda escrever o governador Andrade Sequeira:
“Sendo a região dos Balantas uma as mais insubmissas desta província;
Considerando que, pela organização social dos Balantas, só uma efetiva e conveniente ocupação militar, de tropas regulares, poderá levar esses povos ao respeito pela soberania nacional, integrando-os na nossa civilização;
Considerando que, assim, se faz sentir a necessidade de uma ação militar persistente e duradoura, que só se pode obter instituindo todo o território dos Balantas num comando militar;
Hei por conveniente desanexar das circunscrições respetivas toda a região dos Balantas e nomear seu comandante militar o Capitão de Infantaria Manuel Correia Dias, que acumulará as suas funções com as de comandante da 1.ª companhia.
Para efeitos desta portaria ficam sujeitos ao comandante militar dos Balantas todos os territórios da região Balanta que, até hoje, estavam sob as jurisdições dos comandantes militares de Bissorã, Porto Mansoa, Nhacra e Goli.”


O problema das armas e munições ir-se-á pôr durante este período e até ao conflito da Primeira Guerra Mundial. Veja o que se escreve no Boletim Oficial n.º 48, de 27 de novembro:
“Atendendo ao que me tem sido representado por vários comerciantes e indígenas, pedindo para se permitir a venda de espingardas ordinárias;
Considerando que a quase totalidade dos povos da Guiné tem por costume, uso e tradição, fazer largo dispêndio de pólvora, que consomem disparando tiros sempre que se trata de cerimónias fúnebres e outras solenidades;
Considerando que a abundância de animais ferozes, especialmente onças, jacarés e lobos, tem originado a perda de muito gado e até recentemente alcateias os últimos animais atacaram e feriram gravemente muitos indígenas da circunscrição de Geba;
Considerando que estando a província inteiramente pacificada não há o menor inconveniente, e antes toda a vantagem em permitir o uso e porte de espingardas ordinárias, cuja venda tem sido normalmente e sem restrições autorizada;
Hei por conveniente autorizar a venda de espingardas de pedreneira e espoleta nas seguintes condições:
Os comerciantes que para tal estiverem autorizados poderão ter nos seus estabelecimentos as espingardas que importarem e que ficarão relacionadas no Depósito de Material de Guerra.
As armas só serão vendidas aos indígenas que possuírem licença para as adquirir, licença que só poderá ser concedida pelos administradores de circunscrição e comandantes militares de territórios desanexados aos indivíduos que estiverem sob as suas respetivas jurisdições.”


E nesta portaria eram mencionadas diferentes formulações para obter licença, definindo os respetivos custos.

Assim chegamos a 1916. No Boletim Oficial n.º 10, de 10 de março, é anunciado que pelas 18 horas fora declarada guerra entre a Alemanha e Portugal. No Boletim Oficial n.º 17, de 22 de abril, surgem dois anúncios que desprovidos de qualquer comentário não dão para entender a sua substância. Há primeiro um agradecimento dos signatários, presos políticos, implicados na chamada rebelião de Bissau, e que tinham sido amnistiados, atos que eles não tinham pedido, o que tinham pedido era ser julgados, e agradeciam a todos os seus amigos e a outras individualidades que tinham patenteado sempre o maior interesse e simpatia pela sua justa causa. Assinavam António dos Santos Teixeira, Augusto Domingos da Costa, Vítor Francisco Robalo, Manuel Gomes Barbosa, Raimundo Ledo Pontes, Manuel Carvalho de Alvarenga e Lourenço Gomes.

Quem eram estes homens? Tinham sido considerados os incitadores da rebelião dos Papéis e Grumetes de Bissau, tinham escrito documentos acusatórios das pilhagens praticadas na ilha de Bissau pelas gentes de Abdul Indjai, o que tinha levado ao protesto do capitão Teixeira Pinto. Estes homens eram dirigentes da Liga Guineense, que fora dissolvida, e tinham chamado para a sua defesa um advogado de prestígio, com escritório em Cabo Verde, Loff de Vasconcelos, autor do segundo anúncio em que diz:
“Anuncia, para os devidos efeitos, que tendo acabado de cumprir a missão que o tinha trazido a esta colónia, contava retirar-se neste mês para Lisboa; como, porém, surgiu um incidente, que desejava liquidar, resolveu continuar manter aqui aberto o seu escritório, definitivamente, e assim oferece ao público os seus serviços permanentes.”


Loff de Vasconcelos irá escrever um texto arrasador, onde procura demolir ponto por ponto as acusações que tinham caído sobre estes comerciantes de serem instigadores da rebelião dos Papéis e Grumetes.

Documento que não deixa de se revelar muito interessante é o relatório escrito pelo tenente António Maria em Canchungo, em 15 de maio de 1916 e transcrito no Boletim Oficial n.º 30, de 22 de julho, é longo, transcrevem-se alguns parágrafos:
“Por toda a parte me diziam que ia encontrar em Basserel um posto muito bonito, já construído e 200 auxiliares, do que havia de melhor. Do posto nada existia, os bons auxiliares quando foram chamados para auxiliar o desembarque de alguns materiais e géneros, recusaram-se.
Fui alojado, com os dez soldados que trouxe, na tabanca dos irregulares, em algumas palhotas dos que andavam por fora, ficando os soldados em três e eu numa, que também servia de arrecadação do material de guerra e demais artigos.”


“O posto começou a construir-se com a exígua guarnição de dez soldados, sem ter recursos alguns. Era preciso chamar o gentio ao nosso convívio e obrigá-lo a entregar as armas e apagar o imposto e ainda a conter a onda desenfreada dos irregulares. Metodicamente vou conseguindo alguma coisa. O gentio, em pequena quantidade, vem ajudar-me no corte do mato.”

“Ao mesmo tempo trabalhava-se na construção do posto de Caió e estradas, sem desprezar a política indígena, atraindo o gentio. Fiz um mercado próximo do posto de Basserel, onde as mulheres começam a ir, protegidas por um europeu contra qualquer extorsão dos irregulares e assim vou pondo termo à fuga de mais gente, principiando a regressar os que tinham fugido.”

“Usei sempre de toda a prudência, inspirando o meu procedimento na mais elevada compreensão da justiça, para manter entre eles o prestígio da autoridade.
Tratei sempre os indígenas com bons modos e boas palavras, a fim de manter o amor e respeito do nome português, sem, contudo, abandonar a firmeza e energia para com os desobedientes.
As obras feitas foram: construção e reconstrução do posto de Basserel; construção do posto de Caió; construção da casa do comando e habitação do sargento em Canchungo; melhoramentos no posto de Xuruberique; rede de estradas em toda a região ligando o Jol e Brames; construção de pontes em Basserel, Jata e Caió, aonde podem atracar lanchas e pequenos vapores; pontes pelo interior e canoas nos rios aonde se não puderam fazer pontes para não impedir a navegação, etc. etc.”


Dá conta da cobrança de imposto de palhota, da receita administrativa, das despesas e o saldo que entregou ao seu sucessor. Julga ter servido a contento, se não de todos, pelo menos da maior parte.

Criou alguns inimigos, fundamentalmente irregulares, teve bons e maus auxiliares nos seus subordinados e indica o nome de alguns em que se pode depositar a máxima confiança, pelo que os recomenda ao governador.

Já estamos em guerra, vamos agora conhecer as medidas restritivas, os bens alemães estão arrestados, há proibições de exportação de géneros e de mercadorias, a Guiné vai conhecer as suas provações decorrentes da guerra.


O automóvel Ford chegou à Guiné, 1910
Uma montanha de amendoim, 1910

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26718: Historiografia da presença portuguesa em África (478): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1914 e 1915 (32) (Mário Beja Santos)

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