Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada,
1968/70), com data de 2 de Julho de 2015:
Caríssimos. Apesar de já ter corrido muita tinta sobre o sangue que correu no desastre do Rio Corubal, achei interessante voltar ao tema com este documento histórico que alguém conseguiu extraído do jornal A Província de Angola – o porta voz do regime colonial em Angola com a versão oficial do Desastre do Cheche. Abraços Zé Teixeira
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2. E por falar em informação oficial, vem a propósito falar de outro meio de comunicação oficial, o Telegrama, que podia ser civil ou militar, como diz o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude,
1968/70), no trabalho que se apresenta a seguir.
1. Mensagem da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado Atirador de Infantaria da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), com data de hoje, dando-nos a triste notícia do falecimento do seu pai e nosso tertuliano:
É com grande dor e tristeza que anuncio o desaparecimento do meu pai, Manuel José Moreira de Castro da Companhia de Caçadores 2315.
Estará em câmara ardente na Capela Mortuária de Covelas, Concelho da Trofa.
O funeral realiza-se amanhã, Domingo, pelas 11H45.
Filha, Arminda Castro
Duas fotos, duas recordações de mais um amigo que nos deixa.
À nossa amiga Arminda e à restante família deixamos o nosso testemunho de sentido pesar e a certeza de que o camarada Manuel Castro não será esquecido enquanto este blogue estiver em actividade.
1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de hoje, 24 de Julho de 2015:
Exercício Cronicante sobre o XX Encontro da Magnífica Tabanca da Linha
Neste dia quente, mas sob ligeira e confortável brisa, 23 de Julho, do ano 41.º do P. C. - período colonial, reuniu novo plenário da Magnífica, para nova sessão confraternizante e manducante, desta vez com o valioso acréscimo de um animador de grande garbo e versatilidade, pois canta, toca, declama, conta anedotas, e o mais que não se sabe, como andar de bicicleta.
Pelas 12H30, quando cheguei, já havia uma certa azáfama na colocação da escrita em dia. Até às 13 horas chegaram praticamente todos. Devo registar, que pela primeira vez o nosso confrade AGA não compareceu nem fez marcação, o que é tão mais de acentuar, quanto em vezes anteriores só não fazia a inscrição. Acho que anda nas terras amarelas do fim da Ásia, mas não imagina o arroz que aqui perdeu, quiçá o mais sápido e bem acolitado que ali tenha sido servido.
Outra nota a registar, tem a ver com a adesão de novos atabancados, alguns aproveitando a licença sabática da Tabanca do Centro, mas susceptíveis de confirmarem o estatuto de permanentes e assíduos confrades desta Magnífica, tais as manifestações de satisfação que nos transmitiram em clima de grande comunhão com os veteranos da Linha. A verdade é que a quase todos nos conhecíamos do antecedente, e já manifestávamos frequentes concordâncias sobre preferências estomacais e demais prazeres da vida, designadamente vinhos tintos Esteva, e diferentes digestivos de diferentes estirpes, que alguns dos nossos melhores (não há piores atabancados, mas fica sempre bem ao discurso, a inclusão de generosas dádivas com tão bons efeitos dietéticos).
Antes do inicio das hostilidades mastigantes, S. Exa. o Senhor Comandante Rosales, voluntariamente ausente deste evento, mas preocupado com o bom andamento e a boa impressão a causar aos novatos, encarregou-me de lhes apresentar uma mensagem de boas vindas, igualmente extensiva aos que não se cansam de comparecer. Fiz o que pude, arranjei a tanga que me pareceu mais adequada para justificar o injustificável, e transmiti a tanga com tanta veemência, que no final até recebi aplausos, ao ponto de ter que solicitar o fim da manifestação apoteótica. No final, a assembleia decidiu arquivar uma manifestação de censura a S. Exa., tendo em conta o imenso prazer que ele não desfrutou, considerado aqui como sanção bastante para o acto faltoso.
Naturalmente informado com antecedência sobre as condicionantes e expectativas que incidiram desta vez, S. Exa. o Comandante-Chefe Luís Graça não se fez representar, mas compareceu "lui-même", à cautela e na confirmada desconfiança de que desta vez é que seria. E foi. Foi bom. E quando o "shope" é bom, o convívio também corresponde com brilhantismo. Convenço-me de que S. Exa. não ficou envergonhado desta reincidência da Magnífica em Oitavos. E assim, aproveito para referir que o pessoal de Oitavos contribuiu decisivamente para o sucesso do XX Encontro.
Chamo a atenção dos estimados e viciados seguidores do Blogue, para avaliarem as caras alegres de antes e depois do acto refeiçoeiro, o que já atesta sobre a confiança dos confrades na partilha destes momentos de camaradagem franca e feliz. Até parece que sou parte interessada e que estou a engraxar alguém da hierarquia, e é verdade: sou parte interessada pela satisfação que possa obter destes encontros. E o que posso aqui afirmar. é que vi permanentes grupos em manifestações de cortesia e partilha de sentimentos alegres. Mesmo no serviço de tinto ou branco, a contrariar as normais manifestações de egoísmo. Lindo de se ver! Não bebe mais um copinho? Muito obrigado, mas depois de o camarada se servir! Só comparável com a nobreza britânica.
Nestes termos pretensamente croniqueiros, dispensada a adesão ao badalado acordo ortográfico e às reguadas do professor Salgueiro, que bem se esforçou por me ensinar alguma coisinha, dá-se a reportagem por concluída, ainda antes do antipático aumento de impostos para quem navega na net e possa ser dedicado adepto das estórias das derradeiras campanhas de África. Com votos para que todos se apresentem nas melhores condições físicas e psicológicas no próximo evento a realizar em data oportuna, dou por terminado este trabalho lixado e mal pago.
Abraços fraternos
JD
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Noblesse oblige: ausência do régulo Jorge Rosales (que foi a banhos...), o secretário J. M. Matos Dinis teve as honras de palanque... Aqui com a sua simpatiquíssima quão disccreta Teresa...
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > (E)ternos apaixonados: o Manuel Joaquim e a Deonilde de Jesus
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Estão, circunstancilamente, de costas voltadas um (João Sacôto, sentado) para o outro (João Martins) mas são tio e sobrinho, respetivamente, e estiveram os dois no TO da Guiné...
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 &gt Dois "pesados pesados" da nossa galeria de heróis: a história da FAP na Guiné não pode ser escrita sem a a sua história, a do Miguel Pessoa (à esquerda) e a do António Martins de Matos (à direita; estreante na Tabanca da Linha)...
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Dos "periquitos" que foram recebidos com muita ternura... e tiveram agradáveis surpresas: o comandante Pombo e a sua querida filha Maria João que fez questão de acompanhar o pai, regressado há um ano do Brasil, que mora em Bucelas, na quinta do Avelar de Sousa, e que acaba de superar alguns problemas de saúde.
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Uma "panorâmica", do fotógrafo de serviço e homem-de-todo-o-terreno da Tabanca da Linha: o Manuel Resende. O espaço, fabuloso, não encheu como de outras vezes, mas a sala estava composta, com cerca de meia centena de conivas. A lotação anda à volta dos 80 lugares.
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > O prato emblemático da casa, o "arroz de marisco à Tabanca da Linha"...
Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > E no final cantou.se o fado: Hernâni Teixeira (voz e viola) e o "veteraníssimo" Carlos Cruz (amante do fado)... O Hernâni foi enfermeiro militar, no HMP, não chegou a ir ao Ultramar... Hoje atua em convívios e festas. Tem reportório para dar e duar... Belíssima voz: fiquem o n.º de telemóvel (919 353 024) e endereço de email: hernanifado@hotmail.com.
2. Comentário de LG: Dizem (ou diziam, no tempo do régulo Rosales) as más línguas que na Tabanca da Linha são (ou eram) mais os chefes que os índios... mas não é verdade... Pelo menos ontem não foi verdade... E eu confesso que ainda conheço mal a tabanca, sou visita esporádica... Ainda houve um almirante que ameaçou vir, e o mais graduado era um tenente general da FAP, o nosso querido António Martins Matos, que ficou na mesa ao lado do comandante Pombo, o que deu para viver e reviver os bons velhos tempos, de ambos, de Bissau...lanca. Na mesma mesa, à direita, ficou o Avelar de Sousa, que andou pela Guiné entre 1968 e 1971, tendo comandado tanto a CCP 123 como a CCP 122, do BCP 12... É hoje major general na reforma. Tem a cartografia da Guiné na cabeça... Passou também por Angola, donde regressou em 23 de novembro de 1975 com 600 homens, esses sim, os últimos guerreiros do império... No final, o Avelar de Sousa, manifestou-me o seu agrado por ter vindo, a este convívio, com o seu amigo do peito, o comandante Pombo. Espero que o Avelar de Sousa aceite o meu convite para, formalmente, integrar a nossa Tabanca Grande onde todos cabemos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar. O nosso conceito de camarada vai até comandante operacional... O comandante Pombo, por sua vez, já aceitou o meu convite. Aguardo que a Maria João nos mande alguns fotos digitalizadas do álbum do pai (que, além da Guiné e Guiné-Bissau, viveu e trabalhou em Angola, República Democrática do Congo e Brasil), É um adorável contador de histórias, e tive pena de não ter gravado algumas... (LG)
e dos demais camaradas da CCAÇ 12 e da CCAÇ 21, brancos e pretos, mortos em combate ou abandonados à sua sorte, depois do regresso a casa ou da independência da Guiné-Bissau;
ao José Carlos Suleimane Baldé, felizmente ainda vivo, espero, a morar em Amedalai, Xime (e o único camarada guineense da CCAÇ 12 a integrar a Tabanca Grande);
a todos os demais camaradas da Guiné que ainda hoje estão (sobre)vivos.
Foderam-te, meu irmão! Enganaram-te, irmãozinho!
Traíram-te, amigo!
Deixaram-te para trás, camarada!
Não, não era este país milenário que vinha no cartaz de promoção turística, com montes, vales e charnecas, com rios, praias e enseadas, com fama de gente patriótica, riqueza gastronómica e forte sentido identitário.
“I want you”, disseram-te eles, e tu respondestes sem hesitar: “Pronto!”.
Meu tonto, disseste "presente!", mesmo sem poderes avaliar todas as consequências presentes e futuras da tua decisão, em termos de custo/benefício.
Decidiste com o coração, não com a razão, deste um passo em frente, abnegado e generoso, mesmo sem saberes onde era o distrito de recrutamento, e sem sequer conheceres o teatro de operações, o estandarte, o fardamento, a ciência e a arte da guerra,
o comandante-chefe ou até mesmo a cara do inimigo.
Um homem não vai para a guerra sem fixar a cara do inimigo, sem reconhecer a voz do inimigo, pode ser que seja teu pai, mãe, irmão, irmã, vizinho, amigo, ou até mesmo um estrangeiro, um pobre e inofensivo estrangeiro, apanhado à hora errada no sítio errado.
Camarada, um homem não mata outro homem só porque é estrangeiro, ou só porque não pensa ou não sente como tu, um homem não puxa o gatilho ou saca da espada, sem perguntar quem vem lá!
Enfim, não se mata um homem, de ânimo leve, gratuitamente, só porque alguém o elegeu como teu inimigo.
Não, meu irmãozinho, não eram estes outdoors e muros grafitados, ao longo da picada, não, não era este trilho, que era pressuposto levar-te do cais do inferno às portas do paraíso.
Sim, porque no final, meu irmão, há sempre alguém a prometer-te o paraíso, o olimpo, o panteão nacional ou cruz de guerra com palma,
em troca da dádiva suprema da tua vida, do teu corpo, da tua alma.
Todos te querem, todos te queremos, “I want you”, sim, quero-te, mas por inteiro, quanto mais não seja para tirar uma fotografia contigo, não vales nada cortado às postas, decepado, decapitado, ou, pior ainda, perdido, errático, com stress pós-traumático sem bússola nem mapa, apanhado à unha pelo inimigo, ou fuzilado no poilão de Bambadinca ou de Madina Colhido. Fuzilado, és um cadáver incómodo, apanhado, és um embaraço diplomático, pior do que tudo isso, doente psiquiátrico.
Não, não foi este destino que compraste, com o patacão do teu sangue, suor e lágrimas, enganaram-te, os safados, os generais e os seus ajudantes de campo, os burocratas da secretaria, os recrutadores, a junta médica, os instrutores e até os historiadores.
“Guinea-Bissau, far from the Vietnam”,
alguém escreveu no poilão de Brá ou na estrada de Bandim, a caminho do aeroporto, tanto faz, “Tuga, estás a 4 mil quilómetros de casa”. Ou então foi imaginação tua, pesadelo teu, deves ter sonhado com essa placa toponímica, algures, numa noite de delírio palúdico, deves tê-la visto a sul do deserto do Sará.
Alguém sabia lá onde ficava a Guiné, longe do Vietname, alguém se importava lá com o teu prémio da lotaria da história, mesmo que em campanha te tenhas coberto de glória!
Acabaram por te meter num avião “low cost” ou num barco de lata, ferrujento, deram-te um pontapé no cu ou cravaram-te a tampa do caixão de chumbo. "Bye, bye, my friend. Fuck you, man”. Nem sequer te desejaram "Oxalá, inshallah, enxalé, que a terra te seja leve!"
“País de merda"... Tinha razão o polícia, racista, que te quis barrar a entrada no aeroporto de Saigão (ou era Lisboa ? ou era Amsterdão?).
Quem disse que os polícias de todo o mundo são estúpidos ? Até o polícia racista entende o sofisma do país de merda: “Pensando bem, soletrando melhor, país de merda, país de merda, só pode ser o meu”.
Os gajos estavam fartos de ti, meu irmão, meu camarada, meu amigo. Os gajos pagavam-te, se preciso fosse, para se verem livres de ti, vivo ou morto, devolvido à procedência.
“I want you, alive ou dead”, porque na contabilidade nacional tudo tem de bater certo, diz o cabo arvorado. Todo o que entra, sai, é o deve e o haver do escriturário, encartado, mesmo que seja merda: “Garbage in, garbage out”, se entra merda, sai merda.
Procuraram-te por toda a parte, do Minho ao Algarve do Cacheu ao Cacine, só te queriam bem comportado, escanhoado, ataviado,
de botas engraxadas, se possível herói de capa e espada, medalhado, condecorado, de cruz de guerra ao peito, mesmo que viesses amortalhado.
E tu ? Sabias lá tu o que era a pátria, onde ficava a tabanca da pátria, onde começava e acabava o chão da pátria ? Muito menos sabias a geografia da guerra, Aljubarrota, Alcácer Quibir, Vimeiro, Waterloo,
La Lys, lha do Como, Guidaje, Gadamael, Dien-Bien-Phu, Madina do Boé, Ponta do Inglês, Madina Belel...
Conhecias lá tu da pátria a anatomia e a fisiologia , o intestino grosso e delgado, o que é que a pátria comia, o que é que a pátria defecava, ou até mesmo o que é que a pátria sentia e pensava, se é que a pátria deveras sentia e pensava.
Queriam-te sedado, anestesiado, amnésico, de preferência, sobretudo amnésico. alienado, aculturado, desformatado, paisano, só assim eles te queriam de volta ao teu anódino quotidiano,
Meu irmão, meu pobre camarada, fizeste por eles o trabalho sujo que compete a qualquer bom soldado em qualquer guerra. Mas nem como soldado eles te trataram, nem sequer como mercenário te pagaram, em espécie ou em géneros.
Afinal a guerra acabou, como todas as guerras acabam, até mesmo a guerra dos cem anos teve um fim com o seu rol de mortos, feridos e desaparecidos. “Para quê mexer agora na merda, ó nosso cabo ?”, pergunta o sorja da companhia. “Boa pergunta, meu primeiro, mas há muito já que eu não cheiro, a guerra embotou-me os sentidos”.
Lourinhã, Vimeiro > 18 de julho de 2015 > Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808) e mercado oitocentista > O "valente soldado" Eduardo Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro, amigo e camarada... No "bar do soldado 1808", depois da "batalha"...
1. Lourinhã, Vimeiro > 18 de julho de 2015 > Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808) e mercado oitocentista.(*`)
O nosso grã-tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira e o seu grupo de recriadores históricos do Vimeiro, tiveram o seu "batismo de fogo" no "assalto à igreja", reconstituição que se realizou no dia 18/7/2015, sábado. Nesse dia, também se realizou, pelas 16h00, a cerimónia de homenagem aos combatentes junto ao Padrão Comemorativo da Batalha do Vimeiro.
Na véspera, dia 17, 6ª feira, já se tinha efetuada, às 22h00, a encenação, prevista no programa, “A corte que parte e o invasor que chega” (referência à partida da corte para o Brasil em 1807; por um triz, o destacamento avançado das tropas napoleónicas, comandadas por Junot, não apanhou a rainha, o príncipe regente, demais família real e o seu séquito de cortesãos e cortesãs... Daí a expressão popular "ficar a ver navios"). (**)
O forte dos 3 dias foi a reconstuição da batalha do Vimeiro, ao meio dia de domingo, dia 19, em campo aberto (evento a que não assistimos) (***)...
Parabéns ao nosso grã-tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira, voluntários locais e demais lourinhenses ( a começar pelo muncipio e a Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro) que deram corpo e alma a esta iniciativa, de interesse histórico, cultural e turístico. Alguns aspetos relacionados com a segutança de pessoas e bens terão de ser melhor acautelados em futuras recriações, como já tive ocasião de transmitir pessoalmente ao Eduardo... (LG).
PS - Parabéns também aos nossos novos grã-tabanqueiros Helena ("do Enxalé") e Álvaro Carvalho que aguentaram, de pé firme, estes três dias... O Álvaro, num gesto generoso, fez uma completíssima reportagem (fotos e vídeos) que vai pôr à disposição do Eduardo... A Maria Helena vai-nos mandar fotos digitalizadas do seu tempo de menina e moça no Enxalé, algumas das quais me trouxe para mostrar... O casal vive entre as Caldas da Raínha e a Amoreira de Óbidos... Oxalá, inshallah, enxalé a gente se possa voltar a encontrar para o ano!
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(**) "Ficar a ver navios", não obter o que se deseja, ver as suas suas expectativas goradas ou frustradas, esperar inultilmente.... É uma expressão, ao que parece, muito mais antiga... A sua origem muito provavlemenmte remonta ao tempo em que os armadores portugueses, e os populares (com destaque para as mulheres), na época Descobrimentos e das grandes viagens marítimas, tinham por costume ficar no alto de Santa Catarina, em Lisboa, à espera do regresso das caravelas e das naus que vinham das Índias, da África ou do Brasil. Outra hipótese tem a ver com o mito sebastiânico, o rei (o "Desejado") que haveria de regressar numa manhã de nevoeiro , depois do desastre de Alcácer Quibir (em 1580)...
No caso da partida da corte para o Brasil (que implicou na prática a primeira e única transferência, na história, da capital de um império para a sua colónia...), estamos a falar de uma diferença de horas... Junot não conseguiu aprisionar o príncipe regente Dom João (filho de Dona Maria I, e futuro rei de Portugal), como estava nos seus planos: a corte embarca, no rio Tejo, a 27 de novembro de 1807, mas a frota só parte a 29, por causa da falta de ventos...Junot, vindo do Ribatejo, entra em Lisboa às 9h00 da manhã do dia 30...
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Julho de 2015:
Queridos amigos,
Já que isso diz referência a um trabalho de António Estácio sobre a chegada dos chineses na Guiné e como eles valorizaram a orizicultura, que já fio fonte de grande riqueza, teremos comido todos nós, na década de 1950, muito arroz da Guiné. A cultura do arroz fazia parte da arrancada para o desenvolvimento das colónias da África Ocidental, tal como as oleaginosas.
Guardam-se imensas imagens, algumas delas muito belas, dos trabalhos efetuados depois da chegada de Sarmento Rodrigues, publicadas no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, este espólio esteve à beira de se perder, foi felizmente recuperado pela Fundação Mário Soares.
O artigo de Philip Harvik e António Estácio traz imagens muito sugestivas dos últimos descendentes dos chineses de Catió, bom seria que o nosso confrade António Estácio as republicasse no nosso blogue.
Um abraço do
Mário
Quando os chineses chegaram a Catió, no princípio do século XX
Beja Santos
O artigo vem publicado no n.º 17 da revista Africana Studia, 2.º semestre, 2011 e intitula-se “Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné colonial”, e vem assinado por Philip J. Harvik (investigador do Instituto de Investigação Tropical) e pelo nosso confrade António Estácio que, tempos antes, fizeram uma comunicação sobre os chineses e a orizicultura na Guiné.
Os autores começam por recordar duas realidades: primeiro as mudanças que se operaram nas primeiras décadas do século XX no contexto da África Ocidental, em que o império francês necessitava de mão-de-obra para as colónias, principalmente para os chamados “trabalhos públicos”, que incluíam a construção de estradas, caminho-de-ferro, edifícios, etc, essa mão-de-obra exigia gente qualificada e daí o recurso a certos meios até então legítimos, como o uso dos degredados; segundo historia-se o papel dos degredados que eram enviados para a África e mesmo para o Oriente pelos tribunais estatais e pela Igreja Católica – como registam os autores, no caso da Guiné, entre 1834 e 1896 o número de degredados foi de 425 indivíduos, a maior parte vinda de Cabo Verde e de Portugal.
A cultura do arroz juntou-se, neste ciclo imperial, ao amendoim e às oleaginosas. Já se cultivava arroz na Guiné antes da chegada dos chineses, e por razões óbvias, como anotam os autores. O litoral de baixo-relevo, cortado por muitos rios e rias, com margens abundantes de mangue formava um ecossistema perfeitamente adaptado à cultura do arroz alagado, em bolanhas. Até então, os autóctones alimentavam-se de “arroz de povoação”, espécie nativa. Nas colónias francesas inglesas foram introduzidas variedades asiáticas. No entretanto, para além do arroz local conhecido como “arroz vermelho”, as populações começaram a produzir o “arroz branco”, também chamado “arroz da Gâmbia”. Em paralelo, assiste-se à criação de explorações agrícolas e comerciais, as chamadas “pontas”, os governadores e administradores aplaudiam estas explorações, no fundo assistia-se à progressiva ocupação do território.
As origens dos primeiros chineses que chegaram à Guiné não estão esclarecidas, admite-se que tenham vindo de Cantão e do estuário do Rio das Pérolas, tal como muitos outros seus conterrâneos que foram mandados para Moçambique. Estes primeiros chineses terão chegado à Guiné em 1902, assinalo o arranque da expansão da orizicultura que teve lugar a partir da primeira década do século XX. Os autores contextualizam a atmosfera da chegada dos chineses à região de Tombali, era uma região que tinha, além de um posto militar português, algumas feitorias e mesmo alguns europeus. O rio Tombali tornou-se uma área de fixação de ponteiros de origem cabo-verdiana.
Estes dois primeiros chineses eram degredados, tinham vindo através de Macau, chamavam-se Kat Chan e Lai-Assung, eram tratados ambos como mestres de lavrança de arroz. Estes dois degredados chineses seguramente que espiolharam a região metro-a-metro até decidirem pela zona de Catió, localizada entre os rios Tombali e Cumbidjã e encostada às ilhas de Como e Caiar. Lai-Assung, também conhecido por Chang-a-leng, fixou-se em Cubaque, Kat Chan foi primeiro para Canchungo e só depois é que partiu para Catió.
Os autores explicam as consequências dos acontecimentos. Na época de 1915-1924 na zona em redor de Catió estes dois chineses desenvolveram a cultura do arroz. Tiveram agora fatores a seu favor. A partir dos anos 1920, o fluxo de migrantes Balanta para a região Quínara, onde se fixaram em chão Beafada aumentou consideravelmente, e a partir de 1926, os primeiros ponteiros de origem cabo-verdiana obtiveram ali concessões de monta. Deu-se em certos casos a crioulização dos chineses. E os autores enfatizam que os percursos dos chineses e dos seus descendentes na Guiné evidenciam o modo como se processou a aculturação e a crioulização, de um modo geral integraram-se muito bem na sociedade guineense durante o período colonial. Forçados a permanecer na Guiné, alguns dos primeiros chineses procuraram novas oportunidades para a sua realização na pesca e na agricultura, quase sempre com sucesso. E os autores dão uma razão para este sucesso: tentaram recriar a China na Guiné e conseguiram-no.
O conflito armado levou alguns membros da comunidade luso-chinesa a juntar-se ao PAIGC, caso de José Costa Júnior e seu irmão Noel Costa, morto em 1965. Um descendente de chineses, Jonas Mário Fernandes, entrou em rotura com Amílcar Cabral, em Dakar, nos anos de 1960.
O trabalho de Harvik e de Estácio foi elaborado também com base em conversas com agricultores e ponteiros, mostram-se fotografias de chineses e até dos seus descendentes. É um mundo que já não existe, adiante-se. Estes degredados, contudo, relevaram-se exímios na cultura do arroz e convém não perder de vista que nos anos 1950 muitas toneladas chegavam a Portugal. Quando Sarmento Rodrigues chegou à Guiné, um dos seus primeiros cuidados foi o de mandar recuperar/regenerar os ouriques que estavam degradados, operação que se salvou numa revitalização da orizicultura guineense. Lá muito atrás, ficara a herança chinesa, a segunda geração de chineses na Guiné preferiu o comércio, mesmo no Senegal e na Guiné Conacri.
Foto nº1 > Região de Cacheu, Bula, dia da cavalaria (21 de julho de 1973)... O gen Spínola passa revista às tropas e viaturas em parada... É acompanhado pelo Comandante Militar, brigadeiro Alberto Banazol
Foto nº 2 > Região de Cacheu, Bula, dia da cavalaria (21 de julho de1972)... Desfile de viaturas, debaiso de chuva
Foto nº 3 > Região de Cacheu, Bula, s/d, "ronco balanta"
Foto do álbum do Leonel Olhero, ex-fur mil cav, Esq Rec 3432 (Panhard) Bula, 1971/73.
1. Comentário de António Matos [, ex-alf mil minas e armadilhas, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72] ao poste 14919 (*)
Desabituei-me de aqui escrever e hoje vi-me em palpos de aranha para dar com este local onde pretendo contribuir para a percentagem daqueles que também fizeram uso dos CTT fora de Bissau para contactos telefónicos para a Metrópole.
Vistas as coisas a esta distância, parece-nos incrível como tudo evoluiu, onde as tecnologias ganham foros de destaque ...
Estava no 16 de Outubro de 1971 quando tive necessidade de contactar para Guimarães onde se casava um dos meus irmãos ...
A logística que envolvia esta tão singela operação que hoje se executa em escassos segundos, é algo que, ao recordá-la, me dá a imensa satisfação de pertencer a uma geração viva que tem sido testemunha de fabulosos avanços científicos os quais permitiram transformações civilizacionais notáveis.
O eu ter nascido;
A chegada da televisão ao país;
A ida do Homem à Lua;
O aparecimento do computador;
A invenção da internet;
O telemóvel;
Os nascimentos dos meus filhos;
A transformação da tecnologia bélica;
A proliferação da exploração espacial;
As novas geografias políticas;
As novas conturbações sociais;
Os avanços na medicina;
Os sucessos das nanotecnologias;
Os nascimentos dos meus netos;
Na ultrapassagem dos records atléticos;
Etc., etc., etc.
São apenas uma mínima parte das transformações que me apaixonam (umas pela positiva, outras pela negativa ) na certeza que as prefiro às do antigamente...
Oito dias antes, dirigi-me à casa do régulo de Bula que, concomitantemente, servia de posto dos CTT (não sei se neste momento estarei a meter os pés pelas mãos quanto a estes pormenores mas julgo que o interessante para este comentário é, tão só, o relato vivido da realização duma chamada telefónica ) e marquei para aquele dia a referida chamada.
Por se tratar dum casório, fiz as minhas preces para que à hora a que as meninas metessem as cavilhas naquelas centrais telefónicas do século passado, os noivos já se encontrassem de beijo dado e disponíveis para a surpresa.
Sim, porque aquele telefonema foi uma surpresa !!
Recordo que houve um certo atraso na conjugação concertada de toda a equipa que, passando a informação de boca em boca (via cavilha ), me pôs em contacto com o outro extremo da linha ...
Escusado será apelar às emoções do momento mas, embora nunca mais tivesse pensado no assunto, sinto uma certa nostalgia, só mitigada porque ao olhar aqui para o lado do computador, dou de caras com o mais recente dos sucedâneos das tecnologias comunicacionais - o telemóvel - com o qual já fiz e já recebi "n" chamadas enquanto escrevo este reviver ...
Ensinou-me já a experiência que, por vezes, ao fazermos o "send" duma mensagem, ela vai parar ao etéreo e nunca mais ouvimos falar dela, restando-nos a paciência para tentar recuperar parte dos raciocínios e ideias.
Por isso, junto à lista acima, mais uma vitória civilizacional que dá pelo nome de "copy & paste" e com ela guardar num limbo este trabalhinho enquanto não confirmo que o original seguiu para o destino apropriado,
Assim sendo, aqui vos deixo um abraço e os parabéns por esta ideia que me cativou. (**)
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1966/68 > Estação dos CTT, à esquerda
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1966/68 > Rua pirncipal > Sede do comando de batalhão, à esquerda (, visível na foto a proteção do edifício, feita com bidões de areia a toda volta); do lado oposto da rua, do lado direito, em frente, ficava o edifício dos CTT.
1. Mensagem de Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68):
Data: 23 de julho de 2015 às 14:15
Assunto: Sondagem: os telefonemas (*)
Caros editores do nosso- blogue, já votei mas queria explicar a razão de um único telefonema que fiz quando estava em Bissau.
Não era fácil, e só nos CTT se podiam fazer as chamadas particulares.
Em Novembro de 1967 aconteceu aquela catástrofe das cheias na região de Lisboa e, como
tinha uma irmã a morar em Queluz, havia um boato de que a Fábrica de Pólvora de Barcarena
iria explodir e arrasar toda aquela área.
Bem, com o telefonema, fiquei esclarecido e descansado quanto a essa possibilidade e não se deu nada de semelhante, apesar dos estragos e infelizmente das mortes.
Não tenho fotos dos CTT de Bissau, mas aqui estão duas de Nova Lamego, com o edifício dos CTT, que era junto ao comando do batalhão.
É bom que os jovens de hoje, guineenses e portugueses, saibam compreender e avaliar o "salto tecnológico" que demos, a Guiné, Portugal, o mundo inteiro. com a Telegrafia Sem Fios (TSF), muito antes da era do digital... É preciso perceber a revolução, nas telecomunicações, iniciada pelo italiano Marconi... E, no caso português, o papel da Companhia Portuguesa Rádio Marconi... Aqui vão alguns apontamentos que recolhi na Net...
2.2. Carlos Milheirão [ex-alf mil, CCAÇ 4152/73, Gadamael e Cufar, 1974]
23/7/2015, 11h24:
Nunca me ocorreu fazê-lo [, telefonar para casa]. De qualquer modo, não havia telefone em casa.
Recentemente tive uma filha em missão no Líbano e falávamos com ela todos os dias via SKYPE. Como as coisas mudaram!!! (**)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), Técnico Superior Aposentado da Direcção Geral do Consumidor, com data de 20 de Julho de 2015, com o rescaldo da sua intervenção, na tertúlia levada a efeito na Livraria Barata, no passado dia 16*, subordinada ao tema sempre actual "De freguês a Consumidor":
A Livraria Barata faz parte dos meus lugares mágicos. Na minha adolescência, tinha uma entrada como uma padaria ou drogaria, era um espaço minorca talentosamente aproveitado pelo Sr. Barata, até conseguia espaço para que o David Mourão Ferreira ou o Artur Portela Filho ou o Virgílio Ferreira conversassem com os leitores, e nós à volta, a beber todas aquelas palavras em silêncio.
Pedi ao José Rodrigues, genro do Sr. Barata, para ali se fazer uma tertúlia, “De freguês a consumidor” é o meu testemunho como profissional e como professor.
Foi um debate vivo, uma casa bem composta em que o nosso confrade Mário Vitorino Gaspar se referiu ao nosso bairro de infância, o Bairro das Caixas, encravado entre o Campo Grande, a Avenida Alferes Malheiro (hoje Avenida do Brasil), a Avenida dos Estados Unidos da América. Uma pequena burguesia do funcionalismo para ali foi residir, assistiu ao nascimento daquelas Avenidas Novas que assinalavam o alargamento das classes médias, dava-se por findo a contenção da II Guerra Mundial.
Foi uma tertúlia de memórias a que não faltaram as interrogações sobre este mundo em que os jovens não têm emprego e o interior se desertifica, inexoravelmente.
1. Parte VII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 11
de Julho de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da
CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de
Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67).
GUINÉ, IR E VOLTAR - VII
Clara
Boas notícias da metrópole! Corriam bem as coisas para quem lá estava. Mini-saias, calças à boca de sino. Calças largas assim como lhe estavam a contar só as tinha visto nos marujos, no pessoal civil nunca reparara, mas tudo bem, acreditava. Diziam que o comércio prosperava, que a têxtil e a construção disparavam. Que havia emprego. Que se construíam casas, se arranjavam outras, estradas novas, um pandemónio, espantados os que vinham de férias. E mais não se fazia porque, diziam, havia falta de mão-de-obra. Pudera, mais de 100.000 em África e mais os que se tinham pirado claro, nada para admirar.
Emigrantes portugueses nos “bidonvilles” dos arredores de Paris.
Foto da net.
Por cá tudo bem, obrigado. Estava com 21 anos. Deixara Lisboa com o peito para fora, ia defender a pátria dos terroristas a soldo de Moscovo. De vez em quando sentia uma ligeira dúvida sobre os resultados do esforço que lhes estavam a exigir, mas o futuro é sempre uma dúvida, não é?
Calor húmido, o suor a escorrer pelo corpo todo, um chuveiro vem mesmo a calhar. Procurou roupa para se vestir. Só tinha um camuflado, o que trazia vestido. O Sany1 tinha lavado as camisas, cuecas, calças, toda a roupa que tinha, que não era muita que também não precisava, depois do Vilaça numa fúria que mais uma vez lhe deu no quarto, ter quebrado a caixa de Gin que foi do furriel Morais2. No quarto nem pensar entrar, cheirava-lhe a Gordon’s até em Bissau.
Para espairecer nada melhor que uma volta. Toca, Alegre3, que se faz tarde ponha o ME-14-04 no piche(*) para Bissau, acelere essa chocolateira.
Vento quente na cara, curva do Hospital Militar, onde se dizia que quem entrar lá ferido, safa-se, já não morre, chiça que não fosse ele, recta para o bairro indígena de Bissau. As primeiras casas, gente, cães, cabras, tudo em câmara lenta. Que pressa danada, Alegre, páre aí, olhe para aquilo, o quê meu alferes, aquela morena ali, não vê? Ah? Está a vê-la bem, Alegre? Não quero nada que faça marcha atrás, qual atrás, Alegre, abra mas é os olhos e páre aí! Ponha-se à sombra. Onde se meteu? Perdeu-a de vista, mas uma beleza daquelas não pode desaparecer assim! Aí está ela outra vez, um encanto a surgir de trás de uma árvore, dança a andar, onde terá aprendido? Não acreditas, ela está a olhar para ti, deve estar à tua espera, ou não? É contigo, não disfarces, estás a olhar para onde? Está espantada, sem saber bem o que fazer. E agora? Vai ter com ela, pode precisar de alguma coisa, nunca se sabe, estamos aqui uns para os outros, não foi isso que te ensinaram em Mafra, ajudar a população civil, a voz dentro dele não se calava, não foi? Pergunta-lhe o caminho, que te dê a mão e te leve, que interessa para onde? Chegou-se a ela, a ferver. Boa tarde, como está? Que pergunta! Estava boa, via-se bem, bastava ter olhos. Olá! O Joaquim já não mora aqui? Que Joaquim? Então, o Joaquim de Brá, não conhece? E o seu nome qual é? Clara? Fica bem consigo! Não gosta do nome porquê? Então não conhece o Joaquim? E a mim também não? E não me deixa conhecê-la? Não podemos estar aqui a falar? Onde então? Hoje não, Clara, porquê? Esta semana também não? Só nãos, Clara, não mereço um sim? Quando, Clara? Domingo às 2 da tarde aqui? Tanto tempo, Clara? Aqui não, junto àquela casa? Clara...
Cerca de um mês depois de muita conversa, era também um domingo lá para o fim da tarde. Uma velha negra sentada à porta. Clara está lá, passa roupa a ferro. Fresca, cabelo molhado a escorrer, vestido às flores, botões costas abaixo, pernas morenas, sandália rasa, até os pés pareciam ter levado pedra-pomes! Olá, Clara, uma mão nas flores e a outra nem sabia aonde. Chegou-se a ela, um cheiro a fresco, tinha acabado de tomar banho, via-se. Porque quer falar comigo? Estou comprometida, você sabe, alferes. Ele também, aliás estavam todos! Clara, não resisti, enfim, quero conhecer-te melhor, faz mal? Estremeceu quando o sentiu encostar-se. Que está a fazer, alferes? Não podemos ficar assim só um bocadinho, Clara? Não, não pode, sabe que não! Mas por que não, Clara? Não pode, alferes! Clara, não sou de pedra, o desejo não deixa, é grande demais, ela arrepia-se ao contacto dos dedos, os lábios dele no pescoço dela, ah, não posso, alferes, não posso, não… O ferro pousado, a Clara ofegante, de costas, as mãos dele nem acreditavam, os mamilos a quererem fugir das mamas inchadas. Ah, Clara, a tua pele, o teu cheiro, o vestido a abrir-se, os dedos dele a descer, ela toda arrepiada a dizer não, não posso, podes Clara, não estás bem? Está, alferes, mas não posso mais, vai embora, faz favor, alferes, não posso mais!
Duraram quase dois meses estes encontros, quase sempre à mesma hora na casa da velha. Um prazer, um ritual obrigatório também, antes de uma saída para o mato e depois de um bom banho que prémio à chegada! Até um dia em que, em má hora, passou e a viu pendurar roupa no arame. Não pares, não olhes para mim, vai-te embora! Vais-te arrepender! Não me toques, ele está cá. Viram-se todos ao mesmo tempo, ele, o sócio e a irmã dela. Então é você quem anda por aqui e eu é que pago as despesas, reponta. Oh amigo, fique com a Clara! Já que come, pague a despesa!
Meses depois numa rua de Bissau, ouviu chamarem pelo seu nome. Parou, olhou para trás. Clara! Sorriso triste. Envergonhado, baixou os olhos. Foi a última vez que viu a Clara.
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Notas do autor:
1 - Infamara Sany, o impedido que, juntamente com o quarto, a cama, a G-3 e restantes apetrechos de guerra tinha herdado do Cap. Saraiva. Morreu, mais tarde, em combate.
2 - Morto em combate no decorrer da operação ‘Ciao’, em Catunco, no Sul, em Maio de 1965 na que foi a última operação do grupo Fantasmas.
3 - Soldado Condutor ao serviço do Grupo.
Nota do editor:
(*) - Piche - o mesmo que alcatrão
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Apanhado à mão
Alternava períodos no mato com uns dias em Brá. Aproveitava-os para se manter em forma, praticava tiro, mantinha o Grupo em instrução diária, ao fim do dia ia até Bissau, dava uns passeios a pé. No fim de jantar, quando tinha vontade, punha a escrita em dia e lia pela noite fora. Não havia muito para fazer na cidade. O hotel Portugal onde se reunia ao jantar com os conhecidos, ou o Fonseca de vez em quando para comer frango assado com batatas fritas aos paus, enormes, ou beber cerveja cá fora com um cesto de ostras ao lado. Parava na esplanada do Bento, quase sempre a abarrotar de fardas, obrigatório para quem queria encontrar camaradas destacados no mato, em trânsito por Bissau, para consultas médicas, tratar de assuntos dos destacamentos ou à espera do avião para o mato depois das férias na metrópole. Ouvia-os falar dos dias que lá tinham passado, das famílias, amigos, namoradas, do cinema que tinham visto, do ar diferente que respiraram. E do desinteresse e ignorância sobre o que se passava na Guiné. Era um entusiasmo ouvi-los falar da metrópole e das férias. As dele estavam à porta, um ou dois meses se tanto, ia descontando os dias.
Em fase fotográfica, ia para o Cupilão4, negras com os bebés às costas a pilarem o arroz, mancarra a secar, crianças a brincar, velhos negros de barbas brancas, curvados, a cortar as unhas dos pés com a catana enorme na mão, outros sentados em fila, encostados às casas, olhos vermelhos de doenças, clicava tudo.
O conflito sentia-se em todo o lado, em Bissau também, embora não houvesse relatos de episódios violentos dentro da cidade. Claro que via o que se passava, ouvia os helis5 pousar no Hospital, perto de Brá, eram quase vizinhos, tinha acesso por vezes a citreps e perintreps6, frequentava quase diariamente a 2.ª e a 3.ª Rep, almoçava com este e aquele, estava a par do que se passava em todo o território.
O Leite era companheiro das mesmas lides desde há anos. De baixa estatura, magro, enfezado, aparência tímida e muita lábia, via-se que era desenrascado há muito. Estiveram no mesmo curso em Mafra, seguiram juntos no navio “Carvalho Araújo” para os Açores e separaram-se no cais de Ponta Delgada. Encontraram-se, de novo no mesmo navio, no regresso ao continente. Mobilizados para a Guiné, apanharam o comboio em Santa Apolónia, para o norte, para gozarem os dias de licença a que tinham direito e reencontraram-se em Campanhã para o regresso a Lisboa.
Passaram os dias na capital, despedindo-se da vida boa que lá se vivia, até embarcarem no “Alfredo da Silva”. Na véspera do embarque fizeram questão de mandar vir lagosta e champanhe francês, no “Solmar”, ali nas portas de Santo Antão. Davam-se, nem sempre ligavam às mesmas coisas, nem eram muito parecidos mas entendiam-se bem. O acaso fizera com que se juntassem nesse percurso. Já em Bissau, com o Capitão Marques, o Black e outros companheiros da viagem, separaram-se, até um dia destes.
Numa dessas visitas ao QG soube que o Leite tinha desaparecido. A comunicação oficial era confusa, não se sabia ao certo se tinha desertado ou sido apanhado. Certo é que tinha sido levado para Dacar. O Leite estava a comandar um pelotão reforçado em Sare Bacar, no norte, um pouco a leste de Cuntima, encostado ao Senegal, uma zona calma. O PAIGC, na altura, servia-se das fronteiras do Senegal como corredores de passagem para o interior que o Shenghor7, problemas já tinha que chegassem. Levava uma vida tranquila, mantinha boas relações com a população local. Terá sido abordado pela polícia, em território senegalês, quando, sentado a uma mesa, defrontava um frango de chabéu que lhe tinham preparado. Puseram-lhe as algemas e meteram-no num jeep a caminho de Koldá. Depois de ouvido foi para a cadeia de Ziguinchor e por lá ficou umas semanas, enquanto se desenvolviam negociações, por intermédio da família, que o Estado Português não se meteu. A Igreja interessou-se, a Cruz Vermelha Internacional intercedeu, levaram-no para Dacar, onde foi presente a um juiz que decidiu recambiá-lo para Lisboa. Mas ele não queria, temia represálias, queria voltar a Sare Bacar. Semanas depois, acabou por ser entregue na fronteira às autoridades militares portuguesas. Soube isto da boca dele, dois ou três meses depois, na esplanada do tal Bento, momentos depois de ter sido chamado ao Governador-geral.
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Notas:
4 - Cupelon, Cupilão, Pilão: grande bairro popular atravessado pela estrada para o aeroporto
5 - Helicópteros Allouette-II e III
6 - Relatórios militares periódicos
7 - Presidente da República do Senegal.
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Entre eles
As relações entre eles eram as mesmas que se viam entre jovens de 20 e poucos anos. Alcunhas, anedotas sobre acontecimentos no mato, ciúmes, coisas pequenas que ocorrem, sempre que um grupo de jovens se vê obrigado a partilhar tudo. Entre alguns havia acordos tácitos de não-beligerância, entre outros, acordos havia que não previam isso. Os furriéis dos grupos viviam em dois quartos seguidos. Oito em cada, quatro camas frente a frente. Num daqueles quarto o cristo era o Marques. É um doente, coitado, uma doença incurável, Canjambari não tem tratamento, dizia um a cada passo. O Marques tinha vindo de Canjambari, um buraco muito falado. Qualquer coisa servia para se meterem com ele. Tinha poder de encaixe, fora praticante de luta greco-romana, lá na Amadora dele. Mas havia um ou outro que exagerava no gozo, tanto que o Azevedo, se começou a chatear também, estava a ser gozo a mais com o camarada do grupo dele. Se fosse comigo o assunto resolvia-se a murro. Lá para os meus lados, nos Arcos de Valdevez, as mãos também servem para bater nas trombas dos gajos atrevidos. Treta, terá dito outro. No regresso de uma saída, ansioso por um banho e pela cama, o furriel Azevedo entrou confiante no quarto. Camuflado, meias, botas, tudo directo para lavar, banho a seguir. Quando abriu o mosquiteiro da cama teve uma surpresa, em cima do lençol só se viam beatas de cigarro, uma ainda largava fumo. E os camaradas de quarto, a lerem e a escreverem, como se não fosse nada com eles. Quem foi o cabrão que fez isto? Ninguém se acusa? Houve um, claro, por coincidência o tal da treta, que se adiantou, mal se levantou teve que tentar levantar-se de novo, de uma saraivada de socos que o tinham levado às cordas, neste caso ao cimento.
Eram muito diferentes. O furriel Azevedo tinha ossos, músculos, uma melena a cair-lhe para os olhos e um dente partido a meio por um murro. Rebelde, olhos de águia, andar felino. O furriel Marques, ruivo, sardento, pele clara, olhos azulados, ar um pouco místico, era um sonhador. A tendência para mandar no quarto nem sempre era bem vista pelos outros e nunca pelo Azevedo. Numa rua em Bissau, uma pequena troca de palavras e de olhos entre os dois deu lugar à marcação de um encontro nas traseiras dos quartos, logo que chegassem a Brá. Sem testemunhas. Deram as voltas todas que tinham a dar, até que regressaram ao quartel. Depois, nas traseiras do edifício dos quartos, encontraram-se os dois, frente a frente, sem testemunhas, sem camisas e sem palavras mas, pelos resultados, com abundância de outros meios. Breves e tão eficazes que dali para a frente nunca mais tiveram problemas de comunicação.
A guerra espalhava-se a todo o território. Via-se que faltava muita coisa, armas mais compatíveis com o tipo de conflito. Mas não só, talvez até as armas fossem menos importantes. O que se via era falta de liderança, de crença, de um projecto que os unisse, na metrópole e na Guiné. Dizia quem vinha de férias, que, em Lisboa, ninguém sabia ou queria saber o que se passava na Guiné e isso tocava-lhes. Para quê, estarem aqui, rodeados de arame farpado, se não tinham qualquer tipo de ligação àquela terra? Um sentimento de paragem, de perda de vidas e de projectos. Via-se neles todos, em todo o lado, estivessem em Suzana, Madina, Guilege ou em Cameconde. E mais, viam com desconfiança e até com mal disfarçada hostilidade aparecerem-lhe os comandos, na zona deles. A chegada destes implicava sempre sarilho, enquanto lá se mantivessem ou depois de abandonarem a zona.
Os Comandos levavam uma guerra limpa, higiénica, como se dizia. Saíam, faziam o serviço e regressavam na primeira oportunidade, deixando para trás a carga de sarilhos que vinha a seguir. Era a desvantagem da quadrícula, estarem fixos em povoações transformadas em quartéis, presos dentro do arame farpado, primeiro sem quererem sair e depois, em alguns casos, já sem poderem. Deixavam o mato para o PAIGC, em várias zonas dono e senhor daquelas florestas e dos caminhos. Em Brá, outra vez para mais uns dias de descanso os comandos tratavam de se manter operacionais. Nas horas de lazer, iam para a cidade, para os conhecimentos que tinham adquirido. Eram tão disciplinados entre eles no mato, como insurrectos na cidade. Por isso, não era de admirar as queixas da Polícia Militar, nem as reclamações dos camaradas das outras unidades que repartiam com eles as instalações de Brá. Para eles que faziam a guerra, que viam não só as caras como também as armas dos guerrilheiros, a questão estava reduzida a pormenores técnicos. A componente moral, a mais importante, ia-se gastando também com o tempo, a que não era nada alheia a convivência em Brá com batalhões recém-chegados e especialmente com os Adidos. Estavam assim reduzidos às armas e aos divertimentos. Uma combinação explosiva, como se foi vendo ao longo daquele tempo.