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quarta-feira, 6 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23148: (In)citações (203): "Naturalia non turpia": o que é natural não é vergonhoso, meus meninos (diz-nos, puxando-nos as orelhas, a Rosa Serra, ex-alf mil enfermeira paraquedista, BA 12, Bissalanca, 1969)

Rosa Serra, em Ponte de Lima,
 24 de agosto de 2020.
Foto: António Leitão (2020)
1. Ainda estava na cama, hoje, às 10h06 quando a Rosa Serra me telefonou... Já não estava a dormir, não, senhora, estava apenas a fazer horas para dar os parabéns, às 10h30, à minha filha, Joana, que hoje faz 44 anos, e à sua mãezinha, na cama, a meu lado...

− Não incomdas, não, senhora, minha querida camarada da Guiné, das poucas que tive, porque as únicas que havia eram vocês, enfermeiras paraquedistas... Então ainda estás em Mafra, ao pé da tua filha, onde foste passar o dia os teus anos ?... 

Não, já voltei a casa, em Paço d'Arcos, até porque tinha, ontem, uma consulta médica... 

− Então, diz lá a que se deve a honra desta chamada telefónica, tão  matinal e primaveril ?

Sabe, estou fula...

− Faz o favor me tratar por tu, afinal somos camaradas ou ex-camaradas...

− Está bem... Estava eu a dizer que estou fula com vocês, seus machõeszinhos... Tu, o Miguel e o autor da história deviam conhecer o aforismo de Hipócrates, "Naturalia non turpia"... Para os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, etc., o que é natural não é vergonhoso.

Essa história está mal contada (*). Não é um questão de pudor da senhora enfermeira, mas sim de profissionalismo. Eu não era a enfemeira em questão, estava em Tancos, no Regimemto de Caçadores Parquedistas,  nessa altura, em 1971, depois de ter passado pela Guiné (1969) e por em Angola (1970): em Luanda,  nem sequer ia ao mato fazer helievacuações. 

Mas tenho que defender a honra do convento. Fiz o meu curso de 3 anos, na escola de enfermagem do Hospital de Santo António, acabei em 1966. E aprendi logo a algaliar os doentes, homens e mulheres. Passei pela urgência, ainda havia naquele tempo alguns médicos que mandavam chamar os enfermeiros (havia poucos, a profissão era e ainda é muito feminina). Por mero preconceito, chamavam os enfermeiros, não chamavam as enfermeiras.

O Miguel sabe  que a Zulmira pôs o seu próprio casaco por cima do corpo do cubano, o capitão Peralta,  não para lhe encobrir as "vergonhas", mas por causa da hipotermia. Eu na Guiné, também fazia isso. Os doentes que eram helievacuados vinham em choque, sofrendo de hipotermia. O cuidado da enfermeira era, logo, cobri-los com uma manta ou com algo, uma peça de vestuário,  que lhes pudesse manter a temperatura do corpo até à chegada ao hospital...

− Tens toda a razão, Rosa, não está em causa o vosso alto profissionalismo... Eram maneiras nossas de ver ou de perceber as coisas... E, concordo, havia alguns preconceitos em relação a vocês, ou melhor, alguns mal-entendidos, fruto do desconhecimento da vossa origem e formação e até da vossa missão...

−  Havia até quem pensasse que nós (ou algunas de nós) éramos freiras!...

−  Santa igniorância... Olha, posso fazer um poste com o teu esclarecimento (que é também um protesto) ?

Estás à vontade, agradeço-te...

− Então, ciao, as tuas melhoras... Agora é tua vez de cuidares de ti.

E aqui fica o esclarecimento (que é também implicitamente um protesto) da nossa querida Rosa Serra, uma valente mimhota de Vila Nova de Famalicão, que tem mais de meia centena de referências no nosso blogue. (**)

2. E a propósito desta história lembrei-me de uma outra, a de um amigo meu, alentejano,  que tem uma filha, médica, com a especialidade de urologia (o que era rara no passado). 

Um dia acompanhou o pai numa caçada. E também levava a sua arma. Os caçadores, todos homens, sentiram-se algo incomodados, porque já não podiam mandara  a sua c...., frente a uma senhora, para mais médica. 

O meu amigo  pô-los logo à vontade, desde a primeira hora:
− Não se acanhem, meus senhores. Por dever de ofício, a minha filha está farta de ver piças e cus!

_________

Notas do editor:

(...) Histórias pícaras > Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

(...) Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate, é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que, ao ver o soldado Santos sem roupa, diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.

José Afonso (...)

Comentários:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Miguel e Giselda: Vão gostar de ler esta história... Quem seria a enfermeira... "púdica" ? A história é verosímil ?.. Era uma questão de "pudor" ou de "segurança do doente" ?

(...) Falsa questão: para a enfermeira, é um problema de "dignidade do doente", em primeiro lugar, e talvez também de segurança...

(ii) Miguel Pessoa:

(...) Luís, acho que já respondeste à questão - é uma questão de proteger a dignidade do evacuado, ninguém gostaria de andar a ser passeado nu, aos olhos de toda a gente...

Lembro-me que a Zulmira também cobriu o cubano Peralta com o seu próprio blusão, dado que ele estava a tremer e era preciso manter o corpo a uma temperatura decente, portanto é uma questão de segurança do próprio evacuado.

E convenhamos que pruridos no meio da guerra deveria ser assunto que não devia preocupar as enfermeiras paraquedistas. (...)

(iii) Fernando Ribeiro:

Este é um daqueles erros que cometemos sem pensar: nu em pelota. A expressão em pelota, por si só, já quer dizer nu. (...)

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22085: FAP (124): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que fez a helievacuação do cap cubano Peralta, em 18 de novembro de 1969 (Miguel Pessoa, cor pilav ref)


Foto nº 1 A > Mira-Sintra / Meleças > 2018 > O ex-fur mil pil António Galinha Dias, BA 12, Bissalanca, 1968/70. É hoje sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda. com sede em Évora.


Foto nº 1 >  Mira-Sintra / Meleças > 2018 > Convívio de pessoal da FAP que voou na Guiné. O segundo a contar da esquerda é  ex-fur mil pil António Galinha Dias, que fez a helievacuação do cap cubano Pedro Rpodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, sendo a enfermeira paarquedista a Maria Zulmira.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do Miguel Pessoa, herói dos céus da Guiné, ferido em combate por um míssil Strela, ex-ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972-74, hoje cor pilav ref, com mais de 2 centenas de referências no nosso blogue:

Date: quinta, 8/04/2021 à(s) 14:50
Subject: Piloto do heli que evacuou o Peralta (*)

Olá, Luís.

Encontrei esta foto do Galinha Dias,  tirada num convívio de pessoal que voou na Guiné, realizado em 2018. 

O Galinha Dias é o 2º da esquerda, de blusão cor de tijolo [. Foto nº 1, acima]

Abraço.  Miguel
_____________

quinta-feira, 18 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22015: FAP (123): Em louvor do ex-fur mil pil av António Galinha Dias e da tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) que fizeram a evacuação Ypsilon do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, na sequência da Op Jove (Jorge Narciso / Maria Arminda)


O ex-fur mil pil av António Galinha Dias 
e a tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira (1930-2010)


1. Comentário, ao poste P22014,  do Jorge Narciso, ex-1.º cabo esp, MMA, BA 12, Bissalanca, 1969/71, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2009:

Abraço para o editor de serviço

Há algum tempo que não passava pelo Blogue, o que por mero acaso resolvi fazer hoje e, surpresa, vejo uma foto minha neste 1.º Post, visível,

Li e percebi a associação dos dois eventos relatados.

Sem aparentemente nada a recordar, notei no entanto a dúvida quanto a quem seria o Piloto da evacuação e lembrei-me que num almoço de convívio de pessoal da BA12 tal assunto veio à baila e, através do próprio, soube (apesar de ter participado, jamais me relembraria) que o Piloto foi o António Galinha e a enfermeira a Maria Zulmira
Mais um Abraço
Jorge Narciso

18 de março de 2021 às 01:15

2. Comentário do editor LG:

Em informação complementar,por email, o Jorge Narciso precisou que se trata do António Galinha Dias, ex-fur mil pil av. É de Torres Novas, vive hoje em Évora e tem página no Facebook (, embora inativa desde 1 de julho de 2019), e donde com a devida vénia fomos buscar a foto que publicamos acima. Sem querer fazer concorrência ao excelente blogue dos Especialistas da Base 12, Guiné 1965/74, e muito menos melindrar o seu fundador e editor principal nosso querido amigo, camarada e nosso grã-tabanqueiro, Victor Barata, convidamos o António Galinha para se juntar à Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas, onde, de resto, o pessoal da FAP, que andou pelos céus da Guiné daquele tempo, está também muito bem representada.

Por sua vez. a Maria Zulmira [André Pereira] [1931-2010] tem 8 referências no nosso blogue.


3. Reprodução, com a devida vénia de um testemunho da Maria Arminda [Santos],  ex-ten enf pqdt, publicado no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, em  17 de outubro de 2010 (**):


(...) Como sempre refiro: A vida São os Dias que nos Lembramos. Quando o contrário acontece, em que já não estamos cá fisicamente ou a nossa memória partiu para outros universos de pensamentos, a vida deixa de ser real.

São essas as razões porque a memória dos Homens, anda por vezes distraída mas enquanto a minha não se ausentar totalmente,  quero, não só recordar mas ainda para que fique para a história, pelo menos como registo neste blogue, quem foi a Enfermeira Paraquedista que assistiu e tratou o Capitão do Exército Cubano ao serviço do PAIGC, Pedro Rodriguez Peralta, ferido e evacuado da zona do Guileje.

Sempre que se fala da captura do Capitão Peralta, fico muito triste e decepcionada. Na recente publicação pelo jornal Correio da Manhã, intitulada “As grandes Operações Militares da Guerra Colonial “, e até noutras publicações anteriores por outros órgãos de comunicação social, são referidos os nomes dos oficiais que planearam e executaram a “Operação Jove”, realizada em 18 de Novembro de 1969 pelas Tropas Paraquedistas na zona do Guileje. Foi nessa operação que foi ferido e capturado o referido oficial cubano e mais não dizem, ficando a narrativa incompleta.

Quando foi solicitada, pelo Sr. Capitão Paraquedista Bessa uma evacuação urgente, foi enviada de helicóptero uma enfermeira paraquedista a quem foram dadas ordens expressas,para fazer tudo, mesmo tudo o que estava ao seu alcance,  para salvar aquele ferido que se encontrava em péssimas condições físicas e em estado de choque, não podendo falhar nada para que o doente chegasse vivo ao hospital e em condições gerais estáveis para ali ser intervencionado de imediato.

A enfermeira iria fazer o que sempre fez aos feridos em situações semelhantes, mas a carga emocional foi grande pelo tom imperativo que envolveu a recomendação.

Logo que o ferido lhe foi entregue procedeu de forma adequada,  estabilizando o seu estado geral, terminando com a colocação do seu casaco de camuflado para o aquecer até chegar ao hospital.

No fundo não fez mais do que fazia habitualmente; a carga emocional é que foi muito maior, porque ela sentiu o peso da importância daquela vida para os militares envolvidos na operação, a importância para a própria organização militar e logicamente para o país, dadas as características do prisioneiro ferido. Só começou a aliviar o seu stress depois de o entregar no Hospital Militar de Bissau, vivo e em condições para novas intervenções só feitas a nível hospitalar.

Parece que a enfermeira não teve importância nenhuma, muito menos mérito nenhum em toda esta história.

Nós éramos tão poucas, não seria difícil aos investigadores e autores dos artigos informarem-se dos nomes da enfermeira, do piloto e eventualmente do mecânico, que tal como a enfermeira passaram por níveis acrescidos de stress na missão deste acontecimento muito especial e que foi sem dúvida com grande mérito para as nossas tropas, tendo ficado por esse facto, na história da guerra da Guiné.

Para que conste, e para que pelo menos fique registado no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12 o nome da citada enfermeira: Maria Zulmira Pereira André, tenente graduada enfermeira Paraquedista, foi a enfermeira que foi buscar nas matas do Guileje o Cubano, senhor capitão Peralta.

Tenho pena de não referir os nomes do piloto e do mecânico porque na questão de evacuações, éramos um todo, cabendo a cada um a sua tarefa específica, complementávamo-nos para que a missão fosse bem sucedida. Mas também eu desconheço quem foram eles.
Sempre que falava com a Zulmira sobre este acontecimento e que ia dizer aos distraídos que tinha sido ela a tal enfermeira, respondia-me com esse seu modo conciliador: "Deixa lá, Maria Arminda, não te aborreças, não tem importância nenhuma não falarem de mim, isso hoje não interessa, já passou".

Não é bem assim, minha amiga, e agora que já não estás entre nós, tomo esta atitude para honrar a tua memória, pela pessoa boa que sempre foste, pelos amigos que fizeste, pelo extraordinário desempenho profissional e com espírito de missão que sempre puseste ao serviço de todos.

Grata pela oportunidade de dar a conhecer este pormenor da Operação Jove e da importância que a enfermeira Zulmira André teve na vida do Capitão Peralta e na projecção do êxito da mesma captura pelas tropas paraquedistas.

Com os meus Cumprimentos

Maria Arminda
ex-tenente enfermeira paraquedista
 

(**) Vd. poste:

Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 >  domingo, 17 de outubro de 2010 > Voo 1956 Que fique para a História

quarta-feira, 17 de março de 2021

Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]



Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 (1969/71) > Jorge Narciso, ex-1º cabo especialista MMA, junto a um helicóptero Alouette III.

Foto: © Jorge Narciso (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > A primeira mina A/C detetada e levantada: na imagem o alf mil Nelson Gonçalves e o 1º cabo Manuel Seleiro.



Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > O estado em que ficou a viatura, Unimog, em que ia o alf mil Nelson Gonçalves.


Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Onze anos depois, reproduz-se aqui um poste do Jorge Narciso (*) com um comentário ao poste P5741 (**) do nosso saudoso Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2107) (**)

O pretexto é a efeméride da captura, ferimento e helievacuação do cap cubana Pedro Rodriguez Peralta, no corredor de Guileje, em 18 de novembro de 1969 (***).

Foi numa terça-feira (, depois de ter lançada na sexta-feira anterior), andava a Apolo XII já em órbita lunar, com 3 astronautos a bordo (, como se pode ler no título de caixa alta da edição do  vespertino "Diário de Lisboa", desse dia...)


Lisboa > Semanário "Expresso" >Edição
de 15 de dezembro de 1973 >O capitão
cubano Peralta no Tribunal Militar
de 1º instância. Uma foto  que a censura
não deixou publicar.
Um dia de azar, esse dia 18 (e, ao mesmo tempo,  de sorte) para um cubano, apanhado em emboscada, montada para o 'Nino' Vieira, no corredor de Guileje (ou "corredor da morte"), pelos nosos camaradas do BCP 12... Ficou para a história como a Op Jove (16-18 de novembro de 1969). 

Apesar de ferido, com gravidade, o cubano 
foi salvo pelos seus captores e enviado, de helicóptero, para o HM 241, em Bissau, onde a equipa cirúrgica  (onde se incluia o camarada José Pardete Ferreira) fez o seu melhor para lhe salvar o seu braço direito. 

Há dois testemunhos sobre esse dia,
 que vale a  pena  "repescar", o do Jorge Narciso,  1º cabo especialista MMA, BA 12, 
Bissalanca  (1969/71) e o  do  Jorge (Teixeira, (Portojo,  ex-fur mil arm pes inf, 
Pelotão de Canhões S/R 2054  (Catió, 1968/70)  (foto abaixo). 


Jorge Teixeira (Portojo)
(1945-2017)
Mas uns dias antes, a 13, na quinta-feira anterior [na véspera da Apolo XII ser lançada], o alf mil Nelson Gonçalves, cmdt do Pel Caç Nat 60, é também ferido gravemente, em combate: o Unimog em que seguia, accionou uma mina A/C.  

Dias mais tarde, acorda,  sem um perna, num quartdo do HM 241, Bissau... Justamente  na cama ao lado,  está um estrangeiro, o cap cubano Peralta. 

O drama foi-nos contados pela sua esposa, a Manuela Gonçalves (Nela) , membro da nossa Tabanca Grande da primeira hora, em dois postes de  2006 (****).

Nessa altura, em novembro de 1969, a Nela era uma jovem estudante universitára, vivendo a guerra à distância, mas com a morte na alma, com o seu namorada, Nelson Gonçalves, a combater na Guinjé... Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com a família, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Por volta de 2005/2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente-

Na altura em que tanto o Pedro Rodriguez Peralta como o Nelson Gonçalves foram parar ao HM 241, um dos cirurgiões que lá estava colocado, era o nosso camarada José Pardete Ferreira (1941-2021)... (E já lá estava, internado,  com problemas do foro respiratóriio, o Jorge Portojo: da varanda sua enfermeria, no 1º andar, tinha vista desafogada  para o heliporto.)

Recorde-se que, no seu livro "O Paparratos", o José Pardete Ferreira  conta-nos que, por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) Peralta mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi "um pobre de um alferes miliciano", com uma perna amputada por um mina (não A/P mas A/C), que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele [, sabemos agora quem era, o Nelson Gonçalves], e com razão: "Se os gajos [o PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145) (***).

Registe-se, para a história, o nome, já esquecido, da Maria Zulmira Pereira André (1931-2010), a nossa Maria Zulmira [, foto à direita],  tenente graduada enfermeira paraquedista: foi ela quem,  competente e denodamente, acompanhou a evacução Ypsilon do cap Peralta. Resta saber quem era o peilo do AL III.


2. Um dia nas nossas vidas...

por Jorge Narciso [, foto atual, à esquerda] (#)


De Jorge (Narciso)  para Jorge [, Teixeira, 'Portojo', infelizmente já falecido em 2017]

Caro: Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamou a atenção a foto do heli aterrado no HM 2141, Bissau, contida no teu poste

E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam. Tentando alinhar ideias:

Como mecânico dos helis, foi exactamente 

Bissau > 1969 > O Heliporto do HM 241.
Foto de Jorge Teixeira (Portojo)
(2010)
no Hospital Militar que (excepção feita, naturalmente, à BA 12, em Bisslanac) mais vezes aterrei na Guiné. E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis. Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) infra-humanas de homens que para ali transportei, seja a indescritível visão da sala de horrores, chamada triagem, onde eles eram colocados; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.

Mas outra lembrança conseguiste, com o teu poste, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.

Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.

Resultados:

(i)  Ferido e capturado em 18 de novembro de  1969 durante a operação Jove, realizada pelos Páras [BCP 12] entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje;

(ii) A  base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.

Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios) quero ainda confiar.

Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:  das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parêntesis.

Assim:

(1) Eu só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM 241, pelas condições extraordimárias em que decorreu essa evacuação, cujos contornos passo a descrever.

(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos longe de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 helicanhão, transportando uma equipa de manutenção e uma enfermeira paraquedista.

Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS..

Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.

Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todos os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecânico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o helicanhão para protecção destas e para intervenções de tiro, se solicitadas.

(3) Nesta operação em particular, a Op Jove, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma (nos helis e durante os voos, mesmo que não quiséssemos, ouvíamos muita informação dita classificada): captura do 'Nino'Vieira. .

(4) No dia 18 de novembro de 1969 (Precisei a data na citada consulta na Net), portanto no 3º dia da Operaçãp, voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei [, no corredor de Guileje], no helicóptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,

Porquê?

(5) Os Alouette III têm capacidade para transportar 6 passageiros, para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco traseiro.

Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que, por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares traseiros.

No caso desta evacuação (Cap Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.

Para resolver o problema e - repito - se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:

(6) O helicanhão, que fazia a protecção à evacuação, aterrou na ZOPS, nele tendo embarcado o mecânico (eu próprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa, é que não me recordo como - noutro heli ? de DO 27 ? ), pois no helicanhão não foi concerteza.

Como remate a estes factos, este voo no helicanhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho de 1969. o eu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante, o maj pilav Rodrigues  e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico de Armamento/Apontador.

Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrência.

Voltando ao poste e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.

Como atrás referi, não me lembro se terá sido inclusive participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a sorte (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações.

[# Título, revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste poste P22014]

_______________

Notas do editor:



(**) Vd. poste de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)
 

HM 241 > Novembro de  1969 > O
Jorge Teixeira (Portojo)
à janela...


(...) Estava lá eu na tal janela virada... no primeiro quarto, do primeiro andar, frente, direito, do HM 241, em Bissau,  e ouvi chegar um Heli. Logo os habitantes vinham ver do que se tratava, pois além de ser um passatempo a contabilização dos que chegavam por este meio transportados, queríamos sempre saber de quem se tratava. Porque até poderia ser um dos nossos mais íntimos. 

Neste dia quem chegou foi um barbudo (fiz uma foto, que veio para os amigos da metrópole, mas como tantas outras, desapareceu).. Pensámos, pelo seu aspecto: "Olha um Fuza. Fodeu-se"... Mas não era, soube à noite quando fiz a ronda do costume para passar o tempo, estranhando ver Comandos de sentinela à porta, que era um cubano, de nome Peralta. Não me dizia nada. Depois disse. Por isso a tal foto para a rapaziada da metrópole... Mais tarde, anos depois, soube da sua libertação [em 15 de setembro de 1974]..

Mas a conclusão é: Será que o Jorge Félix  [, ex-alf mil pil, BA 12, Bissalanca, 1968/70] se recorda ou até terá dado a sua colaboração a esta operação?

Por casualidade, o José Manuel  Cancela também estava hospedado, na mesma altura, no mesmo Hotel Militar de Bissau. Mas no terceiro apartamento. Só o soubemos há dias quando entreguei esta foto - entre outras - para o Carmelita digitalizar e ele viu. Estórias de vida." (...) 

Vd. também poste de 1 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10747: Blogues da nossa blogosfera (60): Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241, no Blogue Coisas da Vida (Jorge Teixeira - Portojo)

(***) Vd. postes de:


15 ede março de  2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

(****) Vd. postes de: 

8 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P596: Dia Internacional da Mulher (1): Sara Martins, presente! (José Martins) e A Guerra no Feminino (Manuela Gonçalves)

(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [, o Nelson Gonçalves,]e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60 (*****),  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial. A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



(*****)  Sobre o Pel Caç Nat 60 e a mina que vitimou o alf mil Nelson Gonçalves: Vd. postse:

 Guiné: Pel Caç Nat 60 > 

Terça-feira, 7 de maio de 2019 > P185: Aniversário do Pel Caç Nat (60)

Quarta-feira, 4 de novembro de  2009  > P13: O Nhambalã

(i) Foi formado a 7 de Maio de 1968, em S. Domingos;

(ii) estve com a CCS/BCaç.1933, CCaç. 1790, CCaç. 1791, em São Domingos, de maio a fins de novembro de 1968;

(iii) seguiram para Ingoré, ficando adidos à CCaç 1801 de novembro de 1968 até agosto de 1969;

(iv) reegressaram a a S. Domingos, em agosto de 1969, fiacando adidos à CCav 2539.

(vi) ficaria aquartelado em S. Domingos /Susana, até ao ano de 1974;

(vii) o primeiro comandante  foi  o ex-alf mil  Luís Almeida, rendido pelo ex-alf mil Nélson Gonçalves 
(, ao tempo do BCAV 2876, São Domibgos, 1969/71);

(viii) a 13 de novembro, de 1969 a viatura em que seguia  o Nelsom Gonçalves, acionou uma mina anti-carro sendo este sido ferido com gravidade, e helievacuado para o HM 241 e depois para o HMP;

(ix )de vovembro de 1969 a janeiro de 1970, o pelotão foi comandado pelo ex-fur mil  Rocha.

(x) em janeiro de 1970 o ex-alf mil Hugo Guerra comandava o pelotão,  sendo ferido no dia 10 de Março,  quando o 1º cabo Manuel Seleiro desativava uma mina anti-pessoal.(...)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15416: Notas de leitura (780): “Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
É uma leitura que nos permite ficar a conhecer a formação dos enfermeiros militares. Temos aqui um registo de exaltação do enfermeiro a falar desses enfermeiros, alguém que escreveu que os feridos da guerra colonial, na sua agonia e sofrimento aprenderam a só reconhecer um verdadeiro herói na pessoa do enfermeiro de combate que, desarmado e debaixo de fogo, os socorria nas picadas lamacentas. E dei comigo a pensar que ainda não li um elogio semelhante aos maqueiros, falando por mim tive o privilégio da colaboração de maqueiros extremosos que me acompanhavam nas operações, as populações do Cuor confiavam neles, acompanhavam os doentes até à consulta médica, faziam pequenos tratamentos a qualquer hora do dia e da noite.
Por favor, se conhecerem relatos sobre estes maqueiros peço-vos a amabilidade de mos transmitirem.

Um abraço do
Mário


Sopros de vida, por José Lemos Vale

Beja Santos

“Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011, é uma homenagem de quem foi enfermeiro na CART 3505 de 1972 a 1974 e atuou em Diaca, Cabo Delgado, Moçambique. O autor esclarece: “O principal objetivo deste livro é o de relembrar a ação humanitária dos ex-enfermeiros militares e sobretudo a abnegação, coragem, sentido de entrega e generosidade de todos os ex-enfermeiros operacionais e das ex-enfermeiras paraquedistas que prestaram serviço na guerra colonial”. E exalta o combatente enfermeiro: “Era ao enfermeiro que cabia dizer ao companheiro caído, trespassado por uma rajada de metralhadora, que tivesse coragem, que não iria morrer, que tivesse fé e era a ele que cabia procurar, na picada ou no capim, o que restava do homem feito em pedaços por uma mina e depois arrumar o que pode encontrar para que as famílias viessem a ter algo dos seus entes queridos para velar. Quando se ouvia o sinistro estrondo de uma mina, ou o ladrar raivoso das metralhadoras a disparar a morte em pedaços de chumbo em brasa, todos os soldados se atiravam ao chão e se protegiam debaixo das viaturas ou num buraco qualquer. Todos, não! Carregando uma singela maleta com alguns medicamentos de primeiros socorros, os enfermeiros de combate corriam desarmados, debaixo de fogo inimigo, sob chuvas diluvianas ou sol abrasador, rastejavam nas tormentosas picadas tentando socorrer um companheiro em dificuldades ou em risco de morte que, em desfalecimento, suplicava: enfermeiro, aqui”.

O autor introduz um punhado de relatos de feridos em combate, onde constam os de Arquimínio Carrasco Marcão, da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121, Guiné, 1970-1972, José Pereira Lopes, Guiné, 1972-1974 e Victor Tavares, também da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121. Arquimínio Marcão depõe: “Eu regressei ferido. Fui apanhado numa emboscada quando já tinha 19 meses de comissão e ia ser distinguido com o Prémio Governador da Guiné. Depois deram-me um louvor. Uma rajada de metralhadora atingiu-me na barriga, no braço esquerdo, e o mais grave na perna esquerda: a bala entrou junto ao joelho e saiu entre as pernas”. José Pereira Lopes vivenciou o inferno de Gadamael: “Eramos obrigados a ir para as valas de água para fugirmos aos ataques. O pouco que comíamos era debaixo de fogo. Alguns, com a aflição de tentar fugir, atiraram-se ao mar e acabaram por morrer afogados”. Victor Tavares recorda a operação “Pato Azul”, na zona de Tite, o Alferes Afonso Abreu pisou uma mina antipessoal, improvisou-se uma maca alguns metros à frente um dos paraquedistas que pegava na maca acionou o fornilho que matou seis militares, incluindo o sinistrado alferes. E expõe a situação: “O Sousa, enfermeiro, que até aí tinha sido um herói no socorro ao Alferes Abreu e que seguia ao lado da maca segurando o frasco do soro, viria a morrer ficando sem um dos braços. Regressados ao destacamento, os feridos mais graves foram conduzidos para tendas onde lhes foram prestados os primeiros socorros por enfermeiros e socorristas que não tinham mãos a medir para aqueles que mais sofriam: uns choravam em sofrimento, porque os paraquedistas também choram”.

Esclarece a formação dos enfermeiros militares. No Hospital Militar Principal especializavam-se os cabos milicianos que seguiam para África como furriéis enfermeiros. No Regimento do Serviço de Saúde preparavam-se os soldados que eram enviados para a guerra como primeiros cabos enfermeiros. A instrução e especialização consistiam essencialmente em aulas teóricas onde os instruendos aprendiam matérias como: avaliação e tratamento do estado de choque; traumatismo craniano e torácico; improvisação de talas ortopédicas; urgências respiratórias e reanimação cardiorrespiratória; tratamento do choque anafilático; noções de traqueostomia (teoria); prática de pequenas cirurgias; estancamento de hemorragias; imobilização de fraturas internas; analgesia e sedação; tratamento de feridas extensas; injetáveis de vária natureza; tratamento antiofídico e antipalúdico; tratamento de doenças venéreas. No Regimento de Serviço de Saúde era também dada formação às especialidades de maqueiros e analistas de águas. Refletindo sobre as condições terríveis do trabalho do enfermeiro, recorda-nos que por vezes ele cedia às emoções e dá a sua interpretação: “Não é fácil ver um homem com os intestinos a saírem-lhe do abdómen e derramados pelo chão. É algo de pavoroso ver um corpo sem pernas, sem braços, às vezes sem as pernas e os braços. É arrepiante ver a massa encefálica a escorrer do crânio desfigurado por ter ficado sem parte da cara”. E comenta seguidamente o tratamento-tipo destes feridos e como se procurava aplacar as dores em estado de choque ou para impedir o aparecimento de gangrenas, por exemplo. Refere ainda o apoio psicológico do enfermeiro a militares deprimidos e em quadros de tentativa de suicídio. Menciona mesmo que o número de mortes de militares por suicídio foi muito significativo, o que sinceramente me deixou confuso, nunca considerei esta possibilidade. Para os grandes feridos era pedida uma evacuação e aí entravam as enfermeiras paraquedistas. Lemos Vale recolheu testemunhos de dois enfermeiros militares, dois deles antigos combatentes da Guiné: Hugo Rodrigues Coimbra e José Eduardo Reis Oliveira que nós aqui no blogue conhecemos por JERO.

A recordatória das enfermeiras paraquedistas tem sido alvo de vários livros dos últimos anos, a sua formação, a mudança que trouxeram as tradições militares, os primeiros cursos destas boinas verdes, são assunto sobejamente conhecido. Ganham realce alguns depoimentos destas briosas profissionais de saúde como o de Zulmira André que foi buscar a Guileje o Capitão Peralta, no âmbito da operação “Jove”. O autor tece-lhes uma homenagem tocante, lembra como elas excederam todas as expetativas dos responsáveis daquele projeto pioneiro, estas enfermeiras levaram os combatentes o carinho, o profissionalismo, o altruísmo e o elevado sentido de missão, pondo a mulher num plano jamais observado, não como enfermeira num Hospital de Guerra mas indo fisicamente a locais de muito risco, salvar vidas.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15410: Notas de leitura (779): "Combater duas vezes: as mulheres na luta armada em Angola", da antiga combatente do MPLA e hoje antropóloga Margarida Paredes (Vila do Conde: Verso da História, 2015)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,

Creio que a generalidade dos textos incorporados no livro “A mulher portuguesa na guerra” terão sido publicados na revista da Liga dos Combatentes.

Os depoimentos das enfermeiras paraquedistas são muito interessantes, Maria Zulmira André conta como foi buscar um ferido e um oficial paraquedista, responsável pela missão, a informar que não podia de modo algum deixá-lo morrer. Soube mais tarde que se tratava do capitão Peralta, oficial cubano.

“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, é um livro emocionante, porque justo, varonil no recorte das figuras que vão dar respiração a tudo quanto se segue, todos convergem para o RI 15, dali abalam para a Guiné.

É reconfortante encontrar tão bons nacos de prosa de que ninguém fala, até apetece tocar o sino e perguntar aos editores porque ignoram documentos de altíssima qualidade.

Um abraço do
Mário


"A mulher portuguesa na guerra"; "A Pátria ou a Vida"

Beja Santos

“A mulher portuguesa na guerra e nas Forças Armadas”, coordenação do coronel Alberto Reis Soares e edição da Liga dos Combatentes, 2008, reúne textos de mulheres que viveram a guerra, acompanhado familiares ou como enfermeiras paraquedistas, as primeiras profissionais na frente de combate. No que toca à Guiné, este livro acolhe textos de um ex-combatente da CCAÇ 1418, José Jesus Cristóvão, e textos das enfermeiras paraquedistas Ivone Reis, Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos e Maria Zulmira André.

Escreve José Jesus Cristóvão: “Partindo de Nova Lamego, íamos fazer uma operação a Madina do Boé. Deslocaram-se duas companhias, em viatura até ao Cheche, localidade junto do rio Corubal. A companhia que seguia à frente pisou uma mina e o militar que ia ao lado do condutor apanhou com a explosão em todo o seu lado direito. Já era noite, não foi possível a evacuação por helicóptero, tivemos que recolher num abrigo subterrâneo até ser dia para poder ser evacuado. Muito cedo, logo que foi possível ao heli, ele lá estava para evacuar o nosso camarada. O heli a poisar e já a maca corria (era levada) por dois camaradas nossos. Do heli salta uma enfermeira paraquedista agarrada à mala dos primeiros-socorros. Quando chegou junto do nosso camarada ferido, com a sua ternura feminina dá-lhe um beijo, ou mais do que um, acaricia-o, conforta-o e acompanha-o para dentro do heli… lá fomos atravessando o rio Corubal na precária jangada, em direção a Madina do Boé, tive este pensamento: que tamanha força pode fazer uma mulher na guerra! Ela não deu um beijo só ao meu camarada ferido… também deu um beijo a cada um de nós, que avançávamos!”.

A enfermeira Arminda tem um longo depoimento, intitulado “A minha vivência na Guiné”. Deixa-se o registo de algumas das suas memórias: “Eu tinha sido destacada para uma base de operações em alerta para evacuação urgente de feridos, desenrolava-se na zona de Cantanhêz uma grande operação militar. Numa evacuação o ferido mais grave era um turra, como se chamava na época. Vendo que o sol incidia sobre a sua cabeça, apressei-me a colocar-lhe a minha boina para o proteger, mas os outros feridos africanos indignaram-se porque era bandido. Porém, para nós, enfermeiras paraquedistas, era apenas mais um ferido a necessitar de todo o meu saber e empenhamento”. Descreve outra situação: “O avião foi puxado para junto dos bidões de areia e do arame farpado que protegia a área do quartel, onde o piloto e eu nos refugiámos. Os soldados à nossa volta deitados no chão com armas prontas a fazer fogo, montaram uma frente de proteção. O quartel foi posto às escuras e continuámos à espera dos feridos que nunca mais chegavam. Senti medo, pedi aos soldados que nos defendessem, porque, apesar de ter tido instrução de fogo, a nossa principal arma era a bolsa de primeiros-socorros. Fomos informados que um jipe com feridos estava a chegar. E agora que fazer, com feridos mas sem ordens para voar de noite? O ferido mais grave era um soldado com uma mão esfacelada e em estado de choque. Percebi de imediato que aquele jovem ia morrer se ali ficasse mais tempo, quanto mais se tivéssemos que esperar pelo amanhecer. O piloto e eu falámos sobre o assunto, ambos assumimos que íamos sair dali. Depois colocado a maca do ferido grave, os outros quatro feridos ligeiros foram distribuídos da melhor forma para me permitir um pequeno espaço de manobra. Com auxílio de uma lanterna de bolso, canalizei uma veia e pus o sangue a correr. O piloto deu instruções ao capitão para que o quartel se mantivesse às escuras, as autometralhadoras de proteção foram colocadas na pista no sentido da descolagem para que se acendessem e iluminassem quando o avião começasse a rolar. Dada a máxima força ao motor, o piloto iniciou a saída a acendeu-se um farol que existia no quartel (…) O piloto fez sair o avião numa linha de subida contínua e quando o ruído do motor mudou de som endireitou-o, evitando a copa das altas árvores. No ar, a caminho da nossa base, o fogo inimigo ainda tentou alcançar-nos, tarde de mais. Felizmente o ferido manteve-se vivo e o sangue posto a correr ia estabilizando a sua situação. Tanto o piloto como eu pensávamos que íamos ser castigados, mas tudo acabou em bem. Quanto ao ferido, ajudámos a salvar-lhe a vida”.


“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva, Palimage Editores, 2005, é uma grande, muito grande surpresa. É dedicada à CCAÇ 2785, que combateu na Guiné entre Setembro de 1970 e Setembro de 1972. É uma escrita escorreita, plausível, apresenta um grupo ilustrativo de atores, dá-lhes dimensão, o leitor navega facilmente pelo seu mundo.

Primeiro, João Benvinda, o mais velho de um ranchinho de 6 irmãos, já foi pastor de cabras e ovelhas, guardador de vacas e bezerros, cavador, mondador e mateiro: “E assim que os irmãos foram chegando à frente, fez-se jornaleiro de enxada, seitoira ou de gadanha nas mãos”. Foi de assalto para França, não resistiu ao chamamento da família, tinha de cumprir os seus deveres com a Pátria. O seu nome é mesmo João da Silva Rodrigues, depois deram-lhe um número mecanográfico. Apresentou-se na incorporação para a recruta no quartel de Viseu. Os seus melhores tempos eram os que passava no pinhal, a correr, a saltar e a rastejar. Seguiu para a cidade do Nabão. O cabo miliciano da sua secção é um gajo implicativo, o aspirante parece ser mais humano e o capitão também não parece ser mau sujeito. Gosta muito da Amélia, meteram-se em cavalarias altas, a rapariga está grávida, o melhor é acelerar as coisas para que ela não passasse pelas normais vergonhas destas irregulares situações.

Segundo, o 1º sargento Cebola, na sua criação passou por tudo, desde pastor a lavrador. Amparado por um tio que era irmão da mãe e guarda-republicano em Bragança, lá conseguiu tirar a 4ª classe nas escolas regimentais e depois a escola de cabos. Pensa com os seus botões que não vai propriamente em funções de combatente. Olha à sua volta e vê os cabos milicianos que são miúdos ainda mal acabados, os aspirantes até sabem-se dar ao respeito e o nosso capitão é outra coisa, mas envolve-se demasiado em tudo.

Terceiro, temos o gingão José Carlos Ribeiro Antunes, felizmente teve um pai com pulso, senão nem o 5º ano teria concluído, transpôs a porta de armas do RI 5, que era o centro de formação de sargentos milicianos, agora está na unidade mobilizadora que é o RI 15. Ofereceu-se para os Comandos e para os Rangers, em ambos os casos foi rejeitado por causa daquela maldita cicatriz que lhe apanhava toda a largura da coxa direita, sinal da parvoíce da queda numa brincadeira tola com uma motorizada.

Quarto, o aspirante Costa, nado e crescido até aos primeiros três anos em Ferreira do Alentejo, vila onde o seu pai teria sido colocado no final do curso de alistados da GNR. Recebeu rigorosa educação que lá em casa se distribuía com muita sopa e batatas cozidas, e pouco pão e menos carne. Andou pelo seminário, descobriu depois que gostava doidamente da Maria do Rosário, chegaram mesmo a um quase vias de facto. Foi depois para Coimbra cursar Direito, viu-se embrulhado no turbilhão da crise de 1969, após sumariamente interrogado e fichado pela PIDE/DGS, foi convocado para o curso de oficiais milicianos. À socapa, aderiu ao PCP. Adaptou-se a Mafra, juntou-se à insubordinação coletiva em reação à morte de dois camaradas num acidente com engenhos explosivos, na praia da Foz do Lizandro.

Dá gosto ler esta prosa sem arrebiques nem embaraços, a prova provada que a ficção não pode ser a realidade voltada do avesso. Segue-se a apresentação do nosso capitão.

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11001: Notas de leitura (452): Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9319: Notas de leitura (320): Anjos na Guerra, de Susana Torrão (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2011:

Queridos amigos,
Já dispomos de muita informação sobre as nossas enfermeiras pára-quedistas, onde o livro de Susana Torrão faz a diferença é escutar estas ditosas profissionais de saúde à volta do seu próprio bilhete de identidade: como tudo começou, qual o cúmulo da sua realização, o que valeu a pena e como aquela experiência as transformou.
Cinco das 46 pára-quedistas contam a aventura do passado para o presente. Temos que ter orgulho no orgulho que elas guardam do que fizeram, do seu próprio medo, do desvelo em momentos de um sofrimento alucinante como conta Céu Pedro Esteves: “Eram dois homens que tinham perdido as duas mãos e ambos os olhos. Durante a viagem dizia-lhes: tenho aqui esta comida – e descrevia o que tinha no prato – como é que lhes sabe melhor? Também fazíamos isto. Dávamos o melhor de nós próprios”.
Com este depoimento fica tudo dito.

Um abraço do
Mário


Anjos na guerra:
Saber um pouco mais sobre as nossas enfermeiras pára-quedistas

Beja Santos

A historiografia da guerra não tem ignorado o trabalho das enfermeiras pára-quedistas; e se há desempenho que nunca foi contestado ou desvelo que tenha sido alvo de reparos, então as enfermeiras pára-quedistas gozam de uma posição intocável. Elas estão no pódio da abnegação e solicitude.

Em “Anjos na Guerra”, Susana Torrão retoma este filão de coragem e saudade, dá voz a um punhado de testemunhos e obtém relatos comoventes (Oficina do Livro, 2011). Como é sabido este Corpo de Enfermeiras foi criado em Maio de 1961, elas receberam o brevê em Agosto desse ano e a sua extinção ocorreu já na década de 80. O livro reconstitui o percurso desse grupo a partir das histórias de Céu Pedro Esteves, Ercília Pedro, Manuela Flores França, Rosa Serra e Francis Matias, 5 das 46 enfermeiras pára-quedistas. Cada um dos relatos, diz a autora, traça uma perspectiva diferente e dá a conhecer as várias facetas do quotidiano destas mulheres, num arco onde cabem os pequenos milagres de enfermagem, os preconceitos que tiveram de vencer, os testemunhos do sofrimento do combatente.

Tudo começou com Isabel Bandeira de Mello que nos anos 50 lançou a ideia e criou as bases para a formação das enfermeiras dos ares; complementarmente, os instrutores, outra peça-chave para a existência deste corpo de pioneiras, dão também a sua interpretação dos acontecimentos. Isabel Bandeira de Mello foi a primeira pára-quedista portuguesa e em 1956, depois de contactar com as pára-quedistas da Cruz Vermelha Francesa, lançou a ideia de formar um Corpo de Enfermeiras Pára-quedistas. Kaúlza de Arriaga, ao tempo Subsecretário da Aeronáutica, apoiou o projecto. Encontrou dificuldades mas conseguiu convencer Salazar, a Força Aérea e as escolas de enfermagem. Assim surgiram as primeiras mulheres nas Forças Armadas. Às candidatas pedia-se que tivessem “boa formação moral, profissional e religiosa, ser obrigatoriamente solteiras ou viúvas sem filhos e não ter cadastro.

A legislação que criou oficialmente as primeiras vagas surgiu em Maio de 1961 e foram aprovadas 11 candidatas. Fizeram o curso em Tancos com a duração de 9 semanas, receberam instrução de ordem unida, fizeram-se altos, familiarizam-se com o armamento, transmissões ou topografia, por exemplo. Em Agosto desse ano terminou o curso com a imposição das boinas às primeiras 5 enfermeiras. Partiram imediatamente duas enfermeiras para Angola, Maria Arminda Lopes Pereira e Maria Ivone Quintino dos Reis.

Céu Pedro Esteves é o que se pode chamar uma veterana de guerra, foi a enfermeira que mais tempo passou em África e nas três frentes de combate, três comissões em Angola, duas na Guiné e uma em Moçambique. A Guiné tem um papel privilegiado no seu depoimento. Viu um piloto desorientado a aterrar no Senegal, conseguiu orientá-lo e assim saíram da encrenca. Houve gente quente que lhe morreu nos braços. Estava uma vez na base, em Bissau, entrou por ali um casal novo aos gritos com o filho morto nos braços: “Eu olhei para a criança – que devia ter uns dois anos -, tirei-lha dos braços e fui com ela para o posto de socorros. Comecei a fazer a ressuscitação: massagem cardíaca, respiração boca a boca, a insistir… e o miúdo começou a fazer a expiração. Disse aos meus colegas para prepararem a medicação e lhe encontrarem uma veia. E chegou o momento em que o miúdo começou a respirar e a rir-se para mim. Eles não conseguiram apanhar a veia – como a criança estava em síncope, era difícil – até que eu lhe consegui apanhar uma veia na testa, pus-lhe o soro a correr e dei-lhe a medicação. Imagine a alegria daqueles pais quando lhes entreguei o filho vivo”. Olhando para trás, Céu Esteves não esconde o seu orgulho por tudo quanto lhe aconteceu como enfermeira de guerra: “Foi uma vida diferente. Valeu a pena!”.

Ercília Pedro trabalhou numa fábrica antes de ser enfermeira e tornou-se mulher de militar, a acompanhar o marido na Guiné. Aqui esteve dois anos como enfermeira pára-quedista, ficou sempre ligada a África, voltará várias vezes como voluntária. Falando da Guiné, assistiu às muitas tensões do hospital civil como responsável pela Urgência. Ercília e o marido viviam em Bissau, ela confessa que andava muitas vezes com o credo na boca e relata uma missão em que o marido participou e aquela força operacional esteve cercada pelos guerrilheiros, tendo morrido uma série de homens. Via chegar helicópteros, inquieta-se pela falta de notícias e foi a casa de outra enfermeira, a Manuela Flores França, esta respondeu-lhe laconicamente que o marido estava bem e que viria hoje. Ercília protestou com a secura da resposta o que obrigou a Manuela a um esclarecimento: “Ercília, eu só te quis dizer que o Pedro estava bem e que chegava hoje. Não querias que te dissesse sobre todos os que morreram e que eram da Companhia dele!... Tinhas tempo de saber cá”. Mesmo depois de ter abandonado a carreira de pára-quedista, continuou a dar apoio aos militares. Quando morria algum, acompanhava o corpo até à casa onde aguardavam o regresso a Portugal: “Sentia que representava a família”. E desabafa: “Um desses militares morreu no último dia antes de vir de férias a Portugal. Era do Pelotão do meu marido. Julgo que lhe tinha nascido um filho nessa altura. Estava muito feliz, e voltava dali a dias. Foram convocados para uma missão e o meu marido disse-lhe para ele não ir, uma vez que já estava substituído. Mas ele entendeu que devia ir, porque o substituto era novo e esta era a última operação dele. E foi. E ficou lá. O meu marido ficou de rastos, com peso na consciência, a achar que devia ter insistido mais. Mas eles tinham aquela ideia de que já tinham participado em tantas operações e que, por mais uma, não lhes iria acontecer mais nada”.

Maria Zulmira André foi a enfermeira que evacuou o capitão Pedro Peralta, do exército cubano, durante a “Operação Jove” em que participou o BCP 12 no corredor de Guileje. Ela recebera a seguinte incumbência: “Temos um ferido muito grave, que é necessário evacuar o mais rapidamente possível, e a Zulmira não o pode deixar morrer”.

Manuela Flores França é uma septuagenária activíssima, percorreu Angola, Guiné e Moçambique. Recorda a morte da enfermeira Celeste Ferreira Costa, apanhada pelo hélice de um avião. Com a passagem dos anos, começou a questionar a razão de ser daquela guerra e lembra-se muito bem de ouvir os soldados dizer na Guiné: “É para defender isto que vimos aqui dar a vida?”. Angola e Guiné-Bissau estão na lista das próximas viagens. Faz o balanço da sua vida: “Não estou nada arrependida. Voltaria a fazer o mesmo. Era daquela vida que eu precisava. Não tenho pesadelos, não tenho remorsos e acho que fiz o que devia. Dei tudo o que pude e o que eles precisavam. O nosso papel foi importantíssimo para as tropas portuguesas”.

Rosa Serra viveu em Mueda, que considera o pior sítio onde esteve. O seu primeiro destino foi a Guiné. A primeira evacuação que lhe coube foi uma menina que vinha com estilhaços: “Ela estava muito mais calma do que eu! A evacuação foi feita num DO e eu nunca tinha entrado num aviãozinho tão pequeno. Como a menina não precisava de vir deitada, peguei nela ao colo porque achei que ela fosse começar a chorar e a gritar. Veio ao meu colo nas calmas, olhava para baixo, para a mata, e ria-se para mim. Foi ela que me descontraiu”.

Estes anjos dos ares deram a mão a moribundos, procuraram acalmar militares em estado de choque, gente picada por abelhas, com o corpo desfeito, a gritar pela mãe. Salvaram vidas e impuseram-se no coração de todos os combatentes, por mérito próprio de quem tudo dá sem nada exigir.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9301: Notas de leitura (319): Milicianos, Os Peões das Nicas, de Rui Neves da Silva (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6989: In Memoriam (53): O último voo de um anjo: Maria Zulmira André Pereira, enfermeira pára-quedista (1931-2010) - Mensagem de condolências da D. Teresa Almeida (José Martins)

Maria Zulmira André Pereira* (1931-2010).


1. Mensagem de José Martins** (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2010:

Caros Camaradas e Amigos
Remeto um mail da nossa amiga Teresinha, da Liga dos Combatentes, que através da minha caixa de correio, envia uuma mensagem de solidariedade aos membros da tabanca e a todos os combatentes. Ela trabalha na biblioteca, onde, algumas vezes, quer pessoal quer telefonicamente, vou buscar elementos para os trabalhos que vou elaborando.
Abraço. José Martins


2. Mensagem de Maria Teresa Almeida***
Assunto: SENTIDA DOR A TODOS OS COMBATENTES

Boa Tarde meu Querido Amigo e Combatente [José Martins]:

Hoje, ao visitar o blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, tive conhecimento do falecimento da Sra. Enf.ª Pára-quedista Zulmira André, fiquei triste, estou triste, porque privei bastantes vezes com a Enf.ª Zulmira, bem como as outras Sras. Enfermeiras. Os Políticos e o Povo também devem uma palavra a estas Magnificas e Grandes Mulheres.

Agradecia,  ao meu Estimado Combatente, que colocasse uma palavra em meu nome, como funcionária da Liga dos Combatentes, manifestando a minha sentida dor, no blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, porque não sei como fazê-lo.

Com este falecimento, morreu também um pouco de nós. Estas Mulheres que, arriscando a vida, em pleno mato, salvaram muitas vidas, e pouco se tem falado delas.

Partilho neste momento com todos os Combatentes, que privaram com a Enf.ª Zulmira, na GUINÉ, a minha mais sentida dor e consternação por esta notícia.

Paz à sua alma. A recordação fica para sempre.

Mais uma vez a minha gratidão, por mais um favor.

BJS do coração para o meu Estimado Combatente, Esposa D. Manuela, e toda a Família
Teresa Almeida
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6980: In Memoriam (52): O último voo de um anjo: Maria Zulmira André Pereira, enfermeira pára-quedista (1931-2010) (Giselda e Miguel Pessoa)

(**) Vd. poste de 11 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6972: Patronos e Padroeiros (José Martins) (14): C.T.O.E (Centro de Tropas de Operações Especiais) – Nossa Senhora da Conceição

(***) Vd. poste de 29 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5374: As nossas mulheres (13): Homenagem à D. Teresa, nossa leitora e funcionária na Biblioteca da Liga dos Combatentes (José Martins)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6980: In Memoriam (52): O último voo de um anjo: Maria Zulmira André Pereira, enfermeira pára-quedista (1931-2010) (Giselda e Miguel Pessoa)



Maria Zulmira André  Pereira (1931-2010). Foto gentilmente cedida pela Rosa Serra.

1. Eis a triste notícia que nos chegou hoje, de manhã, através dos nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa:

Data: 13 de Setembro de 2010 11:40

Assunto: Falecimento da Enfª Zulmira

Caros editores


Como ontem disse com muita sensibilidade uma camarada sua, igualmente ex-enfermeira pára-quedista, a Enfermeira Zulmira partiu, após doença prolongada.

Teve a felicidade de nestes últimos tempos se ver rodeada pelas amigas e ex-camaradas que solidariamente a acompanharam nesta difícil fase final da sua vida.

Sobre ela já a Enfª Rosa Serra teceu palavras elogiosas que deixavam transparecer as suas qualidades pessoais e profissionais. Desse texto tomo a liberdade de relembrar algo do que ali foi escrito:
"A Zulmira hoje, a esta distância da juventude de então, continua a ser um Ser Humano ainda mais maravilhoso, de sentimentos puros, que escuta as lamentações dos outros, mima a alma ferida de quem sofre, apazigua quando as emoções se revelam agitadas dos magoados pelas amarguras inesperadas da vida e sem se aperceber o quanto faz bem aos outros, continua a ser aquele anjo feito gente que se projecta no outro acreditando no ser humano, desculpando comportamentos e levando-nos a saber perdoar a quem nos ofende, de uma forma tão generosa e solidária que chega a ser comovente.

"Tem uma fé inabalável, que não impõe a ninguém, limita-se quando fala dela a dizer que Deus é seu amigo e que lhe pede para quando fizer a travessia (palavra dela) Ele esteja lá, para lhe dar a mão e que também gostava que a mãe e avó estivessem presentes para a acolher." (*)

Que descanse em paz.

Giselda e Miguel

PS - Informação adicional

A Zulmira tinha 79 anos. Nasceu em 19 de Março de 1931 em Santa Bárbara de Nexe, Faro. O corpo dará entrada na Igreja de S.Domingos de Benfica, em Lisboa, pelas 14H00, realizando-se ainda hoje a missa de corpo presente pelas 21H00. Seguirá amanhã para a sua terra natal, no Algarve, onde ficará sepultada.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio, do Mário Beja Santos > Representantes femininas da FAP - Força Aérea Portuguesa, que estiveram no teatro de operações durante da guerra do ultramar / guerra colonial. Este grupo de camaradas nossas, antigas enfermeiras pára-quedistas,  fez doações ao Museu, de grande valor museológico, documental e simbólico.  À esquerda, à ponta, a Maria Zulmira e a Rosa Serra; à direita, no outro extremo, a  Maria Arminda e a Giselda.  Das duas restantes camaradas, ao centro, não sei o nome (do que peço desculpa).


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio , do nosso camarada Beja Sanrtos > O Carlos Marques dos Santos, ex-Fur Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/70), cumprimentando a enfermeira pára-quedista, do 1º curso, 1961, Maria Zulmira André Pereira, que conheceu bem o TO da Guiné.


Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.

[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]
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Nota de L.G.:


segunda-feira, 31 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6505: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (16): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (3): Maria Zulmira (Rosa Serra)

Enfermeira Pára-quedista Maria Zulmira


As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - III

Enf.ª Pára-quedista Zulmira

Agora o meu olhar vai para a Enfermeira Zulmira que esteve tanto tempo na Guiné e de quem, com certeza, muita gente conhece. Não me vou referir ao seu desempenho como enfermeira, mas apenas ao seu perfil humano e de certeza que todos concluirão como era ela como enfermeira pára-quedista.

Falar da Zulmira é como falar de um ser especial. Eu acho mesmo que ela é um anjo disfarçado em gente da Terra. Ela é compreensiva como poucos, apaziguadora como ninguém, fala com as mãos e vê com olhos de raio X o que se passa na alma do ser humano.

Se não estivesse a trabalhar era distraída e fazia coisas que nos fazia rir. Nas horas de descontracção alinhava sempre nas brincadeiras, mesmo se fardada e em ambiente militar.

Na Guiné, na hora do almoço e se não estivéssemos no ar, geralmente íamos as duas almoçar ao BCP12. Púnhamos a boina no cocuruto da cabeça e riamos como colegiais pelas diversas reacções dos páras que se cruzavam connosco.

Um dia resolvi “roubar” uma bicicleta que andava por lá pelo BCP12, não sei bem a quem pertencia, penso mesmo, que era usada por quase todos. A Zulmira ficou de atalaia para ver a reacção da pessoa que a deixou à porta da messe enquanto almoçava, acaso saísse e não a encontrasse, enquanto eu fui dar uma volta com ela pela unidade observando o ar de quem presenciava a cena. Alguém tirou uma fotografia e me ofereceu para imortalizar o momento.


Divertíamo-nos com essas pequenas provocações, diria mesmo parvoíces infantis que se calhar ninguém ligava, mas que a nós nos fazia rir e nos punha bem dispostas com vontade de dar uma cambalhota se houvesse uma nesga de relva por perto. O certo é que estas pequenas brincadeiras suavizavam alguns dos momentos mais dolorosos vividos e nos davam alegria.

A Zulmira hoje, a esta distância da juventude de então, continua a ser um Ser Humano ainda mais maravilhoso, de sentimentos puros, que escuta as lamentações dos outros, mima a alma ferida de quem sofre, apazigua quando as emoções se revelam agitadas dos magoados pelas amarguras inesperadas da vida e sem se aperceber o quanto faz bem aos outros, continua a ser aquele anjo feito gente que se projecta no outro acreditando no ser humano, desculpando comportamentos e levando-nos a saber perdoar a quem nos ofende, de uma forma tão generosa e solidária que chega a ser comovente.

Tem uma fé inabalável, que não impõe a ninguém, limita-se quando fala dela a dizer que Deus é seu amigo e que lhe pede para quando fizer a travessia (palavra dela) Ele esteja lá, para lhe dar a mão e que também gostava que a mãe e avó estivessem presentes para a acolher.

Com perfeita noção que a morte é inevitável, não a incomoda falar dela, no entanto há pouco tempo passou mal e quando nos encontrámos após a crise, disse-me com o ar mais normal da vida e sem qualquer ar de lamechice: “hoje estou aqui, mas há dias atrás, pensei que tinha chegado a hora da travessia e ainda por cima tive medo.”

Situações houve em que todas nós fizemos preces por aqueles que sofreram os horrores da guerra, naturalmente umas mais que outras, mas eu tenho quase a certeza que a Zulmira, com essa intimidade que tem com Deus, deve estar em n.º 1 pela sensibilidade que tem com o sofrimento dos outros. As pessoas que a conhecem bem, sabem que ela é assim, mas sem ponta de “beatice” supérflua ou inútil.

Tenho muita pena das minhas capacidades literárias serem diminutas o que me impede de descrever como é a minha amiga Zulmira como ser humano, pois merecia uma narração mais elaborada pois ela é um poema em forma de mulher.

Rosa Serra
Ex-Enfermeira Pára-quedista

Rosa Serra (à esquerda) e Zulmira (à direita) entre camaradas pára-quedistas na mata da Guiné em operação onde ambas participaram o dia inteiro.
No dia anterior também a enfermeira Manuela e a Enfermeira Rosa Exposto acompanharam os mesmos militares. Que eu saiba fomos os único caso, de enfermeiras andarem mesmo em terra, durante todo o dia. Se alguém tiver interesse em saber porquê, explicarei noutra oportunidade.

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Nota de CV:

Vd.último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6489: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (15): A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou em Contabane a cuidar dos feridos graves (Carlos Nery)