Rosa Serra, em Ponte de Lima, 24 de agosto de 2020. Foto: António Leitão (2020) |
− Não incomdas, não, senhora, minha querida camarada da Guiné, das poucas que tive, porque as únicas que havia eram vocês, enfermeiras paraquedistas... Então ainda estás em Mafra, ao pé da tua filha, onde foste passar o dia os teus anos ?...
− Não, já voltei a casa, em Paço d'Arcos, até porque tinha, ontem, uma consulta médica...
− Então, diz lá a que se deve a honra desta chamada telefónica, tão matinal e primaveril ?
− Sabe, estou fula...
− Faz o favor me tratar por tu, afinal somos camaradas ou ex-camaradas...
− Está bem... Estava eu a dizer que estou fula com vocês, seus machõeszinhos... Tu, o Miguel e o autor da história deviam conhecer o aforismo de Hipócrates, "Naturalia non turpia"... Para os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, etc., o que é natural não é vergonhoso.
Essa história está mal contada (*). Não é um questão de pudor da senhora enfermeira, mas sim de profissionalismo. Eu não era a enfemeira em questão, estava em Tancos, no Regimemto de Caçadores Parquedistas, nessa altura, em 1971, depois de ter passado pela Guiné (1969) e por em Angola (1970): em Luanda, nem sequer ia ao mato fazer helievacuações.
Mas tenho que defender a honra do convento. Fiz o meu curso de 3 anos, na escola de enfermagem do Hospital de Santo António, acabei em 1966. E aprendi logo a algaliar os doentes, homens e mulheres. Passei pela urgência, ainda havia naquele tempo alguns médicos que mandavam chamar os enfermeiros (havia poucos, a profissão era e ainda é muito feminina). Por mero preconceito, chamavam os enfermeiros, não chamavam as enfermeiras.
O Miguel sabe que a Zulmira pôs o seu próprio casaco por cima do corpo do cubano, o capitão Peralta, não para lhe encobrir as "vergonhas", mas por causa da hipotermia. Eu na Guiné, também fazia isso. Os doentes que eram helievacuados vinham em choque, sofrendo de hipotermia. O cuidado da enfermeira era, logo, cobri-los com uma manta ou com algo, uma peça de vestuário, que lhes pudesse manter a temperatura do corpo até à chegada ao hospital...
− Tens toda a razão, Rosa, não está em causa o vosso alto profissionalismo... Eram maneiras nossas de ver ou de perceber as coisas... E, concordo, havia alguns preconceitos em relação a vocês, ou melhor, alguns mal-entendidos, fruto do desconhecimento da vossa origem e formação e até da vossa missão...
− Havia até quem pensasse que nós (ou algunas de nós) éramos freiras!...
− Santa igniorância... Olha, posso fazer um poste com o teu esclarecimento (que é também um protesto) ?
− Estás à vontade, agradeço-te...
− Então, ciao, as tuas melhoras... Agora é tua vez de cuidares de ti.
E aqui fica o esclarecimento (que é também implicitamente um protesto) da nossa querida Rosa Serra, uma valente mimhota de Vila Nova de Famalicão, que tem mais de meia centena de referências no nosso blogue. (**)
2. E a propósito desta história lembrei-me de uma outra, a de um amigo meu, alentejano, que tem uma filha, médica, com a especialidade de urologia (o que era rara no passado).
Um dia acompanhou o pai numa caçada. E também levava a sua arma. Os caçadores, todos homens, sentiram-se algo incomodados, porque já não podiam mandara a sua c...., frente a uma senhora, para mais médica.
O meu amigo pô-los logo à vontade, desde a primeira hora:
− Não se acanhem, meus senhores. Por dever de ofício, a minha filha está farta de ver piças e cus!
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Notas do editor:
(...) Histórias pícaras > Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota
(...) Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate, é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.
Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que, ao ver o soldado Santos sem roupa, diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.
Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.
José Afonso (...)
Comentários:
(i) Tabanca Grande Luís Graça:
Miguel e Giselda: Vão gostar de ler esta história... Quem seria a enfermeira... "púdica" ? A história é verosímil ?.. Era uma questão de "pudor" ou de "segurança do doente" ?
(...) Falsa questão: para a enfermeira, é um problema de "dignidade do doente", em primeiro lugar, e talvez também de segurança...
(ii) Miguel Pessoa:
(...) Luís, acho que já respondeste à questão - é uma questão de proteger a dignidade do evacuado, ninguém gostaria de andar a ser passeado nu, aos olhos de toda a gente...
Lembro-me que a Zulmira também cobriu o cubano Peralta com o seu próprio blusão, dado que ele estava a tremer e era preciso manter o corpo a uma temperatura decente, portanto é uma questão de segurança do próprio evacuado.
E convenhamos que pruridos no meio da guerra deveria ser assunto que não devia preocupar as enfermeiras paraquedistas. (...)
(iii) Fernando Ribeiro:
Este é um daqueles erros que cometemos sem pensar: nu em pelota. A expressão em pelota, por si só, já quer dizer nu. (...)