sábado, 10 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5093: Direito à indignação (2): Quem se preocupa com a situação dos antigos combatentes? (Liga dos Combatentes / Magalhães Ribeiro)


1. Eduardo José Magalhães Ribeiro, foi Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Brá e Mansoa 1974, e é o Sócio da Liga dos Combatentes com o Nº 128.897:


Quem se preocupa com a situação dos antigos
combatentes?

Camaradas,

É com o título em epígrafe, que a revista “Combatente”, Edição 349 de Setembro de 2009, propriedade da Liga de Combatentes, em completa página 5, revela uma carta que foi endereçada a todos os partidos políticos nacionais.

Como este tem sido um motivo ALTAMENTE preocupante, para todos nós, e ultimamente tem sido alvo de várias abordagens e debate aqui no blogue, transcrevo, essencialmente para conhecimento de todos aqueles que não são sócios da referida instituição, a introdução e anexo a carta, com o devido agradecimento à Liga dos Combatentes.

O título é:

Quem se preocupa com a situação dos antigos combatentes?

«Ainda a quente, no rescaldo das eleições, talvez seja bom lembrar que, antes delas, a Liga dos Combatentes tentou sensibilizar os partidos com assento parlamentar, para as conclusões do Congresso dos antigos combatentes, que demonstraram as dificuldades e os obstáculos com que estes antigos militares e suas famílias se defrontam.

Essa acção consubstanciou-se numa carta subscrita pelo General Chito Rodrigues, Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes e que dizia: Carta aos Partidos.

A carta é a seguinte:




Que cada um tire as suas ilações.

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Sócio Combatente Nº 128.897

Guiné 63/74 - P5092: As nossas placas de identificação (José Nunes)



1. O nosso Camarada José Nunes (José Silvério Correia Nunes), ex-1º Cabo no BENG 447 (Brá, 15JAN68 a 15JAN70), a propósito das chapas de identificação, enviou-nos a seguinte mensagem:




Chapa de identificação

Camaradas,

Depois de ver o poste, onde se atesta a existência de um decreto-lei que criou e definiu a feitura da dita, mando-vos duas fotos da que me foi distribuída.




















Como podem verificar não é ovalizada mas circular, construída em alumínio e ronda os 37 mm de diâmetro exterior.

Tem 10 pequenos furos (cerca de 1 mm cada) ao centro e 2 furos (2,5 mm) junto ao perímetro exterior, para fixação na corrente de suspensão ao pescoço.

As inscrições é que me intrigam. No verso tem um número P202351-68 e o meu nome – NUNES. No anverso tem o meu grupo sanguíneo – A-, e uma data que nada me diz, 16-6-67 (poderá ser data do seu fabrico?).

O meu Nº Mecanográfico era o 046141/67.

Junto envio uma foto do meu “abarracamento”, o BENG 447 (Batalhão de Engenharia 447).

Saudações cordiais.
Cordiais Saudações,
José Nunes
1º Cabo Mec Elect do BENG 447

Fotos: © José Nunes (2009). Direitos reservados.
Emblema: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P5091: Tabanca Grande (180): Alfredo Dinis Gonçalves Tapado, 1º Cabo Enfermeiro da CCS/BART 6523, Nova Lamego, 1973/74


1. Mensagem do Alfredo Dinis, que foi 1.º Cabo Enf da CCS da CART 6523, Nova Lamego, 1973/74, com data de 10 de Outubro de 2009:

Camaradas,

Já há algum tempo que o meu Amigo Magalhães Ribeiro, me tinha falado deste blogue do Luís Graça. Segundo ele me disse o nosso Camarada Luís Graça, disponibilizou este espaço, que muito me surpreendeu pela positiva e pela grandiosidade, para que todos nós possamos nele expor os nossos documentos, fotos e histórias.

Confesso que uma das primeiras consultas ao blogue, resultou da minha natural curiosidade em descobrir a hipótese de encontrar algum dos meus Camaradas, nomeadamente os que comigo viveram e conviveram na minha CCS, com a ajuda do MR.

Para já demos algumas voltas no blogue, e descobrimos que temos entre a Tertúlia Bloguista o Américo Marques da 3ª CART (Cansissé – Nova Lamego), a quem aproveito a oportunidade para enviar um especial abraço, mas da minha CCS, até agora ainda não conseguimos encontrar qualquer pista.

Numa busca pelo Google, descobrimos uma página do António Santos que foi 1º Cabo Escriturário, que irei tentar conatactar.

Percorri inúmeros locais na Guiné, de que me lembro: Gadamael, Mansoa, Teixeira Pinto, Madina Mandinga, Caduca, Pirada, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Bafatá, Xime, Bambadinca e Nova Lamego.

Relíquia de abertura do meu álbum fotográfico

Nos últimos anos devido a um grande “combate” que tenho travado contra um grave problema de saúde (oncologia) na garganta, que me obrigaram a oito intervenções cirúrgicas, não tenho comparecido nas confraternizações do “meu” pessoal, o que, com ajuda do MR, espero voltar a concretizar em 2010.

Apresento-me então à Tabanca Grande:

Alfredo Dinis Gonçalves Tapado
1º Cabo Enfermeiro
CCS do BART 6523
Resido na cidade do Porto (Sé)
Sou funcionário da Câmara Municipal do Porto

Neste envio 3 fotos de Nova Lamego:
















Parada no dia de Juramento de Bandeira de novos milícias (1973)
















Desfile das tropas no dia de Juramento de Bandeira de novos milícias (1973)

Vários Alouettes III no heliporto (1973)

Um abraço para todos,
Alfredo Dinis
1º Cabo Enf daCCS do BART 6523

Fotos: Alfredo Dinis (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5090: Tabanca Grande (179): Fernando Manuel Oliveira Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323 (Pirada, 1973/74)

1. Mensagem de Fernando Manuel de Oliveira Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323, Pirada, 1973/74, com data de 8 de Outubro de 2009:

É com a maior das emoções, que neste momento te escrevo amigo Luís Graça.

Escrevo-te com a simplicidade de quem apenas tem a 4.ª classe, mas cá dentro tenho a alegria, se assim o desejares, de fazer parte dos camaradas da Guiné.

Luís, ainda hoje mesmo te telefonei, cá do Norte, de Esmoriz, uma cidadezinha entre Ovar e Espinho. Chamo-me Fernando Manuel de Oliveira Belo, natural do Concelho da Murtosa, Distrito de Aveiro, mas casei em Esmoriz. Dito isto vamos à Guiné.

Fui condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323 destacamento em Pirada, Guiné. A 1.ª Companhia foi para Bajocunda e a 3.ª para Paunca e Buruntuma. Embarcámos no Niassa a 22 de Setembro de 1973 e acabamos a comissão a 12 de Setembro de 1974.

Quanto ao que me tocou em sorte na Guiné amigo Luís, é como em tudo na vida, ouve o bom e o mau. A 13 de Dezembro de 1973, era para ir numa coluna a Bajocunda, na qual à ultima hora, foi outro condutor em meu lugar, não sei qual foi a razão! Sei apenas que passado pouco tempo depois da coluna ter saído, se ouviu uma enorme explosão em Pirada. A coluna voltou para trás, mas já com os restos mortais do sapador da CCS, o Soldado Fernando Almeida. A picada era um campo de minas, o Fernando já tinha levantado quatro minas anti-carro, à quinta, sem o saber, estava pisar uma anti-pessoal, e já sabes o que aconteceu.

A 13 de Abril de 1974 o PAIGC, atacou o nosso destacamento com mísseis lançados do Senegal, não havendo baixas. Mais ou menos quinze dias depois, precisamente a 25 de Abril, fomos outra vez brindados, com mais uns mísseis, desta vez houve baixas, mas civis. Na altura do ataque eu estava fora do arame farpado com uns pretos a descarregar um lixo qualquer. Já não entrei para dentro do destacamento, desci por uma rampa que havia ali perto e fui-me abrigar atrás de uma enorme árvore onde também tinha um bagabaga, e ali fiquei até aquela confusão passar, Já dentro do destacamento, fui buscar dois civis que tinham morrido numa enfermaria ao tentarem abrigar-se, infelizmente não conseguindo.

Quanto a coisas boas também havia, como por exemplo, eu armado em maluco, a pedido de quatro ou cinco colegas se não me falha a memoria, pegar na viatura sem dar satisfações a ninguém, meter-me pela picada fora, andar sete ou oito quilómetros pela mata, deixá-los no rio Vidigor à pesca e voltar sozinho, depois, antes de o sol se pôr, voltar novamente a fazer o mesmo percurso, mas no sentido inverso, isto durante quase um mês, agora diz-me se um tipo era maluco ou não.

Também estive numa aldeia chamada Sissaucunda, a uns 15 quilómetros de Pirada aonde ia um pelotão cada mês, manter segurança à localidade. Uma noite, já a altas horas, o tipo da AK começou a fazer fogo sem a malta saber por que razão. O que é certo é que à volta de toda a aldeia todo o mundo fazia fogo, a confusão era tanta que até o Alferes Amarante veio fazer fogo com o morteiro. Só que quando nasceu o dia, é que nos apercebemos do estrago que tínhamos feito, nada mais que vacas e ovelhas.
Também te queria dizer que o nosso comandante, já falecido, era um homem a quem eu, em nome dr todos os meus camaradas da 1.ª; 2.ª e 3.ª Companhias, e CCS, onde quer que esteja, nós o saudamos, Coronel Jorge Matias, com um Viva Portugal e também um Viva ao povo irmão da Guiné-Bissau.

Luís, se entenderes de deves fazer algumas rectificações, agradeço-te, porque como já te disse atrás, as habilitações não são muitas, mas faz-se o que se pode.
Também te envio as fotografias, a primeira é a tipo passe, a segunda é de Pirada, junto à fronteira do Senegal, a terceira onde estou baixado também é de Pirada, junto a um abrigo, se bem me lembro, era o abrigo 1, a outra em cima do beliche é no RI6 no Porto onde fui mobilizado. Formei Batalhão no RC3 em Estremoz.

Amigo Luís, despeço-me com um grande manga de ronco.

Vista aérea de Pirada, fronteira com o Senegal

Fernando Belo em Pirada, junto ao abrigo n.º 1

Fernando Belo na sua cama no RI6, Porto

Fernando Belo entre dois camaradas


2. Comentário de CV:

Caro Fernando Belo, bem-vindo à Tabanca Grande. Também pertences aos Roncos de Esmoriz? Sei que por aí levais a sério este espírito de camaradagem entre ex-combatentes da Guiné.

Fizeste bem em dirigires-te a nós para integrar esta tertúlia que, com as suas histórias, quer deixar um legado de experiências, contadas por cada um, segundo o seu ponto de vista e de acordo com a sua memória. Já lá vão muitos anos, mas estamos sempre a tempo para escrever. Uma outra inverdade, motivada pelo tempo decorrido, será sempre corrigida por alguém que viveu os mesmos momentos ou que tem acesso às diversas fontes de informação que já vai havendo.

Deixo-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia, onde te deves sentir à vontade. Somos todos camaradas e amigos, e não distinguimos idades, antigos postos, instrução e posição social.

Um abraço pessoal para ti do camarada
Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da sorte de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5073: Tabanca Grande (178): O ex-Cap Art Gualberto Passos Marques, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72

Guiné 63/74 - P5089: Notas de leitura (28): Um Amor em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outibro de 2009:

Malta,
Aqui temos um romance que vai estalar muitos corações.
É literatura de massas e para as massas, vai directo, sem ambiguidades ao grande público.
Passa-se em Angola, a estória podia ter-se passado na nossa Guiné. Fala da expiação, tem um falso morto e uma paixão que se reacendeu na hora própria.
Que querem mais?

Um abraço do
Mário


O amor antigamente, quando fomos à guerra (1)
Beja Santos

Júlio Magalhães é jornalista e repórter, estreou-se nas letras com “Os Retornados – Um amor nunca se esquece”, já em 13.ª edição. Apresenta-se como um jornalista que não ousa assumir-se como um escritor, cumpre a função de contar histórias. Se “Os Retornados” tem como palco o fim do Império, agora “Um amor em tempos de guerra” (Esfera dos Livros, 2009) leva-nos aos teatros de operações, aos que ficaram na retaguarda, procura-se recriar a atmosfera do início dos anos 60, a chamada década de ouro do desenvolvimento português, onde se amassaram o crescimento do turismo, o êxodo da emigração, a expansão industrial e o tumulto gerado pela guerra colonial.

É um romance que corre perigosamente na fronteira entre a simplicidade e a lamechice. Convence na sua tentativa de singeleza, da reconstituição de ambientes e mentalidades. Socorre-se de uma história plausível e até de vivências reais, diz o autor. Tudo começa em Santa Comba Dão, no Vimieiro, muito perto da casa de Salazar, é aqui que vive um jovem chamado António que tem 13 anos quando começa a guerra em Angola. Os seus pais são humildes, gente honrada e de hábitos conservadores. O jovem vive afeiçoado de Amélia, passaram a inocência da infância, agora têm uma afeição mútua, caminham para o enamoramento. Em 1963, José Ferreira, o pai de António, morre, António e a sua mãe (Maria das Dores) partem para a casa da avó, as dificuldades económicas aumentaram. António gosta de ser agricultor, vende os produtos da terra aos sábados no mercado de Santa Comba Dão. O relacionamento com a Amélia aprofunda-se, alguns jovens da aldeia partem para a tropa, embarcam para África.

Os anos passam, a guerra em África aumenta de intensidade. Na televisão, no Natal, aparecem jovens no programa Ao Serviço da Nação, são militares que enviam beijos para a família e dizem coisas como: “Até ao meu regresso”. Amélia faz o enxoval, na taberna fala-se cada vez mais na guerra, há quem diga que se for mobilizado foge para França. É na taberna que perora Osvaldo, que tem o seu derriço por Amélia.

Um dia chega uma carta do Ministério do Exército a mandar António apresentar-se em Chaves. É a primeira viagem de António, de Chaves ele escreve pela primeira vez à sua mãe e à sua noiva. Faz amizades com outros jovens do Algarve e do Alentejo, feita a recruta António parte para a Póvoa do Varzim. Os amigos de Chaves partem para a guerra e um dia, em Fevereiro de 1968, António sabe que está mobilizado para Angola. Mãe e namorada ficam no maior sofrimento. Em Alcântara, Maria das Dores e Amélia despedem-se de António que embarca no navio Niassa.

António deslumbra-se com Luanda, as mulheres de vestidos curtos e aquela movimentação totalmente inesperada de uma cidade viva, às cores. No seu correio, António reforça as juras de amor. Depois, parte para Quipedro, a leste de Nambuangongo. Vai ganhando a simpatia dos mais graduados à medida que a horta do quartel onde ele trabalha começa a dar grandes resultados. Amélia já é professora, tirara o magistério primário. Em Setembro desse ano, escreve a António a dizer que o Dr. Salazar, o vizinho do Vimieiro que mandava em Portugal, tivera uma hemorragia e já não governava. António faz novas amizades, um dos seus amigos é Joaquim Fortuna, funcionário dos correios em Bragança que tem a ambição de escrever um livro sobre a guerra que eles estão a viver. Num patrulhamento, encontram uma jovem muito bonita numa cubata, de nome Dulce, nunca mais a esquecerá. Ela é de São Salvador, onde mais tarde ele a irá reencontrar. De facto, logo que teve uma folga, António parte com Joaquim Fortuna para São Salvador onde conhecerá um fazendeiro, Carlos Freitas, são convidados para a sua plantação de café, será aqui que António reencontrará Dulce, enceta-se aqui uma paixão.

Toda a correspondência para a Beira Alta parece mudar de tom. António parte para a região dos Dembos, aqui o MPLA está actuante no Luso, os combates estão a ser duros. É neste Leste de Angola que o MPLA prepara uma cilada à companhia de que faz parte António, provoca muitas baixas, mas António é capturado, o seu corpo nunca é encontrado, é dado como desaparecido em combate ao serviço da Pátria.

Ao fim de dois meses, Maria das Dores e Amélia são informadas. Estas duas mulheres interrogam-se: desapareceu, desapareceu onde? E ninguém sabe? De facto, ninguém sabia. Uma urna vazia desceu à terra. Tempos depois, Joaquim Fortuna foi visitar Amélia, recordaram com saudade o desaparecido. Joaquim nunca falou em Dulce que recebera a notícia do desaparecimento de António com sofrimento indescritível: estava grávida quando ele desapareceu, nasceu depois um mulato a quem Dulce pôs o nome de António.

Um amor em tempos de guerra” tem, pois, todos os ingredientes para cativar a atenção dos veteranos de todas as frentes, aqueles que expiam saudades, que guardam memórias de outros amores difíceis e de dolorosas separações ou mesmo relações extravagantes ou contraditórias que, cá e lá, mudaram as suas vidas, às vezes para sempre.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5057: Notas de leitura (27): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5088: In Memoriam (34): Alf Mil Inf Mário Henriques dos Santos Sasso, da CCAÇ 728 (José Martins)

1. Mensagem de José Martins* (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2009:

Boa tarde
Fui oportunamente contactado por um professor universitário acerca de um estudo que está a elaborar sobre um camarada nosso que tombou em combate na Guiné.
No decorrer da conversa telefónica, falámos de um tal Mário Sasso, que morrreu na Guiné, e do qual, o meu interlocutor era amigo. Pediu-me se tinha alguns elementos, que lhe pudesse enviar.

Com a ajuda dos textos do Mendes Gomes, junto o texto que já enviei a esse novo amigo, o qual me facilitou a foto inserta.

Um abraço
José Martins


Alferes Miliciano de Infantaria
MÁRIO HENRIQUES DOS SANTOS SASSO,
Presente!

Por José Martins

Durante o meu período de férias, ao passar por um ciber-café e ao consultar a minha caixa de correio electrónico, verifiquei que alguém me solicitava colaboração num trabalho que estava a realizar sobre um militar tombado na Guiné.
Regressado, e como o meu interlocutor e porque não, meu amigo, me tinha facultado o seu telefone, trocamos impressões sobre o que pretendia e coloquei-me a sua disposição para o que necessitasse.
No decorrer da nossa conversa, perguntou-me se conhecia um tal Alferes Sasso, seu amigo de infância, que tinha morrido em combate na Guiné, já que gostaria de ter outros elementos sobre o mesmo.

© Foto do Mário Sasso (DR) [Liceu da Beira (Moçambique) 1960/61]

De posse da palavra SASSO, parti para a pesquisa de tudo o que pudesse encontrar.
Há uma discrepância nos dados obtidos: O louvor que lhe proporcionou a condecoração que lhe foi atribuída, está datado de 02 de Julho de 1965, dizendo que o louvor lhe foi atribuído a título póstumo, quando o seu falecimento só se verificou em 05 de Dezembro desse mesmo ano.

Para o texto abaixo, foram consultados diversos volumes da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), que se indicam em cada texto, não tendo sido possível obter mais elementos pela inexistência de história da companhia nos Arquivo Histórico Militar.

Para este trabalho, e de que damos nota no final, foi precioso o trabalho elaborado pelo Alferes Miliciano Joaquim Luís Mendes Gomes, que pertenceu à Companhia de Caçadores n.º 728, a mesma subunidade do Alferes Mário Sasso, e de quem fala diversas vezes e sobre diversos aspectos e, sobretudo, com saudade e carinho.

Na “Crónica de um Palmeirim em Catió”, em determinada altura diz que o Alferes Sasso era o comandante do 1.º Pelotão, o que pode querer dizer que seria o Oficial Subalterno mais antigo, o que o colocava na posição de Comandante de Companhia Interino nas ausências ou impedimentos do titular.

Mortos em Campanha
Volume VIII – Tomo II - Livro 1 – página 152


MÁRIO HENRIQUES DOS SANTOS SASSO, Alferes Miliciano de Infantaria, número B-021663, foi mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 16, em Évora, para a Companhia de Caçadores n.º 728, tendo embarcado em 8 de Outubro de 1964 para a Guiné.
Era casado com Maria Graciete de Oliveira Simões Sasso e filho de Demóstenes João Sasso e Mara Margarida E. Santos Sasso, sendo natural da freguesia de Santa Engrácia, em Lisboa.
Faleceu em 05 de Dezembro de 1965, vítima de ferimentos em combate a 1300 metros de Bigene, no itinerário para Empada.
Os seus restos mortais foram inumados no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Condecorações Militares atribuídas – Cruz de Guerra
Volume V – Tomo III – página 421


Medalha da Cruz de Guerra - 3.ª Classe (Título póstumo)
Transcrição da Portaria publicada na OE n.º 24 – 2.ª série, de 1966
Por Portaria de 15 de Novembro de 1966

Condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Mário Henrique dos Santos Sasso, da Companhia de Caçadores n.º 728 – Regimento de Infantaria n.º 16

Transcrição do louvor que originou a condecoração.
(Publicado na OS n.º 54, de 02 de Julho de 1965, do QG/CTIG):

Louvado, a título póstumo, o Alferes Miliciano Mário Henrique dos Santos Sasso, da Companhia de Caçadores n.º 728, porque, em todas as missões de combate de que tem sido incumbido, demonstrou possuir muita coragem e valentia, aliadas a uma excelente preparação militar, espírito ofensivo, inteligência e energia.
Destaca-se a sua acção no decorrer de um contra-ataque que o Grupo de Combate sob o seu comando promoveu, em reacção a um assalto Inimigo ao aquartelamento, perseguindo-o e desalojando-o dos seus abrigos, destruindo-os e obrigando o adversário a refugiar-se nas matas.
Evidenciou muita coragem, decisão, serena energia debaixo de fogo e sangue frio que o honra frente do Inimigo

© Foto Google-earth. Direitos Reservados - Algumas localidades em que esteve, em quadricula e/ou operação, a Companhia de Caçadores n.º 728

Fichas das unidades - Guiné
Volume VII – Tomo II - página 335

Companhia de Caçadores n.º 728


Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria n.º 16 – Évora
Comandantes: Capitão de Infantaria António Proença Varão, substituído pelo Capitão de Cavalaria Ramiro José Marcelino Mourato e posteriormente pelo Capitão de Infantaria Amândio Oliveira da Silva.
Divisa: Os Palmeirins
Partida: Embarque em 08 de Outubro de 1964
Desembarque em 14 de Outubro de 1964
Regresso: Embarque em 07 de Agosto de 1966

Guião da Companhia de Caçadores n.º 728 - Os Palmeirins

Resumo da Actividade Operacional

Após curta permanência em Bissau na dependência do Batalhão de Caçadores n.º 600, efectuando simultaneamente uma instrução de aperfeiçoamento operacional na região de Nhacra, com a Companhia de Caçadores n.º 413, iniciou, em 27 de Novembro de 1964, o deslocamento para o subsector de Cachil (ilha do Como), terminando a rendição da Companhia de Caçadores n.º 557 em 30 de Novembro de 1964, e ficando integrada no dispositivo e manobra do Batalhão de Caçadores n.º 619.
Em 22 de Setembro, foi rendida em Cachil pela Companhia de Caçadores n.º 617, sendo colocada em Catió, com a função de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores n.º 619 e depois do Batalhão de Caçadores n.º 1858 e simultaneamente do Agrupamento 1975, tendo actuado em diversas operações realizadas nas regiões de Gabjola, Nhai, Cadique, Catafine e Cabolol, entre outras.
Em 08 de Junho de 1966, foi rendida em Catió pela Companhia de Cavalaria 1484 e foi colocada em Bissau, a fim de colaborar na segurança e defesa das instalações e das populações, tendo colmatado a anterior saída da Companhia de Caçadores n.º 1566, no dispositivo do Batalhão de Caçadores n.º 1876.
Em 06 de Agosto de 1966, foi substituída pela Companhia de Caçadores n.º 1589 para embarque de regresso.

Outros Mortos da Subunidade:

José Gravancha Cachatra, Soldado Atirador n.º 908/64, Solteiro, filho de Diogo Raimundo Cachatra e Conceição Gravanha, natural de Ponte Velha, freguesia de Santa Maria de Marvão, concelho de Marvão. Faleceu vítima de doença, no dia 16 de Dezembro de 1964, no Hospital Militar Principal, em Lisboa, para onde tinha sido evacuado. Foi inumado no Cemitério de Santo António das Areias – Marvão.

Daniel Francisco dos Santos, Soldado Apontador de Metralhadora n.º 3671/65, Solteiro, filho de José António dos Santos e Gertrudes da Conceição, natural da freguesia da Sé, concelho de Évora. Faleceu vítima de ferimentos em combate, na região de Cabedú, no dia 3 de Janeiro de 1966, no Hospital Militar Principal, em Lisboa, para onde tinha sido evacuado. Foi inumado no Cemitério de Évora, sepultura n.º 42, quarteirão São Bruno.

Trabalho elaborado pelo Joaquim Luís Mendes Gomes, Alferes Miliciano da CCAÇ 728, e publicado no blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné, nas datas e postes indicados.

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

Nota – Comentário do filho de um elemento do pelotão do alferes Miliciano Sasso.
João Felicidade disse...

Muito boa noite, sr. Luís Graça. Fico feliz por ler aqui, por muito pouco que seja, a historia da 728. Foi nesta companhia que o meu pai (Joaquim Guerreiro Felicidade) serviu durante 22 meses no 1.º pelotão sob o comando do alf mil Mário Sasso. Após, ele ter lido o artigo foi vê-lo a contar os seus 22 meses de campanha. Desejo-lhe uma boa continuação deste blog, que conta as histórias destes, últimos heróis do império.

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

Nota: Referencia ao Mário Sasso, comandante do 1.º Pelotão.
O Mário Sasso, um moçambicano (da Beira) radicado há uns bons anos, na boémia e no fado alfacinha, de Lisboa, era o comandante do 1.º pelotão.
Tinha feito um bom curso em Mafra e, por feitio, tinha de ser o melhor em tudo. Brioso, procurava ter uma conduta semelhante à figura. Quis ingressar nos comandos, mas o coração não lhe aguentaria o esforço.


20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

Nota: Referência ao Sasso, fumador e cantor. Os alojamentos.
O vigoroso Sasso, com a voz rouca, crestada pelo cigarro, em fornalha permanente, acompanhava-se à viola, nos fados alfacinhas; as desgarradas brejeiras do furriel Brás, embrulhadas, também, na sua viola inseparável; o corpulento sargento Gaspar exibia, pela centésima vez, as suas habilidades circenses, em mais um flic-flac; o espírito, até aí, oprimido dos soldados começava a despontar, natural e as distâncias artificiais da parada do quartel dissipavam-se, lentamente, sem detrimento do entranhado respeito pelos superiores.

Os primeiros dias foram intensos, sob a batuta astuta do capitão, para fixar o plano de vida e definir tarefas. A distribuição dos pelotões no espaço do quartel, ficou a mesma que a companhia 556 tinha fixado e bem. O critério era o do maior perigo. Dois pelotões do lado da mata, o do Sasso e o meu; do lado do cais, ficou o 3.º, do Gonçalves.


11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar.

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo

Nota: Da alegria ao choro.
O Sasso, por exemplo, percorreu todo o caminho da festança, com fados e desgarradas, e acabou numa crise de metafísica e pranto, aos meus pés.
- Eh! Gomes, não sabes como invejo a tua fé… Para mim, só vejo o nada e desespero à minha frente…


22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

Nota: O Sasso canta o fado, antes da operação.
A maioria não se deitou, até à hora de partir. No Sete e Meio (1), a preocupação dos 3 alferes não era menor, apesar do disfarce dos trinados da viola a acompanhar a voz rouca do Sasso, nos fados da sua Lisboa amada, tão distante…

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vítor Condeço)

29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez

Nota: O Sasso morre em combate.
Caminhou-se toda a noite; quando o dia começava a querer alvorecer, estávamos a atravessar a zona, crítica, de Dar es Salam [na carta de Cacine, Darsalam]. De repente, alguns tiros caíram sobre o pelotão que seguia na cauda da fila, comandado pelo alferes Sasso.

A resposta foi pronta e, depressa, tudo se calou. À frente, nada se tinha passado.

Só quando o dia nasceu e um helicóptero chegou, tivemos conhecimento de que o Mário Sasso tinha sido atingido com um tiro nas costas que lhe vazou o pulmão e coração. A esperança de sobreviver era pouca… e assim foi.


5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu

Completamos este trabalho, em memória de um camarada que não conhecemos, mas que se torna presente, porque participou num combate que não era o nosso, mas para o qual fomos enviados, sem nos dizerem porquê, nem perguntarem a nossa opinião, transcrevendo o post 2259, do Blogue Luís Graça:
12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2259: Blogpoesia (7): Nas terras de Darsalam, no Cantanhez, adormeceste, para sempre, como herói, meu querido Sasso (J.L. Mendes Gomes)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Quartel > 1968> Foto 36 > "Um Pôr-do-sol visto do edifício do Comando na direcção à Porta de Armas e depósito de géneros".


Poema
Em memória do Alferes Sasso

por J.L. Mendes Gomes

Estou a ver-te,
no regresso:
Alto, esguio,
óculos escuros.
Fato claro, de corte fino.
Tão vaidoso,
pelas tardinhas de Domingo,
calçada velha acima,
até ao quartel
da velha Évora.
De braço dado,
num corpo só,
com tua moça,
formosa companheira,
boa,
das noitadas do fado,
castiço,
de Lisboa...
de ambos vossa amante.
Que encanto!

Parecíeis mesmo
um casal americano,
tranquilo e tão ufano,
pelo meio do casario branco,
do coração alentejano!...

Que alegria!...
Que vontade de viver
de ti transparecia
pela semana inteira,
de olhos presos
à tua amada!...

Eras sempre o primeiro:
nas paradas,
secas, militares
e nos crosses atletas,
sem parar,
pelas estradas ermas,
e sem fim,
de sobreiros tristes,
através dos montes
do Alentejo...

Nos desafios permanentes,
pronto e voluntário,
prós exercícios
mais malucos....
Que pavor!...
da maluqueira militar.

Ora endiabrado trepador
daquele palanque,
alto e estreito,
de cimento...
ora dependurado,
na vertigem alucinante
da corda e da roldana...

Nas caminhadas nocturnas,
por aquele mundo,
de eremitério,
prás emboscadas perdidas,
nas veredas, ao luar,
prós golpes de mão,
temerosos, traiçoeiros,
mesmo a fingir,
tu levavas tão a sério...

Que exemplo vivo,
de vontade louca
de viver
o dia a dia,
tu me deste,
sem saberes!...

Quiseram as sortes
pra ti malvadas,
levar-nos a todos,
p'rá Guiné!...

Que romaria e arraial
havia sempre
à tua beira!...
Com a viola e o acordeão!

Tua voz rouca,
bem timbrada,
a retinir,
os fados todos
de Lisboa,
tão saudosa...
fazia dó!
Encantadora companheira
nas noitadas solitárias,
do Cachil e Catió...

Como lembro
tuas horas de desespero,
que vivias,
tão sincero,
em filosofia permanente,
à procura do sentido
da nossa dor,
e nossa vida, sobre a terra...

Que sentidos
desabafos me fizeste,
nas vésperas
da tua hora derradeira,
tão a sós,
em noitada de cavaqueira,
tão fraterna,
num duelo filosófico
e porfia verdadeira...
olhos presos,
bem abertos,
às belezas de paraíso,
das escravizadas terras africanas
e ao futuro da vida
que tanto amavas!...

Como suspiravas
encontrar
o caminho certo,
iluminado
do viver...

Eis que
no alvorecer duma aurora,
de suave e fresca neblina,
quando o sol
nascia em liberdade,
a oferecer mais um dia
ao mundo
e à desavinda humanidade,

depois duma noite,
sem sentido,
inteirinha
a caminhar,
por entre matas densas
das terras de Dar es Salam...
adormeceste,
para sempre,
como herói...
no regaço
dos teus irmãos,
ali ao pé!...

Nunca mais te esqueceremos!...
Ó eterno amigo,
Ó companheiro
Sempre nosso!...

Até à vista!
Querido Sasso!...

Depois deste poema/homenagem, tudo o que se possa dizer, pode não ter sentido!

Pesquisa e organização de José Martins
5 de Outubro de 2009
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5077: Fichas de Unidades (5): História do Pelotão de Morteiros Nº 980 (José Martins)

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5058: In Memoriam (33): Alferes Henrique Ferreira de Almeida, morto em combate em 14JUL68 em Cabedu (J.A. Pereira da Costa)

Guiné 63/74 – P5087: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (24): A camaradagem em tempo de guerra


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 24ª estória:

Camaradas,

Do meu baú de memórias lá retirei mais um texto, que com uns retoques consegui, creio eu, actualizá-lo, deixando-o à vossa consideração como uma Homenagem minha, pessoal, à nossa camaradagem de ex-Combatentes.

A CAMARADAGEM EM TEMPO DE GUERRA

A camaradagem na minha Companhia não foi diferente das outras. Formaram-se entre nós laços de amizade para o resto das nossas vidas, as más e as boas horas que nós passámos juntos, teriam que ter uma repercussão de irmandade e amizade para todo o sempre.

A recruta é apontada, por muitos, como a época mais difícil da vida militar. As novas rotinas militares e o rigor castrense traziam alterações profundas aos nossos hábitos, dificultam-nos a adaptação à nova vida como soldados.
Mancebos de todas as Províncias deste nosso país, chegavam aos quartéis com sacos às costas, onde levavam apenas utilidades essenciais ao uso rotineiro do dia-a-dia. Mostravam as suas guias e convocatórias, e iniciam a assim a incorporação.

A primeira semana era a pior de todas (digo eu). Tínhamos que nos habituar a tudo o que era novidade para nós. Os horários a cumprir, o uso do uniforme, as botas em vez de sapatos, novos Camaradas e Amigos, muitas bolhas nos pés, pernas cansadas de marchar e correr… enfim tudo era diferente.

Para recrutas com 20 anos, vindos a maior parte dos meios rurais e do operariado fabril, a grande maioria “sacados” às escolas, aos amigos e às namoradas, estas bruscas mudanças de “modo de viver”, eram, para muitos, cruéis e desumanas.

Valia-lhes o “desenrascanço” e a entreajuda dos seus novos Camaradas (que horas jamais haviam visto nas suas vidas), para superarem as suas ignorâncias, insuficiências e incapacidades.

Era nesta ajuda mútua que se iniciava a camaradagem militar, e se vincavam os laços de amizade que ficaram para a eternidade.

A disciplina militar que lhes era imposta pelos seus superiores, mais os conseguia unir e tornarem-se num espírito de corpo único, que, ainda hoje, é a maior virtude do Exército.

Acabadas as recrutas, juravam bandeira, e, seguiam para outras unidades especializando-se em várias “artes” castrenses, acabando, salvo raras excepções, em Unidades de Mobilização, onde lhe traçavam novos destinos para África, em rendições individuais, ou em formações de Pelotões, Companhias e Batalhões, e… Guerra do Ultramar.

Sempre conhecendo novos Camaradas e Superiores Hierárquicos, que com eles constituíam a sua “família” militar. Aprendiam a conviver e a depender exclusivamente deles próprios e do grupo (os seus Camaradas da Unidade), e a sobreviver, combater, rir, chorar, sofrer, dividir, comer, etc., em grupos de acção colectiva.

Quantas vezes, não estiveram os seus Camaradas, ali ao seu lado, para os confortar de desgostos, ferimentos, desânimos, cansaços, etc., sofrendo com eles os seus azares e infortúnios.

Marchavam para a guerra, imberbes e inexperientes, com uma única certeza, os seus Camaradas e Irmãos-de-Armas, eram a única “ilha” de salvação psíquica naquele “mar imenso e agitado de tempestades” traumáticas que lhes eram proporcionadas na Guiné.

Conheceram de perto as agruras da guerra, a sede, o suor, a lama, o pó, os estropiados, os feridos, a morte... Tudo isto viram, sentiram e sofreram.

Mas a camaradagem, essa ficou. Continua hoje imaculada nas suas mentes, sabendo que é graças a ela, com parte da sua sanidade e equilíbrio mental, vão sobrevivendo nesta outra “guerra”, não menos dura, que “eles” (aqueles que nós bem sabemos infelizmente), não compreendem, nem querem compreender, por total desinteresse pessoal, as suas razões.

As comissões eram cumpridas e compridas, mas eles mesmo assim conseguiram superá-las e regressar, não todos infelizmente, mas todos os que sobreviveram mantêm-se solidários e amigos, como nunca deixaram de o ser.

Ainda hoje essas manifestações de amizade se mantêm, entre os ex-Combatentes, comprovadamente pelos sucessivos momentos das inúmeras confraternizações e encontros, que são levadas a efeito pelo país fora, todos os anos.

Amizade e camaradagem não são palavras ocas, são também o espelho dos sentimentos de solidariedade e de lealdade que dedicamos ao próximo, resultantes da experiência da dobragem de vários conjuntos de dificuldades, que ultrapassamos em comum e nos permite actualmente comungarmos deste sentimento.

Passados mais de 40 anos deste conflito comum eis o que aprendemos:

O tempo passa,
A vida acontece,
A distância separa,
As crianças crescem,
Os empregos vão e vêem,
O amor fica mais frouxo,
As pessoas não fazem o que deveriam fazer,
O coração desgasta-se,
Os Pais morrem,
Os colegas de trabalho nos esquecem,
As carreiras terminam.

Mas, os verdadeiros amigos e Camaradas... estão aqui, não importa quanto tempo e quantos quilómetros nos separam… estão aqui… todos, ou quase, todos os dias.

Um Camarada nunca está mais distante do que ao alcance de uma… necessidade, torcendo por nós, intervindo em nosso favor, e esperando de braços abertos, abençoando a vida.

Nós sentimos e sabemos o que é precisarmos uns dos outros.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Legendas das fotos:
1 - J. Alberto - A banda de Mampatá
2 - O "comando" da CART 2519
3 - Camaradas até ao fim
4 - Até que a morte nos separe

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: