quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5067: Guidaje, Maio de 1973 (1): Momentos difíceis para as NT (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho (*), ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74, com data de 3 de Outubro de 2009:

Caro Camarada Carlos Vinhal
Cá estou de novo (trata-me por Marinho) será mais fácilmente identificado por camaradas da minha Companhia se calharem de consultar o blogue como espero, pois ando à procura de alguns deles.

Agradeço as tuas palavras de cortesia, espero apenas contribuir modestamente em episódios vividos na Guerra da Guiné, para que o resultado final seja um esclarecedor relato de operações militares que se desenvolveram, na minha zona.
Grato igualmente pelos comentários recebidos, a todos eles sem excepção.

Este texto visa situar melhor os acontecimentos, até ao dia 29 Maio de 1973, dia da minha chegada a Guidaje, espero conseguir os meus intentos, e contribuir para um melhor entendimento do que se passou.


COLUNAS PARA GUIDAJE

2.ª Coluna de abastecimento a Guidaje, dia 10 de Maio

Composição das forças que a integraram:


2.º GCOMB/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 de Nema
1 GCOMB da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 de Jumbémbem
2 GCOMB da CCAÇ 14 de Farim
1 GCOMB da CCAÇ Africana Eventual de Cuntima
2 GCOMB da 38.ª de Comandos
1 SEC/PEL MORT 4274

Esta coluna foi a primeira a chegar a Guidaje com os abastecimentos e armamento necessário para atenuar as muitas dificuldades existentes, servindo para dar ânimo aos militares do aquartelamento e à sua população.

O relato desta coluna já foi muito bem contado pelo camarada Amílcar Mendes nos postes 1201/1203/1205.

Neste dia estava eu na enfermaria de Farim, onde permaneci cerca de uma semana por causa dos estilhaços sofridos, ainda muito abalado psicologicamente pelo acontecido na véspera, por isso vou apenas falar por testemunho dum camarada do 2.º GCOMB da minha Companhia que fazia parte desta coluna e testemunhou a morte do camarada que ficou desfeito pela mina, que era da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512. Os seus restos mortais estão sepultados em Guidaje.

Seguíamos em fila indiana atentos a tudo o que nos rodeava, quando uma forte explosão nos obriga a mergulhar na picada. Ainda atordoado, dou conta de ter sido uma mina que destroçou um camarada que depois soube que era da 2.ª Companhia do Batalhão. Restou apenas o tronco que foi embrulhado num poncho e seguiu para Guidaje, onde ficou enterrado. Tive sorte pois verifiquei depois que ia em 4.º depois do morto e o segundo homem também foi projectado. O que me seguia foi ferido com estilhaços."

Quando da chegada da coluna vinda de Guidaje no dia 13 a Farim, fui saudar os meus camaradas e saber as últimas. Assisti entre outras coisas, ao evacuamento de heli do Comando que tinha pisado uma mina e o que me impressionou foi o grito que deu de Viva os Comandos, julgo eu, dado nas circunstâncias e no estado em que se encontrava.

Numa Berliet vinha um soldado morto nas valas em Guidaje, o ambiente era pesado e ninguém queria falar e voltar ao mesmo cenário. Do que tinham passado nas valas de Guidaje, auguravam-se tempos difíceis…

O nosso estado de espírito era lastimoso a todos os níveis, tínhamos mortos no mato sem sepultura, feridos que foram evacuados, e para eles, a guerra terminara de forma inglória. Nós tínhamos de lidar com os fantasmas do medo, que começavam a fazer os seus efeitos e ameaçavam paralisar-nos. Do meu grupo de 26 a 28 elementos, ficamos reduzidos a metade, em termos de operacionalidade, a solução temporária foi a junção dos 2 Grupos num só, para ficarmos de novo operacionais.

(Acho valer a pena referir, que o meu grupo teve um treino operacional muito exigente, por força de termos um Alferes que era Ranger, foi seguramente por isso que se evitou males maiores, noutros contactos com o IN anteriores e posteriores a Guidaje).

Em Abril houvera o reforço de mais um GCOMB da 3.ª CCAÇ do nosso Batalhão. Nós só em Junho deixamos Nema para nos juntarmos ao resto da Companhia em Binta.

A falta de Comando na Companhia, neste período, originou por sua vez alguma confusão pois faltavam ordens claras e a competente avaliação operacional. Em vez disso, voltava-se a improvisar e como havia muitas unidades militares a circular pelo destacamento, nunca se sabia quem mandava.

Foi com alguma estranheza que nos interrogamos sobre o não levantamento dos mortos que tinham ficado na picada. Se a coluna tinha chegado, aproveitando o facto de já haver muita tropa no sector (a 3.ª coluna já tinha entretanto chegado a Guidaje no dia 12 escoltada por Fuzileiros que sofreram um morto) e já com a presença dos Pára-quedistas da 121 na zona, porque não?

Mas a explicação mais simples que era veiculada, era a de o local estar todo minado e ser de elevado risco o levantamento dos corpos.
Também existia a hipótese de não haver nada a fazer depois das viaturas terem sido destruídas pela aviação.
Houve sempre interrogações, nunca respostas!
Cerca de 3 meses depois fomos nós lá com Sapadores de Minas fazer o reconhecimento e levantar as ossadas de 3 camaradas.

Nesta fase dos acontecimentos as coisas passavam-se vertiginosamente com um vaivém constante de colunas Farim-Binta-Guidaje e vice-versa.


Dia 15 nova coluna para Guidaje (a 4.ª por ordem de partida)

Integram a mesma:


2 GCOMB do Comando de Bissau
1 GCOMB/CCAÇ Especial Afriicana
1 Grupo de Milícias Especial de Jumbembém, onde estava sediada a nossa 2.ª Companhia

No regresso a Binta, dia 19, esta coluna sofre violenta emboscada e retrocede para Guidaje, mas os Grupos de Bissau chegam a corta-mato a Binta onde já nós os esperávamos, pois haviam-nos sido transmitidas ordens no sentido de os procurarmos nas imediações do aquartelamento pois alguns andavam perdidos.

A exaustão e o sofrimento que se notava nos semblantes desses camaradas era seguramente a nossa própria imagem reflectida uns dias antes.

Nota:
Das colunas que estou a tentar descrever, e foram 6, só faltam elementos relativos às 3.ª e 4.ª colunas, das quais sei apenas o que relato com a maior fidelidade possível. Se houver camaradas que nelas participaram e julguem oportuno rectificar, agradeço eu e todos os que passaram por aqueles tormentos, e ajudam a completarmos o puzzle.


A 23 segue a 5.ª coluna

Escoltada por Fuzileiros, com a CCP 121 na zona do Cufeu, para a protecção até Guidaje. Infelicidade para os Páras que sofreram 4 mortos. Mais tarde quando conheci bem a bolanha, percebi muito claramente a emboscada, porque só mesmo naquela bolanha era possível causar 4 mortos àquela tropa.
Esta coluna foi já narrada pelo camarada Victor Tavares da 121 no poste P1212 de 25 de Outubro de 2006.

Reforçados em Junho de 1973 pela 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4514 até Setembro, também a CCAÇ 4745 de Julho a Outubro e em Fevereiro de 1974 a 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 até Abril de 1974 estas são algumas Companhias que passaram por Binta mas era quase de passagem tal era o tempo que ficavam, mesmo assim, sempre que chegavam, haviam saídas conjuntas para o mato.
A CCAV 3420 depois do regresso de Guidaje, ficou até final do mês. Lamento se omiti alguma, ou se as datas não coincidirem, mas são estes os dados de que disponho, corrijam-me se estiver errado
É chegada a altura de dizer que todos nós sempre que passávamos, (e foram muitas vezes) perto do local da emboscada, evitávamos olhar, e nunca se aludia ao que se passara, o mutismo era absoluto, quisemos sepultar na nossa memória os dias 8 e 9.

A coluna de 29 de Maio integrou 2 GCOMB do BCAÇ 4512, 1 da 1.ª CCAÇ e outro da 2.ª CCAÇ. A 38.ª CCom, a CCAV 3420 e um Grupo Especial de Milícia.

A ida desta coluna, a 6.ª, também já foi narrada no blogue pelo José Afonso da 3420, e por Salgueiro Maia, Comandante da mesma, no seu livro “Capitão de Abril”, em Crónica dos Feitos por Guidaje.

Foi muito complicado na altura juntar efectivos para marcharem para Guidaje, falo naturalmente dos GCOMB do meu Batalhão e do que vivi e presenciei na altura. Parece-me ainda hoje que o medo se tinha colado aos nossos corpos e paralisava-nos os sentidos, estava tudo muito presente e era normal, porque éramos os únicos a bisar, voltando à picada em apenas três semanas. Sabendo tudo o que já tinha acontecido a todos os que nos precederam, junte-se a agora o vazio de comando e estamos entendidos.

Mas a ordem foi toca a andar que se faz tarde, com as forças disponíveis.
O que seria normal para as tropas especiais, Comandos, Pára-quedistas, e Fuzileiros, estava a tornar-se penoso para nós.
Do que me recordo, sei que fiz o trajecto quase sempre na retaguarda da coluna, depois, a certa altura, fomos mais para a frente e lembro-me de ter passado pelos Páras que montavam emboscada na bolanha do Cufeu. Houve muitas paragens causadas pelo IN, o que fez demorar a coluna a chegar.

Ainda hoje me interrogo sobre quem foi que retirou para Binta em 2 Unimogs, levando o morto por picagem de mina A/C e os feridos pertencentes à 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 e não regressou à coluna. Pelo menos 1 GCOMB dessa Companhia fazia parte desta coluna, tenho as minhas opiniões sobre o assunto, mas não certezas, por isso não especulo.

Isto por uma razão simples, como já expliquei, nessa altura os GCOMB da minha Companhia estavam fragmentados, especialmente o 1.º e 2.º, por isso não posso dizer mais sobre o assunto, sob pena de falsear os factos, sei que eu e mais camaradas do meu Grupo chegamos a Guidaje ao anoitecer, integrados na coluna.

Na próxima falarei da permanência em Guidaje e do regresso.

Caros camaradas, um forte abraço.
Porto, 2009-10-02

OUT73 > Parte do 1.º GCOMB/1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512. O 1.º Cabo Marinho é o segundo, de pé, a contar da esquerda

OUT73 > Picada Guidaje/Binta
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de > 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74)

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