Texto e fotos: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Continuação da publicação de algumas notas do diário do camarada A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74).
11 de Maio de 1973 (continuação)
(...) A coluna, à saída da bolanha do Cufeu (2), pára. Ouve-se ao longe tiros e rebentamentos. A companhia que vinha ao nosso encontro, caiu numa emboscada na ponte. Pelo rádio ouvimos o oficial que comanda a companhia emboscada pedir apoio aéreo, porque o IN é em muito maior número e ele diz que está a ser dizimado. Chegam dois Fiats e tentam dar cobertura à companhia emboscada mas dizem que é impossível porque o IN esta demasiado próximo...
Ouço então o apelo mais dramático ouvido em toda a minha vida: Pela rádio o oficial que comandava a companhia emboscada apela à aviação:
BOMBARDEIEM TUDO! A NÓS, INCLUINDO! A SITUAÇÃO É DESESPERADA! ESTAMOS A SER TODOS MORTOS, POIS OS GAJOS SÃO EM NÚMERO MUITO SUPERIOR!
A aviação nega-se a cumprir o apelo. Nós estamos a cerca de 3 km da emboscada. Nem pensar em lá chegar para ajudar. Demasiado longe num local cheio de minas e outros obstáculos. Os Fiats sobrevoam-nos e avisam-nos de que o IN está próximo. Faz isso para evitar ser bombardeado.
Continuamos a caminho de Guidaje. Quem ainda seguia nas viaturas salta para o chão. Ouve-se um rebentamento! Foi uma mina! O 1º cabo Filipe ao saltar pisou uma mina! Ficou logo ali sem um pé! Recebe os primeiros cuidados na picada e é posto numa viatura.
Seguimos, seguimos a um ritmo alucinante para chegar antes da noite.
Mais um morto na picada. Pisou uma mina. Ficou irreconhecivel, metade do tamanho. É enrolado num poncho, posto no estrado de uma viatura. E continuamos (Esse morto mais tarde iria ser sepultado em Guidaje onde ficou).
Uma viatura pisa uma mina mas só ficou sem o rodado e continua assim mesmo.
Chegamos ao local da emboscada da CCAÇ 19. Só encontramos mortos. Mortos e mais mortos. Nossos e do IN. Ficam para trás. E ali irão ficar para sempre. Já andámos há cerca de 10h na picada e Guidage já não está longe.
Já com Guidaje à vista subimos para as viaturas e eu sigo naquela só com três rodados, e onde segue o morto.
Chegamos a Guidaje! É a primeira coluna a chegar de há três semanas a este tempo. A população vem receber-nos com gritos de alegria, dá-nos água, trata-nos com carinho, sentem que o isolamento acabou.
Assim que entramos no destacamento, somos brindados com um ataque de morteirada. Com a noite vamos para as valas, que é onde se vive em Guidaje! O Filipe está num abrigo a soro, fui vê-lo e ele delirava a chamar pela família.
Durante a noite iremos sofrer mais 4 ataques e um deles será mortal (3).
(Continua)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
(2) Vd. 27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
(3) Em Novembro de 2000, o Albano Costa (que pertenceu à CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74) voltou à Guiné e à querida Guidaje, passou pelos sítios que são aqui evocados pelo Amílcar Mendes. Aqui ficam duas fotos, com as respectivas legendas do próprio fotógrafo, uma a preto e branco, de 1973, posterior a Maio de 1973, quando a CCAÇ 4150 chegou a Guidaje, e outra, a cores, de Novembro de 2000. O Albano, felizmente, para ele, não conheceu o inferno de Guidaje, apenas os vestígios desse inferno...
Fotos:© Albano M. Costa (2005). Direitos reservados.
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