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segunda-feira, 9 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26901: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (41): memórias de um fotógrafo: aqueles dias tristes e cinzentos de março



Guiné > S/l > 1972 > Uma viatura blindada Chaimite V200. Foto de António Rogério Rodrigues Moura [ARRM]. Com a devida vénia...


Fonte: Portal Prof 2000 > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital



Foto: ©  (2010) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




São excertos do Diário de um 'Bate-chapas', manuscrito em formato pdf que nos chegou às mãos... Com a seguinte nota: "Este ficheiro, em formato pdf, faz parte de um manuscrito que, se um dia passar no crivo da crítica, talvez ainda possa vir a ser publicado como livro,  de memórias de um ex-combatente da guerra colonial na Guiné,  que queria ser fotocine, e que acabou por bater retratos dos seus camaradas, e reformar-se como fotógrafo... de casamentos"...

O autor que não quer para já ser identificado, foi fotógrafo amador, na Guiné: nas horas vagas, fazia retratos dos seus camaradas, tendo um pequeno laboratório de fotografia, a preto e branco, onde revelava os negativos. O seu sonho era ser fotocine. Chumbou no curso de sargentos milicianos, quando estava a tirar a especialidade na Escola Prática de Cavalaria. Acabou por ser mobilizado, em rendição individual, para  uma companhia de infantaria
, andou pelo  leste  da Guiné. Autorizou-nos que publicasse este excerto  na série "Contos com mural ao fundo". Esta é uma versão, revista recentemente . (LG)



Contos com mural ao fundo (Luís Graça) > Memórias de um fotógrafo:  aqueles dias tristes e cinzentos de março 
 


2/3/2018

Dia de inverno. Não admira, estás em março. E a primavera é só daqui a três semanas. E parece que vai continuar assim,  nos próximos dias. Tempo triste, cinzento. Como a velhice. (E, como diz o provérbio, "teme a velhice, porque ela nunca vem só".)

Partidas da meteorologia. Ou nem por isso. Se há algo que é previsível (ou devia sê-lo) é o tempo. Ou era o tempo, antigamente. Razão por que há as previsões meteorológicas e os meteorologistas. Ciência matemática, garantem-te, o que não quer dizer exata. Como a ciência militar, que é arte, engenho... e sorte. Se fosse uma ciência exata, não estavámos sempre a repetir, como os "comandos", que "a sorte protege os audazes". Sorte ?!

Dantes, quando eras miúdo,  pensavas que era o São Pedro quem mandava nos céus e arredores. Metiam-te medo, com o dilúvio e a arca de Noé. Santa ignorância, quando se é puto. Quem te meteu isso na tua cabeça,  essas patranhas ?  O senhor abade, a catequista, o mestre-escola (cresceste na aldeia, em Mazouco, até aos 10 anos)... 

Agora parece que já destronaram o santo, não havendo ninguém de respeito que mande nesta m*rda,  cá em baixo. Anda tudo desregulado: o tempo, o clima, a economia, a saúde, a cabeça e o coração dos humanos… Até as estações do ano andam trocadas. 

Quando eras puto, havia quatro estações, e o Natal era no inverno, e fazia frio, e caía neve, pelo menos em Trás-os-Montes. 
Na Guiné, no teu tempo, havia duas estações, dividindo o ano ao meio: a das chuvas (de maio a outubro), e a do tempo seco (de novembro a abril). 

O mundo dual é sempre mais simples e previsível. Nunca gostaste da fotografia a cores, és  do tempo do preto e branco. Mas tiveste que te render ao mercado:  nos casórios ninguém queria fotografias, mesmo artísticas, a preto e branco. E agora só querem vídeos. E tens que aceitar, vergando-te à evidência. Fizestes muitos vídeos. Só a viver da fotografia, já terias  fechado a loja mais cedo.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Bajocunda > c. 1973/74 > Época das chuvas > Imagem da parada de Bajocunda, cedida por 
Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74).  

Fonte: Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > (...) "Depois de 7/8 meses a vermos o céu sempre igual e a atmosfera amarelada com as poeiras vindas do deserto, os primeiros pingos grossos de chuva eram celebrados com grande alívio por nós e contagiante alegria pela criançada que aproveitava as poças de água para se refrescar, brincar e encharcar os adultos incautos" (...).

Foto (e legenda) © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplementar: Blogue Luís Graça & Canmaradas dfa Guiné.]



E, quando as primeiras chuvas apareciam, era uma explosão de vida e de alegria. Lembras-te dos milhões de insetos que caíam no chão (e no prato da sopa, se era à hora do rancho). É das imagens de rara beleza que tu guardas de África, a alegria de miúdos e graúdos que vêm para a rua "embebedar-se de água". Literalmente, "embebedar-se de água". 

Bolas!, tens pena de nunca ter tirado uma "chapa" a cenas "bíblicas",  como essa.  Até tu, pé de chumbo, vinhas para a rua, no meio da tabanca, dançar com os "djubis", as bajudas e as mulheres grandes. Grande tonto!... Seis meses á espera da chuva! 

Mas, de facto,  nunca te lembraste de trazer a máquina fotográfica para poderes registar esses momentos (únicos!) que, afinal, eram dos mais felizes da vida na Guiné, os primeiros dias de chuva!... E o cheiro que  a terra molhada recendia, como na tua aldeia debruçada sobre o rio Douro!... 

Como foi possível não teres um registo fotográfico desses dias de alegria breve?! ... Que besta!

Reflexão amarga, quando pensas nesse tempos, de há quase 50 anos atrás: hoje o deserto avança. E
stás a dar cabo da tua casa, do teu chão, do teu teto, da tua terra, das tuas florestas,  dos teus rios, dos teus mares. Aqui  e na  Guiné,  pelo que te têm  contado, a malta que lá tem voltado...  A fauna e a flora, as criaturas de Deus, sofrem sem terem culpa, à exceção do bicho  homem. Bicho ? Diabo! Somos o diabo de nós mesmos!

Pintem-no de todas as cores, para que ele apareça ainda mais feio, fero e mau. Neste caso o "diabo branco", que metia medo aos "djubis" na "festa do fanado"!… (Também nunca tiveste curiosidade por estas "excentricidades" etnográficas, mas lembras-te que o diabo no fanado  era "branco".)

O povo precisa, em todas as culturas, da figura de um diabo, ora branco, ora preto, ora vermelho, de preferência com cornos, que simbolize o mal absoluto, que aterrorize, mas que também brinque com a gente. Como os caretos de Ousilhão,  da terra do teu pai, no concelho de Vinhais. Também ele foi careto quando rapaz. (Era já GNR quando conheceu a tua mãe em Freixo de Espada à Cinta.)

Em dias assim, o que te resta é meter-te num centro comercial. O mais perto de casa, com estacionamento à borla, luzes, lojas, ar condicionado, música, ruído ... E o formigueiro humano, gente tão solitária como tu,   cada um no seu carreiro, como a formiga,  subindo e descendo escadas rolantes... Faz-te lembrar os bagabagas, que eram autênticas cidades liliputianas.

Enfias-te num cinema.  Dantes ia-se para a tasca, o homem, ou a igreja, a mulher. A oferta é muita mas a maior parte é lixo. Puxas dos cartões, à cata de descontos. Sempre dão para as pipocas. Afinal, ser velho  é um "privilégio"  nesta sociedade!....  Sénior, se faz favor
.... Veterano?!.... (Raio, nem sequer tens um cartão de combatente, para fazer valer os teus direitos!... Este país sempre tratou mal os antigos combatentes.)

Não sejas arrogante. Se o lixo está em cartaz, é porque há clientes, há público para consumir o lixo. Ainda por cima pagas para comer lixo. 

Não sejas mau, da tua parte também és um consumidor de lixo, seja cinema, sejam salmões de aquacultura. Ou as mensagens de gente megalómana, azeda, ressabiada ou mesquinha  nas redes sociais. (Felizmente, e para bem da tua saúde mental, eliminaste a tua conta no Facebook.)

Sem esquecer  o  futebol ou as pregações evangélicas ou os "sites" pornográficos. Ou os "best-sellers" de Natal. O último romance do fulano tal...  "Ah!, Ainda não o leste, bolas, não sabes o que estás a perder ?!... Devias ter lido, está no 'top ten'.... É o máximo!"...

Em suma, o que se vende é o que é badalado, o que é visto na televisão (e cada vez mais, nas redes sociais ). Claro, há uns gajos de fato completo e gravata que gozam à brava com isto tudo, e vão aumentando as suas chorudas contas bancárias e fortalecendo as suas tentaculares redes de poder e de influência. 

As lojas e as redes sociais estão cheias de lixo, barato, a preço de saldo, que tu compras. Tu e os outros tontos como tu. ("Consumo, logo existo", parecem pensar.)

E "a malta não olha a preços, quer é descontos"… E viver, freneticamente, o cagagésimo de segundo do presente... que mais logo já será passado. E bem passado e pesado.

"O último a morrer que feche a tampa do caixão!".. Lembras-te da boca foleira do furriel Lopes  ? Lembras-te do sacana do cabo quarteleiro que nunca saía do aquartelamento, era a função dele,  ficava a guardar as armas e as bagagens, quando a gente saía.... E as urnas. A provocação era para ele e os gajos que ficavam no quartel.

 Gozavam á brava com o desgraçado, antes de a companhia  partir em colunas ou para operações. Afinal, essas bocas de bravata eram sobretudo para espantar o nosso próprio medo. No princípio, era mais do que medo, era cagaço. E ele lá ficava a tomar conta da "loja", com o cu apertado entre as pernas, com um medo do caraças de  um eventual ataque ao quartel com foguetões 122 mm.

Lembras-te, ó "Bate-chapas"?!... 

Foi a frase publicitária de maior sucesso que tu criaste lá nesse desgraçado quartel do mato na região do Gabu:  "A malta não olha a preços, quer é descontos"… Tão atual, hoje em dia, quase meio século  depois!... 

Eh, pá, tu devias ter ido para o "marquetingue", davas uma "ganda criativo"!...E nunca para fotógrafo de casamentos, batizados, bodas de ouro, aniversários, festas da primeira comunhão e do crisma, bailes de carnaval, festas de fim de curso!... 

E será que hoje serias mais rico e feliz ?! Ou feliz e rico ? (Não sabes se a ordem dos fatores é arbitrária: pode-se ser rico e feliz, feliz sem ser rico, rico sem ser  feliz?!)

Houve "chapas" ao preço da chuva, no primeiro Natal que lá passaste. Quase ao preço de custo. A malta mal ganhava para a cerveja. Mas era um luxo, a fotografia, para se mandar para casa... Não perdeste "patacão", até ganhaste algum. 

Foi uma operação de "marquetingue", para lançar a marca do "Bate-chapas".  E o sucesso foi de tal ordem que vendeste logo uma centenas e meia de  fotos da malta vestida de pai Natal tropical, ladeada de "bajudas de mama firme"... 

Fizeram sucesso, os gajos da CCS do batalhão  também se juntaram à festa, a clientela foi aumentando... E até o capelão entrou na reinação,  vestido de Pai Natal!...Com a lavadeira e o filho, a servirem de Nossa Senhora e o Menino Jesus. Tens pena de ter perdido esses teus primeiros trabalhos.

Grande pândego, um gajo da corda,  aquele padre capelão. Já não te lembras de que terra era ele, mas era um gajo do Norte. Gostavas de ir à missa que ele dizia ao domingo, quando estiveste na sede do batalhão. (...)

Com esse  "patacão" começaste a  investir em máquinas fotográficas e material  para o laboratório. No final da comissão, tinhas três máquinas compradas em Bissau, lá na loja dos libaneses, do tal Taufik Saad... 

 E compraste peças de artesanato em prata, feitas pelo ourives de Bafatá, o tal do dente de ouro... E mais quinquilharia asiática, louça chinesa, etc. , que chegava a Bissau, oriunda de Macau.  Ainda chegaste a embalar tudo, até que um incêndio reduziu os teus "recuerdos" da Guiné a cinzas...

Tiveste um ataque de choro, se ainda bem te lembras!... Foi um terramoto na tua vida.

Havia gajos que arriscavam,  faziam chegar algum "contrabando",  como as bebidas alcoólicas da Intendência (exclusivas para as Forças Armadas), através desse truque dos caixotes feitos com tábuas de madeira preciosa, que valiam ouro na metrópole, nessa época. Tudo despachado no barco. Sem passar pela alfândega. Afinal, eram todos heróis, os gajos que vinham do ultramar. Quer dizer, da guerra.

"Bate-chapas"!!!... A princípio, não achaste piada nenhuma à alcunha... "Bate-chapas" era uma especialidade dos gajos da ferrugem. Havia bate-chapas ou "chapeiros",  estofadores, correeir
os, trolhas, carpinteiros... Até havia um sacristão e cangalheiro, na CCS. 

"Bate-chapas!"... Que insulto!.... Era desvalorizar o teu talento e a tua arte de fotógrafo. Mas toda gente tinha uma alcunha. E tu acabaste, a contragosto, por assumir a tua. Até a mulher do capitão, era a "Capitoa". E o teu alferes "Casanova",  do teu grupo de combate, era o... "Picha d'Aço". E o cozinheiro, o "Merda Seca"... E o impedido do capitão  o "Meia-Leca"... 

As lojas aqui, no centro comercial, também tresandam a "merda seca", "made in" China, Indonésia... (Ainda te lembras de boicotar os produtos da Indonésia, por solidariedade com os desgraçados dos timorenses, em finais de 1991, princípios de 1992, depois do pavoroso massacre no cemitério de Santa Cruz, em Dili...). 

 Dantes, tinhas "scotch whisky", marca branca, que vinha diretamente da Escócia em barris para a malta da tropa. O mais baratinho. E depois engarrafado no Beato com água do Tejo, dizia-se. Chamavam-lhe "uísque de Sacavém". Para os bravos que se batiam para sobreviver à tona de água do Geba!... (Nunca foi coisa que apreciasses, tinhas os teus problemas de estômago.)

"Beber a água do Geba"...  Lembras-te da expressão ?!... Bebeste algumas vezes a água do Geba. Mas nunca tiveste propriamente saudades da Guiné nem muito menos vontade de lá voltar. (Mas quem recorda, não desdenha, é isso ?!... Afinal, tivestes bons e maus momentos. )

E nos saldos salda-se a roupa de inverno e os sapatos de inverno, porque já vem aí a primavera e logo a seguir o verão do contentamento da malta. 

"Ainda vamos ser felizes, meu amor, com casa à beira da praia no reino de Portugal e dos Algarves", diz a chavala para o gajo, ali ao teu lado, comendo pipocas. (Não percebes esta mania, horrorosa, de as miúdas de agora se tatuarem de alto a baixo, parecem umas osgas, todas pintalgadas!... Mas que diferença te faz, não é doença infetocontagiosa. ... F*da,-se, estás a ficar intolerante!)

Compra-se a crédito, barato, a casa de praia, pré-fabricada. E a mobília. E os electrodomésticos. E o amor,  que dura tão pouco. E a moda é quem mais ordena. São as mesmas marcas em todo o lado.

Consumir é bom para a economia, que acelera e às vezes desacelera, para desespero do senhor ministro das Finanças… Mas nem tudo o que é bom para a economia é bom para o balanta, o felupe, o fula,  o mandinga ou o bijagó... Ou o morador do Bairro da Bela Vista em Setúbal onde vivia um dos teus antigos camaradas de armas,  de quem não sabes noticias há já uns largos anos.  Um amigalhaço. Era de Cabo Verde, tinha carapinha, vivia no Bairro da Ajuda, em Bissau, antes da tropa,  chamavam-lhe o "Turra", na brincadeira.  Tinha jeito para a bola. Acabou por ser um "retornado", sem nunca ter nascido em Portugal. 
 
10/3/2018

Foste à praia do Guincho. Levaste o carro a "passear" (o teu velho Mercedes de matrícula K). Gostas de lá ir no inverno. O mar está sujo, escuro e bravo como um touro. Espuma de raiva. Às vezes apetecia-te ter a raiva do mar. 

"Vamos ter forte temporal esta noite", dizem os meteorologistas da Antena Um, os novos profetas da desgraça. Aviso amarelo a passar para o vermelho daqui a umas horas. Tempestade Félix. 

Não percebes nada de meteorologia, meu estúpido. O que é o anticiclone dos Açores ? E o que é um ciclone ? E uma tempestade tropical ? E um furacão ?  E um tufão ?

Há uma escala para medir estas fúrias dos elementos da natureza. Devias saber mais sobre estas m*rdas de que agora tanto se fala: as alterações climáticas, o degelo das calotas polares, a subida da água dos oceanos, os fogos florestais...Na Guiné, no Gabu, lembras-te das chuvas intensas, das tempestades tropicais, das trovoadas medonhas...

Há gajos que são pagos para pensar e para saber.  Tivestes quase 24  meses na Guiné, na p*ta da guerra, a defender a Pátria. Nunca te explicaram quem era a Pátria, essa entidade nebulosa, hermafrodita, simultaneamente macho e fêmea. 

Nem nunca te disseram quem eram os pais da Pátria... Nunca te explicaram isso, nem na tropa nem na guerra. Não te explicaram como é haver um país que foi fundado sob a violência doméstica, um filho que bate na mãe. (Outra patranha, por certo, que te contaram na escola. E nos Pupilos do Exército. Afinal, querias era jogar à bola.)

O teu capitão, miliciano, era um gajo fixe, afável, católico. Pelo menos ia à missa, quando podia.  (E já lá está, coitado, à direita de Deus Pai, dormindo o sono dos justos. Morreu cedo, de cancro pulmonar. Era uma chaminé a fumar.) 

Não tinha jeito nenhum para as tiradas patrióticas.  Nunca ouviste o teu capitão falar da Pátria. Nem do sentido da guerra (ou da falta dele).  Também ninguém fazia perguntas do estilo: mas que m*rda é que eu estou aqui a fazer !?...

Só o conheceste, na Guiné, ao teu capitão . Afinal eras de rendição individual. Mas ficaste com a impressão de que ele estava ali a fazer um frete, a ver passar o tempo, a arrancar as folhas do calendário como o resto da maralha. Teve sorte em poder trazer a esposa no segundo ano.  Mas, nas operações no mato, cumpria os mínimos. Só não queria apanhar uma porrada do general Spínola e muito menos do tenente-coronel, comandante do batalhão, que tinha um medo que se pelava do Spínola. 

Ainda te lembras do teu momento de glória em Piche, pediste parar tirar uma foto ao nosso comandante-chefe: "O meu general dá-me licença que lhe tire uma foto para a História ?!"... Ele sorriu, condescendente, e fez um gesto com o pingalim,  gesto que tu apanhaste no ar... Há malta que deve ter cópia desta foto...

Os camaradas que morreram na estrada de Piche, esses, "morreram pela Pátria" ou  "em nome da Pátria"... Malta que morreu, calcinada na Chaimite, vai fazer 44 anos dentro de dias, se não erras as contas (*). Ainda conviveste com os dois furriéis do Erec de Bafatá...

Já o teu general não estava lá... O outro nunca o viste... Não gostava de andar de helicóptero, a rasar a copa das árvores...  Também já não havia patacão para o "pitrólio".

15/3/2018

Fazes horas… Meu estúpido, que raio de expressão?!... Se tu soubesses em que ano, mês, semana, dia ou hora a morte te vinha bater à porta, já tinhas dado um salto mortal no sofá, impulsionado por uma mola...E programado os últimos dias ou meses que te sobravam para viver… 

Ninguém entra em pânico com esta hipótese,  felizmente teórica, a não ser quando o verídico final do médico, do juíz ou do carrasco martela nos teus ouvidos. Os médicos agora já não estão com paninhos quentes, olham-te, olhos nos olhos, e fuzilam-te:  "Tens dois ou três meses de vida, seis no máximo, trata de fazer as malas"... Que é como quem diz: "Prepara-te para a última viagem"...

 Não sabes como vai ser no teu caso. Ninguém sabe, mas  já pediste,  aquem atende os recados lá no céu,  uma "morte santa", isto é, súbita, fulminante, indolor... Sobretudo não queres sofrer. Oxalá se pudesse encomendar a morte. Como se encomenda uma piza.

A sacana da tua médica de família mandou-te ir ter com os gajos do ACP, o Automóvel Clube de Portugal, para te passarem o atestado médico a enviar ao IMT – Instituto da Mobilidade e Transportes. Vais fazer 70 anos. Ainda te faltam uns meses.  Não te irá passar o atestado médico. Tira daí o cavalinho da chuva. Diz que fazes bem em planear a tua vida. Pediste-lhe com antecedência, nesta última consulta. Mas que tem muita pena, 
não é um ato clínico, é uma ato administrativo.

Ah!, querias revalidar a carta de condução ?!...Ela diz que não pode atestar a tua validade (e, muito menos, a virilidade, a acuidade auditiva, a sanidade mental, a integridade da rede neuronal, a verticalidade da coluna vertebral, e por aí fora)…

"Estamos todos a prazo, doutora… Quem me diz que não apanho uma macacoa ou não sou atropelado à porta do centro de saúde ?!... Ainda há dias, um velhote com 90 anos, sem carta (ilegal, há mais de cinco anos!), me iam passando a ferro na passadeira… Velhote de 90 anos, um  piloto, medalhado!... Um histórico da TAP, que ainda pilotara os Super Constellation nos anos 60 e tinha saudades da Lourenço Marques do Kanimambo!"...

E tu que vais fazer setenta (no princípio de  2019, se lá chegares) ?!.. 20 anos de distância ainda é muito ano… Não é nada, idiota, é já daqui a 20 anos!... E a guerra já acabou há quase  50!...

Fazes horas!... Em vez de estares a viver intensamente o resto dos dias que te faltam para cumprir calendário… Agora vives para cumprir calendário. Para não dar cabo da estatística da esperança média de vida… Por patriotismo, para que o teu país não fique "mal na fotografia", como ficava nos anos em que tu lá andaste, português de segunda, nos Pupilos do Exército e depois na Guiné. ( Os Pupilos eram só para os filhos da arraia-miúda, sargentos e praças.)

1º cabo atirador de cavalaria!.. Não percebias por que é que vieste parar a uma companhia do arre-macho!... Substituir um camarada que, coitado,  lerpara numa mina. 

Chumbaste no Curso de Sargentos Milicianos, na especialidade. Também nunca soubeste porquê. Talvez por seres reguila demais. Sempre foste reguila.  Apanhaste uma porrada... Mesmo sendo "pilão" (aliás foste expulso, depois do 5º ano.) Felizmente, na "peluda",  não  te adiantou nem atrasou nada a "porrada" que apanhaste , em Santarém, na EPC. Já tinhas emprego. Mas podias ter ganho para um carro se fosses pago como furriel na Guiné.

Tiveste que te agarrar á fotografia. Nas horas vagas, passavas o tempo a tirar o retrato à malta... Toda a gente queria tirar o retrato para mandar para casa, no aerograma do dia seguinte, como "prova de vida"... "Estou bem, meus amores, até ao meu regresso!... Rezem por mim"... (Não se podia mandar fotografias nos aerogramas, mas a malta queria lá saber!)

Até tu, lembras-te ?!, ias fazendo um tracinho na parede, em cada semana que passava… 4 eram um mês, 48 um ano, mais coisa menos coisa… Que um gajo queria era cavar daquele campo de concentração, daquela m*rda!... E "a Pátria deles, que se f*desse"!...

Quando um gajo trabalhava, tinha horas para tudo, estava tudo planeado, regulamentado, havia normas e leis, livro de ponto,  usavas agenda e gravata, saías de casa de manhã, entravas à noite, metias-te no comboio de Sintra a caminho de Lisboa, com regresso a Rio de Mouro, a tua gaiola dourada com vista sobre o Palácio da Pena, a serra de Sintra, o pavoroso cimento a crescer  à volta, o inferno do trânsito para quem ia de carro!... 

Ainda te lembras de ver crescer Rio de Mouro,  era uma aldeia quando os teus pais se mudaram para lá, em finais dos anos 40. Foi lá que nasceste. Só depois é que te levaram para Mazouco, para frequentar a escola. 

 Um mouro de trabalho, isso sim, uma besta de carga, foi o que tu foste!... Sem sábados nem domingos, que eram dias de casórios e batizados... Para quê ?, para quem ?... E sobretudo porquê ?

Agora não já precisas da p*ta da agenda, nem de apontar o nome e o número de telefone dos clientes e fornecedores, a não ser para marcar a consulta do dentista e registares o dia e a hora da última vez em que deste uma queca! (Já nem é em feriados e dias santos, é quando calha:  telefonas-lhe, 
 ela vem ter contigo a casa, a tua "bajuda",  que conheceste por foto nos anúncios classificados no "Correio da Manhã". )

Fazes as palavras cruzadas e a sopa de letras que é para prevenir o Alzheimer, a recomendação é da tua vizinha, ainda boazona, que te faz olhinhos, vive sozinha com o cão, e trabalha lá numa  clínica manhosa da tua rua…

Agora és um cinéfilo compulsivo, vais ao cinema todas as semanas...Sempre adoraste cinema. Foste ver o filme "Três cartazes à beira da estrada"… Passa-se num cidadezinha ronceira do Missouri e há uma mãe justiceira que quer vingar a violação e a morte da filha. 

Um lugarzinho do mundo onde nunca foste, nem onde nunca irás, porque é sítio que não interessa nem ao menino Jesus. Tal como Piche e Buruntuma, Bafatá ou Nova Lamego. Ou tal como a p*ta da aldeia da tua mãe, Mazouco, lá em Freixo de Espada à Cinta onde nasceu também a tua avó e a tua bisavó (essa, nunca a conheceste). E para onde te levaram, desterrado, quando eras menino e moço.

Tal como não conheceste o filho ilustre da terra, o almirante Sarmento Rodrigues que foi governador da Guiné, nos anos 40 (coisa que não sabias, imagina!).  Nem muito menos o poeta Guerra Junqueiro (nunca te falaram dele na escola, nem nos Pupilos, em Mazouco só gozavam contigo  por seres saloio de Sintra.)

Morrerá de parto, a tua mãe, do teu mano mais novo, uns anos depois,  ainda andavas na escola,  na 4a. classe, contava-te a chorar o sacana do teu velho, que voltou logo a casar, sem chegar a fazer o luto... E te trouxe com ele de novo para a linha de Sintra. (Já nem te lembras na primeira casa onde moraste; afinal, as melhores recordações que ainda tens,  até aos 15 anos, são as dos Pupilos, onde encontraste uma segunda família.)

Cresceste sem mãe a partir dos 10 anos. A outra foi sempre madrasta… Mãe é mãe e só há uma... Também lá está a fazer tijolo, a tua madrasta, ela e o teu velho. Morreram, há uma dúzia de anos. Os dois, num acidente de carro, na autoestrada a caminho do Norte… (Um estúpido acidente com a gaja a conduzir com a mão esquerda e  com a direita a acender um cigarro, disseram-te os bombeiros; que ironia, e o teu velho que tinha sido da Brigada de Trânsito!)… 

Infelizmente, o teu velho morreu sem teres resolvido o contencioso que tinhas com ele… Nunca gostaste da gaja dele, que afinal o acabou por matar... Há anos que não falavas com ele e muito menos com ela... 

E estás com essa atravessada na tua consciência, acusa-te o teu irmão mais novo, que aparava o golpe. Sentes culpa por o teu velho ter morrido, nas circunstâncias trágicas em que morreu, sem nunca teres tido uma conversa séria com ele, nem que fosse de despedida, de filho para pai, de pai para filho... Não era pessoa fácil.  Tinha o seu feitio. Para mais  transmontano da Terra Fria, e ainda por cima cabo da  GNR...
 
E lá no Missouri, no sul, na América profunda onde nada acontece, o raio do realizador fez um filme que é um misto de tragédia, comédia, "western" e "thriller" policial. (Eh!, pá, andas a pensar fino e a falar grosso, ainda acabas em crítico de cinema… E já tens alcunha, o "Bate-Chapas", registado na Sociedade Portuguesa de Autores, para quando acabares de escrever e publicar o teu livro, "Memórias de um 'Bate-chapas' que queria ser fotocine na Guiné")…

E a propósito, achas que é um bom título para um livro sobre a guerra colonial, camarada ?... 
"Não é, não, senhor, vão-te confundir com os gajos da ferrugem… E depois é comprido demais!"... E alguém, pá , sabe o que é um  fotocine?!"...

"Bate-chapas", essa, sim, era uma especialidade dos gajos da ferrugem... Havia uma 1º cabo bate-chapas, na CCS do batalhão, que estava em Nova Lamego, mas a malta chamava-lhe o "Penedo Durão", era teu conterrâneo de Poiares, imagina como o mundo era pequeno!... (Chegaste a beber uns copos com ele, quando lá ficavas!... Perdeste-lhe o rasto,  nem sequer voltaste mais às tuas berças. )

E, de facto,  alguém sabe lá o que é um fotocine!… Tens razão, camarada. Estes putos de agora que não foram à tropa, sabem lá, esta geração do pós-25 de Abril!… Tiveram tudo, não sofreram como nós...

E, para mais, "Bate-chapas"! … Que raio de alcunha que te puseram!.. Tu nunca foste mecânico, eras operacional, 1º cabo atirador de cavalaria. (Mas puseram-te, os sacanas, uma G3 nas unhas, em vez de seres, ao menos,   um garboso apontador de canhão  de Chaimite !...  Bem podias ter ido para o EREC de Bafatá!.. O pobre do furriel Teixeira ainda é do  teu tempo!)

E foste fotógrafo nas horas vagas numa companhia de tropa-macaca. Chamavam-te "Bate-chapas", também na reinação, os "djubis" e as bajudas, por que andavas sempre a tirar fotografias, no quartel, na tabanca, nas colunas, era o teu biscate, o teu "vício", para arredondar o pré ao fim do mês, e fazer um pé de meia para as férias… 

Eras um fotógrafo compulsivo, reconheces hoje. Revelavas e expunhas as provas, numeradas, num placard que servia de mostruário. Só tiravas a pessoas,  a caras, não a paisagens.  Havia gajos que lhe chamavam o "monstruário"...

A Arminda e a garota, que tu mal conhecias (tinha escassos meses, a tua filha, quando partiste para a Guiné), ansiavam por ti, ainda faltavam dois ou três meses para vires de férias… 

Quem eram os cabos que vinham de licença de férias à metrópole nesse tempo? Só tu, que tinhas dois ordenados, e o cabo cripto, que era um gajo evoluído, com estudos como tu (por sinal,  chumbaram os dois no CSM), e o "escritas" que também comia da gamela com o "nosso primeiro"… 

E, claro, os graduados, os furriéis, os sargentos, os alferes, e o capitão no 1º ano (no segundo ano levou para lá a esposa, a "Capitoa", uma valentona que aguentou com um ataque de foguetões 120 mm que, felizmente, só deram cabo de uns poilões de uma tabanca abandonada; o que vale é que os "turras" tinham má pontaria, exceto naquele dia fatídico em que derreteram uma Chaimite, na estrada de Piche.)

Podias ter sido fotocine, sim, senhor, se tivesses tido uma boa cunha, se tivesses tido sorte na p*ta da vida, era uma rica especialidade, não saías de Bissau, quando muito terias que fazer uma ou outra sessão de projeção de cinema no mato… Ias de avião até Bafatá ou Nova Lamego, depois apanhavas uma coluna… Na outra semana, descansavas e ias beber umas "bazucas" no Pelicano ou na 5ª Rep (o Café Bento!) ou ver passar as modas no Café Império, ali ao pé do palácio do Spínola.

Lembras-te quando o teu pelotão esteve destacado em Bafatá?!... Ias á noite com o teu comandante, o "Casanova", grande p*tanheiro, ao Bataclã ( uma espécie de clube noturno lá  do bairro da Rocha)... E, 
no dia dos teus anos,  que coincidiu a um sábado, armaste-te em rico, até convidaste as gajas todas que f*diam com a tropa, para ir ao cinema, ver uma cagada de um filme cómico italiano do tempo da Maria Cachuca ?!… 

Foste tu que pagaste os bilhetes, foi bodo geral aos pobres, uma ridicularia... Os "djubis", as bajudas e as mulheres grandes, riam-se que nem uns perdidos, mesmo não percebendo patavina que os gajos e as gajas do filme diziam, em italiano, e muito menos as legendas… E o sacana do Lopes, trocista e racista, a mandar as suas bocas: "Ó Barrote Queimado, quem não sabe ler, vê os bonecos!"…

O cinema de Bafatá, a grande obra de civilização que lá deixou o "tuga" no leste… Mais a piscina, e a mesquita, e a catedral, o mercado… Nunca mais viste um filme quando a guerra começou a sério para a malta, que ainda era "periquita", e os índios e os cobóis deixaram de ter tempo para limpar as armas…


16/3/2018

Rica vida de reformado, dirás tu hoje,  a gozar contigo próprio. Dias de inverno, cinzentos e tristes, a escassos dias da primavera que há-de vir (ou não). Foi um mês em que choveu sem parar. E vai continuar a chover , pelo menos até ao dia 22, segundo viste na Net.

 Afinal, do que seria de ti sem o raio da Net, mesmo já não tendo os teus amigos virtuais do Facebook... Aliás, não tens um   amigo verdadeiro, do peito, daqueles  que te possam dar um ombro para chorar, se um dia vieres a precisar. ("Que um homem não chora, muito menos os camaradas da Guiné", dizia o "Casanova", armado em durão, um transmontano de Alfândega da Fé, se bem te lembras, que estudara para missionário ...)

Voltas a enfiar-te no "porto de abrigo" do teu centro comercial. O que dá para ver a meio da tarde, ó cinéfilo ? O filme "Post", de SpielBerg, com o Tom Hanks e a Merry Streep. 

É sobre quê ?, perguntas. O papel do jornalismo nas democracias modernas. O braço de ferro do "Whashington Post" e do poder político-militar na América que queria cortar o bico aos jornalistas.

Não é nada de empolgante, mas é importante pelo episódio (histórico) que recria: publicação, pelo "New York Times" e pelo "Washington Post", dois jornais de referência, dos papéis do Pentágono, um documento ultrassecreto feito por académicos sobre o envolvimento americano no Vietname (tal compo a gente na Guiné), desde o presidente Eisenhower. 

Os governos americanos foram-se atolando no Vietname  e as perspetivas eram claramente as de uma crescente escalada e quiçá desastre a nível politico-militar.

O estudo encomendado pelo Robert McNamara estava guardado a sete chaves até que uma cópia foi parar aos jornais… Mas há lá chaves e cofres que guardem um segredo ?!... 

Só a malta na Guiné é que foi apanhada de surpresa pelo Strela!... "Fomos apanhados a cagar!", dizia o meu comandante, o "Casanova"...E, antes, pela notícia da morte do Amílcar Cabral, nosso vizinho de Bafatá (dizia-se que a mãe vivia lá!), e depois pela declaração unilateral da independência em 24 de setembro de 1973, já depois de lhe terem limpado o sebo em Conacri, as criaturas do criador.

Mas o que é que os "pides" andavam a fazer nessa época ? E os craques da Força Aérea… não sabiam que já havia uma arma dessas, o Strela, a ser utilizada no Vietname ?... E a golpada dos capitães, não se estava mesmo a ver que um dia haveria de estoirar a bernarda ?!... E os generais e os  almirantes do Caetano  ? Onde andavam ? A arear o bronze das cruzes de guerra?... 

Andavam todos, afinal,  a brincar ao faz-de-conta!...  Por isso o Império caiu sem honra nem glória!  (Confessas que não deste conta do estrondo.)

Não te quiseram para fotocine, os sacanas  da tropa, tu que já eras fotógrafo, profissional,  na vida civil!...Com cartão passado pelo sindicato corporativo, sim, senhor!... Eras um fotógrafo encartado, fazias casamentos e batizados, tinhas um patrão, já velhote, que não podia a ir a festas, que se enfrascava todo, cortava a cabeça aos noivos com a bezana e dava cabo dos rolos… Valia-lhe o genro, que acabou por tomar conta do negócio...  E que foi o teu último patrão, ali nas Avenidas Novas, em Lisboa.

Mas, olha, safaste-te, a biscatagem deu-te para montar o teu negócio próprio, quando regressaste de vez, são e salvo, graças a Deus, benzia-se o teu velhote, amarrado a uma gaja vinte anos mais nova do que ele, e que o chupava até ao tutano… Pobre do velho que podia ter tido mais sorte na p*ta da vida!... Polícia da Brigada de Trânsito, com uma boa reforma e um bom pé de meia.  Também transmontano como a tua mãe, mas ele da Terra Fria, Vinhais.

Mais tarde, com as tuas economias todas, deixaste Lisboa e abriste uma papelaria e livraria com secção de fotografia, lá no teu bairro, em Rio de Mouro. Tal como na tropa, em matéria de fotografia, fazias tudo menos a revelação de diapositivos. 

Uma merda, afinal!... Veio depois a fotografia digital, a revelação automática, os computadores,  as impressores, o "self-service",  os centros comerciais...  

O negócio foi por água a baixo!... Os livros vendiam-se pouco, a não ser o material escolar... E a fotografia deixou de ter procura... Agora toda a gente é fotógrafo, com as máquinas digitais e os telemóveis... É só carregar no botão, e já está. E até fazem as tais selfies!

Vendeste a baiuca ainda no início da crise de 2008/2009. Que afinal veio para durar. Que tristeza, hoje recusas-te a passar por lá… Já passou por mais mãos. Agora deve ser uma loja de um chinês ou um templo evangélico ou um "fitness centre".  Valeu-te ao menos o dinheiro do trespasse, compraste títulos da dívida pública, que sempre te dão algum rendimento, no banco não vale a pena teres dinheiro, ainda tens que pagar por cima.

−Ó "Bate-chapas", tira-me aqui um chapa, e faz-me um postal com dois corações que é para mandar para a minha Maria  que vai fazer 21 anos e já pode casar comigo quando eu voltar!...

− Ó "Bate-chapas", arranja-me umas fotos das p*tas do Bataclã que é para eu mandar para o meu mano mais novo que vai às sortes, e que nunca viu uma gaja nua…

E a alcunha ficou mesmo, para o resto da vida, "Bate-chapas"... Não levas a mal. Já faz parte da tua identidade... Afinal, foste um "Bate-chapas" toda a vida... Ainda hoje te fazem uma festa quando vais aos convívios anuais do esquadrão:

− Ó "Bate-chapas", bate-me aqui uma!... ( Ainda goza contigo a velhada, quando a gente se encontra no convívio anual da companhia, este ano vai ser aqui perto, na Ericeira.)

Eras um gajo popular ( ou popularucho). Tinhas centenas, milhares,  de provas e negativos, no teu estaminé, improvisado, por detrás da caserna grande... Tinhas lá a tua "morança", de paredes de adobe, barrotes de cibe e cobertura de colmo,  com a devida autorização do capitão, a quem não levavas nada dos trabalhos fotográficos (nem a ele nem ao "nosso primeiro", nem ao "Casanova", como não podia deixar de ser)...  

Ficou tudo reduzido a cinzas quando houve aquela incêndio medonho, que até parecia um ataque dos gajos do PAIGC ao arame farpado… ("Ninguém soube como aconteceu", contaram-te depois.)

Foram muitos os palpites, mas tudo indica que tenha sido um raio numa aquelas frequentes trovoadas tropicais… Houve quem dissesse que foi sabotagem, gajos civis que trabalhavam no quartel e que eram "turras", e que terão deitado o fogo à tua palhota, quando estavas fora, a fazer segurança a uma coluna logística até Piche, ou aos trabalhos da TECNIL, no troço Piche-Buruntuma. 

Em boa verdade, não te lembras de ter inimigos..., a não ser os gajos do mato. Afinal, estavas em guerra!

Estavas já perto do final da comissão, felizmente tinhas depositado um mês antes a guita, o teu pé de meia, no BNU, uma semana em que te desenfiaste até Bissau, com a devida  licença do capitão… Ficaste de tanga, sem duas das três máquinas, sem rolos, sem laboratório, sem arquivo, sem as bugigangas que querias trazer para a família e amigos, sem trocos, sem peúgas nem cuecas… 

Até a lista dos calotes ardeu!... (Sobretudo a lista dos calotes, ainda eram uns bons contos de réis!)

 Não havia bombeiros nos nossos aquartelamentos!... E muito menos água e mangueiras e bocas de incêndio!... Qual quê ?!... "Deixa arder, que o meu pai é bombeiro!", diziam alguns gajos, cínicos e gozões, que já estavam com a cabeça feita, a pensar no avião que os levaria de regresso a casa...  (Viemos de barco, fomos de avião!)

E hoje aqui estás,  vivo, viúvo, reformado, com um pé de meia, fechado numa sala de cinema de um centro comercial, comendo pipocas para aliviar a angústia do fim de tarde… Antes de ires para casa, e aqueceres a sopa requentada que a tua empregada, guineense do Biombo ou Binar (vê lá tu!),  faz-te para toda a semana… Trabalha como segurança, de segunda a sexta, e o serviço doméstico é uma biscatagem. Ela tem um bom físico, é de origem balanta. Solteira. Mas já terá crescido em Portugal.  Veio com os pais, fugidos daquela miséria. (O avô morreu numa  mina nossa, no corredor de Guileje, em 1973, a família tem lá um papel para limpar o cu, a dizer que o homem grande foi "combatente da liberdade da Pátria"! )

De tempos a tempos, meia dúzia de vezes se tanto por ano, falas pelo Skype com a tua filha que está na Austrália, casada com um grego do Pireu... E mal conheces os teus netos que não falam português. P*rra, tens uma filha com 50 anos!... Foste pai aos 20, grande irresponsável!...

E lá vais escrevinhando o teu diário, falando em voz alta com o teu "alter ego", o mesmo é dizer, falando para as paredes do teu T2 em Rio de Mouro, agora grande demais para um homem só.

Podias ter sido um grande fotocine, um grande fotógrafo, até um grande cineasta, quem sabe ?!... Foste apenas um "Bate-chapas", na tropa, um fotógrafo de casamentos antes e depois… (aliás, toda a vida!)

Consola-te : levaste um pouco do calor da amizade e da camaradagem da Guiné a muitos lares portugueses, mães e pais, esposas, namoradas, madrinhas de guerra…, arrancaste muitos sorrisos a "djubis", "bajudas de mama firme" e mulheres grandes de teta caída… E até a homens grandes, régulos, milícias, guerreiros que habitualmente nunca sorriam... 

Foste à guerra, deste e levaste… Tiveste mulheres que gostaram de ti. Tiveste mulheres a quem pagaste para gostarem de ti. E tiveste sorte, afinal, em não ter ido para um esquadrão de cavalaria e não ter ficado esturricado dentro de uma caixão blindado como era a Chaimite, como aconteceu na emboscada na estrada de Piche (que não te sai da cabeça).

E hoje ? Nem amigos e amigas tens, do Facebook, tristes e empedernidos corações solitários… E olhas-te para o espelho e vês um gajo velho, como ó caraças!,…E  pegas no teu bilhete de identidade, que é vitalício, e a foto que lá está, não condiz com a p*ta da imagem que vês no espelho da casa de banho … O São Pedro não te vai deixar entrar no Paraíso, quando chegar a tua vez… 

Mal por mal, vais ficando por aqui, esquecido (e oxalá que ainda por uns bons aninhos!), no Limbo da Terra, depois de teres conhecido o Inferno da Guiné.  Gostavas, em todo o caso, que na tua lápide, alguém escrevesse por ti:

"Não adianta reclamar, ó 'Bate-chapas', ninguém te vai devolver o dinheiro... Não há livro de reclamações no Céu, no Paraíso ou no Olimpo dos deuses e dos heróis, como lhe queiras chamar: tu é que compraste o bilhete errado para a sessão de cinema errada… Trocaste o filme… da tua vida, ó 'Bate-chapas'! "...

(Seleção, revisão/ fixação de texto, título: LG)

2018. Revisto em 10 jun 2025.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26816: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (40): Quem não arrisca, não petisca

(**) O autor não especifica mas tudo indica tarrar-se tratou Op "Matador", em 22 de março de 1974, a um escasso mês do 25 de Abril, em que uma força constituída por 2 Gr Comb/CCaç 21 (Bambadinca), 1 Pel ERec 8840/72 (Bafatá) e o GE Mil 323 (Dunane), na sequência de uma acção de patrulhamento e segurança de itinerários na área de Bentém - Cambajá, setor L4, foi emboscada, pelas 7h45, por um grupo IN, estimadado em 200 elementos, entricheirados e armados de LGFog. As NT sofreram 6 mortos e 16 feridos (dos quais 5 graves).Foram destruídas 3 viaturas (uma Chaimite, uam White e uma Berliet) e extraviadas 3 Esp Aut "G-3", 1 metralhadora ligeira "HK-21" e 1 Emissor / Recetor "Racal TR-28". Essa emboscada é referida nas memórias do Amadu Bailo Dajló, "Guineense, Comando, Portugês, Lisba: Associação de Comandos, 2010). 

Lembre-se aqui os nomes dos nossos camaradas que tombaram nesse troço da estrada alcatroada de Piche - Nova Lamego, a 10 km depois de Bentém, antes de Camabajá (vd. carta de Nova Laemgo):

 (i) do Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria, EREC 8840/72 (Bafatá, 1973/74): os fur mil cav José António da Costa Teixeira, natural de Lousada, e Manuel Joaquim Sá Soares, natural de Santo Tirso; os sold cav, João da Costa Araújo,  sold condutor da Chaimite, natural de Ponte Lima; e Victor Manuel de Jesus Paiva, também sol cond auto rodas, natural de Castelo Branco; 

(ii) e. ainda, do recrutamento local, o sold at inf Bailó Baldé, natural de Nova Lamego, pertencente à CCAÇ 21, e ao Gr Com comandando do alf graduado comando Amadu Bailo DjalóM e o sold at art Bambo Nanqui, do 12º Pel Art / GAC 7

Escreveu o Amadu: "A minha companhia saiu uma vez com a companhia de europeis para a  zona do Gabu. Saímos de Piche, em viatufras, e cerca de cinco minutos depois caímos numa emboscada (...). Tivemos seis mortos, entre os quais o Bailo, soldado do meu grupo. Nesta emboscada perdemos um carro blindado(...)"  (op cit, pp. 271/272).

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26774: Tabanca Grande (573): António Augusto Arteiro Cardoso, ex-Fur Mil Vagomestre da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/73 (Camajabá e Piche, 1974), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 903

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, António Augusto Arteiro Cardoso, ex-Fur Mil Vagomestre da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/73 (Camajabá e Piche, 1974), com data de 5 de Outubro de 2025:

Camaradas Carlos Vinhal e Luís Graça.
Grato pelo v/ email e cá estou a dar noticias.

Os dados militares:

Furriel Miliciano com especialidade em Administração Militar (Vagomestre), na Póvoa de Varzim depois de ter feito a recruta no RI5 (Caldas da Rainha).

Fui mobilizado para a Guiné em 1973 incorporado na 2.ª CCaç / BCaç 4610/73.

Embarquei no Niassa no célebre dia em que uma explosão, tentou travar a nossa ida.

"A 9 de Abril de 1974, as Brigadas Revolucionárias realizam a sua última acção, o atentado ao navio Niassa, que ia partir com um contigente de soldados para a Guiné. A bomba tinha sido fabricada em casa de Laurinda Queirós e José Francisco, militantes do PRP/BR que integravam uma célula juntamente com Orlando Lindim Ramos, e prestavam apoio logístico a outros militantes das Brigadas.

A bomba tinha sido colocada num fato que tinha um colete integrado. O plástico cortado em fatias ia dentro do forro do colete que, por sua vez, foi por baixo do blusão do militar que estava encarregado de transportar e colocar a bomba no interior do navio, montando-a aí. A principal preocupação era que a família do soldado percebesse que algo estava errado com o fato, se o abraçassem. A bomba foi colocada no porão adaptado a dormitório dos soldados e estava preparada para explodir às 18 horas. 

Uma hora e quinze minutos antes, as Brigadas telefonaram para o Porto de Lisboa a reivindicar a colocação da bomba e a alertar para o navio ser evacuado, o que permitiu que não houvesse acidentes maiores ou danos mortais. Os danos acabaram por ser apenas materiais e depois de reparado o rombo provocado, o navio partiu para a Guiné. Poucos dias depois dá-se o 25 de Abril."

Acção de sabotagem ao navio Niassa em "Luta Armada em Portugal (1970-1974)", Tese de Doutoramento de Ana Sofia de Matos Ferreira, pág. 300

Após o IAO lá fomos para Piche e a companhia foi deslocada para Camajabá, cujo comandante era Cap Mil Inf José Emídio Barreiros Canova (de Coimbra??).

Regressei em Outubro de 1974 onde fiquei em Lisboa na Comissão Liquidatária em Campolide até fim de Janeiro de 1975.

Aqui seguem fotos de lá e uma atual.

Foto 1 > Cumeré > Durante o IAO
Foto 2 > Xime > Retirada da companhia (aqui fiquei sem a mala com os meus pertences que me foi roubada)
Fotos 3 e 4 > Comemoração da Independência em Bissau (Agosto/Setembro) 1974, em frente ao Palácio do Governador. Ao lado da bandeira do PAIGC, o meu caro amigo Furrirel Miliciano Enfermeiro Manuel Herberto Furtado, entretanto falecido.
Foto 5 > Bissau > Aguardando regresso no UIGE junto ao porto, muito perto do "PELICANO"

********************

2. Comentário do editor CV:

Caro António Cardoso,

Muito obrigado por te juntares à tertúlia do nosso blogue. Sê bem-vindo. Vais sentar-te no lugar 903 do nosso poilão.

Pertences à geração do fim da guerra, por um lado tiveram azar por irem para a Guiné a tão poucos dias do 25 de Abril de 1974, por outro tiveram sorte porque, se tiveram "guerra", foi por pouco tempo.

Desconhecemos como seria o vosso estado de espírito na altura da mobilização uma vez já havia pronúncios de que algo muito importante estava para acontecer, o regime estava a cair de podre. 

O 25 de Abril foi o fim do conflito, mas talvez não da tensão entre a tropa portuguesa e o inimigo de ontem, porque não haveria total confiança entre as partes beligerantes. Os recalcamentos contra a potência colonial, pelo povo guineense, eram por demais evidentes. Em algumas das fotos aqui publicadas, retrantando o pós 25 de Abril, vemos que a tropa do PAIGC se apresentava nos quartéis, ainda ocupados por nós, armada até aos dentes.

Tu poderás esclarecer-nos já que a maioria de nós esteve no TO da Guiné em plena querra, quando ainda valia tudo, até matar gente desarmada que apenas queria conversar, estou a lembrar-me do assassinato dos três Majores e seus acompanhantes, no chão manjaco, em Abril de 1970.

Estamos receptivo às tuas fotos que documentam os dias finais da nossa ocupação naquele pequeno território, assim como das tuas memórias escritas. Serão muito imortantes para memória futura.

Não te disse, mas és um dos poucos representantes da especialidade de Vagomestre aqui no blogue, a maioria é (foi) operacional, não me referindo só aos atiradores, mas também aos nossos queridos camaradas do serviço de saúde e aos das transmissões, duas especialidades importantes demais quando saíamos para as operações. Não vou esquecer ainda os nossos camaradas condutores, muito sacrificados também pelas minas e nas emboscadas, que não popupavam nada nem ninguém.

Dizes que moras em Esposende. Da nossa tertúlia, tens como vizinhos: o Albino Silva (1968/70), o Fernando Cepa (1967/69) e o Mário Migueis da Silva (1970/72). Se me escapar alguém, não é por desconsideração.

Termino, enviando-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
Carlos

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Nota do editor

Último post da série de 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26745: Tabanca Grande (572): Joaquim Galhós, ex-fur mil, de rendição individual, que integrou a CCAV 3420 (Pete, 3 meses), o Pel Caç Nat 57 (Cutia, 12 meses) e o BENG 447 (Brá, 9 meses): é natural do Barreiro, e senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 902

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26316: Casos: a verdade sobre... (51): a terrível emboscada na estrada Ponte Caium-Piche, em 14/6/1973 (ex-sold cond auto, Florimundo Rocha, c. 1950-2024; ex-fur mill Ribeiro, natrural de Braga, CCAÇ 35446, Piche, 1972/74)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > Dezembro de 2015 > O que resta do célebre memorial do 3º Gr Com da CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974)), dedicado aos seus mortos: "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74" (***)...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços, morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio... A trágica ocorrência foi no dia 19 de fevereiro de 1973...  O 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em 14 de junho de 1973).

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A CCAÇ 3544 (Piche e Pontre Caium, 1972/74) pertencia 
ao BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74) (***)



Florimundo Rocha
(c. 1950-2024)
1. Morreu há dois meses o nosso camarada Florimundo Rocha (ex-sold cond auto, CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74, natural de Lagoa, membro da Tabanca Grande, desde 11/4/2011 [foto à direita, Ponte Caium, 1973] (*):

Ele era um dos sobreiventes dos ocupantes do Unimog 411 ("burrinho"), que ia à frente da pequena coluna  que foi emboscada em  14/6/73, a escassos quilómetros de Pixhe.  Ele era o condutor.

Em sua homenagem, voltamos aqui a reproduzir a reconstituição desse confronto com o IN, juntando a também a versão d0 fur mil Ribeiro (natural de Braga) que ia ao lado do condutor, e que foi gravemente ferido. (**)


I. O Rocha já não se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973.


Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o “burrinho do mato”, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa, Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos…

II. Também não pode precisar a hora exata, mas terá sido depois das 9 da manhã. "Foi seguramente da parte da manhã".

Antes de partirem para Piche, uns tinham jogado à bola, e outros (uma secção) tinham ido à lenha, como era habitual… Eram actividades que eles faziam pela fresca. Lembra-se que o Torrão nesse dia estava de serviço à lenha. Quanto ao futebol, costumavam jogar, de manhã, pela fresca. O Rocha não falhava um jogo, aliás veio continuar, depois da peluda, a jogar futebol, em clubes da 2ª e 3ª divisões, no Algarve. (Ele era naturaçl de Lagoa.)


III. Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras.


Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que “malta de Buruntuma [CCAÇ 3544], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]” também vinha atrás, numa terceira viatura…

O "Wolkswagen" (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele, no Unimog 411. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores.

IV. A distância entre a primeira viatura (o Unimog 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de “80 metros”. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o “burrinho” dava, em estrada alcatroada.

O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi “na curva” que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. “Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil”… Pelo número de efectivos (falava-se no fim “em mais de 200”), está visto que a emboscada “não era para eles”, mas sim para o pessoal de Piche.

V. Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na “zona de morte”, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. 

O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo (da estrada Ponte Caiuu- Piche).  O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN.

VI. A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… 

Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash…

VII. Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada.

 Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como “dormia todos os dias, como ainda hoje dorme” (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > Da esquerda para a direita: O 1º Cabo Pinto, e os soldados Ramos, Cristina (segurando granadas de morteiro 60), o "Wolkswagen#, o Fernandes, de pé (outro que morreu na emboscada de 14/6/1973) e o Silva ("que percorreu 18 km com um tiro no pé!")... Foto e legenda do Jacinto Cristina: falta identificar o condutor do Unimog 404.

Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


VIII. A única versão que até agora tínhamos desta emboscada, era a do Cristina (que ficou no destacamento e que, portanto, só pode contar o que lhe contaram os sobreviventes; ou do que se lembra dessas versões, e que já aqui resumimos, em tempos:

(...) “Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo ‘estimado em 400’ elementos IN (ou ‘turras, como a gente lhe chamava’)...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlô e o Fernandes foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.

(...) “Com as granadas de mão dos mortos, o 'Wolkswagen' conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levo um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento”...


IX… E voltamos ao monumento erigido à memória dos mortos da Ponte Caium (vd. foto acima). A ideia, não há dúvida, “foi do Alexandre”, do Carlos Alexandre, o "Peniche". que tinham conhecimentos de moldes por trabalhar na construção naval, na sua terra, Peniche.

 Ele, Rocha, também deu uma ajuda. Mas não lhe perguntem datas nem pormenores. Disse-lhe que o Cristina já não se lembrava de nada e que o Alexandre estava furioso por causa da amnésia dos camaradas.

X. Disse-me, por outro lado, que a filha ia mandar-nos as fotos pedidas, para poder entrar na nossa Tabanca Grande.

 Sentiu-se muito bem em falar comigo e contar toda esta tragédia. Estava mais calmo do que da primeira vez, em que me falou desta tragédia, emocionadíssimo. É um homem simples e franco. Pu-lo à vontade, mas ainda não consegui que ele me tratasse por tu… “Muito obrigado, o senhor (sic) tem aqui uma casa às suas ordens, quando vier a Lagoa”…

XI. Da nossa conversa, à noite ao telefone (foi ele que me ligou), fiquei a saber que, em janeiro de 1973, tinha vindo de férias à Metrópole. 

Estava, de regresso, em Piche quando se deu a tragédia que matou o furriel Cardoso, já em 19 de fevereiro de 1973. Só depois dessa data é que foi para a ponte, para onde ninguém gostava de ir. E por lá ficou até ao fim da comissão.

XII. Mas logo a seguir, aconteceu outra tragédia: a morte do Silva, apontador de canhão sem recuo… 

Morreu na sua viatura quando tentaram levá-lo, moribundo, até ao helicóptero, foram pela estrada fora, sem picar, sem segurança. Tarde demais. Um estúpido acidente, que marcou muito o grupo.

XIII. Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro “grande”, o 81…

O Rocha esclarece ainda que na foto de grupo [vd. poste P8029], não é o Santiago (que é da Covilhã), mas sim o Serra (que é de Barcelos), quem aparece à esquerda, de pé…

XIV. Nunca foi a um convívio do batalhão ou da companhia. Voltei a dar-lhe os contactos telefónicos do Jacinto Cristina. Tentara ligar para o fixo, mas ninguém atendeu. Em, contrapartida, já tinha falado com o Alexandre (ou o Alexandre com ele), o "Peniche"….

Sobre a ponte diz que era de boa construção, dos princípios dos anos 60. “Até se dizia que tinha sido construída pelo Amílcar Cabral”… Rectifiquei: o Cabral não era engenheiro de pontes, mas agrónomo… Não bate certo…

XV.  Outras memórias da ponte: O gen Spínola um dia aterrou lá, estavam a jogar futebol… Usavam todos barba e cabelo compridos. 

Não havia barbeiro. O Spínola deu uma piada qualquer, ia de heli para Buruntuma.

XVI. Despedi-me do Rocha, para o poupar, mas com a promessa de voltarmos a falar, com mais tempo e vagar. Percebo que lhe fazia bem. 

E que, por outro lado, só lhe interessa a verdade dos factos… Parece ter boa memória fotográfica.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > 3º Grupo de Combate (Os Fantasmas do Leste) > Destacamento da Ponte de Caium > 1973 > Álbum fotográfico do Florimundo Rocha >  A famosa equipa de futebol: 

"Em primeiro, ao centro, o Rocha, o dono da bola, à direita o José Alberto, à esquerda o Pinto [que o Jacinto Cristina voltou a reencontrar 38 anos depois]. 

"De pé, na segunda fila, à direita, o Barbeiro, o furriel Barroca, o Santiago que tem a fita na cabeça, e o furriel Ribeiro" (Legenda: Carlos Alexandre, Peniche).


Foto: © Florimundo Rocha (2011). Todos os direitos reservados .
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Reproduzimos a seguir o comentário do ex-fur mil Ribeiro, que vive hoje em Braga, e que pertencia ao 3º Gr Comb ("os Fantasmas do Leste") da CCAÇ 3546 (Piche e Ponte Caium, 1972/74), ao poste P8061 (****). 

É pena não haver mais versões,  que nos permitissem, por exemplo, confirmar a alegada participação de cubanos e a  crueldade dos tiros de misericórdia aos moribundos (cujos cadáveres terão sido depois retalhados com rajadas de Kalash, com requintes de selvageria) (*****).

A única informação de dispomos, do lado do exército, é a que é reproduzido pela CECA (2015):  não bate certo com as versões aqui apresentadas, que falam em quatro mortos (o 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos), quatro feridos graves, evacuados para o HM 241 (o fur mil Ribeiro, mais o   Algés, o Silva e o Rolo), e um Unimog 411 destruído por LGFog RPG...

Além disso, os militares emboscados não podiam perfazer dois grupos de combate: só havia um destacado na Ponte Caium (er alguns militares tiveram que lá ficar para assegurar a sua defesa, como foi o caso do Jacinto Cristina, que era municiador de morteiro 81, e o Sobral, que era o apontador)...  

Segundo o testemunho reproduzido a seguir, do ex-fur mil Ribeiro (e que bate certo com a informação que me deu em tempo o Jacinto Cristina), o destacamento da Ponte Caium foi a Piche com um "seção reforçada", num Unimog 411 (e uma Berliet de Camabajá (carregada com materiais de construção). 

Fazer uma coluna destas, numa distância de mais de 20 km, com um "burrinho" e uma secção, era temerário... Dá impressão que alguém (o comando do BCAÇ 3833, ou o comandante da CCAC 3546) quis "branquear" a situação... 

"Acção - 14Jun73

Pelas 08h45, na região de Copiró 
 [e não Capiró] sector L4, na área de Piche, 2 GComb / CCaç 3546 foram emboscados por um grupo inimigo que causou às NT 3 mortos, 2 feridos graves e 14 feridos ligeiros na região de Copiró. 1 viatura "Unimog" das NT ficou danificada."


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 302 (Com a devida vénia...).


3. Comentário do fur mil Ribeiro, 3º Gr Com / CCAÇ 3546 (****):

Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973:

Ponto nº I:

(…) “O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o ‘burrinho do mato’, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa. Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos” (…) (FR).


Quem ia de pé ao teu lado era eu, furriel Ribeiro; atrás, sentados do lado esquerdo (da morte), ia o Fernandes, o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram; e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta.


Ponto nº III :

(…) “Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que ‘malta de Buruntuma [CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]’ também vinha atrás, numa terceira viatura… O 'Wolkswagen' (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores” (…) (FR).


Nós fomos a Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso, do 1º pelotão, chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um Unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos. Não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma Berliet de Camajabá.

Ponto nº IV:

(…) “A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de ‘80 metros’. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o ‘burrinho’ dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi ‘na curva’ que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. ‘Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil’… Pelo número de efectivos (falava-se no fim ‘em mais de 200’), está visto que a emboscada ‘não era para eles’, mas sim para o pessoal de Piche. (…) (FR).


A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que, não se sabe porquê!, foi anulada em Nova Lamego.


Ponto nº V:

(…) “Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na ‘zona de morte’, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN. (…) (FR).


O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha.

 Ponto VII:

(…) Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como ‘dormia todos os dias, como ainda hoje dorme’ (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)… (FR).


Ó Rocha, não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu.


Ponto XIII:

(…) “Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro ‘grande’,  o 81” (…) (FR).


Os Furriéis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão; passada uma semana foi o pelotão com o furriel Barroca para a Ponte Caium e eu, furriel Ribeiro,  fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler […] (codificar e descodificar mensagens ). Estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o furriel Barroca.



4.  Comentário do editor:

Não temos aqté  agora (passados 13 anos!) qualquer contacto do Ribeiro (telemóvel, telefone, email...), a não ser este comentário. Dizem-nos que vive em Braga. Mas sabemos que é leitor do nosso blogue. 

Aproveitámos, na altura, em 2011,  para lhe agradecer os preciosos esclarecimentos adicionais que veio trazer sobre esta emboscada de que ele felizmente escapou, embora ferido com gravidade.

 Não é fácil "voltar ao passado" e reviver momentos terríveis como este. Mais um razão para o Ribeiro se juntar â nossa Tabanca Grande, composta na sua grande maioria por camaradas da Guiné, de diferentes épocas da guerra, de 1961 a 1974, e de diferentes lugares, de norte a sul, de leste a oeste... Continua  de pé o nosso convite,s e por acaso ele nos voltar a ler.
 




Guiné > Zona Leste >  Região de Gabu > Carta de Piche (1957) (escala 1/50 mil) > Local provável, assinalado a vermelho,  na zona de Copiró, da emboscada, levada a cabo por um forte dispositivoo do PAIGC, integrando "cubanos", a "três ou quatro quilómetros de Piche", a seguir a a um curva, do lado esquerdo da estrada (alcatroada) Ponte Caium-Piche, em 14 de junho de 1973. 

 O troço Ponte Caium-Buruntuma não estava alcatroado em 1974 (segundo o depoimento do Rocha). Repare-se que estamos perto da fronteira com a Guiné Conacri, na direcção sudeste (para onde terão retirado as forças do PAIGC, que seriam  c. de 200, segundo a versão do Rocha, um número de qualquer modo impossível de confirmar).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

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Notas do editor:



Vd. também poste de 24 de março de 2010 > Guiné 64/74 - P6042: Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina, natural de Ferreira do Alentejo, CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74): Foi soldado atirador, mas a guerra fê-lo padeiro...

(*****) Último poste da série > 4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré