sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9210: (De)caras (9): Ainda a fatídica emboscada de 14/6/1973, na estrada Ponte Caium-Piche (ex-Fur Mil Ribeiro / ex-Sol Cond Auto Florimundo Rocha)






Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Foto do álbum do Jacinto Cristina... Julgamos que esta foto  é do 3º Gr Comb a que pertencia o Jacinto... Não conseguimos ainda identificar os camaradas... Não se descortina, entre eles, nenhum graduado, chefe de secção, muito menos o comandante de pelotão... Alguns destes homens poderão não ter regressado a casa, tendo morrido na terrível emboscada de 14 de Junho de 1973...

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > 3º Grupo de Combate > 1973 > Álbum fotográfico do Florimundo Rocha> Antes duma partidinha de futebol no campo pelado anexo à Ponte... A legenda é do Carlos Alexandre, de Peniche: "Temos o Rocha ao centro, à direita o José Alberto, à esquerda o Pinto. Em cima, à direita, o Barbeiro, o furriel Barroca, o Santiago que tem a fita na cabeça, e o furriel Ribeiro, [o único que está de camisola, branca]".


Foto: © Florimundo Rocha (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Comentário do ex-Fur Mil Ribeiro, que vive hoje em Braga, e que pertencia ao 3º Gr Comb ("os Fantasmas do Leste")  da CCAÇ 3546 (Piche e Ponte Caium, 1972/74),  ao poste P8061 (*):


Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973:


Ponto nº 1: 


(…) “O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o ‘burrinho do mato’, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos” (…) (FR).


Quem ia de pé ao teu lado era eu, Furriel Ribeiro; atrás, sentados do lado esquerdo (da morte), ia o Fernandes, o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram; e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta. 


Ponto nº 3 : 

(…) “Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que ‘malta de Buruntuma [, CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [, outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]’ também vinha atrás, numa terceira viatura… O Wolkswagen (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores” (…) (FR).



Nós fomos a Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso, do 1º pelotão, chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um Unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos. Não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma Berliet de Camajabá.

Ponto nº 4:

(…) “A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de ‘80 metros’. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o ‘burrinho’ dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi ‘na curva’ que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. ‘Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil’… Pelo número de efectivos (falava-se no fim ‘em mais de 200’), está visto que a emboscada ‘não era para eles’, mas sim para o pessoal de Piche. (…)  (FR).



A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que, não se sabe porquê!, foi anulada em Nova Lamego.


Ponto nº 5: 

(…) “Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na ‘zona de morte’, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN. (…) (FR).



O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha. Ponto 7: 

(…) Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como ‘dormia todos os dias, como ainda hoje dorme’ (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…  (FR).



Ó Rocha, não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu. 


Ponto 13:

(…) “Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro ‘grande’, o 10,7” (…) (FR).



Os Furriéis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o Furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão; passada uma semana foi o pelotão com o Furriel Barroca para a Ponte Caium e eu Furriel Ribeiro fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler […] (codificar e descodificar mensagens ). Estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o Furriel Barroca.


Um abraço para todos os camaradas,


Furriel Ribeiro


2. Comentário do editor:

Não temos qualquer contacto do Ribeiro (telemóvel, telefone, email...), a não ser este comentário. Dizem-nos que vive em Braga. Mas sabemos que é leitor do nosso blogue. Aproveitamos para lhe agradecer os esclarecimentos adicionais que veio trazer sobre esta emboscada de que ele felizmente escapou,  embora ferido com gravidade. Não é fácil "voltar ao passado" e reviver momentos terríveis como este. Mais um razão para o Ribeiro se juntar aos 531 membros desta Tabanca Grande, a grande maioria deles camaradas da Guiné, de diferentes épocas da guerra, de 1961 a 1974, e de diferentes lugares, de norte a sul, de leste a oeste... Fica aqui formalizado o convite. Um grande Alfa Bravo. L.G.



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Notas do editor:

Sem comentários: