Caros ex-camaradas de Armas
GRATIDÃO; é a palavra que a emotividade, condicionante de expressar o que pretenderia expressar aos ex-camaradas Luis Graça, Carlos Vinhal e Virginio Briote, por terem acolhido e incentivado o meu pedido de pertencer a este blogue de cariz grandemente socializante e de uma solidariedade incomensurável e que em mim fortalece um dos factores estruturantes do meu pensamento, “este Mundo pode ser sempre melhor”.
Não posso deixar de elogiar a excelente ideia e a extraordinária qualidade deste espaço criador de imensa empatia. Bem hajam!
P.S. – O meu estado de saúde actual não me permite, mas hei-de comparecer aos convívios que me permitam conhecer pessoalmente extraordinários seres humanos.
Em anexo: - Uma das esparsas memórias da minha passagem pela tropa. Tenho algumas escritas e já a esmo por um imenso grupo de folhas soltas. Algumas são perfeitamente rocambolescas e outras de momentos agradáveis; enfim sempre foram oito anos.
Com um abraço fraterno
Carlos Rios
FRAGMENTOS DA MINHA PASSAGEM PELA TROPA (1)
Saída para o mato em noite de tempestade
Hoje, por sobre o aquartelamento e redondezas desencadeou-se um tremendo temporal que faz desta noite um tempo de temores e sobressaltos, tal é a quantidade de água da chuva que mais parece uma catadupa permanente que se abate sobre tudo, acompanhada do mais rigoroso trovejar e com relâmpagos, com só vi na Guiné, e que são de tal modo que se vêem em sequência por centenas de metros iluminando tudo até para lá da pista de aterragem, a ponto de se entreverem difusamente os contornos do início da floresta da Bianga .
Tite > Junho de 1965 > Uma noite de tempestade
Foto: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservadosTudo se me afigura intimador e desconhecido. Entretanto já bastante tarde foi mandado chamar o nosso guia, Malam Sanhã. Era um homem já de idade (um homem grande) de porte altivo e forte presença, era muçulmano e usava os trajes condizentes, homem de poucas palavras, aceitava a missão de nos guiar e encaminhar para os locais onde pretendíamos agir sem o mínimo comentário; entendia-nos perfeitamente.
Reunida a Companhia, já transformada em três pelotões, e mesmo em face aquelas inóspitas condições, lá tivemos que sair para o mato, sendo que apenas saímos com dois grupos acompanhados dos sempre presentes elementos das milícias, com alguns dos quais estabeleci fortes laços de amizade, e alguns carregadores que sempre nos acompanhavam, (estes elementos eram recrutados entre a população e iam sem qualquer armamento levando em bolsas adaptadas as granadas de Bazooka e de morteiro e aos quais era pago uma quantia ridícula; desta vez tive ao vir atrás trocar impressões com alguns camaradas, pois o meu lugar era como de costume o segundo, no caso logo atrás do Malan, a desdita de verificar que um destes pobres apresentava indícios de sofrer de poliomielite ou qualquer outra doença, pelo que lhe era bastante difícil caminhar; mas coitado pelos míseros pesos=escudos que iria receber lá ia sujeito a por ali ficar. Que desumanidades cometemos.
Lá avançámos a caminho do objectivo debaixo daquela tempestade do fim do Mundo, encaminhamo-nos, depois de atravessar a tenebrosa mata da Bianga, período durante o qual se afastou o temporal a que se seguiu um opressivo silêncio e escuridão de tal monta que tivemos de nos agarrar todos ao elemento da frente e onde amiudadas vezes caíamos ou batíamos com a cara na coronha da arma desse elemento. Valeu-me nesta aflição ser o segundo logo atrás do Malan Sanha e as suas roupas serem mais claras. Aproximamo-nos do Rio Geba e ouviam-se nitidamente, para além de indecifráveis e misteriosos ruídos, uns estalos secos, que mais pareciam tiros à distância.
Questionei o Malan Sanha!
E este na sua superioridade cultural e calma placidez apenas disse:
- É a mar… Rios, é a mar…
É verdade, os estalidos provinham do tarrafo que crescia a esmo à beira dos canais do Geba e em todas as enchentes de maré estalavam muitos e provocavam aqueles ruído seco.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9134: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (5): A atribuição de Cruz de Guerra e apresentação de quadros diversos
1 comentário:
Caro camarigo Carlos Rios
Depois da leitura do relato geral da tua vivência na Guiné, surgem agora as pequenas histórias, os pequenos pormenores.
Ambas são complementares.
Se as primeiras revelam a nossa ânsia em 'despejar' o que a memória guardou e que tem uma necessidade quase imperiosa de, finalmente, se revelar na plenitude, já que na sua larga maioria ou não se falou disso ou foram apenas alguns fogachos, a segunda, a das pequenas histórias, revela que a catadupa de recordações já fluiu e agora, com serenidade, surgem esses momentos que pareciam esquecidos mas que tomam toda a sua força.
Esta história termina com a 'oposição' entre o mar e o 'rios' mas antes há uma excelente descrição da prodigalidade da natureza que a nós tanto impressionou (e afectou) e de que temos dificuldade em descrever para quem não assistiu.
Abraço
Hélder S.
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