IN MEMORIAM
General Ricardo Durão
(1928-2021)

In Memoriam
General Ricardo Durão, meu Comandante, meu Camarada na Guerra da Guiné
Faleceu sexta-feira, dia 22, aos 92 anos de idade.
A notícia é oriunda do Comité Olímpico de Portugal… como atleta da modalidade de pentatlo moderno, que representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952.
O cidadão Ricardo Durão era mais que atleta – era um militar português de primeira água.
Eis o que conheci dele.
Em meados de 1965, o meu Batalhão foi colocado no sector do Leste da Guerra da Guiné, sediado em Nova Lamego, as suas subunidades em Madina do Boé, Beli, Camajabá, Buruntuma, etc. e a unidade foi perdendo o brio e o moral, reflexo de um comando omisso, e, sobretudo, das idiossincrasias do seu 2.º comandante.
Aguentei a crise aguda de paludismo, mas em sequela fiquei muito debilitado, os rins afectados, as costas curvadas e arrimava-me a um cajado, para me deslocar. O sempre solícito Alferes-Dr. João Sequeira – está de saúde e recomenda-se, ainda operacional lá para os lados de Almada - receitou-me um tratamento externo, na Missão do Sono – cheguei a Nova Lamego no dia a seguir ao da tomada do Major Ricardo Durão do posto Segundo-comandante, o QG tinha posto os patins ao que viera substituir.
A CCS Jogava futebol a meio da manhã, ele vinha participar, notou-me entre os poucos assistentes, quis saber o que tinha e disse-me que podia contar com ele. Era um superior de outro campeonato!
O jogo decorria, subitamente o capitão das “Informações e Operações” "fez-se” ao cabo mecânico e berrou: - Fora, rua!
- Meu Major, ele “espetou-me uma pantufada!
- Sentença do Major: - Nosso cabo, entre! Nosso capitão, isto não é para senhoras, saia!
Todos emudeceram de espanto – e disputa continuou e mais dura.
O tratamento era doloroso, aplicavam-me umas injecções parecidas com azeite que me paralisavam as ancas, além de paralítico ceguei durante dois ou três dias e todas as manhãs o Major Durão vinha interessar-se pelos externos pacientes – éramos quatro. Em menos de um mês o Batalhão estava galvanizado e tornou-se notória a exultação pela mudança dos capitães operacionais – Fernando Lacerda e Fernando Ataíde, ainda bem vivos e recomendam-se.
Nós viemos embora e o Major Ricardo Durão foi para o QG.
Recordo o seu aparecimento na TV, como delegado da JSN no Ministério do Trabalho, com a farda n.º 1, os galões de Tenente-coronel e a sua explicação que também era trabalhador e aquela a sua roupa de trabalho e a reportagem da sua ida a Tancos com o Capitão Salgueiro Maia, no contexto do 11 de Março de 1975 – foi metido na prisão, mas, com o seu depoimento, salvou dessa sorte aquele seu subordinado, aquele valente e honesto “capitão de Abril”.
O Capitão Salgueiro Maia nunca mais foi o mesmo, após os eventos daquele 11 de Março.
Noutro contexto, comovi-me, ao ver o já General Ricardo Durão, de lágrimas a deslizar no rosto e a dizer, na sua sinceridade, sem ódio nem rancor, ter sido metido no Forte de Caxias, obrigado a despir-se, a ficar nu em pêlo, para ser escarnecido pelos “revolucionários”…
Descanse em paz, General Ricardo Durão. Sentidos pêsames à sua Família.
Manuel Luís Lomba
********************
GENERAL RICARDO DURÃO
- Nasceu em Setúbal em 13 de Junho de 1928.
- Fez os estudos primários em Setúbal e os secundários no Colégio Militar (1938-45).
- Frequentou os Preparatórios Militares na Faculdade de Ciências de Lisboa (1945-46) e de Coimbra (1946-47) e completou o Curso de Cavalaria em 1950.
- Foi promovido sucessivamente a Alferes (1950), Tenente (1952), Capitão (1959), por distinção por feitos em campanha a Major (1965), Ten. Coronel (1969), Coronel (1974), Brigadeiro (1978), General (1983).
- Como Oficial General desempenhou as funções de Comandante da Região Militar Sul (1979/81), Director do Serviço de Justiça e Disciplina do Estado Maior do Exército (1981/83), Director da Arma de Cavalaria (1983/84), Comandante da Região Militar de Lisboa/Governador Militar de Lisboa (1984/87), Juiz Vogal do Supremo Tribunal Militar (1987/93).
- Cumpriu as seguintes comissões no Ultramar: Comandante de Companhia de Cavalaria 122 em Angola (1961/63), Oficial de Operações do Batalhão de Cavalaria 757, 2.º Comandante do Batalhão de Cavalaria 705, Chefe da Secção de Contra-Informação/Repartição de Informações do QG do Comando Territorial Independente da Guiné (1965/67), Chefe da Repartição de Operações do QG do Comando-Chefe da Guiné (1968/70), Comandante Militar de S. Tomé e Príncipe (1971/74).
- Tem averbado 22 louvores individuais (sendo 9 de Oficial General, 3 de Chefe do Estado-Maior do Exército e 3 de Ministro) e 2 colectivos da Companhia de Cavalaria que comandou em Angola.
- Após 25 de Abril de 1974 desempenhou funções de Delegado da Junta de Salvação Nacional no Ministério do Trabalho e foi Delegado da Assembleia do MFA, eleito na Região Militar de Tomar (1974-1975).
- Transitou para a situação de Reserva em 1987 e passou à Reforma em 1995.
Com a devida vénia a Gugol Livreiros
____________
Nota do editor
Último poste da série de 24 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21802: In Memoriam (382): Isabel Levezinho (1952-2020): (e)terna lembrança, um mês depois da sua partida para a última viagem, sem regresso, que um dia todos teremos de fazer (Luís Graça)