IN MEMORIAM
General Ricardo Durão
(1928-2021)
1. Em mensagem de 23 de Janeiro de 2021, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu"), enviou-nos este texto de homenagem ao General Ricardo Durão, que foi 2.º Comandante do BCAV 705, falecido no passado dia 22.
In Memoriam
General Ricardo Durão, meu Comandante, meu Camarada na Guerra da Guiné
Faleceu sexta-feira, dia 22, aos 92 anos de idade.
A notícia é oriunda do Comité Olímpico de Portugal… como atleta da modalidade de pentatlo moderno, que representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952.
O cidadão Ricardo Durão era mais que atleta – era um militar português de primeira água.
Eis o que conheci dele.
Em meados de 1965, o meu Batalhão foi colocado no sector do Leste da Guerra da Guiné, sediado em Nova Lamego, as suas subunidades em Madina do Boé, Beli, Camajabá, Buruntuma, etc. e a unidade foi perdendo o brio e o moral, reflexo de um comando omisso, e, sobretudo, das idiossincrasias do seu 2.º comandante.
Aguentei a crise aguda de paludismo, mas em sequela fiquei muito debilitado, os rins afectados, as costas curvadas e arrimava-me a um cajado, para me deslocar. O sempre solícito Alferes-Dr. João Sequeira – está de saúde e recomenda-se, ainda operacional lá para os lados de Almada - receitou-me um tratamento externo, na Missão do Sono – cheguei a Nova Lamego no dia a seguir ao da tomada do Major Ricardo Durão do posto Segundo-comandante, o QG tinha posto os patins ao que viera substituir.
A CCS Jogava futebol a meio da manhã, ele vinha participar, notou-me entre os poucos assistentes, quis saber o que tinha e disse-me que podia contar com ele. Era um superior de outro campeonato!
O jogo decorria, subitamente o capitão das “Informações e Operações” "fez-se” ao cabo mecânico e berrou: - Fora, rua!
- Meu Major, ele “espetou-me uma pantufada!
- Sentença do Major: - Nosso cabo, entre! Nosso capitão, isto não é para senhoras, saia!
Todos emudeceram de espanto – e disputa continuou e mais dura.
O tratamento era doloroso, aplicavam-me umas injecções parecidas com azeite que me paralisavam as ancas, além de paralítico ceguei durante dois ou três dias e todas as manhãs o Major Durão vinha interessar-se pelos externos pacientes – éramos quatro. Em menos de um mês o Batalhão estava galvanizado e tornou-se notória a exultação pela mudança dos capitães operacionais – Fernando Lacerda e Fernando Ataíde, ainda bem vivos e recomendam-se.
Nós viemos embora e o Major Ricardo Durão foi para o QG.
Recordo o seu aparecimento na TV, como delegado da JSN no Ministério do Trabalho, com a farda n.º 1, os galões de Tenente-coronel e a sua explicação que também era trabalhador e aquela a sua roupa de trabalho e a reportagem da sua ida a Tancos com o Capitão Salgueiro Maia, no contexto do 11 de Março de 1975 – foi metido na prisão, mas, com o seu depoimento, salvou dessa sorte aquele seu subordinado, aquele valente e honesto “capitão de Abril”.
O Capitão Salgueiro Maia nunca mais foi o mesmo, após os eventos daquele 11 de Março.
Noutro contexto, comovi-me, ao ver o já General Ricardo Durão, de lágrimas a deslizar no rosto e a dizer, na sua sinceridade, sem ódio nem rancor, ter sido metido no Forte de Caxias, obrigado a despir-se, a ficar nu em pêlo, para ser escarnecido pelos “revolucionários”…
Descanse em paz, General Ricardo Durão. Sentidos pêsames à sua Família.
Manuel Luís Lomba
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GENERAL RICARDO DURÃO
- Nasceu em Setúbal em 13 de Junho de 1928.
- Fez os estudos primários em Setúbal e os secundários no Colégio Militar (1938-45).
- Frequentou os Preparatórios Militares na Faculdade de Ciências de Lisboa (1945-46) e de Coimbra (1946-47) e completou o Curso de Cavalaria em 1950.
- Foi promovido sucessivamente a Alferes (1950), Tenente (1952), Capitão (1959), por distinção por feitos em campanha a Major (1965), Ten. Coronel (1969), Coronel (1974), Brigadeiro (1978), General (1983).
- Como Oficial General desempenhou as funções de Comandante da Região Militar Sul (1979/81), Director do Serviço de Justiça e Disciplina do Estado Maior do Exército (1981/83), Director da Arma de Cavalaria (1983/84), Comandante da Região Militar de Lisboa/Governador Militar de Lisboa (1984/87), Juiz Vogal do Supremo Tribunal Militar (1987/93).
- Cumpriu as seguintes comissões no Ultramar: Comandante de Companhia de Cavalaria 122 em Angola (1961/63), Oficial de Operações do Batalhão de Cavalaria 757, 2.º Comandante do Batalhão de Cavalaria 705, Chefe da Secção de Contra-Informação/Repartição de Informações do QG do Comando Territorial Independente da Guiné (1965/67), Chefe da Repartição de Operações do QG do Comando-Chefe da Guiné (1968/70), Comandante Militar de S. Tomé e Príncipe (1971/74).
- Tem averbado 22 louvores individuais (sendo 9 de Oficial General, 3 de Chefe do Estado-Maior do Exército e 3 de Ministro) e 2 colectivos da Companhia de Cavalaria que comandou em Angola.
- Após 25 de Abril de 1974 desempenhou funções de Delegado da Junta de Salvação Nacional no Ministério do Trabalho e foi Delegado da Assembleia do MFA, eleito na Região Militar de Tomar (1974-1975).
- Transitou para a situação de Reserva em 1987 e passou à Reforma em 1995.
Com a devida vénia a Gugol Livreiros
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21802: In Memoriam (382): Isabel Levezinho (1952-2020): (e)terna lembrança, um mês depois da sua partida para a última viagem, sem regresso, que um dia todos teremos de fazer (Luís Graça)